Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
504/22.4JELSB.L1.S1
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: AGOSTINHO TORRES
Descritores: RECURSO PER SALTUM
TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
CORREIO DE DROGA
MEDIDA CONCRETA DA PENA
PREVENÇÃO GERAL
Data do Acordão: 10/11/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Sumário :

I- O Supremo Tribunal de Justiça vem desde há muito enfatizando a importância dos “correios de droga”, como peça fundamental na execução do ilícito e na cadeia delitiva do tráfico de estupefacientes concorrendo, de modo direto, para a sua disseminação, pelo que não merecem um tratamento penal de favor. No caso do tráfico internacional de estupefacientes, por meio dos chamados “correios de droga” assume-se como um critério de grande intensidade a prevenção geral, visando forte dissuasão de actividade compensatória financeiramente para aqueles, sob pena de uma verdadeira invasão, já por si muito acentuada, de introdução de estupefacientes na Europa através de países da periferia Europeia Atlântica, como Portugal. Expressivo dessa elevadíssima necessidade de prevenção foi o salientado em documento assinado em Roma, a 11 de Junho de 2021 por membros do Judiciário do Brasil, Argentina, Portugal e Itália apontando a necessidade de respostas penais diferenciadas para cada tipo de delito envolvendo as drogas.


II- Ainda que o “correio de droga ” possa não ter um conhecimento da exacta quantidade de produto estupefaciente que transporte, não corresponde às regras da experiência comum que não tenha ao menos uma ideia da quantidade e qualidade do produto estupefaciente. A quantidade (acima de 7 kgs , que daria para 26.873 doses individuais de consumo) e a natureza (cocaína com elevada pureza) do produto apreendido não pode deixar de ser considerado no desvalor da ação, no momento da determinação da medida da pena e revelando um elevado grau de ilicitude.


III- O facto de o arguido ser «apenas» um «correio», levado a anuir ao transporte em função da sua debilidade económica pode apenas diminuir ligeiramente a culpa, embora seja evidente que “os «correios», no caso de transporte aéreo entre continentes, facilitam sobremaneira o tráfico e a sua actividade não é de somenos importância, pelo contrário”. A pena de 6 anos de prisão, ainda assim abaixo do patamar intermédio da moldura penal (fixada no quadrante inferior do intervalo de 4 a 12 anos) não se afasta de hipóteses similares respeitantes aos chamados “correios de droga”, de que são exemplo as decisões do Supremo Tribunal de Justiça indicadas no acórdão de 28-10-2020 (proc. n.º 475/19.4JELSB.S1), tomadas em consideração nos acórdãos de 24-3-2022 (proc. n.º 134/21.8JELSB.L1.S1) e de 6-7-2023 (proc. n.º 2332/22.8JAPRT.S1) publicados in www.dgsi.pt. e não se afastados padrões sancionatórios seguidos na jurisprudência, considerando aquela quantidade da cocaína importada e detida pelo arguido.]

Decisão Texto Integral:

ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 5ª SECÇÃOCRIMINAL DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


I-RELATÓRIO


1.1 – Por Acórdão de 18/05/2023, do Tribunal Central Criminal de Lisboa o arguido o AA foi condenado na pena de 6 Anos de Prisão, pela prática de um crime de Tráfico de Estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1 do DL nº 15/93, de 22.01, com referência à Tabela I-B anexa ao citado diploma.


1.2 – O arguido, inconformado com a medida da pena, que considera excessiva, recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa, o qual porém, julgando-se incompetente, remeteu para este Supremo Tribunal. E formulou a partir da sua motivação as seguintes conclusões:


“ I. O Recorrido não concorda com a medida da pena a que foi condenado, tendo delimitado o seu Recurso à escolha e à medida da pena, fazendo a sua análise sobre os critérios que subjazem à determinação da mesma.


II. O Acórdão recorrido não ponderou correctamente os circunstancialismos especiais na prática do crime e, por esse motivo, violou uma norma imperativa: o artigo 71.º do Código Penal, bem como o referido princípio constitucionalmente consagrado (escusando-se o Recorrente de transcrever novamente qualquer texto do Aresto colocado em crise, assim como, não irá repetir as transcrições sobre jurisprudência ou doutrina mencionadas, fazendo-se desde já a devida remissão para as Motivações acima escritas).


III. O seu relatório social, que sobe juntamente com os presentes autos, descreve cabalmente as condições de pobreza extrema e as elevadas necessidades dos bens mais elementares e básicos à sua sobrevivência e à sua dignidade enquanto ser humano, que no fundo, estão na base da dominação sofrida pelo Recorrente, ao ter sucumbido às ameaças e ao poder dos grandes traficantes de droga.


Toda esta realidade, embora não seja desculpante da prática do crime, deverá ser levada em linha de conta no que diz respeito à motivação do agente, a intensidade do dolo e o grau de culpa com que actuou.


IV. Falamos, pois, de alguém que não teve o domínio da preparação da mala, que desconhecia qual o produto estupefaciente que seria transportado e as respectivas quantidades.


O Recorrente que viajava com destino a... não mais iria mexer na mala que estava a transportar em seu nome e de acordo com o seu relato em Tribunal, seria alguém ligado ao aeroporto em ... que iria proceder ao desvio da mala, sem que este tivesse de a ir buscar.


V. Milita também a favor da necessária ponderação, o facto de o Recorrente ter sido interceptado, evitando-se a sua dispersão pelas ruas de..., bem como, a circunstância de não ter recebido qualquer pagamento por parte dos traficantes que se aproveitam de pessoas carenciadas, como aqui é relatado.


VI. Pela conjugação do artigo 71.º, n.º 1 e do artigo 40.º, n.º 2, ambos do Código Penal, concluímos que a medida da pena será computada em função da culpa do agente, bem como as necessidades de prevenção, não podendo a pena aplicada, em caso algum, ser superior à culpa do agente, atendendo às necessidades de prevenção geral e especial, sempre sem perder de vista um juízo de equidade.


VI. Entende o Recorrente que a pena em que foi condenado é excessiva e inadequada ao caso em apreço devendo ficar mais próxima do mínimo legal. O Acórdão agora colocado em crise, na parte a que temos vindo a fazer alusão, apresentou uma fundamentação igual a tantas outras (a este propósito remetemos para as Motivações acima, que transcrevem o trecho da decisão), limitando-se a mencionar os normativos legais aplicáveis, sem verdadeiramente fazer uma análise aos elementos subjectivos do tipo legal de crime.


VII. O artigo 71.º, n.º 1 do Código Penal, estatuí as exigências de prevenção, quando se reporta à determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, obviamente em abstracto. Ao ser invocada e determinada a pena a aplicar por tal ordem de considerações, o douto Acórdão Recorrido violou uma norma imperativa: o mencionado artigo 71.º do Código Penal, bem como o referido princípio constitucionalmente consagrado


VIII. Já nos termos do estatuído no artigo 71.º, n.º 2 do Código Penal, a medida concreta da pena concorre por um lado, com a culpa e grau de ilicitude e, por outro lado, o escopo da ressocialização do agente.


Por isso insistimos que, em caso algum, a pena aplicada pode ultrapassar a medida da culpa, dependendo ainda da personalidade do arguido. Como referido, há, pois, que levar em consideração o grau de ilicitude do facto, o seu modo de execução, a gravidade das suas consequências e o grau de violação dos deveres impostos ao agente, a intensidade do dolo ou da negligência, os sentimentos manifestados no cometimento do crime, as motivações do agente, etc., tudo em obediência ao artigo 71.º, n.º 2 do Código Penal.


IX. Atenta toda a prova produzida em sede de audiência de julgamento, as declarações do Arguido e o relatório social elaborado, não nos parece tão acentuada e reveladora da necessidade de uma pena de prisão tão elevada, estando provado que a sua actuação foi reflexo de alguém que, estando refém da sua necessidade, da sua precária saúde, que sem as várias intervenções cirúrgicas, nem sequer consegue ter um emprego (a este propósito o Estado Português já teve intervenção junto do Recorrente, o qual tem já agendada cirurgia para Setembro próximo).


X. Ainda a este propósito importa referir que sendo as necessidades de prevenção especial diminutas, atento os limites máximo da moldura penal em termos de pena abstractamente aplicável a este tipo de crime, parece-nos que a medida da pena decidida aplicar ao Recorrente se mostra desajustada, por manifestamente excessiva.


XI. Como deixámos expresso nas Motivações, “A pena é castigo, mas o castigo não é apenas prisão.”. Queremos com isto dizer que, embora exista uma forte possibilidade de nem sequer passar pela cabeça do julgador, o qual até pode nem sequer considerar relevante, a verdade é que o Recorrente ao ter sido condenado numa pena de prisão, enfrenta uma dupla punição, isto porque, terá em todos os dias da reclusão vivenciar a violência existente nas prisões, a sobrelotação dos espaços, a falta de condições alimentares, o atentado à dignidade humana com a entrega de comida estragada, a violência sexual, as doenças contagiosas e muitas delas mortais. Também a ausência de condições para trabalharem, a falta de ensino e, a par de tudo isto, a gravíssima falta de profissionais especializados que possa dar resposta às necessidades básicas da humanidade dos reclusos, havendo uma grande carência de acompanhamento dos educadores.


XII. Somos de opinião que não está apenas em causa uma teoria sobre a culpa, mas sim, uma ideia de prevenção geral e ética, a qual será entendida não apenas como uma ideia de segregação, mas também, no sentido da ressocialização.


Essa ressocialização, na prática, ou funciona precariamente, ou não funciona – motivo pelo qual ouvimos vezes sem conta que a prisão, é a escola do crime.


Também a ausência de condições para trabalharem, a falta de ensino e, a par de tudo isto, a gravíssima falta de profissionais especializados que possa dar resposta às necessidades básicas da humanidade dos reclusos, havendo uma grande carência de acompanhamento dos educadores.


XIII. São todas estas razões que estão subjacentes ao entendimento do Recorrente de que a pena de prisão a que foi condenado deverá ser diminuída, mais próxima do mínimo legal, ajustando-se assim à sua culpa.


XIV. Nestes termos, nos melhores de Direito e sempre com mui douto suprimento de Vossas Excelências, desde já se requer se dignem conceder provimento ao presente recurso, revogando-se o Acórdão proferido na parte em que aplicou uma pena de prisão de seis anos, substituindo a referida pena por outra mais próxima do limite mínimo.”


1.3 - Em resposta, disse o MºPº, em síntese:


“1. O Acórdão recorrido atendeu às finalidades da punição, ínsitas no Código Penal, mais concretamente, nos arts. 40º, 70º e 71, uma vez que aplicou uma medida da pena totalmente compatível com a consideração dessas realidades.


2. Ao fixar a pena do Arguido como o fez, a dignidade da pessoa humana, princípio consagrado constitucionalmente, corporizada, neste caso, pelo Arguido, de que o princípio da culpa é decorrência directa, não foi, de modo algum, ignorada.


3. A pena fixada foi claramente respeitadora do princípio da culpa, que refere que não há


pena sem culpa, que esta determina a medida da pena e constitui limite inultrapassável da pena, o que o Tribunal observou sem reservas.


4. As necessidades de prevenção geral e especial foram atendidas de forma clara.


5. Atendendo às realidades que devem presidir à aplicação das penas, entende-se que a


sanção encontrada pelo Tribunal é a adequada, consentânea com o nosso sistema penal, com a Jurisprudência e salvaguarda as finalidades da punição.


6. O Tribunal teve em linha de conta os factores a considerar para a determinação da medida concreta das penas, que decorrem dos arts. 40º, 70º e 71º, todos do Código Penal.


7. Pelo que, deverá ser mantida a douta decisão recorrida, considerando-se o Recurso


interposto pelo Arguido improcedente, mantendo-se a decisão recorrida nos seus precisos termos”


1.4- Admitido o recurso e remetido a este Supremo Tribunal de Justiça, o MºPº emitiu parecer no sentido da improcedência. Nomeadamente, considerando:


A conduta do arguido é conhecida como “correio de droga”. Tido o tráfico de estupefacientes por crime pluriofenssivo, há uma pluralidade de bens jurídicos de caráter pessoal e social que são postos em causa - a vida, a integridade física e a liberdade dos virtuais consumidores - a proteção da vida em sociedade, o bem-estar da sociedade, a saúde da comunidade, na medida em que o tráfico dificulta a inserção social dos consumidores e possui comprovados efeitos criminógenos, como tem sido reconhecido pela jurisprudência dos tribunais superiores.


O arguido transportava cocaína, distribuída por várias saquetas. Trata-se de estupefaciente considerado droga dura, o que acentua a ilicitude da conduta.


O facto de transportar esse estupefaciente desde o …, a troco de dinheiro, permite inferir que estava a soldo de traficantes/produtores de estupefaciente, num polo da cadeia de produção e tráfico que é condição imprescindível para esse tipo de atividade delituosa e para o seu êxito criminoso, o que reclama por uma reação do sistema penal que seja efetiva e dissuasora deste tipo de criminalidade.


Está-se, pois, perante um transporte de estupefaciente intercontinental remunerado, que se admite ter sido uma atuação isolada - ainda que sob reserva de que esta foi a que se descobriu -, motivada pela obtenção de proventos económicos e pelo aproveitamento de uma situação de carência económica, mas que ainda assim é a via que, na cadeia do tráfico internacional de estupefacientes, é uma das principais responsáveis pela difusão dos flagelos pessoal, social e até político-económico associados.


A confissão do arguido, face ao flagrante, não tem relevância atenuativa por não representar qualquer interiorização da ilicitude da sua conduta (aliás, contramotivada pela exuberante descoberta dos factos), ainda que a ausência de antecedentes conhecidos a possa ter.


Não há dúvida sobre a modalidade direta do dolo.


A quantidade de cocaína transportada tinha no total mais de 7 quilogramas, e o grau de pureza era de 66,2% a 75%.


A quantidade de estupefaciente transportado e apreendido daria para 26.873 doses individuais de consumo.


Trata-se de fatores que elevam consideravelmente a ilicitude, tanto por se traduzirem num acentuado desvalor da ação, como num acentuado desvalor do resultado no que se refere à amplitude da ofensa aos plúrimos bens jurídicos protegidos.


São fatores que também permitem uma ponderação global da culpa, no que se refere à perigosidade da conduta.


No contexto acabado de referir, a culpa é elevada e impõe uma moldura concreta que não pode ficar abaixo dos 8 anos de prisão, como limite máximo, por estar patente tanto o dolo muito intenso, a consciência plena, planeada e executada, da ilicitude da sua conduta e dos meios usados para a levar a cabo, e bem assim dos resultados voluntariamente pretendidos.


O crime em causa e a relevância dos bens jurídicos ofendidos ou postos em perigo reclama elevada satisfação das necessidades de prevenção geral pela afirmação da validade ou mesmo reforço da norma jurídica violada, onde se encontram ainda razões para dar satisfação ou resposta ao alarme social e insegurança que estes crimes em geral causam e das conhecidas consequências para a comunidade a nível de saúde pública e efeitos colaterais.


É tido, normativamente, como integrando o conceito de criminalidade altamente organizada -artigo 1.º alínea m) do Código de Processo Penal.


São, pois, muito elevadas as exigências de prevenção geral que, no caso em apreço, não consentem que a submoldura concreta da pena a aplicar fique abaixo dos 5 anos de prisão.


No que respeita às exigências de prevenção especial (que devem então fazer coincidir todos os fatores já enunciados com as exigências de que a condenação, mormente em pena de prisão), para que tenha como objetivo a reintegração do delinquente na vida em sociedade sem cometer mais crimes, dever-se-ão considerar ainda a ausência de antecedentes criminais.


Do que fica dito resulta que dentro da submoldura acima apontada (5 a 8 anos), limitada pela culpa e pela exigências de prevenção geral, as exigências de prevenção especial não consentem -dadas as necessidades prementes de impedir a reincidência e as agravantes concretas que importa considerar e a que se aludiu, respeitantes ao modo como o crime foi praticado pelo arguido, com necessários reflexos no grau elevado da ilicitude e da culpa - que a pena concreta seja outra que não a de 6 anos de prisão, a qual nos parece consentânea com os parâmetros que têm sido seguidos pela jurisprudência deste tribunal superior.


Tal pena respeita os princípios constitucionais da intervenção mínima, da proporcionalidade das penas e da igualdade, e sobretudo o princípio da culpa.


Da leitura da decisão recorrida resulta terem sido considerados os fatores relevantes: ilicitude elevada, culpa elevada, correspondente ao dolo intenso, exigências elevadas de prevenção geral, exigências de prevenção especial, designadamente o não ter antecedentes criminais.


Revela-se, assim, a pena aplicada pelo tribunal de 1.ª instância, como uma pena necessária, justa, adequada e ainda proporcionada à culpa.


Afigura-se que, de forma suficiente, na medida da pena, o tribunal a quo alicerçou-se corretamente na consideração da culpa e da prevenção como princípios regulativos dessa medida, e também foi fiel à medida da necessidade de tutela de bens jurídicos face ao caso concreto.


Acompanham-se, deste modo, as alegações do Ministério Público na 1.ª instância. Em conformidade, somos de parecer que o recurso, deverá ser julgado improcedente, confirmando-se integralmente a sentença recorrida.”


*


Não houve resposta do recorrente ao parecer do MPº.


1.5 - Após exame preliminar e vistos legais foram remetidos os autos à Conferência, cumprindo agora explicitar a deliberação tomada.


II- CONHECENDO


2.1- Sem prejuízo do dever de conhecimento oficioso de certos vícios ou nulidades, designadamente dos vícios indicados no art.º 410º, n.º2 do CPP o âmbito do recurso delimita-se pelas questões sumariadas em face das conclusões extraídas da respectiva motivação, visando permitir e habilitar o tribunal ad quem a conhecer as razões de discordância da decisão recorrido. Este entendimento tem sido a posição pacífica da jurisprudência (1).


O Supremo Tribunal de Justiça é também o competente nos termos do art º 432º nº1 alínea c) do CPP. Assim, mostra-se estar apoiado na lei em vigor (norma antes citada) o despacho que remeteu do Tribunal da Relação o presente recurso alegando incompetência para o seu julgamento.


2.2-Está em discussão para apreciação e em síntese:


A pena aplicada ao arguido é excessiva e devia ser reduzida?


Terá o recorrente razão quando alega que o tribunal não ponderou correctamente os circunstancialismos especiais na prática do crime nem deu relevância, na perspectiva do recorrente, às condições de pobreza extrema e as elevadas necessidades dos bens mais elementares e básicos à sua sobrevivência e à sua dignidade enquanto ser humano, que no fundo, estão na base da dominação sofrida pelo Recorrente, ao ter sucumbido às ameaças e ao poder dos grandes traficantes de droga”.


E estando provado, segundo alega também, que a sua actuação foi reflexo de alguém que, estando refém da sua necessidade, da sua precária saúde, que sem as várias intervenções cirúrgicas, nem sequer consegue ter um emprego (a este propósito o Estado Português já teve intervenção junto do Recorrente, o qual tem já agendada cirurgia para Setembro próximo).?


Assim, as necessidades de prevenção especial são diminutas?


2.3 - A POSIÇÃO DESTE TRIBUNAL


2.3.1- A decisão recorrida: factos, motivação e fundamentação da determinação da pena aplicada ao arguido AA, divorciado, pescador, nascido em .../.../1967, em ..., no ...:


Factos provados relevantes


1. No dia 02 de Dezembro de 2022, pelas 12h10, o arguido desembarcou no Aeroporto Humberto Delgado, em Lisboa, procedente de ...), no voo TP088, encontrando-se em trânsito para ....


2. Nesta viagem o arguido trazia como bagagem de porão, uma mala, no interior da qual transportava as seguintes embalagens, latas de produtos alimentares e de higiene pessoal:


3 (três) saquetas de um produto pastoso, com o peso líquido de 1569 gramas, contendo


cocaína (cloridrato), com um grau de pureza de 71%;


- 4 (quatro) saquetas de um produto pastoso, com o peso líquido de 829 gramas, contendo cocaína (cloridrato), com um grau de pureza de 69,9%;


- 1 (uma) saqueta de um produto pastoso, com o peso líquido de 451 gramas, contendo


cocaína (cloridrato), com um grau de pureza de 66,2%;


- 1 (uma) saqueta de um produto pastoso, com o peso líquido de 488 gramas, contendo


cocaína (cloridrato), com um grau de pureza de 72,6%;


- 1 (uma) saqueta de um produto pastoso, com o peso líquido de 484 gramas, contendo


cocaína (cloridrato), com um grau de pureza de 68,8%;


- 3 (três) saquetas contendo uma substância pastosa, com o peso líquido de 592 gramas,


contendo cocaína (cloridrato), com um grau de pureza de 69,7%;


- 5 (cinco) saquetas de um produto pastoso, com o peso líquido de 988 gramas, contendo


cocaína (cloridrato), com um grau de pureza de 74,5%;


- 2 (duas) latas com um produto pastoso, com o peso líquido de 697 gramas, contendo


cocaína (cloridrato), com um grau de pureza de 71,3%;


- 4 (quatro) latas com um produto pastoso, com o peso líquido de 1401 gramas, contendo


cocaína (cloridrato), com um grau de pureza de 75%;


O arguido transportava ainda consigo:


- 01 (um) telemóvel da marca Samsung, branco e preto, modelo SM-A536, contendo no seu


interior um cartão MicroSim da operadora 4.5G com uma capa protetora de cor amarela;


- 01 (um) boarding pass em nome de “AA” com voo de origem em


... e destino intermédio, de escala, Lisboa, tendo como endereço final, ....


- 01 (uma) etiqueta de bagagem (mala de porão) em nome de AA” com


inscrições atinentes ao voo TP281- ... e ao voo TP88- ... com o número


........35;


- 01 (uma) etiqueta de bagagem (mala de porão) em nome de AA” com


inscrições atinentes ao voo TP281- ... e ao voo TP88- ... com o número


........36;


- 01(um) bilhete eletrónico com o localizador de reserva n°… e o percurso de partida:


... (partida dia 01; chegada dia 02); e o percurso de regresso:


... (partida dia 12; chegada dia 13);


- 01 (uma) reserva do “Hotel S.... ....” em nome de “AA”;


- a quantia monetária de 400 dólares.


3. O arguido conhecia a natureza e as características estupefacientes do produto que transportava e que lhe foi apreendido.


4. Produto que aceitou transportar por, para tanto, lhe ter sido prometida a quantia de 15.000 reais.


5. Os documentos e quantia monetária apreendidos ao arguido e acima indicados, destinavam- se a ser utilizados na actividade de transporte de estupefacientes, e/ou eram fruto da mesma.


6. O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, sabendo que a detenção, o transporte e a comercialização de cocaína eram proibidos e punidos por lei.


Condições pessoais e antecedentes criminais do arguido


7. À data dos factos supra referidos, AA no ..., seu país de origem, na ..., em ..., com a mãe, de 76 anos de idade e um filho de 11 anos, nem situação de acentuada precariedade económica.


8. O arguido habitava numa casa cedida por uma amiga, não pagando renda de casa e subsistia com os recursos económicos que provinham de trabalhos esporádicos de lavagem de automóveis, limpeza de piscinas em casas particulares e contribuições que lhe ofereciam na sua qualidade de espírita/médium.


9. O arguido tem a perspectiva de trabalhar como empregado de mesa, ao fim-de-semana, quando regressar ao ....


10. A precariedade profissional, económica e social acompanhou o arguido ao longo do seu percurso vivencial, prolongando-se pela vida adulta.


11. O arguido foi criado com os avós maternos, numa situação de grande precariedade


socioeconómica, num bairro pobre e com problemáticas sociais, tendo estudado o


equivalente ao ensino primário.


12. O arguido começou a trabalhar desde cedo, com o avô, em serviços de roça/agrícolas em casas particulares, auferindo baixos rendimentos.


13. Nunca viveu em Portugal, nem dispõe de quaisquer apoios neste país, tendo sido esta, a sua primeira deslocação para o exterior do ….


14. O núcleo familiar do arguido [mãe e um filho de 11 anos] encontra-se no …, sendo pai de 33 filhos, com idades compreendidas entre os 37 e os 3 anos de idade, sendo que, à excepção de um, são as respectivas (29) mães, que assumem a educação dos mesmos.


15. Educado na religião católica, tornou-se espírita/médium, desenvolvendo tal actividade sem ganhos financeiros, salvo pequenas oferendas.


16. O arguido sofre de problemas de saúde vários, nomeadamente, hérnias, estando programada a sua operação para o mês de Setembro.


17. Não é conhecida patologia aditiva ao arguido.


18. AA, encontra-se preso preventivamente à ordem do presente processo desde 02.12.2022, mantendo um comportamento de acordo com as regras institucionais.


19. Não se encontra integrado em nenhuma actividade laboral, nem formativa, no estabelecimento Prisional, apesar de já ter solicitado a sua integração.


20. O arguido não tem antecedentes criminais registados.


21. Confessou integralmente e sem reservas os factos imputados [relevantes para a imputação criminal].


*


Factos não provados relevantes


a) O telemóvel apreendido ao arguido, destinava-se a ser utilizado na actividade de transporte de estupefacientes, e/ou era fruto da mesma.


Não ficaram por provar quaisquer outros factos com relevo para a decisão da causa.


(…)Assim, a prova dos factos dados como provados assentou, essencialmente, nas declarações


confessórias do arguido, que os admitiu, esclarecendo ainda a quantia que iria receber pelo transporte de estupefacientes, o que se acolheu, valendo nesta parte do disposto no artigo358.º, n.º 2 do Código de Processo Penal.


O arguido declarou, contudo, que o telemóvel que lhe havia sido apreendido lhe pertencia, não estando destinado a ser utilizado para a prática dos factos, o que na ausência de outros elementos probatórios, se acolheu, dando-se como não provado o facto descrito em a) dos factos não provados.


As declarações do arguido conjugaram-se com o auto de notícia de fls. 2 e ss., auto de apreensão de fls. 13/14 e documentos de fls. 15 a 19.


No que tange à qualidade e quantidade de estupefaciente transportado pelo arguido, atendeu-se ao auto de exame toxicológico de fls. 63/4 e aditamento no processo electrónico com a ref.ª......59 de 15.05.2023.


As condições pessoais do arguido retiraram-se respectivo relatório social, junto a fls. 104 e ss., em que se confiou pela metodologia evidenciada, tendo o respectivo teor sido confirmado e complementado pelo arguido.


A ausência de antecedentes criminais do arguido apurou-se com base no certificado de registo criminal junto a fls. 103.


*


(…) Determinação da espécie e medida da pena


O enquadramento jurídico-penal da conduta do arguido assim efectuado, permite encontrar


as molduras penais a partir das quais se estabelecerá a pena concreta, que deverá corresponder à culpa do agente, tendo ainda em conta as exigências de prevenção de futuros crimes (artigo 71º do Código Penal).


O crime de tráfico de estupefacientes, previsto no artigo 21º do Decreto-lei 15/93, de 22.01,


é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos.


Assim, a pena concreta a aplicar será determinada, dentro da moldura referida, em função


da culpa do agente enquanto limite máximo da punição, e ainda das exigências de prevenção, geral e especial, postas pelo caso em apreço – em cuja valoração se atenderá a todas as concretas circunstâncias que, no caso, não fazendo parte do tipo legal, deponham contra ou a favor do agente (art. 71º n.º 2 do CP), designadamente:


a) o grau de ilicitude do facto, ou seja, o modo de execução deste e a gravidade das suas


consequências, bem como o grau de violação de deveres impostos ao agente:


- releva, essencialmente, o peso muito relevante do produto estupefaciente transportado e


o elevado grau de pureza apresentado, o facto de o arguido actuar numa operação de âmbito internacional, bem como a natureza do estupefaciente em causa – cocaína – (com um grau de danosidade acrescido); releva, ainda, a posição do arguido - “correio de droga” - uma peça fundamental na execução do ilícito e na cadeia delitiva;


b) a intensidade do dolo ou negligência - o dolo foi directo e intenso;


c) os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o


determinaram - obtenção de dinheiro, como móbil inevitável inerente à actividade de tráfico, num quadro de precariedade económica;


d) as condições pessoais do agente e a sua situação económica:


O arguido apresenta um trajecto de vida marcado pela precariedade económica, social e


profissional, sem perspectivas sustentadas de integração profissional futura ou rede de suporte, no país de origem.


No estabelecimento prisional apresenta um comportamento de acordo com as regras


institucionais, tendo solicitado integração laboral.


e) a conduta anterior ao facto e posterior a este:


– o arguido não tem antecedentes criminais registados; admitiu integralmente a prática dos


factos geradores de responsabilidade criminal;


f) a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa


falta deva ser censurada através da aplicação da pena:


– Não se apurou nenhum facto relevante a este propósito.


Neste quadro, é sensível a culpa do arguido e relevantes as exigências de prevenção especial


(mormente pelo sensível afastamento face aos valores em causa e falta de sentido crítico) e geral


(dados os reflexos comunitários deste crime).


Assim, tem-se por adequada a fixação da pena em seis anos de prisão.


7. Da Pena acessória de expulsão


(…)”


2.3.2- Analisando agora o caso concreto na pena determinada


Como bem se demonstra no acórdão recorrido, o arguido atuou “como transportador de cocaína, na circunstância vulgarmente designada de “correio de droga”. Ainda que o “correio de droga ” até possa não ter um conhecimento da exacta quantidade de produto estupefaciente– o que no caso não consta sequer dos factos provados –, foge às regras da experiência comum que não tenha ao menos uma ideia da quantidade e qualidade do produto estupefaciente que transporta, pelo que a quantidade (acima de 7 kgs , que daria para 26.873 doses individuais de consumo) e a natureza (cocaína com elevada pureza) do produto apreendido não pode deixar de ser considerado no desvalor da ação, no momento da determinação da medida da pena e revelando um elevado grau de ilicitude.


No caso do tráfico internacional por meio de uso de correios e outros como os chamados ”mulas”, assume-se um critério intenso de elevadíssima prevenção geral que seja fortemente dissuasor, não compensatório financeiramente para aqueles, sob pena de termos uma verdadeira invasão, já por si muito acentuada, de introdução de estupefacientes na Europa através de países da periferia Atlântica como Portugal facilmente utilizáveis como “Hubs” giratórios desse movimento internacional.


Expressivo dessa elevadíssima necessidade de prevenção foi o salientado, por exemplo, através do documento assinado em Roma, a 11 de Junho de 2021 por membros do Judiciário do Brasil, Argentina, Portugal e Itália apontando a necessidade de respostas penais diferenciadas para cada tipo de delito envolvendo as drogas.


No documento, traduzido do italiano para o português pelo juiz José Henrique Rodrigues Torres, de Campinas (SP), o grupo concluíu que :


(…)as medidas adotadas até então na "guerra contra as drogas" não surtiram efeito, além de terem provocado "gravíssimas" consequências. O documento, assinado em junho em Roma, foi divulgado pela Associação Juízes para a Democracia (AJD). Nele se acentua, entre o mais, que “As hodiernas políticas de drogas têm acarretado um agravamento dos problemas (sublinhado nosso) que já eram detectados na década de 70, que se agravaram nos anos 80, especialmente com o surgimento da cocaína, e que, hoje, atingem uma dimensão de extrema complexidade, principalmente em razão da dificuldade do controle da imensa movimentação de dinheiro proveniente de delitos e de sua transformação em dinheiro legal, o que está determinando a prevalência de um Estado de Emergência no âmbito social e sanitário. A falta de políticas preventivas no âmbito social, sanitarista e cultural, a omissão de controle dos organismos estatais e a falta de uma coerente política criminal direcionada ao enfrentamento da acumulação e reemprego do dinheiro proveniente da corrupção de funcionários públicos, da sonegação de impostos, da evasão de divisas, do suborno, do contrabando de armas, da lavagem de capitais e do tráfico, evidenciam que as reformas legais na esfera penal somente têm sido produzidas como ”holofotes publicitários“, não resolvem o grave problema do aumento da demanda, não diminuem a oferta e, o que é pior, propiciam tal movimentação de dinheiro na esfera mundial, que, atualmente, é impossível saber, com exação, quanto desse dinheiro provém do circuito ilegal do narcotráfico ou do produto dos delitos de colarinho branco e corrupção.


(…)”


Daqui se alcança, com facilidade, a necessidade de punir em função do grau de culpa mas dando um valor bem impressivo às necessidades de prevenção geral e que sejam fortemente dissuasoras neste tipo específico de ilícito criminal.


O facto de o arguido ser «apenas» um «correio», levado a anuir ao transporte em função da sua debilidade económica pode diminuir ligeiramente a culpa, embora seja evidente que “os «correios», no caso de transporte aéreo entre continentes, facilitam sobremaneira o tráfico e a sua actividade não é de somenos importância, pelo contrário” (cfr neste sentido o Ac STJ de 28.10.2020- MANUEL AUGUSTO DE MATOS- 3ª Seçcão, procº 475/19.4JELSB.S1 e que seguiremos doravante, (este também serviu de orientação em Acórdão do ora relator de 6 de Julho de 2023 no Recurso 2332/22.8JAPRT.S1)


O Supremo Tribunal de Justiça vem desde há muito enfatizando a importância dos “correios de droga”, como peça fundamental na execução do ilícito e na cadeia delitiva do tráfico de estupefacientes concorrendo, de modo direto, para a sua disseminação, pelo que não merecem um tratamento penal de favor.


Conforme realça, entre outros, infra citados, o acórdão deste Supremo Tribunal de 11-4-2012: “(…) não é possível ignorar o papel essencial dos mesmos «correios» na conformação dos circuitos de tráfico, permitindo a disseminação de um produto que produz as consequências mais nocivas em termos sociais. Sendo pessoas fragilizadas em termos económicos, os mesmos «correios» têm, todavia, a consciência de serem os instrumentos de um mal.”.2


Embora os “correios de droga” não sejam os donos do produto estupefaciente e frequentemente realizem um só transporte, são um elo relevante entre a produção no país de origem e o consumo no país de chegada, pelo que, sob pena de se incentivar o tráfico internacional (fazendo valer a pena o risco inerente), a sua responsabilidade criminal não pode ser desvalorizada.


Com respeito às exigências de prevenção geral, é incontornável a conclusão de que o tráfico de estupefacientes, em especial de cocaína, é dos crimes que mais alarme social determina, pelos seus nefastos efeitos na saúde dos consumidores e que mais repulsa causa quando praticado como meio de obtenção de proveitos à custa da saúde e liberdade daqueles, com fortes reflexos na coesão familiar e da comunidade em geral.


As elevadas penas previstas para o crime de tráfico de estupefacientes, próximas das aplicáveis ao crime de homicídio, evidenciam a fortíssima ressonância ética desse tipo penal inscrita na consciência da comunidade. E também a integração do tipo fundamental de tráfico de estupefacientes na definição de criminalidade altamente organizada (art.1º al.ª m) do C.P.P.) revela do mesmo modo a premente e permanente necessidade de se proceder a um combate sem quartel acrescido a esta atividade criminosa.


Muito elevadas são, assim, as exigências de prevenção geral no crime de tráfico de estupefacientes, pela forte ressonância negativa na consciência social das atividades que os consubstanciam, em particular quando está em causa o tráfico de produtos estupefacientes com forte nocividade, como é o caso da cocaína, e em quantidade significativa, pelo que se justifica reforçar a ideia da validade dos bens jurídicos inerentes à norma violada.


A pena de 6 anos de prisão, ainda assim abaixo do patamar intermédio da moldura penal (in casu, fixada no quadrante inferior do intervalo de 4 a 12 anos) não se afasta, apesar do convocado ( mas sem razão) excesso, de hipóteses similares respeitantes aos chamados “correios de droga”, de que são exemplo as decisões do Supremo Tribunal de Justiça indicadas no acórdão de 28-10-2020 (proc. n.º 475/19.4JELSB.S1), tomadas em consideração nos acórdãos de 24-3-2022 (proc. n.º 134/21.8JELSB.L1.S1) e de 6-7-2023 (proc. n.º 2332/22.8JAPRT.S1), todos publicados in www.dgsi.pt.


A confissão do arguido não teve de todo um relevo assim tão assinalável como se pretendeu dar-lhe, até porque foi detido em flagrante delito na posse das substâncias estupefacientes no aeroporto, em trânsito de viagem para ....


Releva, acentuadamente, o peso do produto estupefaciente transportado e o elevado grau de pureza apresentado.


Esta circunstância indica sem dúvida uma típica actuação em operação de âmbito internacional do crime organizado, e o estupefaciente em causa – cocaína – apresenta , na potencialidade de disseminação por elevado número de consumidores finais , com um grau de danosidade acrescido).


A posição do arguido – como “correio de droga” - configura uma peça fundamental na execução do crime, muito frequente no modus operandi ( trânsito aeroportuário) e na cadeia delitiva;


O dolo foi directo e intenso;


O fim que esteve subjacente ao transporte foi o interesse pecuniário ( obtenção rápida de dinheiro fácil ou mais fácil), admitindo-se que a precariedade social e económica do arguido tenha sido causa importante da sua anuência ao transporte como móbil inevitável inerente à actividade de tráfico, num quadro de precariedade económica, o qual aliás sempre foi o quadro em que viveu toda a sua vida e não em situação pontual.


Percebe-se que o arguido apresenta um trajecto de vida marcado pelas fortes dificuldades económicas, sociais e profissionais, denotando-se a fragilidade de perspectivas de autosustentação e de integração profissional futura no país de origem.


A seu favor o arguido no estabelecimento prisional apresenta um comportamento de acordo com as regras institucionais, tendo solicitado já integração laboral e não tem antecedentes criminais registados;


Socorrendo-nos do acórdão do S.T.J. de 28-10-2020 (proc. n.º 475/19.4JELSB.S1, in www.dgsi.pt), e também na linha do mesmo acolhimento detectado em caso similar ao dos autos no Ac deste STJ de 24-03-2022- Orlando Gonçalves ( procº 134/21.8JELSB.L1.S1) que indica um largo conjunto de decisões deste Supremo Tribunal, com o expresso propósito de tentar manter um critério igualitário na aplicação da medida da pena no que respeita aos chamados “correios de droga”, verificamos que os padrões sancionatórios seguidos não se afastam do usado no caso concreto considerando a quantidade da cocaína importada e detida pelo arguido.


Desses padrões da jurisprudência supra referida, em que se tem em consideração a quantidade de cocaína apreendidas aos “correios de droga”, constata-se que são aplicadas, geralmente, penas de prisão que variam entre os 5 anos e os 5 anos e 6 meses de prisão por transporte de quantidades bem inferiores às que estão aqui em causa (cfr. o citado acórdão do STJ. pelo que não se pode concluir, como pretende o recorrente, que a sua condenação, numa pena de 6 anos de prisão, pelo tráfico de cerca de mais de kg de cocaína, com uma pureza elevadíssima configura “uma gritante injustiça”.


Ora, tudo ponderado, tendo em atenção tais padrões sancionatórios médios utilizados neste Supremo Tribunal em matéria de correios de droga, atendendo à quantidade e ao tipo de estupefaciente apreendidos, ao limite definido pela culpa elavada do arguido, ao elevado grau de ilicitude da sua conduta, e às fortes exigências de prevenção geral que se fazem sentir, sendo embora moderadas as exigências de prevenção especial, tratando-se de arguido primário, não nos merece qualquer censura a pena de 6 (seis) anos de prisão fixada pelo Tribunal recorrido, pena que se considera justa e adequada à censura pelo desvalor contido na prática do crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1 do DL nº 15/93, de 22.01, com referência à Tabela I-B anexa ao citado diploma.


Assim, não pecando por excesso a pena de 6 anos de prisão - mais próxima do limite mínimo legal de 4 anos e bem longe dos 12 anos de prisão como limite máximo -, improcede também o recurso também neste segmento.


III- DECISÃO


3.1 - Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente.


3.2 - Taxa de justiça a cargo do recorrente arguido em 6 UC ( Tabela II do RCP)


Lisboa, 11 de Outubro de 2023


Os Juízes Conselheiros


(texto elaborado em suporte informático , revisto e rubricado pelo relator – (artº 94º do CPP)


Agostinho Torres (Relator)


Leonor Furtado (1ª adjunta)


José Eduardo Sapateiro (2º adjunto)


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1. vide Ac. STJ para fixação de jurisprudência 19.10.1995 publicado no DR, I-A Série de 28.12.95↩︎

2. Cf. Proc. n.º 21/11.8JELSB.S1, in www.dgsi.pt. No mesmo sentido ainda, entre outros, o acórdão de 24/3/2022, proc. n.º134/21.8JELSB.L1.S1- Orlando Gonçalves.↩︎