Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
42/10.8PBVCD-B.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: SÉNIO ALVES
Descritores: RECURSO DE REVISÃO
TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE
METADADOS
PROVA PROIBIDA
CASO JULGADO
TRÂNSITO EM JULGADO
IMPROCEDÊNCIA
Data do Acordão: 06/29/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO DE REVISÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário :
I. Decorre do nº 3 do artº 282º da CRP que ficam ressalvados dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade os “casos julgados”, a não ser que o Tribunal Constitucional expressamente decida em contrário, posto que a norma declarada inconstitucional respeite a “matéria penal” e “for de conteúdo menos favorável ao arguido”.

II. Ora, como resulta claro da leitura do Ac. TC nº 268/2022, nele nada se decidiu em contrário à ressalva dos casos julgados.

III. Eventualmente, pela pura e simples razão de que as normas declaradas inconstitucionais não têm natureza substantiva e não são de conteúdo “menos favorável ao arguido”.

IV. Nada tendo o Tribunal Constitucional expressamente decidido em contrário no Ac. nº 268/2022, ficam naturalmente ressalvados dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade aí declarada, os casos julgados, maxime, o que se formou sobre a decisão cuja revisão ora se pretende.

V. O artº 449º, nº 1, al. f) do CPP tem de ser lido em conjugação com o estatuído no nº 3 do artº 282º da CRP e por forma a obter uma interpretação do mesmo conforme à Constituição.

VI. O recorrente sabia, através da simples leitura da decisão condenatória, do uso que o tribunal recorrido fizera das provas obtidas através da solicitação de dados às operadoras de telemóveis.

VII. Entendendo que as mesmas enfermavam de qualquer nulidade ou que as normas ao abrigo das quais haviam sido solicitadas enfermavam de inconstitucionalidade, deveria ter suscitado tais questões no recurso ordinário que interpôs para o Tribunal da Relação.

VIII. Certo é que a utilização de tais provas nada tem de novidade, quer para o recorrente, quer para o tribunal, não podendo constituir fundamento autónomo de um recurso de revisão.

Decisão Texto Integral:

Acordam, neste Supremo Tribunal de Justiça:



I. 1. No Juízo central criminal ..., J..., o arguido AA, com os demais sinais dos autos, foi – com outros - submetido a julgamento por tribunal colectivo e, a final, condenado pela prática, em concurso efectivo:

a) de 1 crime de violação de correspondência, p. e p. pelos arts. 14.º, n.º 1, 26.º, 194.º, n.º 1, do C.P., praticado em 10-12-2009 sob a forma consumada e como coautor, na pena de 4 meses de prisão

b) de 1 crime de violação de correspondência, p. e p. pelos arts. 14.º, n.º 1, 26.º, 194.º, n.º 1, do C.P., praticado em 15-05-2010 sob a forma consumada e como autor imediato, na pena de 3 meses de prisão;

c) de 1 crime de violação de correspondência, p. e p. pelos arts. 14.º, n.º 1, 26.º, 194.º, n.º 1, do C.P., praticado em 18-05-2010 sob a forma consumada e como autor imediato, na pena de 3 meses de prisão;

d) de 1 crime de violação de correspondência, p. e p. pelos arts. 14.º, n.º 1, 26.º, 194.º, n.º 1, do C.P., entre 01-06-2010 e 07-06-2010 sob a forma consumada e como autor imediato, na pena de 3 meses de prisão;

e) de 1 crime de violação de correspondência, p. e p. pelos arts. 14.º, n.º 1, 26.º, 194.º, n.º 1, do C.P., praticado em 01-06-2010 sob a forma consumada e como autor imediato, na pena de 3 meses de prisão;

f) de 1 crime de violação de correspondência, p. e p. pelos arts. 14.º, n.º 1, 26.º, 194.º, n.º 1, do C.P., praticado em 01-06-2010 sob a forma consumada e como autor imediato, na pena de 3 meses de prisão;

g) de 1 crime de violação de correspondência, p. e p. pelos arts. 14.º, n.º 1, 26.º, 194.º, n.º 1, do C.P., praticado em 01-06-2010 sob a forma consumada e como autor imediato, na pena de 4 meses de prisão;

h) de 1 crime de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 14.º, n.º 1, 26.º, 203.º, n.º 1, e 204.º, n.º 1, als. e) e h), do C.P., praticado em 09-12-2009 sob a forma consumada e como coautor, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão;

i) de 1 crime de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 14.º, n.º 1, 26.º, 203.º, n.º 1, e 204.º, n.º 1, als. e) e h), do C.P., praticado em 15-05-2010 sob a forma consumada e como autor imediato, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão;

j) de 1 crime de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 14.º, n.º 1, 26.º, 203.º, n.º 1, e 204.º, n.º 1, als. e) e h), do C.P., praticado em 18-05-2010 sob a forma consumada e como autor imediato, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão;

k) de 1 crime de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 14.º, n.º 1, 26.º, 203.º, n.º 1, e 204.º, n.º 1, als. e) e h), do C.P., praticado em 31-05-2010 sob a forma consumada e como autor imediato, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão;

l) de 1 crime de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 14.º, n.º 1, 26.º, 203.º, n.º 1, e 204.º, n.º 1, als. e) e h), do C.P., praticado em 03-02-2010 sob a forma consumada e como autor imediato, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão;

m) de 1 crime de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 14.º, n.º 1, 26.º, 203.º, n.º 1, e 204.º, n.º 1, al. h), do C.P., praticado em 05-02-2010 sob a forma consumada e como coautor, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão;

n) de 1 crime de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 14.º, n.º 1, 26.º, 203.º, n.º 1, e 204.º, n.º 1, al. h), do C.P., praticado em 08-04-2010 sob a forma consumada e como coautor, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão;

o) de 1 crime de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 14.º, n.º 1, 26.º, 203.º, n.º 1, e 204.º, n.º 1, als. g) e h), do C.P., praticado em 13-04-2010 sob a forma consumada e como coautor, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão;

p) de 1 crime de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 14.º, n.º 1, 26.º, 203.º, n.º 1, e 204.º, n.º 1, als. g) e h), do C.P., praticado em 13-04-2010 sob a forma consumada e como coautor, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão;

q) de 1 crime de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 14.º, n.º 1, 26.º, 203.º, n.º 1, e 204.º, n.º 1, als. e) e h), do C.P., praticado em 01-06-2010 sob a forma consumada e como autor imediato, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão;

r) de 1 crime de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 14.º, n.º 1, 26.º, 203.º, n.º 1, e 204.º, n.º 1, als. e) e h), do C.P., praticado em 01-06-2010 sob a forma consumada e como autor imediato, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão;

s) de 1 crime de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 14.º, n.º 1, 22.º, n.º 1, 22.º, n.º 2, al. a), 23.º, n.º 1, n.º 2, 26.º, 73.º, n.º 1, al. a), 203.º, n.º 1, e 204.º, n.º 1, als. e) e h), do C.P., praticado em 06-06-2010 sob a forma tentada e como coautor, na pena de 6 meses de prisão;

t) de 1 crime de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 14.º, n.º 1, 26.º, 203.º, n.º 1, e 204.º, n.º 1, als. e) e h), do C.P., praticado em 07-06-2010 sob a forma consumada e como coautor, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão;

u) de 1 crime de burla qualificada, ps. e ps. pelos arts. 14.º, n.º 1, 26.º, 217.º, n.º 1, 218.º, n.º 2, al. b), do C.P., praticado em 10-12-2009 sob a forma consumada e como coautor, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão;

v) de 1 crime de burla qualificada, ps. e ps. pelos arts. 14.º, n.º 1, 26.º, 217.º, n.º 1, 218.º, n.º 2, al. b), do C.P., praticado em 24-05-2010 sob a forma consumada e como autor imediato, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão;

w) de 1 crime de burla qualificada, ps. e ps. pelos arts. 14.º, n.º 1, 26.º, 217.º, n.º 1, 218.º, n.º 2, al. b), do C.P., praticado em 31-05-2010 sob a forma consumada e como autor imediato, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão;

x) de 1 crime de burla qualificada, ps. e ps. pelos arts. 14.º, n.º 1, 26.º, 217.º, n.º 1, 218.º, n.º 2, al. b), do C.P., praticado em 01-06-2010 sob a forma consumada e como autor imediato, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão;

y) de 1 crime de burla qualificada, ps. e ps. pelos arts. 14.º, n.º 1, 22.º, n.º 1, 22.º, n.º 2, als. a) e b), 23.º, n.º 1, n.º 2, 26.º, 73.º, n.º 1, als. a) e b), 217.º, n.º 1, 218.º, n.º 2, al. b), do C.P., praticado em 09-02-2010 sob a forma tentada e como coautor, 1 ano e 2 meses de prisão;

z) de 1 crime de burla qualificada, ps. e ps. pelos arts. 14.º, n.º 1, 22.º, n.º 1, 22.º, n.º 2, als. a) e b), 23.º, n.º 1, n.º 2, 26.º, 73.º, n.º 1, als. a) e b), 202.º, al. b), 217.º, n.º 1, 218.º, n.º 2, als. a) e b), do C.P., praticado em 10-05-2010 sob a forma tentada e como coautor, 1 ano e 2 meses de prisão;

aa) de 1 crime de abuso de cartão de garantia ou de crédito, p. e p. pelos arts. 14.º, n.º 1, 26.º e 225.º, n.º 1, do C.P., cujo último ato ocorreu em 05-06-2010, sob a forma consumada e como autor imediato, na pena de 6 meses de prisão;

bb) de 1 crime de falsificação de documento agravado, p. e p. pelos arts. 14.º, n.º 1, 26.º, e 256.º, n.º 1, als. c) e e), n.º 3, do C.P., praticado em 10-12-2009, sob a forma consumada e como coautor, na pena de 1 ano e 2 meses de prisão;

cc) de 1 crime de falsificação de documento agravado, p. e p. pelos arts. 14.º, n.º 1, 26.º, e 256.º, n.º 1, als. c) e e), n.º 3, do C.P., praticado em 24-05-2010, sob a forma consumada e como autor, na pena de 1 ano e 2 meses de prisão;

dd) de 1 crime de falsificação de documento agravado, p. e p. pelos arts. 14.º, n.º 1, 26.º, e 256.º, n.º 1, als. c) e e), n.º 3, do C.P., praticado em 31-05-2010, sob a forma consumada e como autor, na pena de 1 ano e 2 meses de prisão;

ee) de 1 crime de falsificação de documento agravado, p. e p. pelos arts. 14.º, n.º 1, 26.º, e 256.º, n.º 1, als. c) e e), n.º 3, do C.P., praticado em 01-06-2010, sob a forma consumada e como autor, na pena de 1 ano e 2 meses de prisão;

ff) de 1 crime de falsificação de documento agravado, p. e p. pelos arts. 14.º, n.º 1, 26.º, e 256.º, n.º 1, als. c) e e), n.º 3, do C.P., praticado em 09-02-2010, sob a forma consumada e como coautor, na pena de 1 ano e 2 meses de prisão;

gg) de 1 crime de falsificação de documento agravado, p. e p. pelos arts. 14.º, n.º 1, 26.º, e 256.º, n.º 1, als. c) e e), n.º 3, do C.P., praticado em 10-05-2010, sob a forma consumada e como coautor, na pena de 1 ano e 2 meses de prisão;

e, em cúmulo jurídico dessas penas parcelares, na pena única de 7 (sete) anos de prisão.

2. O Tribunal da Relação do Porto, por acórdão de 14 de Outubro de 2020, transitado em julgado em 11 de Junho de 2021, negou provimento aos recursos interpostos da decisão proferida em 1. pelo arguido AA, declarou extinta, por prescrição uma das penas aplicadas pela prática de um crime de violação de correspondência ocorrido em 1/12/2009 e, julgando parcialmente procedente o recurso interposto pelo MºPº, fixou a pena única do arguido em 7 anos de prisão.

3. As penas referidas em 1. viriam a ser integradas num cúmulo jurídico com outras, aplicadas num outro processo, tendo o arguido sido condenado, por acórdão proferido em 13/10/2021, na pena única de 8 anos e 6 meses de prisão.


II. 1. E o arguido interpõe, agora, recurso de revisão extraordinário de revisão da decisão proferida em I.1., extraindo da sua motivação as seguintes conclusões (transcritas):

«a) O arguido foi condenado pela prática dos seguintes crimes: Um crime de violação de correspondência, p. e p. pelos arts. 14.º, n.º 1, 26.º, 194.º, n.º 1, do C.P., praticado em 15-05-2010 sob a forma consumada e como autor imediato, na pena de 3 meses de prisão; Um crime de violação de correspondência, p. e p. pelos arts. 14.º, n.º 1, 26.º e 194.º, n.º 1, do C.P., praticado em 18-05-2010, sob a forma consumada e como autor imediato, na pena de 3 meses de prisão; Um crime de violação de correspondência, p. e p. pelos arts. 14.º, n.º 1, 26 º e 194.º, n.º 1, do C.P., entre 01-06-2010 e 07-06-2010 sob a forma consumada e como autor imediato, na pena de 3 meses de prisão; Um crime de violação de correspondência, p. e p. pelos arts. 14.º, n.º 1, 26 º e 194.º, n.º 1, do C.P., praticado em 01-06-2010 sob a forma consumada e como autor imediato, na pena de 3 meses de prisão; Um crime de violação de correspondência, p. e p. pelos arts. 14.º, n.º 1, 26 º e 194.º, n.º 1, do C.P., praticado em 01-06-2010 sob a forma consumada e como autor imediato, na pena de 3 meses de prisão; Um crime de violação de correspondência, p. e p. pelos arts. 14.º, n.º 1, 26 º e 194.º, n.º 1, do C.P., praticado em 01-06-2010 sob a forma consumada e como autor imediato, na pena de 4 meses de prisão; Um crime de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 14.º, n.º 1, 26.º, 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 1, als. e) e h) do C.P., praticado em 09-12-2009 sob a forma consumada e como coautor, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão; Um crime de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 14.º, n.º 1, 26 º, 203.º, n.º 1, e 204.º, n.º 1, als. e) e h) do C.P., praticado em 15-05-2010 sob a forma consumada e como autor imediato, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão; Um crime de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 14.º, n.º 1, 26 º, 203.º, n.º 1, e 204.º, n.º 1, als. e) e h) do C.P., praticado em 18-05-2010 sob a forma consumada e como autor imediato, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão; Um crime de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 14.º, n.º 1, 26 º, 203.º, n.º 1, e 204.º, n.º 1, als. e) e h) do C.P., praticado em 31-05-2010 sob a forma consumada e como autor imediato, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão; Um crime de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 14.º, n.º 1, 26 º, 203.º, n.º 1, e 204.º, n.º 1, als. e) e h) do C.P., praticado em 03-02-2010 sob a forma consumada e como autor imediato, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão; Um crime de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 14.º, n.º 1, 26 º, 203.º, n.º 1, e 204.º, n.º 1, al. h) do C.P., praticado em 05-02-2010 sob a forma consumada e como coautor, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão; Um crime de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 14.º, n.º 1, 26 º, 203.º, n.º 1, e 204.º, n.º 1, al. h) do C.P., praticado em 08-04-2010 sob a forma consumada e como coautor, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão; Um crime de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 14.º, n.º 1, 26 º, 203.º, n.º 1, e 204.º, n.º 1, als. g) e h) do C.P., praticado em 13-04-2010 sob a forma consumada e como coautor, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão; Um crime de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 14.º, n.º 1, 26 º, 203.º, n.º 1, e 204.º, n.º 1, als. g) e h) do C.P., praticado em 13-04-2010 sob a forma consumada e como coautor, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão; Um crime de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 14.º, n.º 1, 26 º, 203.º, n.º 1, e 204.º, n.º 1, als. e) e h) do C.P., praticado em 01-06-2010 sob a forma consumada e como autor imediato, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão; Um crime de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 14.º, n.º 1, 26 º, 203.º, n.º 1, e 204.º, n.º 1, als. e) e h) do C.P., praticado em 01-06-2010 sob a forma consumada e como autor imediato, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão; Um crime de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 14.º, n.º 1, 22.º, n.º 1, 22.º, n.º 2, al. a), 23.º, n.º 1, n.º 2, 26 º, 73.º, n.º 1, al. a), 203.º, n.º 1, e 204.º, n.º 1, als. e) e h) do C.P., praticado em 06-06-2010 sob a forma tentada e como coautor, na pena de 6 meses de prisão; Um crime de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 14.º, n.º 1, 26 º, 203.º, n.º 1, e 204.º, n.º 1, als. e) e h) do C.P., praticado em 07-06-2010 sob a forma consumada e como coautor, na pena de 1 ano 6 meses de prisão; Um crime de burla qualificada, p. e p. pelos arts. 14.º, n.º 1, 26 º, 217.º, n.º 1, 218.º, n.º 2, al. b) do C.P., praticado em 10-12-2009 sob a forma consumada e como coautor, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão; Um crime de burla qualificada, p. e p. pelos arts. 14.º, n.º 1, 26 º, 217.º, n.º 1, 218.º, n.º 2, al. b) do C.P., praticado em 24-05-2010 sob a forma consumada e como autor imediato, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão; Um crime de burla qualificada, p. e p. pelos arts. 14.º , n.º 1, 26 º, 217.º, n.º 1, 218.º, n.º 2, al. b) do C.P., praticado em 31-05-2010 sob a forma consumada e como autor imediato, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão; Um crime de burla qualificada, p. e p. pelos arts. 14.º, n.º 1, 26 º, 217.º, n.º 1, 218.º, n.º 2, al. b) do C.P., praticado em 01-06-2010 sob a forma consumada e como autor imediato, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão; Um crime de burla qualificada, p. e p. pelos arts. 14.º, n.º 1, 22.º, n.º 1, 22.º, n.º 2, als. a) e b), 23.º, n.º 1, n.º 2, 26.º , 73.º, n.º 1, als. a) e b), 217.º, n.º 1, e 218.º, n.º 2, al. b) do C.P., praticado em 09-02-2010 sob a forma tentada e como coautor, na pena de 2 meses de prisão; Um crime de burla qualificada, p. e p. pelos arts. 14.º, n.º 1, 22.º, n.º 1, 22.º, n.º 2, als. a) e b), 23.º, n.º 1, n.º 2, 26.º, 73.º, n.º 1, als. a) e b), 202.º, al. b), 217.º, n.º 1, 218.º, n.º 2, als. a) e b), do C.P., praticado em 10-05-2010 sob a forma tentada e como coautor, na pena de 1 ano e 2 meses de prisão; Um crime de abuso de cartão de garantia ou de crédito, p. e p. pelos arts. 14.º, n.º 1, 26.º e 225.º, n.º 1, do C.P., cujo último ato ocorreu em 05-06-2010, sob a forma consumada e como autor imediato, na pena de 6 meses de prisão; Um crime de falsificação de documento agravado, p. e p. pelos arts. 14.º, n.º 1, 26.º, e 256.º, n.º 1, als. c) e e), n.º 3, do C.P., praticado em 10-12-2009, sob a forma consumada e como coautor, na pena de 1 ano e 2 meses de prisão; Um crime de falsificação de documento agravado, p. e p. pelos arts. 14.º, n.º 1, 26.º, e 256.º, n.º 1, als. c) e e), n.º 3, do C.P., praticado em 24-05-2010, sob a forma consumada e como autor, na pena de 1 ano e 2 meses de prisão; Um crime de falsificação de documento agravado, p. e p. pelos arts. 14.º, n.º 1, 26.º, e 256.º, n.º 1, als. c) e e), n.º 3, do C.P., praticado em 31-05-2010, sob a forma consumada e como autor, na pena de 1 ano e 2 meses de prisão; Um crime de falsificação de documento agravado, p. e p. pelos arts. 14.º, n.º 1, 26.º, e 256.º, n.º 1, als. c) e e), n.º 3, do C.P., praticado em 01-06-2010, sob a forma consumada e como autor, na pena de 1 ano e 2 meses de prisão; Um crime de falsificação de documento agravado, p. e p. pelos arts. 14.º, n.º 1, 26.º, e 256.º, n.º 1, als. c) e e), n.º 3, do C.P., praticado em 09-02-2010, sob a forma consumada e como coautor, na pena de 1 ano e 2 meses de prisão; Um crime de falsificação de documento agravado, p. e p. pelos arts. 14.º, n.º 1, 26.º, e 256.º, n.º 1, als. c) e e), n.º 3, do C.P., praticado em 10-05-2010, sob a forma consumada e como coautor, na pena de 1 ano e 2 meses de prisão;

b) Em cúmulo jurídico das penas mencionadas em a) foi o arguido condenado na pena de 7 (sete) anos de prisão.

c) Da ratio essendi da revisão - A presente providência assenta a sua esfera de gravidade no equilíbrio ténue entre a imutabilidade da sentença decorrente do caso julgado e a necessidade de respeito pela verdade material (SIMAS SANTOS E LEAL HENRIQUES, Código de Processo Penal Anotado, p.1042 e segs.). Não pode, pois, sobrepor-se a segurança do injusto sobre a justiça (cfr. Os mesmos autores in Recursos em Processo Penal, 3ª Edição, p.163, e CAVALEIRO FERREIRA in Revisão Penal, Scientia Iuridica, XIV nº92 a 94, p.616). Por conseguinte, o que se almeja neste recurso extraordinário é uma nova decisão judicial que se substitua a uma outra já transitada em julgado, sendo certo que ainda que a tangibilidade do caso julgado não seja automática, constitui uma obrigação que vincula o Tribunal Constitucional. Razão pela qual deve o presente recurso ser admitido, ao abrigo do disposto nos art.º 449.º, n.º 1, alínea f) do C.P.P., em articulação com os art.os 29.º e 282.º, n.ºs 2 e 3 da C.R.P.

d) Do fundamento jurídico-legal da revisão - Tal qual se alegou no ponto c) destas conclusões, no âmbito do presente recurso extraordinário, tem a defesa do arguido por presente e adquirido que, no domínio do processo penal, tal como no domínio do processo civil, esta “providência excecional” tem por fito obviar a decisões juridicamente ilegais, designadamente por constituírem violação da Constituição da República Portuguesa. Com efeito, o artigo 449.º, nº 1, alínea f) do C.P.P. dispõe que a «revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando seja declarada, pelo Tribunal Constitucional, a inconstitucionalidade com força obrigatória geral de norma de conteúdo menos favorável ao arguido que tenha servido de fundamento à condenação». São estes os fundamentos que estão diretamente conexionados com a garantia constitucional do artigo 29.º nº 6 da Lei Fundamental, impondo-se, pois, como exigência, não só de justiça material, como também de salvaguarda do princípio de dignidade humana, em que assenta todo o edifício jurídico-constitucional do Estado de Direito democrático.

e) Do fundamento jurídico-legal da revisão, in casu - Numa aproximação do geral para o concreto, somos a afirmar que, in casu, o segmento do normativo suscetível de aplicação efetiva, reporta-se ao artigo 449.º, nº 1, alínea f) do Código de Processo Penal. Assim, e considerando a alínea f) do supracitado normativo, na qual se dispõe que se declarada pelo Tribunal Constitucional a inconstitucionalidade com força obrigatória geral de norma de conteúdo menos favorável ao arguido que tenha servido de fundamento à condenação, é possível a revisão em nome da defesa.

f) Do fundamento de facto da presente revisão - Começando pelos meios de prova que foram apreciados e utilizados no processo, a primeira questão que, a nosso ver, foi erradamente enquadrada relaciona-se com os meios de prova que determinaram a condenação do arguido. Porquanto a condenação do arguido assentou, como se alegou supra na motivação, no uso de dados informáticos guardados pelas operadoras de telecomunicações, sem controlo ou prévia ordem judicial.

g) Na verdade, compulsados os autos, resulta evidente, não só o uso dos metadados nos apensos W e II, FF e V, como, nos demais apensos, a sua ligação e correspondência com os demais meios de prova, sendo umas, dependência das outras.

h) Ora, o Tribunal Constitucional veio declarar a inconstitucionalidade das normas que permitem a conservação dos dados, o acesso e seu uso para a condenação, como foi o caso nestes autos, o que quer significar que a situação in casu se encontra abrangida pelo Acórdão n.º 268/2022, de 14 de Abril de 2022.

i) Será assim, agora, na sequência da prolação do Douto Acórdão citado, de concluir que, no caso dos autos, os meios de prova que suportaram a condenação do arguido são nulos, o que tem consequências no Acórdão já transitado em julgado e do qual ora se recorre, e o que deve ser declarado com as legais consequências.

j) O método de obtenção de prova proibido leva a que qualquer elemento probatório daí retirado seja automaticamente nulo, por efeito da denominada teoria dos frutos da árvore envenenada.

 Termos em que muito respeitosamente se requer a V. Exas. Venerandos Conselheiros, que, depois de analisadas as motivações acima aduzidas, seja por decretada a revisão da sentença mencionada e para o efeito seja o processo remetido, in totum, para novo julgamento».

2. Respondeu a Exmª Procuradora da República junto do Juízo central criminal ..., pugnando pela negação da revisão e extraindo da sua resposta as seguintes conclusões (igualmente transcritas):

«1. Vem o presente recurso extraordinário de revisão interposto, nos termos da als. e) e f) do n.º 1, do art. 449.º do Código de Processo Penal por AA, por entender que os dados obtidos junto das operadoras de comunicações móveis e à localização celular, que levaram à sua condenação, já transitada em julgado, o foram ao abrigo das normas dos artigos 4.º, 6.º e 9.º da Lei n.º 32/2008, declaradas inconstitucionais pelo Acórdão do Tribunal Constitucional n.º nº 268/2022, de 19 de abril de 2022.

2. Desde logo, no Acórdão invocado pelo recorrente não resulta qualquer tomada de decisão quanto ao caso julgado, pelo que o mesmo se encontra ressalvado, nos termos do disposto no art. 282.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa.

3. É que as normas feridas do juízo de inconstitucionalidade pelo Tribunal Constitucional, no citado acórdão, não têm natureza substantiva, nem afectam o núcleo essencial do meio de obtenção de prova em causa, ou os direitos fundamentais do arguido, pelo que não existia razão para que a declaração de inconstitucionalidade contemplasse a necessária e expressa excepção à ressalva dos casos julgados.

4. Só circunstâncias substantivas e imperiosas devem permitir a quebra do caso julgado, de modo a que este recurso extraordinário se não transforme em uma apelação disfarçada. O que no caso não ocorreu.

5. Sem prescindir sempre se dirá que no caso em apreço, obtenção de prova digital nos presentes autos, maxime, a localização celular não se tratava de prova proibida, tendo sido precedida da respectiva autorização judivial.

6. Com efeito, o Ministério Público promoveu ao MM.º Juiz de Instrução a realização das diligências no despacho de fls. 1002, designadamente se oficiasse às operadoras de comunicações móveis, o que veio a ser autorizado. Foi nessa sequência que a “PT” enviou os dados de tráfego solicitado.

7. Assim, a prova mencionada pelo recorrente foi validamente obtida, na sequência do despacho do Ministério Público e do MM.º Juiz de Instrução, pelo que não existe qualquer nulidade.

8. Pelo exposto, deverá ser indeferido o requerido, negando-se a revisão do douto acórdão condenatório.

Nestes termos e nos demais de direito,

Deverá o presente recurso ser julgado improcedente e, em consequência, NEGAR-SE A REVISÃO do douto acórdão condenatório, nos termos do disposto no art. 456.º do Código de Processo Penal, assim se fazendo JUSTIÇA!».


III. O Mº juiz do Juízo central criminal ..., J..., prestou a informação a que se refere o artº 454º do CPC, nos seguintes termos (já com a rectificação operada pelo despacho proferido em 13/6/2023):

«(…)

No presente caso, o recorrente anuncia agir ao abrigo das als. e) e f), do n.º 1, do art.º 449.º, do C.P.P. sendo que a sua argumentação assenta na decisão do acórdão do TC n.º 268/2022.

No citado acórdão n.º 268/2022 decidiu-se “a) Declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do artigo 4.º da Lei n.º 32/2008, de 17 de julho, conjugada com o artigo 6.º da mesma lei, por violação do disposto nos números 1 e 4 do artigo 35.º e do n.º 1 do artigo 26.º, em conjugação com o n.º 2 do artigo n.º 18.º, todos da Constituição; b)Declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do artigo 9.º da Lei n.º 32/2008, de 17 de julho, relativa à transmissão de dados armazenados às autoridades competentes para investigação, deteção e repressão de crimes graves, na parte em que não prevê uma notificação ao visado de que os dados conservados foram acedidos pelas autoridades de investigação criminal, a partir do momento em que tal comunicação não seja suscetível de comprometer as investigações nem a vida ou integridade física de terceiros, por violação do disposto no n.º 1 do artigo 35.º e do n.º 1 do artigo 20.º, em conjugação com o n.º 2 do artigo 18.º, todos da Constituição.”

O art.º 282.º, n.º 1, da CRP preceitua que “a declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade com força obrigatória geral produz efeitos desde a entrada em vigor da norma declarada inconstitucional ou ilegal e determina a repristinação das normas que ela, eventualmente, haja revogado”, o n.º 3 determina que “ficam ressalvados os casos julgados, salvo decisão em contrário do Tribunal Constitucional quando a norma respeitar a matéria penal, disciplinar ou de ilícito de mera ordenação social e for de conteúdo menos favorável ao arguido.”

Ou seja, mesmo que se admita que as normas declaradas inconstitucionais em causa consubstanciem “matéria penal” no sentido que releva para o art.º 282.º, sempre se exigiria que o Tribunal Constitucional tivesse decidido em contrário à ressalva do caso julgado, para que este, em concreto, pudesse ceder. O que não ocorreu.

O Tribunal Constitucional tem reafirmado a natureza da intangibilidade do caso julgado como subprincípio do princípio da segurança e certeza jurídica, inerente ao modelo do Estado de direito democrático, emergente do art.º 2.º, da CRP (acórdãos n.º 192/22, n.º 151/2015 e n.º 680/2015). A ressalva de caso julgado decorre de norma constitucional expressa, e, na situação em análise, nada foi decidido em contrário pelo Tribunal Constitucional.

No presente caso, o Tribunal Constitucional não afastou a regra da intangibilidade das sentenças e acórdãos transitados em julgado, incluindo aqueles que tenham considerado para a condenação provas obtidas à luz das normas da Lei n.º 32/2008, declaradas inconstitucionais.

Assim sendo, falece o fundamento da al. f) invocado para a revisão.

Falece também o outro fundamento invocado para a revisão, já que a al. e) surge nomeada pelo recorrente na estrita decorrência da argumentação desenvolvida em torno do referido acórdão do Tribunal Constitucional.

No entanto, não deixa de se consignar que não serviram de fundamento à condenação provas proibidas nos termos dos n.ºs 1 a 3 do art.º 126.º do C.P.P.

Pelo exposto e abrigo do art.º 454.º do C.P.P., afigura-se que não merece mérito o pedido de revisão.

(…)».


IV. O Exmº Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal emitiu douto parecer, no sentido de que o recurso deve improceder:

«(…)

III - Apreciação

Para evitar repetições inúteis, desde já se consigna concordarmos, inteiramente, com a resposta apresentada a 2 de junho de 2023 pela Exma. Srº. Procuradora da República junto da Instância recorrida, bem como com a informação prestada nos termos do disposto no art.º 454º do Código de Processo Penal pelo Exm. Sr. Juiz de Direito a 5 de junho de 2023 (retificada através de despacho proferido a 13 de junho de 2023).

Aliás, o acerto e pertinência de ambas as peças processuais dispensa-nos de maiores comentários.

Cremos, com efeito, que, in casu, se não verificam os pressupostos dos quais depende a admissão de um recurso extraordinário desta natureza.

E, fazemos notar que, embora o Recorrente aluda às alíneas e) e f) do nº 1 do artigo 449º do Código de Processo Penal, na verdade a peça recursiva apenas se desenvolve com suporte no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 268/2022, de 19 de abril de 2022.

E, a este propósito importa apenas recordar que – como atrás se deixou referido - a sentença revidenda já se encontrava transitada em julgado quando tal acórdão ganhou eficácia jurídica.

Com efeito, tendo sido proferido a 19 de abril de 2022, foi publicado no Diário da República, I série, nº 108, de 3 de junho de 2022, sendo a partir desta última data que, face ao disposto no artigo 119º, nºs 1 alínea g) e 2 da Constituição da República Portuguesa, tal decisão ganha eficácia jurídica.

Finalmente, dispõe o n.º 1, do art.º 282º, da Constituição da República Portuguesa que a declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade, com força obrigatória geral, de uma norma, produz efeitos desde a respetiva entrada em vigor.

Ou seja, porque a decisão revidenda transitou em julgado em data anterior à publicação do acórdão do Tribunal Constitucional a que vimos fazendo referência, não pode este constituir fundamento para a pretendida revisão, já que o n.º 3 do aludido artigo 282º exceciona os casos em que tenha ocorrido o aludido trânsito em julgado.

É certo que essa mesma norma permite, em alguns casos, que essas decisões possam sobrepor-se ao caso julgado, mas, para que tal aconteça, é necessário que o Tribunal Constitucional o declare expressamente.

Com efeito e como bem se sublinhou no acórdão n.º 108/2012 proferido por aquela Instância e relatado por Maria Lúcia Amaral:

O “Estado de direito é, também, um Estado de segurança. Por isso, dificilmente se conceberia o ordenamento de um Estado como este que não garantisse a estabilidade das decisões dos seus tribunais. Ao contrário da função legislativa, que, pela sua própria natureza, tem como característica essencial a autorrevisibilidade dos seus actos (nos limites da Constituição), a função jurisdicional, que o artigo 202.º da CRP define como sendo aquela que se destina a “assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos”, a “reprimir a violação da legalidade democrática” e a “dirimir os conflitos de interesses públicos e privados”, não pode deixar de ter como principal característica a tendencial estabilidade das suas decisões, esteio da paz jurídica. Por esse motivo, o artigo 282.º ressalvou, como derrogação à regra da eficácia ex tunc das declarações de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, a intangibilidade do caso julgado, opondo assim ao valor negativo da inconstitucionalidade o valor positivo da questão já decidida pelo tribunal. Ao estabelecer esta oposição, fazendo nela prevalecer a força vinculante do caso julgado, o legislador constituinte revelou a forma como procedeu à ponderação de dois bens ou valores: entre a garantia da normatividade da constituição, e a consequente forte censura dos actos inconstitucionais, e a garantia da estabilidade das decisões judiciais, especialmente exigida pelo Estado de direito, a constituição optou em princípio pela segunda, salvos os casos, impostos pelo princípio do favor rei, previstos na segunda parte do nº 3 do artigo 282.º”

Voltando ao caso em apreço, o citado acórdão n.º 268/2022 nada dispôs relativamente à intocabilidade das decisões transitadas em julgado que, porventura, tivessem aplicado normas, entretanto, declaradas inconstitucionais.

Assim, em síntese e como tem sido jurisprudência absolutamente pacífica deste Supremo Tribunal de Justiça, tal aresto não é aplicável ao caso dos autos.

IV - Conclusão

O Acórdão do Tribunal Constitucional invocado pelo Recorrente nada dispôs no sentido de poder ser aplicado a decisões judiciais anteriormente transitadas em julgado, como é o caso da sentença em apreço.

De qualquer forma e como se alcança da sua fundamentação, a decisão revidenda não se apoiou nas normas declaradas inconstitucionais pelo aludido acórdão.

Parece-nos, pois, em conformidade, dever ser negada a requerida revisão».


V. Colhidos os vistos, cumpre decidir, em conferência:


1. Estatui-se no artº 449º, nº 1, do CPP, no que ao caso interessa:

“A revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando:

(…)

e) Se descobrir que serviram de fundamento à condenação provas proibidas nos termos dos nºs 1 a 3 do artigo 126º;

f) Seja declarada, pelo Tribunal Constitucional, a inconstitucionalidade com força obrigatória geral de norma de conteúdo menos favorável ao arguido que tenha servido de fundamento à condenação.

(…)”.

A revisão de sentença, com consagração constitucional (artº 29º, nº 6 da CRP), tem natureza excepcional, na pura e exacta medida em que constitui uma restrição evidente ao princípio da segurança jurídica. Como refere Paulo Pinto de Albuquerque, “Comentário do CPP”, 1206, «só circunstâncias “substantivas e imperiosas” (…) devem permitir a quebra do caso julgado, de modo a que este recurso extraordinário se não transforme em uma “apelação disfarçada”».

As als. e) e f) supra transcritas não constavam, como é sabido, da versão original do actual Código de Processo Penal, tendo sido introduzidas pela Lei 48/2007, de 29/8.

Consta da exposição de motivos da Proposta de Lei 109-X/2, que esteve na origem da referida Lei 48/2007:

“Acrescentam-se novos fundamentos ao recurso extraordinário de revisão: a descoberta de que serviram de fundamento à condenação provas proibidas; a declaração, com força obrigatória geral, da inconstitucionalidade de norma de conteúdo menos favorável ao arguido que tenha constituído ratio decidendi (…)”.

Em rigor, o recorrente não invoca expressamente a al. al. e) do nº 1 do artº 449º do CPP, como fundamento deste recurso (contrariamente ao referido na resposta do MºPº na 1ª instância, no despacho a que alude o artº 454º do CPP e no parecer do Exmº Procurador-Geral Adjunto, neste Supremo Tribunal).

Nem, verdadeiramente, o poderia fazer, porquanto a utilização das provas que agora entende serem nulas não constitui para si (nem, naturalmente, para o tribunal – que as aplicou) qualquer novidade. Isto é, não foram “descobertas” após trânsito em julgado da decisão recorrida.

Como esclarecidamente se afirma no Ac. STJ de 20/1/2021, Proc. 374/11.8PFAMD-B.S1 [1]:

«Comentando este preceito, escreve PEREIRA MADEIRA:

“Na alínea e) do n.º 1, aditada pela Lei n.º 48/2007, de 29/8, passou a ser prevista a descoberta – depois da prolação da sentença revidenda, pois se antes, será a questão objecto de recurso ordinário – de provas proibidas que serviram de suporte à condenação”. (…) Não basta – acrescenta o mesmo autor – “a mera invocação do uso de prova proibida para que a revisão seja lograda. Importa, por um lado, que essa descoberta se mostre posterior à decisão e confirmada no processo de modo claro e inequívoco, embora sem necessidade de confirmação por sentença, como acontece no caso previsto nas alíneas a), b) e c). E, por outro, que tais provas serviram – em maior ou menor medida – de fundamento à condenação” [2]».

E, como no mesmo aresto se afirma, neste sentido vai a generalidade da jurisprudência deste STJ.

Assim e, v.g., decidiu-se no Ac. STJ de 29/1/2014, Proc. 528/06.9TAVIG-A.S1 [3]: “Para efeitos do preenchimento do fundamento previsto na al. e) do n.º 1 do art. 449.º do CPP, como se afirmou no Ac. do STJ de 28-10-2009, Proc. n.º 109/94.8TBEPS-A.S1, não basta a verificação de condenação baseada em provas proibidas. Antes, para o fim em vista e tendo em conta a natureza excepcional da revisão de sentença transitada em julgado, relevam apenas o uso ou a utilização e a valoração das provas proibidas quando aqueles tiverem sido descobertos em momento ulterior ao da prolação da sentença”. No mesmo sentido, Ac. STJ de 16/10/2014, Proc. 370/08.2TAODM.E1-A.S1 [4]: “(…) só se pode considerar verificada a situação da al. e) do n.º 1 do art. 449.º do CPP se a «descoberta» de que serviram de fundamento à condenação provas proibidas daquela natureza tiver ocorrido num momento em que o vício já não podia ser considerado na decisão condenatória. Só se pode dizer que foi «descoberta» uma situação com relevo para a decisão de condenar ou absolver se ela era ou também era desconhecida do tribunal que proferiu a decisão. Se o tribunal conhecia toda a envolvência da situação mas fez dela um incorrecto ajuizamento, o que houve foi um erro de julgamento, para cuja correcção a lei pressupõe serem suficientes as vias ordinárias admissíveis[5].

O recorrente sabia, naturalmente, do uso que o tribunal recorrido fizera das provas obtidas através da solicitação dos dados que refere na sua motivação de recurso às operadoras de telemóveis.

Entendendo que as mesmas enfermavam de qualquer nulidade ou que as normas ao abrigo das quais haviam sido solicitadas enfermavam de inconstitucionalidade, deveria ter suscitado tais questões no recurso ordinário que interpôs para o Tribunal da Relação.

Certo é que a utilização de tais provas nada tem de novidade, quer para o recorrente, quer para o tribunal, não podendo constituir fundamento autónomo de um recurso de revisão.

Mas, verdadeiramente, aquilo que o recorrente afirma é algo de diferente: aquilo que sustenta é que um acórdão do Tribunal Constitucional declarou a inconstitucionalidade com força obrigatória geral de norma ao abrigo da qual foram solicitados às operadoras de telemóveis os dados que refere na sua motivação. Ou, dito de outra forma, o fundamento deste recurso de revisão encontra-se, de facto, na al. f) do nº 1 do artº 449º do CPP.

Vejamos:

A questão trazida à apreciação deste Supremo Tribunal não é nova: suscitada em diversos recursos de revisão interpostos na sequência da publicação do Ac. TC nº 268/2022, tem merecido deste Tribunal resposta uniforme, relativamente à qual não vemos motivos para divergir.

Na 1ª série do DR nº 108, de 3/6/2022, foi publicado o Ac. TC nº 268/2022, proferido em 19/4/2022 e onde se decidiu:

“a) Declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do artigo 4.º da Lei n.º 32/2008, de 17 de julho, conjugada com o artigo 6.º da mesma lei, por violação do disposto nos n.ºs 1 e 4 do artigo 35.º e do n.º 1 do artigo 26.º, em conjugação com o n.º 2 do artigo 18.º, todos da Constituição;

b) Declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do artigo 9.º da Lei n.º 32/2008, de 17 de julho, relativa à transmissão de dados armazenados às autoridades competentes para investigação, deteção e repressão de crimes graves, na parte em que não prevê uma notificação ao visado de que os dados conservados foram acedidos pelas autoridades de investigação criminal, a partir do momento em que tal comunicação não seja suscetível de comprometer as investigações nem a vida ou integridade física de terceiros, por violação do disposto no n.º 1 do artigo 35.º e do n.º 1 do artigo 20.º, em conjugação com o n.º 2 do artigo 18.º, todos da Constituição”.

Nos termos das disposições conjugadas dos artºs 4º e 6º da Lei 32/2008, de 17/7, os fornecedores de serviços de comunicações electrónicas publicamente disponíveis ou de uma rede pública de comunicações devem conservar, por um ano a contar da data da conclusão da comunicação, determinadas categorias de dados: dados necessários para encontrar e identificar a fonte e o destino de uma comunicação, para identificar data, hora, duração e tipo de comunicação, para identificar o equipamento de telecomunicações dos utilizadores, ou o que se considera ser o seu equipamento, bem como a localização do equipamento de comunicação móvel.

Por seu turno, o artº 9º do mesmo diploma esclarece quem pode autorizar a transmissão dos dados referentes às categorias previstas no artigo 4º, o modo e as condições de tal autorização, quem a pode requerer e relativamente a que entidades.

Posto isto:

Sob a epígrafe “Efeitos da declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade”, dispõe-se no artº 282º da Constituição da República Portuguesa:

“1. A declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade com força obrigatória geral produz efeitos desde a entrada em vigor da norma declarada inconstitucional ou ilegal e determina a repristinação das normas que ela, eventualmente, haja revogado.

2. Tratando-se, porém, de inconstitucionalidade ou de ilegalidade por infracção de norma constitucional ou legal posterior, a declaração só produz efeitos desde a entrada em vigor desta última.

3. Ficam ressalvados os casos julgados, salvo decisão em contrário do Tribunal Constitucional quando a norma respeitar a matéria penal, disciplinar ou de ilícito de mera ordenação social e for de conteúdo menos favorável ao arguido.

4. Quando a segurança jurídica, razões de equidade ou interesse público de excepcional relevo, que deverá ser fundamentado, o exigirem, poderá o Tribunal Constitucional fixar os efeitos da inconstitucionalidade ou da ilegalidade com alcance mais restritivo do que o previsto nos n.os 1 e 2”.

Decorre com meridiana clareza da norma constitucional acabada de referir que ficam ressalvados dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade os “casos julgados”, a não ser que o TC expressamente decida em contrário, posto que a norma declarada inconstitucional respeite a “matéria penal” e “for de conteúdo menos favorável ao arguido”.

Ora, como resulta claro da leitura do Ac. TC nº 268/2022, nele nada se decidiu em contrário à ressalva dos casos julgados.

Eventualmente, pela pura e simples razão de que as normas declaradas inconstitucionais não têm natureza substantiva e não são de conteúdo “menos favorável ao arguido”.

O STJ, em acórdão proferido em 1/2/2023, Proc. 35/17.4GACHV-A.S1, rel. Cons. Teresa Almeida, assim o considerou:

“Em causa, no Acórdão em referência, encontram-se normas de processo penal, relativas a um meio de obtenção de prova e, sendo embora, em consequência, o próprio meio colocado, de certo modo, em crise, a inconstitucionalidade desvela-se em matérias que:

- não se referem ao arguido em processo penal, mas ao armazenamento antecedente, geral e indiscriminado, incluindo, potencialmente, todos os cidadãos, pelo período de 1 ano, de dados relativos a comunicações realizadas, em territórios exteriores ao espaço da União Europeia,

Ou,

- respeitam à não previsão de notificação ao visado de que os dados conservados foram acedidos pelas autoridades de investigação criminal, a partir do momento em que tal comunicação não seja suscetível de comprometer as investigações nem a vida ou integridade física de terceiros.

Referindo-se a um meio de obtenção de prova, a declaração de inconstitucionalidade não versa sobre a própria essência da obtenção de dados de tráfego de comunicações eletrónicas, mesmo no caso das comunicações pretéritas, mas sobre o meio e a forma encontrados pelo legislador europeu e pelos direitos nacionais para operacionalizar a obtenção nos casos de criminalidade grave – a criação de um “arquivo” geral e sem limitações quanto à sua sede.

A norma inconstitucional dificilmente se poderá, até, configurar como uma norma processual penal, constituindo, na verdade, o alargamento (temporal e de categorias de dados) da base de faturação das operadoras relativas às comunicações dos últimos 6 meses.

Tendo, não olvidamos, como fim a investigação criminal de crimes graves, o normativo, na parte declarada inconstitucional pela 1.ª parte da decisão do TC, não disciplina o modo de acesso pelas autoridades judiciárias, nem os crimes subjacentes à decisão de acesso – dispõe sobre o modelo e conteúdo do armazenamento.

Por outro lado, quanto ao n.º 2 da parte decisória do Acórdão, a inconstitucionalidade refere-se à ausência de previsão de uma notificação ao visado de que os dados conservados foram acedidos pelas autoridades de investigação criminal, “a partir do momento em que tal comunicação não seja suscetível de comprometer as investigações nem a vida ou integridade física de terceiros”, ou seja, de forma clara, a uma norma processual stricto sensu que não é, pela sua natureza, suscetível de afetar os direitos fundamentais do arguido.

Em suma, as normas em causa no Acórdão do TC não têm natureza substantiva e não afetam quer o núcleo essencial do meio de obtenção de prova em causa, quer os direitos fundamentais do arguido.

Inexistindo, pois, razão para que a declaração de inconstitucionalidade contemplasse a necessária e expressa exceção à ressalva dos casos julgados”.

E, mais adiante, acrescenta-se no mesmo aresto:

«Para Gomes Canotilho e Vital Moreira [6], «a possibilidade de revisão de sentenças constitutivas de caso julgado em matéria penal ou equiparada não é automática, pois tem de ser expressamente decidida pelo TC na sentença que declarar a inconstitucionalidade (ou ilegalidade) da norma, não podendo obstar a isso o preceito (de resto, de constitucionalidade muito duvidosa) do artº 2º-4 do Cód. Penal. Em suma, estabelece-se aqui uma limitação automática dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade ou ilegalidade, em homenagem ao princípio do caso julgado (…), limitado este pelo princípio da norma penal (ou equiparada) mais favorável».

(…)

Sintetizam, assim, os efeitos da declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral “1º- o regime-regra – que nem sequer precisa de ser explicitado pelo TC e que vale na falta de qualquer declaração sobre o assunto – é o de que os efeitos se produzem desde a entrada em vigor da norma declarada inconstitucional ou ilegal, (ou desde o momento em que ela se tornou superveniente inconstitucional ou ilegal), salvo quanto aos casos julgados, que não são afectados; 2º o TC poderá ampliar os efeitos normais da declaração quanto à questão da ressalva dos casos julgados, excluindo dessa ressalva certos casos, nos termos do n.º 3; 3º- o TC pode restringir os efeitos da declaração, quanto a dois aspectos: eliminando, total ou parcialmente, o efeito repristinatório e protelando o início de produção dos efeitos da declaração (de todos ou de parte deles)”».

E a verdade é que, como já referimos, o TC nada decidiu em contrário à ressalva dos casos julgados dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade.

Ora, como referem Jorge Miranda e Rui Medeiros [7], «O fundamento último da solução consagrada na primeira parte do nº 3 do artigo 282 da Constituição não se encontra só no respeito pela autoridade própria dos tribunais ou num princípio de separação de poderes, estando indissociavelmente ligado a uma exigência de segurança jurídica. “Colocado entre dois campos de interesses opostos – de um lado a consideração do interesse da certeza e segurança jurídicas, a demandar o respeito pelo caso julgado, com a sua natureza definitiva, e do outro o interesse do respeito pela legalidade constitucional, a solicitar a reconstituição da ordem jurídica constitucional mediante o afastamento da norma que a violava e de todos os efeitos jurídicos produzidos á sua sombra -, o legislador constitucional sobrepôs o primeiro ao segundo, pondo como limite ao efeito ex tunc da inconstitucionalidade a existência de caso julgado formado relativamente a situação em que tenha ocorrido a aplicação da norma declarada inconstitucional” (acórdão nº 232/04). E não se diga que, por esta via, se verifica “um verdadeiro fenómeno de autoderrogação constitucional”, admitindo-se a derrogação do princípio de que a validade de todos os atos do poder público depende da sua conformidade com a Constituição (PAULO OTERO, Ensaio, pag. 89). É que, em rigor, o problema não está na opção entre privilegiar a plenitude da Constituição ou, ao invés, a certeza do direito declarado judicialmente, porquanto a certeza do direito declarado judicialmente (ainda que inconstitucional …) é, ela própria, uma das formas de que se reveste a certeza constitucional. Nesta perspetiva, num Estado de Direito, que protege a confiança e tutela a segurança jurídica, a ressalva dos casos julgados constitui ainda uma forma de assegurar a primazia da ordem constitucional (cfr, para maiores desenvolvimentos, JORGE MIRANDA; Fiscalizaçõa da Constitucionalidade, pags 335 e segs; RUI MEDEIROS, A decisão de inconstitucionalidade, pags 548 e segs – cfr ainda, na jurisprudência mais recente, Acórdãos nºs 108/12 e 680/15)».

Nada tendo o Tribunal Constitucional expressamente decidido em contrário no Ac. nº 268/2022, ficam naturalmente ressalvados dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade aí declarada, os casos julgados, maxime, o que se formou sobre a decisão cuja revisão ora se pretende [8].

E daqui resulta que o artº 449º, nº 1, al. f) do CPP haja de ser lido em conjugação com o estatuído no nº 3 do artº 282º da CRP e por forma a obter uma interpretação do mesmo conforme à Constituição.

É este, também o entendimento de Paulo Pinto de Albuquerque, em anotação ao artº 449º, nº 1, al. f) do CPP [9]: “Simas Santos (2008 b: 381) pronuncia-se no sentido da inconstitucionalidade da disposição em face do artº 282º, nº 3 da CRP, supondo a revisão obrigatória de todos os casos julgados penais em contrário da declaração geral de inconstitucionalidade (também no sentido de que esta previsão geral “não implica uma possibilidade de arbítrio do Tribunal Constitucional” e de “o Tribunal Constitucional se deverá pronunciar em matéria de declaração de inconstitucionalidade das normas penais mais favoráveis sobre a reabertura do caso julgado”, Fernanda Palma, 2008: 15, e já antes assim, Rui Pereira, 1991: 72). Mas o artigo 449º, nº 1, al. f) admite interpretação restritiva aos casos julgados postos em causa por decisão expressa do TC. Isto é, a al. f) do nº 1 deve ser sujeita a uma interpretação conforme ao artigo 282º, nº 3, parte final, da CRP, no sentido de só constituir fundamento de revisão a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral relativamente aos casos julgados determinados pelo TC” [10].

E assim postas as coisas, assente a inexistência de decisão em contrário pelo TC, a declaração de inconstitucionalidade determinada no Ac. 268/2022 não constitui fundamento de revisão da sentença, coberta por caso julgado, que aqui se pretende rever.

           

VI. São termos em que, sem necessidade de mais considerações, acordam os Juízes deste Supremo tribunal de Justiça em negar a revisão pedida pelo arguido AA, por falta de fundamento legal.

Pagará o recorrente as custas do processo, fixando-se em 3 UC’s a taxa de justiça.


Lisboa, 29 de Junho de 2023 (processado e revisto pelo relator)


Sénio Alves (Juiz Conselheiro relator)

Teresa Féria (Juíza Conselheira 1ª adjunta)

Pedro Branquinho Dias (Juiz Conselheiro 2º adjunto)

Nuno Gonçalves (Juiz Conselheiro Presidente da 3ª Secção)

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[1] Acessível, como os demais, relativamente aos quais não for indicada fonte diversa, em www.dgsi.pt.
[2] ANTÓNIO DA SILVA HENRIQUESGASPAR, JOSÉ ANTÓNIO HENRIQUES DOS SANTOS CABRAL, EDUARDO MAIA COSTA, ANTÓNIO JORGE DE OLIVEIRA MENDES, ANTÓNIO PEREIRA MADEIRA, ANTÓNIO PIRES HENRIQUES DA GRAÇA, Código de Processo Penal Comentado, 2016 – 2.ª Edição Revista, Almedina, p. 1509.
[3] Acessível aqui: https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2023/03/criminal2014.pdf.
[4] Acessível no mesmo sítio do anterior.
[5] No mesmo sentido, Ac. STJ de 8/11/2017, Proc. 108/10.4PEPRT-F.S1, acessível em https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2018/06/criminal_sumarios_2017.pdf.; como o Ac. STJ de 3/5/2018, Proc. 10939/16.6P8LSB-A.S1, acessível aqui: https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2019/06/criminal_sumarios_2018.pdf - “Não basta a invocação do uso de prova proibida. É preciso que esse uso seja descoberto em momento posterior à decisão revidenda e isso confirmado de modo inequívoco. Este dado da descoberta posterior é fundamental pois se o uso de prova proibida é conhecido, no limite, até ao momento de ser proferida decisão final o meio próprio de a tal obstar é o recurso ordinário. Nunca o recurso extraordinário”; ou, ainda, o Ac. STJ de 4/7/2018, Proc. 1006/15.0JABRG-D.S1, acessível no mesmo sítio do anterior: “Necessário é que a descoberta da invalidade seja posterior ao trânsito da decisão condenatória. Parece ser esta a única interpretação possível da expressão “se descobrir”, paralela aliás à da al. d), que significa a emergência de um facto novo, desconhecido até ao termo da discussão da causa, e por isso insuscetível de ter sido invocado pelo interessado em sede de recurso ordinário”; ou, por fim e mais recentemente, no Ac. STJ de 9/3/2023, Proc. 476/18.0PIPRT-AR.S1, www.dgsi.pt.
[6] Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume II, 4ª edição revista, Coimbra Editora, pág. 976 e 977.
[7] Apud Ac. STJ de 6/9/2022, Proc. 618/16.0SMPRT-B.S1.
[8] Neste sentido e como se disse, vem decidindo de forma uniforme este Supremo Tribunal de Justiça: cfr., a título exemplificativo, os Acs. deste tribunal de 6/9/2022, Proc. 4243/17.0T9PRT-K.S1, de 21/9/2022, Proc. 79/13.5JBLSB-C.S1, de 10/11/2022, Proc. 35/15.9PESTB-Z.S2, de 9/3/2023, Proc. 476/18.0PIPRT-AR.S1, de 10/1/2023, Proc. 731/09.0GBMTS-J.S1, de 13/4/2023, Proc. 4778/11.8JFLSB-B.S1, de 1/2/2023, Proc. 35/17.4GACHV-A.S1 e de 4/5/2023, Proc. 16/18.0GAOAZ-D.S1.
[9] “Comentário do Código de Processo Penal …”, 4ª edição actualizada, 1213/1214.
[10] No mesmo sentido apontam os arestos deste STJ, referidos na nota 8.