Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
979/13.2TJPRT-E.P1.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: SOUSA LAMEIRA
Descritores: INVENTÁRIO
OFENSA DO CASO JULGADO
PROVA PERICIAL
BEM IMÓVEL
AVALIAÇÃO
CADUCIDADE DA AÇÃO
INOFICIOSIDADE
LIBERALIDADE
DOAÇÃO
RELAÇÃO DE BENS
INDIVISIBILIDADE
INTERESSADO
LICITAÇÃO
DUPLA CONFORME
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
Data do Acordão: 10/24/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
I. Ainda que o recorrente invoque a existência de violação de caso julgado, a revista é inadmissível, não sendo possível conhecer-se do seu objecto, se o Acórdão recorrido respeitou escrupulosamente as decisões anteriores, remetendo inclusive para as mesmas.

II. Para que ocorra fundamentação essencialmente diferente, impeditiva da dupla conforme, é necessário que as decisões em confronto tenham seguido um caminho distinto e diferente para se chegar à mesma decisão, o que não sucede pelo facto de o Acórdão ter utilizado mais um argumento do que a decisão da primeira instância pois que a circunstância de a primeira instância nada ter dito sobre um argumento usado pela Relação não é motivo suficiente para se considerar que a fundamentação é essencialmente diferente.

III. Para efeitos do artigo 629 n.º 2 al. d) do CPC não é qualquer contradição que releva, importando que a contradição tenha sido relevante, fundamental e decisiva para a decisão em ambos os Acórdãos, ou seja a questão de direito tem de ter constituído o fundamento decisivo para a resolução do litígio em ambos os Acórdãos.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


I – RELATÓRIO

l. Em 14/06/2013, AA, residente na Rua ..., ..., requereu inventário por óbito de BB, mencionando que aquele faleceu em .../12/2000, no estado de casado em segundas núpcias com CC, sendo ele, requerente, filho do de cujus, deixando pelo menos um bem.

São igualmente interessados um meio-irmão do requerente, filho do inventariado e da sua 2.ª esposa, DD e dois irmãos, EE e FF.

2. Em 11/09/2013 foi nomeada cabeça-de casal a indicada viúva, CC que declarou:

O falecido fez uma doação a favor do filho de ambos, DD, conforme escritura junta a fls. 11 do apenso A (arrolamento), tendo deixado a suceder-lhe a ora declarante e seu filho DD, nascido em .../02/1964.

Do 1º casamento o inventariado, além do requerente do inventário, deixou mais dois filhos, conhecendo-os apenas por EE e FF.

Não existem bens a partilhar, apenas existindo passivo.

3. Em 03/10/2013, o requerente AA pediu que se proceda a redução por inoficiosidade da doação da fracção em causa, feita pelo inventariado ao interessado DD através de escritura de doação feita a 27/08/1993 e que se proceda à avaliação do referido bem, para esse efeito.

Em 25/11/2014 a cabeça-de-casal foi notificada para apresentar relação de bens, tendo a mesma referido que já o fez quando prestou declarações.

Em 12/03/2015 o Tribunal entendeu que a cabeça-de-casal não apresentou relação de bens por ter sido seu entendimento que não há bens a partilhar.

4. Foi realizada diligência de inquirição de testemunhas em virtude de ter sido deduzida oposição ao inventário por DD por entender que o direito do Requerente tinha caducado, tendo sido proferida decisão, em 27/11/2015, a julgar improcedente essa oposição.

Em 19/01/2016 o Tribunal ordenou a realização de avaliação ao indicado imóvel, com relatório junto em 09/05/2016, concluindo que o bem tinha o valor de 197 000 EUR.

Em 24/05/2016 a cabeça-de-casal e o interessado DD vieram reclamar do relatório pericial e pedir a realização de segunda perícia.

O requerente, AA, em 06/06/2016 declarou que pretendia licitar no bem doado, nos termos do artigo 1363.º, do C. P. C., devendo a avaliação ser feita por um louvado.

5. Em 21/06/2016 o Tribunal proferiu despacho no qual, atento o disposto no artigo 1369.º, do C. P. C., indeferiu a realização de segunda avaliação e ponderando a questão suscitada pela cabeça-de-casal e interessado DD (o bem deve ser avaliado à data da abertura da sucessão), determinou que o perito calculasse o valor do bem a essa data.

Em 25/05/2017, o perito informou que não conseguia avaliar o bem à data da abertura da sucessão sendo que, em consequência, a cabeça-de-casal e o interessado DD pugnaram pela realização de perícia colegial ou pela nomeação do perito que indicaram e o Requerente manifestou que o valor a atender devia ser o fixado pelo perito e que a cabeça-de-casal não fundamentou as razões da discordância com a perícia, além de já ter passado o prazo para requerer nova perícia, pelo que devia ser o pedido indeferido.

6. O Tribunal proferiu, então, dois despachos em 17/01/2018:

. um a referir que o pedido de realização de segunda perícia, formulado pela cabeça de casal e pelo interessado DD correspondia a idêntico pedido anteriormente apresentado que foi indeferido, subsistindo as razões legais de tal decisão, que assim se renovam, indeferindo o requerido, ficando a valer para todos os efeitos, a avaliação do imóvel em causa, tal como resulta do relatório, consignando-se que o valor encontrado é meramente indicativo;

. outro a referir que, sendo certo que a cabeça de casal declarou não existirem bens a partilhar a verdade é que o imóvel doado pelo inventariado deverá ser relacionado, atenta a existência de herdeiros legitimários nos termos do artigo 1345.º, do C. P. C.; desse modo, determinou que a cabeça-de-casal juntasse aos autos a relação de bens em falta, no prazo de 10 dias.

7. Em 31/01/2018 a cabeça-de-casal apresentou relação de bens onde, entre o mais, apresentou como bem doado:

. imóvel - fracção «G» composta por habitação do tipo T3, 2.º andar esquerdo, entrada n.º 650, Rua de ..., ..., descrita na C. R. P. como prédio 55, inscrito na matriz como artigo 1208-G, integrando arrecadação no entrepisos e um lugar de aparcamento no mesmo, com entrada pelo nº 31, Rua Dr. ..., com o valor, à data da doação, de 19 951,92 EUR.

8. Em 09/02/2018, o Requerente reclamou da relação de bens, alegando, em resumo:

O valor do bem doado à data da doação de era pelo menos 300 000 EUR pelo que impugna o valor atribuído, declarando que pretende licitar sobre esse bem doado;

Há outros bens que devem ser relacionados.

Impugnou também o passivo.

9. Em 20/02/2018 a cabeça-de-casal respondeu, no que importa ao valor do bem doado, que o valor que conta para os termos do inventário é o da data da abertura da sucessão e esse «já foi (mal) fixado pericialmente», pelo que esse requerimento é inútil.

Em 10/05/2018, em sede de diligência de inquirição de testemunhas, foi proferido o seguinte despacho:

«Subsistindo unicamente a questão do valor pelo qual há-de ser relacionado o imóvel doado, suscitada sob o ponto 1 (um) da relação de bens, verifica-se que a mesma já havia sido objecto de decisão, que consta na segunda parte do despacho proferido de fls. 360 e 361, no âmbito do qual considerou-se que ficaria a valer para todos os efeitos avaliação resultante do relatório pericial de meramente indicativo, pelo que se mostra prejudicada a questão em causa.

Para a realização da conferência de interessados, aprovação do passivo e eventuais licitações, designo o próximo dia 28 de Maio de 2018, pelas 10:00 horas».

10. Depois de diversas sessões de conferências de interessados em que se analisaram várias questões, em 26/09/2018 o Tribunal ordenou a junção aos autos de nova relação de bens rectificada de acordo com o que foi decidido, mormente em relação ao passivo, o que foi efectuado em 08/10/2018, sendo a descrição do imóvel doado igual à que foi anteriormente efectuada.

11. Em sessão de conferência de interessados de 22/10/2018 foram proferidos os seguintes despachos:

«Uma vez que se suscita nestes autos a questão de inoficiosidade da doação e tendo em conta que já foi efectuada a avaliação deste bem nestes autos, resta assim apurar da existência ou não da inoficiosidade da doação e bem assim da verificação da percentagem de redução a operar no caso de se verificar a referida inoficiosidade.

Assim, cumpre dar prossecução aos trâmites legais previstos designadamente nos art.ºs 1365.º e ss. do C.P.C. (redacção anterior à Lei 41/2013 de 26.06.) e proceder à realização do mapa informativo sendo que para a realização do mesmo há que proceder igualmente à forma a partilha.».

A cabeça de casal declarou prescindir de prazo para dar forma a partilha, tendo o Tribunal decidido:

«Determina-se que a forma a partilha seja feita nos seguintes termos:

- há que ter em conta que a herança a partilhar se divide em 2/3 a qual é relativa à parte legitima e portanto indisponível e o restante ¼ corresponde à parte disponível.

Assim, e no que se relaciona com a parte disponível deverá a mesma ser dividida entre o cônjuge e os 4 filhos, sendo aqui de realçar que o cônjuge não poderá ficar com a parte inferior a ¼ sendo o restante dividido em partes iguais entre os 4 filhos.

No que diz respeito à parte disponível, ou seja ¼ da herança, nesta parte deverá ser contabilizada e imputada a doação efectuada uma vez que como resulta do documento de fls. 10 e ss. do Apenso A, a doação foi feita por conta da mesma (art.ºs 2131.º e ss., 2139.º e ss., 2156.º e ss. e 2113.º e ss. do C.Civil).».

Em 29/10/2018 foi junto mapa informativo, onde se concluiu que o donatário DD excede a sua quota em 106 708,33 EUR.

12. Notificado para o efeito, veio o Requerente e outro requerer a redução da doação por inoficiosidade e, sendo o bem doado indivisível e os requerentes herdeiros legitimários, que seja aberta licitação sobre o bem, nos termos do artigo 1365.º, n.º 3, b), do C. P. C..

O Tribunal designou a realização de conferência de interessados, seguida de licitações.

Por despacho de 27/09/2019, o Tribunal declarou habilitado o adquirente/donatário DD por compra do quinhão da interessada CC, tendo sido posteriormente nomeado cabeça-de-casal o requerente AA.

Em 21/10/2020, o interessado DD, donatário, apresenta requerimento onde menciona:

. detém um quinhão na herança superior à metade da mesma sendo que os valores constantes no mapa informativo sobre os quinhões de cada herdeiro e o excesso de quinhão do ora herdeiro estão incorrectos por ainda não terem atendido à doação de quinhão hereditário de sua mãe;

. o requerente tem direito a receber 123 125 EUR, pelo que o excesso de quinhão reduziu-se para 73 875 EUR, ou seja, menos de metade do valor do bem; sobre coisa indivisível, abrir-se-á licitação sobre ela entre os herdeiros legitimários, no caso de a redução exceder metade do seu valor, pois se a redução for igual ou inferior a essa metade, fica o donatário obrigado a repor o excesso.».

. opõe-se assim à pretendida licitação sobre o bem doado;

. a redução da inoficiosidade pressupõe uma estimação rigorosa dos bens pertencentes ao Autor da herança, uma determinação exacta da sua quota disponível e o apuramento da ofensa às legítimas dos demais herdeiros;

. não havendo licitações dos bens, poderá o ora requerente ser condenado a pagar tornas de montante muito elevado e que não são devidas;

. o bem doado em causa, já sofreu uma avaliação que não foi capaz de determinar o valor reportado à data da abertura da sucessão;

. é imperioso que se determine, com rigor, e reportado à data da abertura da sucessão, o valor do bem doado, o que o requerente já fez, obtendo-se o valor de 110 000 EUR;

. face à diferença de valores, requer nova avaliação do bem doado, nos termos do disposto nos artigos 1365.º, n.º 1 e 5, 1367.º e 1368.º, do C. C..

O cabeça-de-casal opôs a tal requerimento, invocando que já estava decidido que iriam ser efectuadas licitações, as quais sempre seriam admitidas; menciona ainda que sempre pediria uma perícia colegial.

Em 16/11/2020 o interessado DD veio requerer a caducidade do direito à redução da doação inoficiosa, por ter já decorrido o prazo de dois anos desde a aceitação da herança até ao momento em que foi exercido o referido direito de redução de liberalidade pelos interessados.

O cabeça-de casal opôs-se a tal pedido.

Em sede de conferência de interessados, em 15/01/2021, atento o falecimento do interessado FF, foram habilitados como herdeiros do mesmo seus irmãos, e GG, irmã uterina do interessado falecido.

13. Em 06/06/2021 o Tribunal proferiu o seguinte despacho: «Nova avaliação do bem doado e relacionado.

Veio o interessado DD requerer a avaliação do bem doado, por o mesmo ter sido avaliado por excesso.

A questão relativa ao valor do bem doado e constante da relação de bens foi já anteriormente decidida por despacho transitado em julgado, conforme resulta do despacho constante da ata de inquirição de testemunhas datada de 10/5/2018 e com o qual as partes se conformaram, pelo que o novamente peticionado carece de fundamento legal não podendo ser atendido.

Em face do exposto, indefiro a realização de nova avaliação do bem imóvel relacionado.».

14. Em 29/06/2021, vieram DD e mulher, HH, interpor recurso do referido despacho.

Sobre tal recurso foi proferido Acórdão pelo Tribunal da Relação do Porto, em 2022/02/24, já transitado, o qual considerou ocorrer “caso julgado formal sobre esta questão (conforme artigo 620.º, n.º 1, do C. P. C., tal como no 672.º, do C. P. C./velho)”, tendo julgado “o recurso improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.”

15. Seguiram os autos a sua normal tramitação e, em 2/11/22, o Tribunal a quo proferiu despacho, do qual consta o seguinte:

“Requerimento de 11/5.

Veio o interessado DD apresentar o requerimento identificado no qual reitera o pedido de nova avaliação do bem doado, nos termos do disposto nos arts. 1365º nº 1, 2 e 5, 1367º e 1368º do Código Civil de 1961, por entender que o valor da avaliação já realizada está desactualizado na medida em que deverá corresponder ao valor do imóvel à data da abertura da sucessão (28/12/2000).

Sendo inegável a existência de uma grande diferença entre o valor da avaliação dos autos reportada ao ano de 2016 e esta nova avaliação reportada ao ano de 2000.

Apreciando.

O imóvel relacionado foi doado pelo inventariado ao interessado DD.

Tal imóvel foi avaliado no âmbito destes autos, em maio de 2016, tendo sido indicado como seu valor de mercado 197.000,00 euros.

Por requerimento de 24/5/2016, o interessado DD requereu a realização e uma segunda avaliação com fundamento em ter ocorrido avaliação por a mesma ser reportada ao ano de 2016 e não ano da abertura da sucessão, o ano 2000.

Por despacho exarado em 21/6/2016 foi indeferida a realização da segunda avaliação, mas, porém, ordenado ao Sr. Perito que calculasse o valor do bem à data da abertura da sucessão, o qual veio declarar ser-lhe impossível responder ao solicitado.

Nessa sequência veio o interessado DD reiterar o seu pedido de realização de uma segunda avaliação, a qual veio a ser, novamente, indeferida por despacho datado de 17/1/2018, tendo sido fixado como valor do imóvel o constante da avaliação efectuada.

O despacho referido foi notificado a todos os interessados sem que dele tenha sido interposto recurso.

Na diligência de inquirição de testemunhas realizada em 10/5/2018 foi novamente reiterado o despacho proferido em 17/1/2018, determinando-se, mais uma vez, que o valor do imóvel relacionado corresponderia ao valor da avaliação realizada 197.000,00 euros.

Os interessados foram notificados do despacho referido não tendo recorrido ou reclamado.

Na conferência de interessados realizada em 22/10/2018 foi proferido o seguinte despacho “Uma vez que se suscita nestes autos a questão de inoficiosidade da doação e tendo em conta que já foi efectuada a avaliação deste bem nestes autos, resta assim apurar da existência ou não da inoficiosidade da doação e bem assim da verificação da percentagem de redução a operar no caso de se verificar a referida inoficiosidade.

Assim, cumpre dar prossecução aos trâmites legais previstos designadamente nos art.ºs 1365.º e ss. do C.P.C. (redacção anterior à Lei 41/2013 de 26.06.) e que proceder à realização do mapa informativo sendo que para a realização do mesmo há que proceder igualmente à forma a partilha.", tendo sido de seguida proferido despacho determinativo da forma à partilha e ordenada a realização do mapa informativo.

Os interessados foram notificados do despacho transcrito não tendo recorrido.

Foi elaborado o mapa informativo e os interessados notificados nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 1376.º, n.º 2 e 1376 5.º, n.º 3, por remissão do art.º 1368.º, n.º 3 do Código de Processo Civil de 1961, tendo o interessado AA declarado que pretendia licitar sobre o bem doado.

Entretanto, o cônjuge sobrevivo doou ao interessado DD “o quinhão hereditário que tem na herança aberta por óbito do seu marido (…)”, tendo sido habilitado o interessado donatário em substituição do cônjuge sobrevivo do de cujus.

Foi designada nova conferência de interessados na qual foi dado a conhecer o óbito do interessado FF, tendo-se procedido à habilitação dos seus herdeiros e ordenado a citação da herdeira GG; por esse motivo foi suspensa a conferência de interessados.

Por requerimento de 21/10/2020 o interessado DD invocando essencialmente os mesmos fundamentos constantes do requerimento que agora se aprecia requereu a realização de uma segunda avaliação.

Por despacho proferido em 6/6/2021 foi indeferida a realização de nova avaliação do imóvel relacionado e ordenada a rectificação do mapa informativo atendendo à doação do cônjuge sobrevivo e ao falecimento do interessado FF.

Dessa decisão recorreu o interessado DD, tendo o recurso interposto sido admitido apenas quanto ao despacho que indeferiu a realização de uma segunda avaliação.

Por acórdão proferido pelo Tribunal da Relação em 24/2/2022 foi confirmado o despacho de indeferimento da realização da segunda avaliação, por existir caso julgado formal sobre esta questão.

De tudo o exposto, decorre que mais uma vez o pedido ora formulado pelo interessado DD, que corresponde ao pedido apresentado em 21/10/2020 (aliás, a maioria do ora afirmado é cópia do requerimento anterior) não pode ser atendido por o mesmo já ter sido apreciado diversas vezes, tendo sido diversas vezes indeferido e ter-se já formado sobre esta questão, como o referiu o acórdão do Tribunal da Relação, caso julgado formal.

Assim, indefiro a realização de uma nova avaliação do bem imóvel relacionado.

Notifique. ……

….importa referir que o direito a requerer a redução da liberalidade inoficiosa não se encontra caduco porquanto o valor do bem relacionado foi fixado, por despacho, a título definitivo, em Maio/2018, sendo que apenas em Outubro de 2018 foi determinada a elaboração do mapa informativa a fim de ser apurada a inoficiosidade e o interessado AA manifestou em Novembro/2018 a sua vontade de licitar sobre o bem doado.

16. Inconformado com o decidido veio DD interpor recurso de apelação tendo o Tribunal da Relação do Porto, por Acórdão de 30 de Maio de 2023 decidido, sem qualquer voto de vencido, julgar improcedente o recurso e confirmar a decisão recorrida.

17. Inconformado veio DD interpor recurso de revista formulando as seguintes conclusões:

1ª- Vem o presente recurso de revista impugnar as decisões proferidas no douto Acórdão recorrido, por laborar em manifesto erro relativamente a duas questões: uma, quanto à existência de ofensa a caso julgado formal, a outra, porque errou na aplicação da lei quando julgou inexistente a caducidade do direito de pedir a redução de liberalidade inoficiosa;

2ª- A admissibilidade do presente recurso de revista - em face das decisões interlocutórias apreciadas no acórdão recorrido - rege-se pelo Art.671º nº2 al. a) do CPC, ex vi art.629º nº2 als. a) e d) e Art.671º nº 1 e 3 do C.P.C.;

3ª- Quanto à questão da invocada caducidade, não obstante estarmos perante uma decisão interlocutória da 1ª instância, a mesma tem natureza material, pelo que, tendo a Relação conhecido do objecto da apelação, o presente recurso de revista obedece, assim, à regra geral do nº 1 do art.671º do CPC (neste sentido o Exmo Juiz Conselheiro Abrantes Geraldes, in “Recursos em Processo Civil”, 7ª edição, pág.413);

4ª- E, analisando-se ambas as decisões e respectiva fundamentação, constata-se que a fundamentação expressa no douto Acórdão recorrido, quanto a esta matéria, é substancialmente diversa da fundamentação utilizada no despacho recorrido;

5ª- O Acórdão recorrido fundamenta a respectiva decisão na interpretação que faz quanto à aplicabilidade do prazo aludido no art. 2178º do CC, que entende não ser aplicável às doações feitas a herdeiros legitimários;

6ª- Já o despacho recorrido proferido na 1ª instância nada refere sobre esta questão da aplicabilidade do prazo, nem quanto aos preceitos legais aplicáveis, fazendo apenas referência ao momento da fixação do valor do imóvel e ao momento em que o interessado AA manifestou a vontade de licitar sobre o bem doado, o que não releva para efeitos de aceitação da herança, conforme prevê o artigo 2178º do CC, aplicável ao caso em concreto;

7ª- Daí que, seja manifestamente notória, a diferente fundamentação utilizada nas duas decisões, o que leva, a que se considere não existir a “dupla conforme”, para os efeitos previstos no nº 3 do aludido art.671º do CPC;

8ª- Sendo, pois, admissível a presente revista, nos termos do nº 1 do art. 671º do CPC, quanto à invocada caducidade;

9ª- A admissibilidade do recurso de revista quanto à decisão de inexistir a caducidade invocada, também encontra previsão no referido Art.671º nº 2 al. a) do CPC, ex vi art.629º nº2 al. d) do CPC;

10ª- Porquanto o acórdão da Relação recorrido está em contradição com outro, já transitado em julgado, proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito. Trata-se do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 06-10-2011, proferido no processo 1948/08.0YXLSB-A.L1-2, que correu seus termos pelos Juízos Cíveis de Lisboa, Juiz 19, transitado em julgado em 21/02/2012;

11ª- Não foi proferido acórdão de uniformização de jurisprudência sobre a questão em causa;

12ª- Há evidentes aspectos de identidade que determinam a contradição do acórdão do Tribunal da Relação do Porto proferido no âmbito destes autos, com o acórdão-fundamento de 06/10/2011, do Tribunal da Relação de Lisboa;

13º- Porquanto, em ambos os acórdãos, se discute a caducidade da acção de redução de doações inoficiosas, prevista no art.2178º do Código Civil, existindo, contudo, contradição no entendimento que sufragam sobre a aplicabilidade do prazo previsto no aludido preceito, isto é, ser aplicável apenas a doações feitas a pessoas que não são herdeiras do doador ou, como se entende no acórdão fundamento, ser sempre aplicável independentemente do donatário ser herdeiro ou não;

14ª- Pelo que, também por esta via, é admissível o presente recurso de revista;

15ª- Quanto à questão do pedido de 2ª avaliação, o douto acórdão recorrido julgou o mesmo improcedente por entender existir caso julgado sobre essa questão;

16ª- E, como nos ensina o Exmo Juiz Conselheiro Abrantes Geraldes, in “Recursos em Processo Civil”, 7ª edição, pág.52, “…é sempre admissível recurso, nos diferentes graus de jurisdição, quando tenha por objecto a impugnação de decisões relativamente às quais seja invocada a ofensa do caso julgado formal ou material (arts 620º e 621º).”;

17º- A admissibilidade da presente revista, no tocante a esta questão, resulta, assim, do facto de se ter entendido que estamos perante uma ofensa do caso julgado formal;

18ª- Contudo, inexiste caso julgado formal sobre o pedido de 2ª avaliação anteriormente apresentado em 24/05/2016 e sobre o qual recaiu despacho a indeferir, já transitado em julgado, porquanto tal pedido destinava-se a corrigir, em todos os sentidos, os resultados da avaliação feita pelo perito (II);

19ª- Já o requerimento apresentado em 11/05/2022, a requerer a segunda perícia - e que originou o presente recurso - não visa uma nova avaliação ou reapreciação do valor da avaliação do imóvel existente nos autos, pretendendo-se, efectivamente, que a avaliação feita, tenha uma referência temporal diversa da que, na verdade, tem, de forma a dar cumprimento às disposições legais em causa;

20ª- O conteúdo das duas decisões são substancialmente diferentes e, não obstante o mesmo pedido, visam objectivos diferentes, com diferentes fundamentos;

21ª- Prevê o art.2109º do CC que “1-O valor dos bens doados é o que eles tiveram à data da abertura da sucessão.(…)”;

22º- O valor da avaliação feita nos autos reporta-se ao ano de 2016, quando a abertura da sucessão ocorreu no ano 2000!;

23ª- Houve, assim, em todas as instâncias um erro de julgamento pelo facto da única avaliação feita nos autos, ser ilegal, porque não avalia o bem à data da abertura da sucessão;

24ª- Os Recorrentes apenas se podem socorrer do pedido de segunda avaliação, enquanto expediente processual, para corrigir as eventuais inexatidões do resultado da primeira avaliação/perícia (Art.487º nº3 do CPC), sejam elas quais forem, e, ainda, pode ter por objecto a averiguação dos mesmos factos sobre que incidiu a primeira (cfr art.487º nº3 do CPC);

25ª- Quer isto dizer que se pode utilizar o mesmo expediente processual - o pedido de segunda avaliação ou perícia – com fundamentos totalmente diferentes e foi isso que aconteceu nos presentes autos;

26ª- O referido despacho constitui, assim, quanto a nós, caso julgado formal apenas quanto à questão concretamente apreciada, nos precisos limites e termos em que julga, isto é, quanto à decisão de indeferimento do pedido de segunda avaliação do imóvel doado, por não se concordar com o valor alcançado na primeira avaliação;

27º- Aliás, a necessária actualização do valor da avaliação constante dos autos que se impõe, e que poderia e poderá ser feita através do portal do I.N.E. (instituto nacional de estatística), não contende com a avaliação propriamente dita, na medida em que se aceita o valor da avaliação encontrado para o ano de 2016;

28º- Nesta medida, e quanto à concreta questão da 2ª avaliação, entende-se que a decisão do acórdão recorrido deverá ser revogada e substituída por outra que entendesse ser de admitir a correção da avaliação constante dos autos relativamente à referência temporal, de forma a que a avaliação se reportasse ao ano 2000, data da abertura da sucessão;

SEM PRESCINDIR

29º- A segunda questão a submeter ao superior critério deste Colendo Supremo Tribunal de Justiça, prende-se com a questão suscitada pelos Recorrentes, da caducidade do prazo para a redução da liberalidade inoficiosa - o imóvel doado - único bem relacionado nos presentes autos;

30ª- O Acórdão recorrido julgou improcedente a invocada caducidade do prazo para a redução da doação por inoficiosidade, invocando a posição de alguma Jurisprudência, que entende não ser aplicável aquele prazo, quando o donatário é herdeiro legitimário;

31ª- Estatui o art.2178º do Cód.Civil que “A acção de redução de liberalidades inoficiosas caduca dentro de dois anos, a contar da aceitação da herança pelo herdeiro legitimário.”,

32º- Resulta do referido preceito (art.2178ºCC) a existência de uma preocupação do legislador, em garantir a segurança e a certeza nas relações jurídicas;

33ª- E para este efeito, não se vislumbram quaisquer fundamentos pertinentes para se distinguir as liberalidades que beneficiem herdeiros, das liberalidades que beneficiem terceiros (neste sentido, ainda, Ac.Rel. Lisboa, de 19/10/2017, no Proc. 1208-13.4YXL.SB.L1-6; Ac.Rel. Porto, de 26/03/2009, no Agravo nº 7985/08-3, 2ª secção Cível);

34ª- Outro, dos argumentos defendidos pela Jurisprudência referida, prende-se com a redação do próprio preceito, na medida em que na letra da lei não há nenhuma distinção entre os donatários herdeiros e os donatários terceiros. E, “…onde o legislador não distingue, não cabe ao intérprete fazê-lo (ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus).” (Ac.Rel.Lisboa de 19/10/2017);

35ª- Além do processo de inventário ser a sede própria para se conhecer a inoficiosidade de liberalidades, reconhece-se, ainda, que a acção comum também será meio adequado para se discutir a questão da redução por inoficiosidade de liberalidades feitas pelo “de cujus”;

36ª- Daí que, não tem fundamento um dos argumentos das teses discordantes, de que o herdeiro pudesse se sentir pressionado a requerer o inventário para exercer o direito de redução, em prejuízo de um acordo em partilhas amigáveis. Já que poderia, sempre, lançar mão da acção comum apenas para se discutir a redução de liberalidades;

37ª- Outro dos fundamentos da decisão do acórdão recorrido, prende-se com as datas em que houve a fixação definitiva do valor do bem doado e o momento em que o interessado AA manifestou a vontade de licitar sobre o bem doado, como se a contagem do prazo de caducidade previsto no aludido art.2178º do CC, tivesse aí o seu início, o que não corresponde à verdade;

38ª- Resulta, do exposto, a aplicabilidade do art.2178º do CC à presente situação, pelo que, por ter já decorrido o prazo de dois anos desde a aceitação da herança em 2008, até ao momento da propositura do presente inventário, ou do momento em que foi exercido pelos Recorridos o referido direito de pedido de redução de liberalidade, caducou o direito dos Recorridos à redução da doação inoficiosa;

39ª- Na esteira do sufragado pelo Prof. Dr. Luís A. Carvalho, in “Lições de Direito das Sucessões”, 2ª edição, Quid Juris, 2001, pág.412, o que caduca não é a acção de redução de liberalidades, mas o direito à redução dessas liberalidades;

40ª- A douta decisão neste seu segmento, foi incorretamente julgada, por não aplicar devidamente a lei e ao mesmo tempo, por estar mal fundamentada;

41ª- Sendo aplicável ao caso em concreto o aludido preceito, importa, agora, averiguar se existe ou não a excepção de caducidade invocada pelos ora Recorrentes;

42ª- Há que determinar quando é que se deu a aceitação da herança pelos aludidos interessados AA e irmão, ora Recorridos e verificar se decorreram mais de dois anos, com referência à data da propositura da acção de inventário, pelo menos;

43ª- O inventariado faleceu em .../12/2000 e o presente inventário foi intentado em 14/06/2013, precedido por uma providência cautelar intentada em 21/05/2013; logo é inequívoco que a aceitação da herança se deu em momento anterior a 21/05/2013;

44ª- Socorrendo-nos, agora, da versão dos factos alegados pelos interessados Recorridos, desde 2005 que estes tentavam a partilha dos bens do inventariado (cfr. art.4º do Requerimento de 31/10/2013, apresentado pelos Recorridos);

45ª- E, através desse requerimento, alegam os Recorridos:

“9º Passados alguns meses, o requerente contactou novamente a cabeça de casal no sentido de procederem à partilha da herança em causa neste inventário. E assim foi sucedendo ao longo de dois/três anos.

10º Em 2008 contactou-a telefonicamente a fim de fazerem a partilha da herança, usando como mediador seu tio JJ.”

46ª- Ora, resulta do alegado pelos interessados Recorridos que, pelo menos, em 2008, houve a aceitação da herança, ao pretenderem a partilha da mesma, pois estamos perante um acto voluntário da aceitação, uma declaração de vontade expressa destinada à aquisição da herança;

47ª- Resultando, assim, que na data em que foi instaurado o presente inventário, em 2013, o prazo aludido no artigo 2178º do CC, já há muito tinha decorrido, dado que a aceitação da herança tinha ocorrido pelo menos em 2008, pelo que o direito de redução da doação pelos interessados Recorridos, já havia caducado;

SEM PRESCINDIR

48ª- Vejamos, agora, os aspectos de identidade que determinam a contradição do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto proferido no âmbito destes autos, com o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, já transitado em julgado, proferido no mesmo domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito;

49ª- Em ambos os processos, se discute a caducidade do direito de se pedir a redução de liberalidade inoficiosa, isto é, a aplicabilidade do artigo 2178º do Código Civil;

50ª- Em ambos os acórdãos, a situação enquadra-se num processo de inventário para partilha do acervo hereditário deixado pelo falecimento do pai, em que os donatários são herdeiros legitimários e em que se verifica a existência de liberalidades inoficiosas;

51ª- Discute-se, em ambas as decisões, a aplicabilidade do prazo aludido no artigo 2178º do CC, também, às doações feitas a herdeiros legitimários do doador ou se apenas se aplica a doações feitas a terceiros;

52ª- No Acórdão-fundamento de 06/10/2011, decidiu-se que inexistem razões convincentes, abordadas noutros arestos, para se distinguir entre o donatário terceiro e o donatário herdeiro, já que o donatário terceiro não precisa de maior proteção em relação ao donatário herdeiro;

53ª- Entendendo-se, pois, no acórdão-fundamento, ser aplicável o prazo aludido no artigo 2178º do CC, às doações feitas a pessoas que, também, são herdeiras do doador;

54ª- Por sua vez, no Acórdão proferido pelo Tribunal a quo, julgou-se que o prazo aludido no artigo 2178º do CC aplica-se unicamente a doações feitas a pessoas que não são herdeiras do doador;

55ª- E, se o donatário é herdeiro pode, a todo o tempo, pedir a redução da doação por inoficiosidade;

56ª- Decidindo-se, assim, não ser de aplicar na situação em apreço, o prazo aludido no referido artigo 2178º do CC;

57ª- Em ambos os casos em análise, discute-se a aplicação do artigo 2178º do Código Civil;

58ª- Está-se, assim, perante a mesma questão fundamental de direito, devendo julgar-se se se verificam, no caso em concreto, os requisitos que levam à aplicabilidade do artigo 2178º do CC, decidindo-se, ainda se, é aplicável ou não, o aludido prazo de dois anos, às doações feitas a terceiros, bem como a herdeiros do doador;

59ª- Defendemos ser inquestionável que o art.2178º do CC é aplicável à situação dos autos, e ao ter decorrido o prazo de dois anos desde a aceitação da herança em 2008, até ao momento da propositura do presente inventário, ou do momento em que foi exercido pelos Recorridos o referido direito de pedido de redução de liberalidade, caducou esse mesmo direito;

60ª- Foram, pois, violadas pelo douto Acórdão recorrido, entre outras, as normas jurídicas constantes dos artigos 619º, 620º e 621º do CPC, e ainda o disposto no art.2178º do Código Civil.

Conclui pedindo que seja o presente recurso de revista admitido e ainda seja julgado provido e, em consequência, revogado o acórdão recorrido, julgando-se, consequentemente:

a) admitida a segunda avaliação requerida, para que o valor da avaliação feita nos autos seja reportado à data da abertura da sucessão, só assim se permitindo a realização de uma partilha minimamente justa e equilibrada e ainda,

b) julgar-se procedente a excepção da caducidade invocada com as demais consequências legais.

18. O interessado AA, apresentou contra alegações defendendo a existência de dupla conforme impeditiva da admissão do recurso, nos termos do artigo 671º,nº 3 do CPC.

Apreciou, comparando as decisões da 1ª instância e da Relação, para concluir que havia idêntica fundamentação e consequentemente dupla conforme.

O recurso não pode ser admitido pois não se encaixa em nenhuma alínea do artigo 671º, nº 2 do CPC,

Conclui pedindo que o recurso não seja admitido uma vez que se verifica a existência de dupla conforme, nos termos do artigo 671º, nº3 do CPC.

Em qualquer caso, deveria confirmar-se a decisão recorrida julgando-se, improcedente o pedido da segunda avaliação requerida pelo recorrente, uma vez que se formou caso julgado formal.

Deveria ainda julgar-se improcedente a exceção da caducidade da redução da liberalidade por inoficiosidade invocada pelo recorrente.

II – FUNDAMENTAÇÃO

Os factos a ponderar são os seguintes:

1. O despacho reclamado é do seguinte teor:

«Requerimento de 11/5.

Veio o interessado DD apresentar o requerimento identificado no qual reitera o pedido de nova avaliação do bem doado, nos termos do disposto nos arts.1365º nº1, 2 e 5, 1367º e 1368º do Código Civil de 1961, por entender que o valor da avaliação já realizada está desatualizado na medida em que deverá corresponder ao valor do imóvel à data da abertura da sucessão (28/12/2000), Sendo inegável a existência de uma grande diferença entre o valor da avaliação dos autos reportada ao ano de 2016 e esta nova avaliação reportada ao ano de 2000 .

Apreciando.

O imóvel relacionado foi doado pelo inventariado ao interessado DD.

Tal imóvel foi avaliado no âmbito destes autos, em maio de 2016, tendo sido indicado como seu valor de mercado 197.000,00 euros.

Por requerimento de 24/5/2016, o interessado DD requereu a realização e uma segunda avaliação com fundamento em ter ocorrido avaliação por a mesma ser reportada ao ano de 2016 e não ano da abertura da sucessão, o ano 2000.

Por despacho exarado em 21/6/2016 foi indeferida a realização da segunda avaliação, mas, porém, ordenado ao sr. perito que calculasse o valor do bem à data da abertura da sucessão, o qual veio declarar ser-lhe impossível responder ao solicitado. Nessa sequência veio o interessado DD reiterar o seu pedido de realização de uma segunda avaliação, a qual veio a ser, novamente, indeferida por despacho datado de 17/1/2018, tendo sido fixado como valor do imóvel o constante da avaliação efetuada.

O despacho referido foi notificado a todos os interessados sem que dele tenha sido interposto recurso.

Na diligência de inquirição de testemunhas realizada em 10/5/2018 foi novamente reiterado o despacho proferido em 17/1/2018, determinando-se, mais uma vez, que o valor do imóvel relacionado corresponderia ao valor da avaliação realizada 197.000,00 euros.

Os interessados foram notificados do despacho referido não tendo recorrido ou reclamado.

Na conferência de interessados realizada em 22/10/2018 foi proferido o seguinte despacho:

Uma vez que se suscita nestes autos a questão de inoficiosidade da doação e tendo em conta que já foi efectuada a avaliação deste bem nestes autos, resta assim apurar da existência ou não da inoficiosidade da doação e bem assim da verificação da percentagem de redução a operar no caso de se verificar a referida inoficiosidade.

Assim, cumpre dar prossecução aos trâmites legais previstos designadamente nos art.ºs 1365.º e ss. do C.P.C. (redacção anterior à Lei 41/2013 de 26.06.) e que proceder à realização do mapa informativo sendo que para a realização do mesmo há que proceder igualmente à forma a partilha.", tendo sido de seguida proferido despacho determinativo da forma à partilha e ordenada a realização do mapa informativo.

Os interessados foram notificados do despacho transcrito não tendo recorrido.

Foi elaborado o mapa informativo e os interessados notificados nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 1376.º, n.º 2 e 13765.º, n.º 3, por remissão do art.º 1368.º, n.º 3 do Código de Processo Civil de 1961, tendo o interessado AA declarado que pretendia licitar sobre o bem doado.

Entretanto, o cônjuge sobrevivo doou ao interessado DD o quinhão hereditário que tem na herança aberta por óbito do seu marido ( , tendo sido habilitado o interessado donatário em substituição do cônjuge sobrevivo do de cujus.

Foi designada nova conferência de interessados na qual foi dado a conhecer o óbito do interessado FF, tendo-se procedido à habilitação dos seus herdeiros e ordenado a citação da herdeira GG; por esse motivo foi suspensa a conferência de interessados.

Por requerimento de 21/10/2020 o interessado DD invocando essencialmente os mesmos fundamentos constantes do requerimento que agora se aprecia requereu a realização de uma segunda avaliação.

Por despacho proferido em 6/6/2021 foi indeferida a realização de nova avaliação do imóvel relacionado e ordenada a retificação do mapa informativo atendendo à doação do cônjuge sobrevivo e ao falecimento do interessado FF.

Dessa decisão recorreu o interessado DD, tendo o recurso interposto sido admitido apenas quanto ao despacho que indeferiu a realização de uma segunda avaliação.

Por acórdão proferido pelo Tribunal da Relação em 24/2/2022 foi confirmado o despacho de indeferimento da realização da segunda avaliação, por existir caso julgado formal sobre esta questão.

De tudo o exposto, decorre que mais uma vez o pedido ora formulado pelo interessado DD, que corresponde ao pedido apresentado em 21/10/2020 (aliás, a maioria do ora afirmado é cópia do requerimento anterior) não pode ser atendido por o mesmo já ter sido apreciado diversas vezes, tendo sido diversas vezes indeferido e ter-se já formado sobre esta questão, como o referiu o acórdão do Tribunal da Relação, caso julgado formal.

Assim, indefiro a realização de uma nova avaliação do bem imóvel relacionado. Notifique.

*** Requerimento de 3/5.

De acordo com o disposto no art.º 2168.º, n.º 1 do Código Civil Dizem-se inoficiosas as liberalidades, entre vivos ou por morte, que ofendam a legítima dos herdeiros legitimários, sendo tais liberalidades (redutíveis, a requerimento dos herdeiros legitimários ou dos seus sucessores, em tanto quanto for necessário para que a legítima seja preenchida.

Tratando-se de liberalidades inoficiosas que afetem bens indivisíveis se a importância da redução exceder metade do valor dos bens, estes pertencem integralmente ao herdeiro legitimário, e o legatário ou donatário haverá o resto em dinheiro; no caso contrário, os bens pertencem integralmente ao legatário ou donatário, tendo este de pagar em dinheiro ao herdeiro legitimário a importância da redução. - art.º 2174.º, n.º 2 do Código Civil

Por seu turno, nos termos do art.º 1365.º, n.º 3, al.ª b) do Código de Processo Civil de 1961 se a declaração recair sobre coisa indivisível, abrir-se-á licitação sobre ela entre os herdeiros legitimários, no caso de a redução exceder metade do seu valor, pois se a redução for igual ou inferior a essa metade, fica o donatário obrigado a repor o excesso;

Dúvidas não há que o bem imóvel relacionado e doado pelo inventariado ao interessado DD é indivisível já que se trata de uma fração autónoma integrada num prédio constituído em propriedade horizontal, com 3 quatros e a sua divisibilidade implicaria a alteração da sua substância, a diminuição do seu valor e prejudicaria/inviabilizaria o seu uso.

Conforme resulta do mapa informativo a doação do bem relacionado excede a legítima do interessado DD, não em 131.333,34 euros, como o refere o interessado AA, mas apenas em 67.718,75 euros.

Tal significa que a redução da liberalidade é inferior a metade do seu valor pelo que ao interessado AA não é permitido licitar, ficando apenas o donatário, o interessado DD, obrigado a repor o excesso, ou seja a entregar aos interessados AA, EE e GG as quantias que constam do mapa informativo.

Por último, importa referir que o direito a requerer a redução da liberalidade inoficiosa não se encontra caduco porquanto o valor do bem relacionado foi fixado, por despacho, a título definitivo, em maio/2018, sendo que apenas em outubro de 2018 foi determinada a elaboração do mapa informativa a fim de ser apurada a inoficiosidade e o interessado AA manifestou em novembro/2018 a sua vontade de licitar sobre o bem doado.

Nestes termos, indefiro a pretensão do interessado AA e nos termos do disposto no art.º 1365.º, n.º 3, al.ª b), segunda parte do Código de Processo Civil de 1961 declaro que o interessado DD fica obrigado a repor o excesso em dinheiro de acordo com o definido no mapa informativo datado de 21/4/2022.

Notifique.

***

Uma vez que inexistem outros bens relacionados para além do doado e que a reposição em dinheiro do excesso da doação corresponderá às tornas devidas pelo interessado DD aos demais interessados, proceda à notificação destes nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 1377.º do Código de Processo Civil de 1961.

***

2. O Acórdão recorrido, após ter apreciado e indeferido a invocada nulidade, decidiu:

«No que à segunda questão concerne, não vemos como censurar o decidido pelo Tribunal a quo, considerando o já decidido anteriormente nos autos sobre a mesma – remete-se para a descrição fáctica exaustivamente acima descrita, designadamente a referida na decisão recorrida, aqui dada por reproduzida – com a força vinculativa própria do caso julgado formal, i.e., a referida no nº1, do artº 620º.

Como ensina Castro Mendes, in “Direito Processual Civil”, A.A.F.D.L, 1980, III vol. pág. 276, o “caso julgado formal traduz a força obrigatória dentro do processo”, contrariamente ao caso julgado material, cuja força obrigatória se estende para fora do processo em que a decisão foi proferida.

De onde, ser apodíctica a improcedência desta questão. Quanto ao mais, o desfecho será o mesmo.

Assim:

“Diz o artigo 2178.º do CC que a acção de redução de liberalidades inoficiosas caduca dentro de dois anos, a contar da aceitação de herança pelo herdeiro legitimário.

Como tem sido geralmente aceite, o prazo previsto naquele preceito só rege para o caso de doações feitas a pessoas que não são herdeiras do doador. Se o donatário é herdeiro, a todo o tempo se pode pedir a redução de doação, por inoficiosidade.” (Ac. deste Tribunal da Relação, proferido no Proc. 4367/18.6T8AVR-A.P1, em www.dgsi.pt, cujo entendimento, neste particular, subscrevemos. No mesmo sentido, veja-se o recente Acórdão da RG, proferido ).

E, como bem refere o Tribunal a quo, “o valor do bem relacionado foi fixado, por despacho, a título definitivo, em Maio/2018, sendo que apenas em Outubro de 2018 foi determinada a elaboração do mapa informativa a fim de ser apurada a inoficiosidade e o interessado AA manifestou em Novembro/2018 a sua vontade de licitar sobre o bem doado.”

Por conseguinte, a invocada caducidade carece manifestamente de sustentação, improcedendo, também aqui, a pretensão do Recorrente.

Posto isto, sem necessidade de mais considerações, por despicientes, concluímos ter andado bem o Tribunal a quo ao decidir como decidiu.

Em suma, a presente apelação carece de fundamentos».

III – DA SUBSUNÇÃO – APRECIAÇÃO

Verificados que estão os pressupostos de actuação deste tribunal cumpre decidir.

A) O objecto do recurso é definido pelas conclusões da alegação do Recorrente, artigo 635 do Código de Processo Civil.

As questões concretas a decidir são:

1- O Acórdão recorrido errou ao entender que se verificava a existência de ofensa a caso julgado formal relativamente ao pedido da segunda perícia?

2- O Acórdão recorrido errou na aplicação da lei quando julgou inexistente a caducidade do direito de pedir a redução de liberalidade inoficiosa?

Vejamos

B) O Acórdão recorrido errou ao entender que se verificava a existência de ofensa a caso julgado formal relativamente ao pedido da segunda perícia?

O recorrente entende que a presente revista é admissível pelo facto de se ter «entendido que estamos perante uma ofensa do caso julgado formal».

Defende o Recorrente que não existe qualquer caso julgado sobre o pedido de 2ª avaliação anteriormente apresentado em 24/05/2016 e sobre o qual recaiu despacho a indeferir, já transitado em julgado, porquanto tal pedido destinava-se a corrigir, em todos os sentidos, os resultados da avaliação feita pelo perito e o requerimento apresentado em 11/05/2022, a requerer a segunda perícia - e que originou o presente recurso - não visa uma nova avaliação ou reapreciação do valor da avaliação do imóvel existente nos autos, pretendendo-se, efectivamente, que a avaliação feita, tenha uma referência temporal diversa da que, na verdade, tem, de forma a dar cumprimento às disposições legais em causa.

Será que a revista deve ser admitida e o recurso conhecido nesta parte?

Afigura-se-nos claramente que não.

Estatui o artigo 629 n.º 2 al. a) do CPC que independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso com fundamento na violação ………, ou na ofensa de caso julgado.

E, nos termos do artigo 620 n.º 1 do CPC «as sentenças e os despachos que recaiam unicamente sobre a relação processual têm força obrigatória dentro do processo».

Sumariamente enunciados os princípios legais e tendo em consideração os factos supra enunciados é manifesto que o Acórdão recorrido em nada ofendeu o caso julgado.

Pelo contrário, o Acórdão recorrido respeitou escrupulosamente o caso julgado formado pela decisão anterior.

Recorde-se que o que está em causa é um pedido de uma segunda avaliação.

Este é que é o pedido formulado.

Ora, sobre este pedido que foi inicialmente formulado em 24/5/2016 pelo interessado DD e que foi indeferido por despacho exarado em 21/6/2016 e por despacho datado de 17/1/2018, do qual não foi interposto recurso.

Na diligência de inquirição de testemunhas realizada em 10/5/2018 foi novamente reiterado o despacho proferido em 17/1/2018, determinando-se, mais uma vez, que o valor do imóvel relacionado corresponderia ao valor da avaliação realizada 197.000,00 euros.

Os interessados foram notificados do despacho referido não tendo recorrido ou reclamado.

Ora, por requerimento de 21/10/2020 o interessado DD requereu a realização de uma segunda avaliação a qual foi indeferida por despacho proferido em 6/6/2021.

Dessa decisão recorreu o interessado DD e, por acórdão proferido pelo Tribunal da Relação em 24/2/2022 foi confirmado o despacho de indeferimento da realização da segunda avaliação, por existir caso julgado formal sobre esta questão.

O interessado DD veio novamente requerer segunda avaliação tendo a primeira instância entendido que esse pedido «corresponde ao pedido apresentado em 21/10/2020 (aliás, a maioria do ora afirmado é cópia do requerimento anterior) não pode ser atendido por o mesmo já ter sido apreciado diversas vezes, tendo sido diversas vezes indeferido e ter-se já formado sobre esta questão, como o referiu o acórdão do Tribunal da Relação, caso julgado formal».

Sobre essa decisão houve recurso tendo o Acórdão recorrido dito «não vemos como censurar o decidido pelo Tribunal a quo, considerando o já decidido anteriormente nos autos sobre a mesma – remete-se para a descrição fáctica exaustivamente acima descrita, designadamente a referida na decisão recorrida, aqui dada por reproduzida – com a força vinculativa própria do caso julgado formal, i.e., a referida no nº1, do artº 620º.

Como ensina Castro Mendes, in “Direito Processual Civil”, A.A.F.D.L, 1980, III vol. pág. 276, o “caso julgado formal traduz a força obrigatória dentro do processo”, contrariamente ao caso julgado material, cuja força obrigatória se estende para fora do processo em que a decisão foi proferida.

De onde, ser apodíctica a improcedência desta questão».

Significa isto que a decisão da qual se pretende recorrer respeitou integralmente as decisões anteriores designadamente a última decisão da 1ª instância que deu origem ao Acórdão ora recorrido.

O Acórdão recorrido não contém qualquer ofensa de caso julgado, pois, pelo contrário respeitou o caso julgado que se havia formado com a decisão do Acórdão do Tribunal da Relação de 24/2/2022.

Deste modo a revista, nesta parte, é inadmissível, pois não se verifica qualquer ofensa de caso julgado, pelo que não se conhece do seu objecto.

C) Resta a segunda e última questão: O Acórdão recorrido errou na aplicação da lei quando julgou inexistente a caducidade do direito de pedir a redução de liberalidade inoficiosa?

Neste particular a 1ª instância havia decidido o seguinte:

«De acordo com o disposto no art.º 2168.º, n.º 1 do Código Civil Dizem-se inoficiosas as liberalidades, entre vivos ou por morte, que ofendam a legítima dos herdeiros legitimários, sendo tais liberalidades (redutíveis, a requerimento dos herdeiros legitimários ou dos seus sucessores, em tanto quanto for necessário para que a legítima seja preenchida.

Tratando-se de liberalidades inoficiosas que afetem bens indivisíveis se a importância da redução exceder metade do valor dos bens, estes pertencem integralmente ao herdeiro legitimário, e o legatário ou donatário haverá o resto em dinheiro; no caso contrário, os bens pertencem integralmente ao legatário ou donatário, tendo este de pagar em dinheiro ao herdeiro legitimário a importância da redução. - art.º 2174.º, n.º 2 do Código Civil

Por seu turno, nos termos do art.º 1365.º, n.º 3, al.ª b) do Código de Processo Civil de 1961 se a declaração recair sobre coisa indivisível, abrir-se-á licitação sobre ela entre os herdeiros legitimários, no caso de a redução exceder metade do seu valor, pois se a redução for igual ou inferior a essa metade, fica o donatário obrigado a repor o excesso;

Dúvidas não há que o bem imóvel relacionado e doado pelo inventariado ao interessado DD é indivisível já que se trata de uma fração autónoma integrada num prédio constituído em propriedade horizontal, com 3 quatros e a sua divisibilidade implicaria a alteração da sua substância, a diminuição do seu valor e prejudicaria/inviabilizaria o seu uso.

Conforme resulta do mapa informativo a doação do bem relacionado excede a legítima do interessado DD, não em 131.333,34 euros, como o refere o interessado AA, mas apenas em 67.718,75 euros.

Tal significa que a redução da liberalidade é inferior a metade do seu valor pelo que ao interessado AA não é permitido licitar, ficando apenas o donatário, o interessado DD, obrigado a repor o excesso, ou seja a entregar aos interessados AA, EE e GG as quantias que constam do mapa informativo.

Por último, importa referir que o direito a requerer a redução da liberalidade inoficiosa não se encontra caduco porquanto o valor do bem relacionado foi fixado, por despacho, a título definitivo, em maio/2018, sendo que apenas em outubro de 2018 foi determinada a elaboração do mapa informativa a fim de ser apurada a inoficiosidade e o interessado AA manifestou em novembro/2018 a sua vontade de licitar sobre o bem doado.

Nestes termos, indefiro a pretensão do interessado AA e nos termos do disposto no art.º 1365.º, n.º 3, al. ª b), segunda parte do Código de Processo Civil de 1961 declaro que o interessado DD fica obrigado a repor o excesso em dinheiro de acordo com o definido no mapa informativo datado de 21/4/2022».

Pronunciando-se sobre esta decisão, da qual o ora Recorrente havia recorrido, o Tribunal da Relação disse que «Quanto ao mais, o desfecho será o mesmo.

Assim:

“Diz o artigo 2178.º do CC que a acção de redução de liberalidades inoficiosas caduca dentro de dois anos, a contar da aceitação de herança pelo herdeiro legitimário.

Como tem sido geralmente aceite, o prazo previsto naquele preceito só rege para o caso de doações feitas a pessoas que não são herdeiras do doador. Se o donatário é herdeiro, a todo o tempo se pode pedir a redução de doação, por inoficiosidade.” (Ac. deste Tribunal da Relação, proferido no Proc. 4367/18.6T8AVR-A.P1, em www.dgsi.pt, cujo entendimento, neste particular, subscrevemos. No mesmo sentido, veja-se o recente Acórdão da RG, proferido ).

E, como bem refere o Tribunal a quo, “o valor do bem relacionado foi fixado, por despacho, a título definitivo, em Maio/2018, sendo que apenas em Outubro de 2018 foi determinada a elaboração do mapa informativa a fim de ser apurada a inoficiosidade e o interessado AA manifestou em Novembro/2018 a sua vontade de licitar sobre o bem doado.”

Por conseguinte, a invocada caducidade carece manifestamente de sustentação, improcedendo, também aqui, a pretensão do Recorrente.

Posto isto, sem necessidade de mais considerações, por despicientes, concluímos ter andado bem o Tribunal a quo ao decidir como decidiu.

Em suma, a presente apelação carece de fundamentos».

Ora, entende o Recorrente que deve ser admitida pois que não se verifica dupla conforme uma vez que a fundamentação expressa no Acórdão recorrido é substancialmente diversa da fundamentação utilizada no despacho recorrido e ainda porque o acórdão recorrido está em contradição com outro, já transitado em julgado, proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito. Trata-se do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 06-10-2011, proferido no processo 1948/08.0YXLSB-A.L1-2, que correu seus termos pelos Juízos Cíveis de Lisboa, Juiz 19, transitado em julgado em 21/02/2012.

Analisemos

O Acórdão recorrido confirmou a decisão da primeira instância e fê-lo sem qualquer voto de vencido.

E será que tem uma fundamentação «essencialmente diferente» da decisão recorrida impeditiva da dupla conforme.

Entendemos que não.

Nos termos do artigo 671 n.º 3 do CPC «Sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível, não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância».

Com a «dupla conforme» o legislador pretendeu restringir o recurso às questões de direito que tenham merecido respostas diversas das instâncias, ou nas quais se tenha verificado um voto de vencido.

Para se verificar a «dupla conforme» necessário é que o acórdão recorrido «confirme» a decisão da 1ª instância sem voto de vencido, com fundamentação que não seja essencialmente diferente.

Como se referiu o Acórdão recorrido confirmou a decisão de primeira instância e fê-lo sem voto de vencido.

E em nosso entendimento a fundamentação do Acórdão não é «essencialmente diferente» da decisão recorrida.

A lei não nos diz o que é uma «fundamentação essencialmente diferente».

Trata-se de um conceito indeterminado que a jurisprudência terá de preencher.

Várias têm sido as decisões já proferidas pelo STJ sobre esta questão, cfr. a decisão singular, de 28.04.2014, proferida no processo nº 473/10.3TBVRL.P1-A.S1; Ac. STJ de 18 de Setembro de 2014; de 06 de Fevereiro de 2014; de 08 de Janeiro de 2015; de 30 de Abril de 2015 e de 26 de Novembro de 2015, todos in www.dgsi.pt.

Como se refere no Ac. de 06 de Fevereiro de 2014 supra referido «as decisões das instâncias são conformes se as respectivas fundamentações, apesar de distintas, não forem essencialmente diferentes. Assim, nem toda a desconformidade exclui a conformidade, ou seja, nem toda a desconformidade é uma não-conformidade».

Importa saber se o Acórdão da Relação que confirmou, sem qualquer voto de vencido, a decisão de primeira instância tem ou não uma fundamentação essencialmente diferente, pois que apenas nessa hipótese - do acórdão recorrido apresentar uma fundamentação essencialmente diferente – é que poderá o recurso ser admitido como revista normal.

Ora, confrontando a decisão da 1ª instância e o acórdão recorrido, podemos concluir que a sua fundamentação é coincidente.

Os fundamentos da decisão são os mesmos numa e noutra decisão, ainda que uma não seja uma cópia perfeita da outra, nem podia nem devia ser, podendo ter outra argumentação (o que não se traduz em fundamentação essencialmente diferente).

A fundamentação essencialmente diferente tem subjacente a ideia de que nas decisões em confronto se trilhou um caminho distinto e diferente para se chegar à mesma decisão.

Ora, não é o que sucede no caso em apreço.

No fundo, para haver fundamentação diversa era necessário que a Relação se tivesse movimentado num quadro normativo distinto do da 1ª instância.

O que não sucede.

O facto de o Acórdão ter utilizado mais um argumento do que a decisão da primeira instância não é motivo que impeça a verificação de existência de dupla conforme.

A circunstância de a primeira instância nada ter dito sobre um argumento usado pela Relação não é motivo suficiente para se considerar que a fundamentação é essencialmente diferente»

Recorde-se que o Acórdão, após usar um argumento não usado pela decisão recorrida transcreve integralmente parte da decisão recorrida para fundamentar a sua decisão.

Ambas as decisões navegam nos mesmos princípios jurídicos para fundamentar a decisão, que é idêntica em ambas.

Desta forma entendemos que a fundamentação em ambas as decisões é idêntica, pelo que não se mostra preenchida a condição «fundamentação essencialmente diferente» de admissibilidade da revista, pelo que nos termos do artigo 671 n.º 3 do CPC não é possível conhecer-se do objecto da revista (normal), que não se admite, como se dirá.

Mas o Recorrente invoca ainda um outro argumento ou uma outra razão pela qual a revista seria admissível.

Entende o Recorrente que o Acórdão recorrido está em contradição com o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 06-10-2011, proferido no processo 1948/08.0YXLSB-A.L1-2.

Porém, não lhe assiste razão.

No Acórdão recorrido não estava em discussão, não era o tema a decidir, saber se a caducidade da acção de redução de doações inoficiosas, prevista no art.2178º do Código Civil, é aplicável, ou não, apenas a doações feitas a pessoas que não são herdeiras do doador.

No Acórdão fundamento o tema em discussão era esse, saber se o prazo previsto no artigo 2178 é aplicável apenas quando o donatário é herdeiro do doador ou se é sempre aplicável, independentemente do donatário ser herdeiro ou não.

Essa não era a questão apreciada pelo Acórdão recorrido.

O Acórdão recorrido não equacionou essa questão pelo que não se pode ver nos Acórdãos em confronto a invocada contradição.

Para efeitos do artigo 629 n.º 2 al. d) do CPC não é qualquer contradição que releva, importando que a contradição tenha sido relevante, fundamental e decisiva para a decisão em ambos os Acórdãos, ou seja a questão de direito tem de ter constituído o fundamento decisivo para a resolução do litígio em ambos os Acórdãos.

É necessário que a «questão fundamental de direito em que assenta a alegada divergência assuma um carácter essencial ou fundamental para a solução do caso, ou seja, que integre a verdadeira ratio decidendi dos acórdãos em confronto – não relevando os casos em que se traduza em mero obter dictum ou num simples argumento lateral ou coadjuvante de uma solução já alcançada por outra via jurídica», Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02-10-2014, in www.dgsi.pt.

Não é isso que sucede nos Acórdãos em confronto (recorrido e fundamento).

Entre os Acórdãos em confronto, não se surpreende uma contradição sobre a mesma questão fundamental de direito e, por isso, carece de fundamento a revista.

O Recorrente pretendia, em suma, discutir (e defende) que a decisão recorrida foi incorretamente julgada, por não aplicar devidamente a lei e ao mesmo tempo, por estar mal fundamentada querendo discutir se existe ou não a excepção de caducidade invocada.

Mas como se analisou não existe fundamento para a presente revista, que é inadmissível, pois não se verifica a imputada contradição de Acórdãos, pelo que não se conhece do seu objecto.

Em suma e em conclusão, dúvidas não nos restam em como a presente revista não é admissível, pelo que não se conhece do seu objecto.

III - Decisão

Nos termos expostos acordam os juízes que compõem este Tribunal em não conhecer do objecto da presente revista, por ser a mesma inadmissível.

Custas pelo recorrente.


Lisboa, de de 2023

José Sousa Lameira (relator)

Conselheiro Lino Ribeiro

Conselheiro Manuel Capelo