Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1415/21.6T8VFR.P1.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: FÁTIMA GOMES
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
REAPRECIAÇÃO DA PROVA
PODERES DE COGNIÇÃO
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PODERES DA RELAÇÃO
DUPLA CONFORME
REVISTA EXCECIONAL
FORMAÇÃO DE APRECIAÇÃO PRELIMINAR
Apenso:
Data do Acordão: 07/06/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE
Sumário :
I - O STJ pode sindicar a aplicação da lei adjectiva pela Relação em qualquer das dimensões relativas à decisão da matéria de facto provada e não provada (arts. 662.º, n.os 1 e 2, 674.º, n.º 1, al. b), do CPC) – não uso ou uso deficiente ou patológico dos poderes-deveres em segundo grau, controlando o respectivo modo de exercício em face do enquadramento e limites da lei para esse exercício –, que, no essencial e no que respeita ao n.º 1 do art. 662.º, resultam da remissão do art. 663.º, n.º 2, para o art. 607.º, n.os 4 e 5, do CPC (o n.º 2 já é reforço dos poderes em segundo grau), com a restrição constante do art. 662.º, n.º 4, do CPC («Das decisões da Relação previstas no n.os 1 e 2 não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça»).

II - Assumindo-se a 2.ª instância como um verdadeiro e próprio segundo grau de jurisdição relativamente à matéria de facto, com autonomia volitiva e decisória nessa sede, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostraram acessíveis com observância do princípio do dispositivo, sempre que essa reapreciação se move no domínio da livre apreciação da prova e sem se vislumbrar que se tenha desrespeitado a força plena de qualquer meio de prova, imposta por regra vinculativa extraída de regime do direito probatório, essa actuação regida pelo art. 662.º, n.º 1, do CPC é insindicável em sede de revista, nos termos conjugados dos arts. 662.º, n.º 4, e 674.º, n.º 3, 1.ª parte, do CPC.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


I. Relatório

1. AA propôs a presente acção contra BB e CC, pedindo a condenação destes no pagamento de 59 950 € acrescidos de juros de mora, a contar da citação para indemnização dos danos que diz ter sofrido por causa das suas condutas, que descreve.

Alega, em suma, que os réus difundiram nas imediações do local de residência de todos factos lesivos da sua honra e consideração pessoal e profissional, sendo o autor .... Que a ré CC o atingiu com pedras no contexto de uma altercação que descreve, o que lhe determinou lesões que implicaram tratamentos despendidos e lhe determinaram sequelas de que ainda é portador.

2. Citados os réus, contestaram articulando diferente versão dos factos relativos a discussão que mantiveram com o autor e descrevendo agressões físicas por este perpetradas à ré mulher. A mesma deduz reconvenção para ressarcimento por danos não patrimoniais no valor de 4 500 €.

3. Opôs-se o autor à admissibilidade da reconvenção e impugnando os factos que lhe servem de fundamento.

4. Do teor dos articulados resulta que ambas as partes apresentaram queixas-crime pelos factos descritos nesta acção, tendo o respectivo inquérito sido extinto por desistências de queixa recíprocas pelo que foi junta certidão integral desse inquérito após o que se pediu a sua apensação a título devolutivo.

5. Foi designada audiência prévia em que se frustrou a conciliação e se proferiu despacho saneador com admissão da reconvenção, declaração da validade e regularidade da instância, fixação do objecto do litígio e dos temas de prova, admissão dos requerimentos instrutórios e designação de audiência de julgamento.

A audiência realizou-se na data designada após admissão de recurso em separado e de indeferimento dos pedidos de suspensão da instância e de adiamento da audiência de julgamento.

6. Foi proferida sentença a julgar a acção e a reconvenção não provadas e improcedentes e, em consequência, a absolver os réus e o autor de todos os pedidos.

7. O Autor apelou da sentença.

8. O recurso foi admitido e conhecido pelo Tribunal da Relação, culminando com o seguinte segmento decisório: “Pelo exposto, delibera-se julgar totalmente improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.”

9. Do acórdão do Tribunal da Relação foi interposto recurso de revista, pelo A., indicando:

Nos autos supra referenciados o autor, ora recorrente, não se conforma com o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto pelo que vem interpor recurso.

O recorrente vem requerer a interposição de recurso de revista excecional para o Supremo Tribunal de justiça, nos termos do artigo 672º, nº1 do CPC.

E mais requer que o recurso seja remetido ao Supremo Tribunal de Justiça para que esta instância proceda ao julgamento do recurso.”

10. No requerimento de interposição de recurso de revista e alegações constam as seguintes conclusões (transcrição):

“1ª No processo supra referenciado foi proferido acórdão no Tribunal da Relação do Porto que considerou totalmente improcedente o recurso de apelação apresentado pelo autor, recorrente. Tal acórdão refere “Pelo exposto, delibera-se julgar totalmente improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida”. O recorrente não se conforma com acórdão proferido pelo TRP e por entender que este fez uma errónea interpretação de várias normas jurídicas, não cumpriu os deveres a que estava vinculado em normas jurídicas, contrariou acórdãos anteriores, não a atendeu a documentos e pareceres técnicos que estavam nos autos, indeferiu a junção de documentos e de pareceres e decidiu ex novo ou seja primeira instância alguns questões relativamente a prova. O acórdão do TRP violou o direito a um processo justo e equitativo consagrado no artigo 20, nº 4 da Constituição e artigo 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

2ª Atendendo a norma constante n artigo 761º, nº 3 (O acórdão do TRP confirmou sem voto de vencido a sentença proferida na primeira instância). Tal acórdão não recorreu a uma fundamentação jurídica diversa da que tinha sido alegada na primeira instância, limitando-se a parafrasear a dita sentença e a doutrina que a sustentava), não é legalmente admissível a revista normal para que fosse sindicada, pelo STJ, a errónea aplicação do direito realizada pelo acórdão do TRP, restando ao recorrente interpor recurso de revista excecional

3ª A revista excepcional justifica-se pela necessidade de uma boa aplicação do direito, face à relevância social das questões decididas no acórdão (lesões físicas permanentes, visíveis a distância social na parte frontal que não foram objeto de qualquer ressarcimento por danos patrimoniais ou não patrimoniais) e ofensa ao crédito e a bom nome também não ressarcido.

Estas questões têm enorme relevância social com interesse para o presente processo, mas sobretudo por uma relevância social da questão de alguém ficar com lesões permanentes na parte frontal visíveis a distância social, e ficar com estas lesões para o resto dos seus dias e não receber qualquer compensação pelos danos sofridos. O autor ficou a padecer de problemas de saúde de foro psicológico e neurológico que o acompanharão para o resto da vida e não recebeu qualquer compensação patrimonial ou não patrimonial pelos donos sofridos, Danos estes que na data de entrada o presente recurso condicionam o seu dia a dia.

4ª O acórdão do TRP em várias partes do processo decisório afasta-se e contraria sem qualquer fundamentação relevante da jurisprudência dominante proferida em vários acórdãos anteriormente proferidos pelos Tribunais da Relação e pelo STJ. Sobre temas com a legitima defesa, a exclusão da ilicitude, o cumprimento das imposições normativas relativamente ao julgamento de facto e a questão de agressões mútuas. O acórdão TRP não julgou as questões suscitadas na alegação de recurso pelo recorrente na alegação de recurso e encontra-se deficientemente fundamentado. Em face dos factos alegados o recorrente entende que o recurso de revista excepcional é legalmente admissível.

7ª Com efeito, o acórdão do TRP padece de notórios erros jurídicos, fez uma má aplicação do direito, contrariou jurisprudência anterior, não cumpriu o dever a que estava vinculado por normas jurídicas de sindicar o recurso interposto pelo autor e desvalorizou questões de grande relevância social. Estas questões que requerem uma intervenção do STJ,

8ª O acórdão do TRP padece de notórios erros jurídicos, e assenta numa má aplicação do direito que requer uma intervenção clarificador do STJ. Porém, face ao disposto no artigo 671 nº 3 do CPC não é susceptível a interposição da revista normal para clarificação das questões suscitadas. O acórdão do TRP, não procedeu ao julgamento da matéria de factos nos termos a que estava vinculado, não cumprindo o disposto no artigo 662 do CPC. Pelo que fez uma errónea interpretação da norma contida no artigo 662º do CPC, conjugado com o artigo 615º, nº1 do mesmo diplma. Com efeito, o acórdão do TRP fez um conjunto de considerações generalistas assentes no subjectivismo e na intuição pessoal do julgador, sem proceder ao julgamento das questões suscitadas no recurso. Nesta parte, o TR..., contrariou sem qualquer fundamentação o douto acorda do STJ ((acórdão 1916/18...., de 6/04/2022). Nos termos deste acórdão do STJ “As questões relacionadas com o incorreto uso dos poderes de facto conferidos por lei ao tribunal da relação, com violação do disposto no artigo 662 do CPC não se econtram abrangidos pelo efeito da dupla conforme impeditiva da interposição de recurso de revista normal. Se for omitida ou incorretamente exercida tal atividade processual  de sindicância da matéria de facto impugnada que constitui pronuncia originária que compete unicamente à primeira instância, esse incumprimento dos deveres imposto no artigo 662 do CPC comporta naturalmente a interposição de revista normal para o STJ. É o que sucede quando rejeita a impugnação da matéria de facto com o incumprimento das exigência do artigo 640º, nº 1 e 2 do CPC; Quando não se debruça com a suficiência, a autonomia, e a completude exigíveis sobre a análise da matéria concretamente impugnada, refugiando-se em considerações de natureza geral ou tabelar que não traduzem qualquer efetivo reexame dos factos que o recorrente alegou estarem incorretamente decididos, quando descura a exposição da fundamentação que permite objetivamente compreender o percurso subjacente à reanálise da prova (acórdão 1916/18...., de 6/04/2022).

9ª O acórdão do TR... faz uma erra interpretação da norma contida no artigo 337º do CC, e 32º do CP ao considerar que a conduta da ré de atirar pedras soltas ao autor não, causando-lhe lesões permanentes na zona frontal da cabeça visíveis a distancia social não era ilícita. Por em esta conclusão a que chegou o TRP, contraria os pressupostos para a verificação da legítima defesa plasmados na generalidade dos acórdãos dos Tribunais da Relação e do STJ. Com efeito, atirar pedras soltas a alguém no intuito de atingir na cabeça, com veio a acontecer, consiste numa conduta agressiva, não visou afastar qualquer agressão atual. O acórdão do TRP contraria (a titulo meramente exemplificativo) o acórdão proferido no processo 1441/19.5T9MAI.P1 que transcreveu no seu sumário o seguinte: “A legitima defesa pressupõe a existência de uma agressão atual e ilícita, a interesses juridicamente protegidos do agente ou de terceiros e defesa deve utilizar os meios necessários a fazer cessar a agressão. Se alguém riposta uma agressão antes sofrida, não se verifica a actualidade da agressão e por via disso a necessidade de defesa ou o animus defendendi. (processo 1441/19.5T9MAI.P1). (Contraria os acórdãos do TRP de 11/12/2013, referente aos requisitos da legitima defesa e do TRE, de 26/09/2017 e acórdão do STJ de 26/11/90)

10ª A conduta agressora que a ré imputa ao réu de lhe desferir golpes com uma enxada e de a arrastar ao longo de 6 metros, consta dos factos não provados. Não estando reunidos os pressupostos da exclusão da ilicitude. A retrosão respeita a situações nas quais o agente se limita a responder a uma conduta ilícita ou repreensível do ofendido e ao mesmo tempo agressor, apenas dispensa de pena se estiverem também presentes os requisitos contidos no artigo 74º do CP. O acórdão recorrido fez uma deficiente interpretação desta norma a dispensa de pena criminal, não dispensa o ressarcimento civil pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos. O autor assistia o direito de ser ressarcido pelos danos sofridos. O acórdão recorrido sem qualquer fundamentação relevantes afasta-se a jurisprudência dominante, refira-se a título exemplificativo ( acórdão do TRE, processo 273/14.1PBFAR.E1, DE6/6/2017).

11ª O acórdão do TRP fez uma interpretação errada dos artigos 26º, 70º, 483 nº1 e 496 do CC e do 26º da CRP ao não ressarcir o autor pelos danos sofridos. Com bases nestas normas o autor deveria ser ressarcido pelos danos patrimoniais e não patrimoniais peticionados. O acórdão do TRP está em contradição com a jurisprudência, jurisprudência dominante nos tribunais superiores. A título meramente exemplificativo refira-se acórdão do TRL de 10-04-2018, processo 2424/12.1TAALM.

12ª Os réus difundiram factos ingeridos adequados a por em causa o bom nome e reputação do autor. O autor deveria ter sido ressarcido pelos nados sofrido, houve errónea interpretação dos artigos 70º, 483º e 496 do CC. Contrariando a jurisprudência fixada no acórdão de 4/06/98.

13ª A questão tem relevante interesse social pois refere-se ao bem jurídico da salvaguarda da integridade física e moral consagrado no artigo 26º da CRP. Numa agressão em que o lesado ficou lesões de carácter permanente, consubstanciados na existência de duas cicatrizes na zona frontal e visíveis à distância social. O acórdão do TRP negou a possibilidade da vítima ser ressarcida pelos danos sofridos. Estão em causa questões jurídicas que pela sua relevância jurídica requerem uma intervenção clarificadora do STJ para uma melhor aplicação do direito; Estão em causa interesses de particular relevância social, o acórdão do TRP está em contradição com outros acórdão já transitados em julgado proferidos pela Relação e pelo STJ. no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito- Em face dos factos o recorrente vem requerer a admissibilidade do recurso excecional.

14ª O cordão do TRP, encontra-se deficientemente fundamentado (aliás como sucedia com a sentença proferida na primeira instância). O acórdão do TRP não julgou as questões de facto e de direito suscitadas pelo recorrente no seu recurso, limitou-se proferir um conjunto de considerações generalistas, sobre objecto do processo, assentes na intuição pessoal da relatora. O recurso do recorrente foi rejeitado sem qualquer fundamentação doutrinal e jurisprudencial relevante. Aliás, em vários segmentos do processo decisório o acórdão recorrido do TRP, afasta-se sem qualquer fundamentação relevante, da doutrina dominante nos Tribunais da Relação e no Supremo Tribunal de Justiça.

15ª O acórdão do TRP decidiu que a conduta os réus não era ilícita, não apresentando qualquer fundamentação relevante para a exclusão da ilicitude. O acórdão do TRP, objeto do presente recurso fez uma interpretação errónea  de várias normas jurídicas, encontra-se deficientemente fundamentado e contém numerosas contradições. O acórdão recorrido fez uma interpretação errada do artigo 70º, 337º, 483º, 487 e 496º do Código civil, do artigo 31º e 143 do Código Penal e do artigo 26º da Constituição. Ao contrário do que alega o acórdão recorrida do TRP estão preenchidos e foram provados todos os elementos da responsabilidade civil excontratual. E existia fundamento legal para arbitrar uma indemnização ao autor, ora recorrente, pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos.

16º  Com efeito, constava no relatório do IML realizado ao autor ora recorrente no processo crime anexo aos presentes autos que: O relatório do IML realizado ao autor refere: Crânio cicatriz na região frontral lateral esquerda, com cumprimento de 18 mmm com sinais de satura com 3 pontos, de cor avermelhada e disposição vertical, visível à distancia social; Cicatriz na região frontal mediana alta, acima da região de implantação do cabelo, pelo que as características disfarçadas pela presença do cabelo.

Nas conclusões refere:

Do evento resultaram para o examinado as consequência permanentes descritas, as quais sob o ponto de vista médico-legal se traduzem em cicatrizes, que não desfigura gravemente o lesado.

Este relatório é datado de 22 de Outubro, 50 dias após as agressões e refere a situação naquela data, considerando as lesões de carácter permanente.

O relatório médico legal do IML refere: Fenómenos dolorosos: sensação de vazio e dor ténue na região fronto parietal esquerda sobretudo quando enruga a testa, refere recurso ocasional a BEM-U- RON em SOS.

Cognição e afetividade: ansioso; insónia com recurso a medicamentos para dormir prescrito pelo neurologista e mantém atualmente (Relatório do IML realizado ao autor constante a folhas 114 a 116 do inquérito 265/19....).

17ª Além dos elementos constantes no relatório do IML constam nos autos documentos comprovativos de assistência prestada ao autor no Hospital ... em .... Existe relatório de clínica médica; e relatório de médica dermatologista. Nas declarações de parte que a ré e agressora prestou em audiência de julgamento confessou que atirou várias pedras soltas na direção do autor ora recorrente e que pelo menos uma dessas pedras atingiu o autor na cabeça

18º Com efeito, resultou provado que a ré atuou de forma ilícita e a sua conduta preenche todos os elementos da responsabilidade civil por factos ilícitos. O acórdão do TRP fez uma interpretação errada das normas contidas nos artigos 483 nº 1 e 487º do Código Civil.

19 A ré confessou nos autos que apedrejou o autor no propósito de o atingir na sua integridade física e na sua saúde. Confessou ainda que atirou várias pedras na direção do autor e que algumas pedras o atingiram na cabeça. Ao contrário do que entendeu o acórdão recorrido a conduta da ré preenche todos os requisitos da responsabilidade civil por factos ilícitos. A ré deveria ser condenada pela sua conduta ilícita. O que se provou foi que a arremessou pedra ao autor e que este foi atingido a pedrada na cabeça. A agressão da ré ao autor tinha sido admitida pelos réus na contestação/reconvenção na fase dos articulados.

20ª Estando provada a agressão do autor à pedrada, estava provada uma conduta ilícita e culposa da ré, adequada a causar danos no autor como efetivamente causou. Alguns acórdãos dos Tribunais da Relação têm entendido que atirar pedras soltas constitui uma conduta perigosa e agressiva que não está a coberto de qualquer causa de justificação que exclua a ilicitude.

21ª O acórdão do TRP fez uma interpretação errónea do ARTIGO 483º nº 1 e do artigo 487º Código Civil. Pois a conduta da ré preenche todos os elementos da responsabilidade civil por factos ilícitos. O acórdão do TRP afasta-se da jurisprudência dominante dos Tribunais da Relação e do STJ, sem qualquer fundamentação relevante.

22ª O acórdão do TRP incorre em erro de julgamento ao considerar que a conduta da ré, de apedrejar de autor, não era ilícita e culposa e adequada a causar danos como efetivamente causou e dores mal-estar e de lesões de carácter permanente, consubstanciadas   duas cicatrizes na região frontal e vistas a distância social, conforme constava no relatório médico legal realizado ao autor, IML e constante nos autos de inquérito que a magistrada da primeira instância anexou aos autos. O acórdão do TRP fez uma interpretação errada da norma contida no artigo 342 do Código Civil Com base nesta norma deveria ser considerado provado a conduta agressora da ré. Conduta essa que foi confessada pela ré.

23ª O acórdão do TRP fez uma errada aplicação do direito ao considerar que a conduta da ré de apedrejar o autor e de lhe atirar com pedras na cabeça, que causaram lesões que foram objeto de tratamento hospitalar e das quis resultaram lesões de carácter permanente não era uma conduta ilícita. A sentença faz uma interpretação errada do artigo 483º e 70º do Código Civil e do artigo 26º, nº 1 da Constituição. O artigo 70º do CC no seu nº 2 visa a proteção de direitos de personalidade, como o direito à integridade física e pessoal contra a ameaça ou atenuação, dentro do possível dos efeitos de ofensa já consumada e pode funcionar mesmo em situações puramente objetivas, independentemente da culpa do agente. O direito à imagem e o direito à reserva sobre a intimidade da vida privada e outros direitos da personalidade são concretizações da dignidade da pessoa humana, que é um valor intangível e indisponível. (neste sentido acórdão do STJ de 14/07/2016, processo 3446/14.3TBSXL-L1-S1; processo 336/18.4T80ER.L1.S1, de 30/05/2019)

24ª O acórdão do TRP cita autores e faz um conjunto de considerações generalistas concluindo que a conduta dos réus não é ilícita. Porém, as causas de exclusão da exclusão da ilicitude estão elencadas na lei. No caso concreto a conduta da ré para estar a coberto de uma causa de justificação teria de assentar na legitima defesa. Nos autos nenhuma prova foi produzida em audiência de julgamento no sentido de que a ré tenha agido a coberto de uma qualquer causa de justificação que excluísse a culpa ou a ilicitude da sua conduta, designadamente, que tivesse agido em legítima defesa.

25ª Resultou dos factos provados que a ré arremessou pedras ao autor. A ré refere nas declarações que prestou em audiência de julgamento que acertou com uma pedra na cabeça do autor. Arremessar pedras a alguém dirigidas à sua cabeça é uma conduta perigosa e  agressora. A sentença recorrida fez uma interpretação errada do artigo 337º do CC ao considerar que a ré agiu em legítima defesa. Na interpretação desta norma deveria ter considerado que não estavam reunidos os pressupostos da legítima defesa.

26ª O arremessar pedras soltas a alguém (no caso ao autor) pressupõe a existência de uma distância física, entre quem atira pedras e a vítima que se pretende atingir com as pedradas, no caso o autor. Portanto constitui uma conduta agressora. No relato da ré o marido estava ali perto ela podia aproximar-se dele ou chamar por ele ou abandonar o local. Resultou provado que a ré caminhava ao longo da rua da ... e dirigiu-se a rua do ..., onde estava o autor junto a sua residência onde arremessou várias pedras atingindo-o na cabeça.

27ª Não resultou provada a versão dos factos da ré que o autor tivesse usado a enxada e a foucinha para a agredir. Nem o relatório médico legal realizado a ré refere quaisquer factos de que tenha existido qualquer contato físico entre autor e ré. O arremessar pedras em direção à cabeça autor é uma conduta perigosa que não está a coberto da legítima defesa ou de qualquer outra causa de justificação que exclua a ilicitude da conduta da ré. O autor foi atingido com uma pedra na zona frontal esquerda se fosse atingido dois centímetros abaixo teria sido atingido no olho esquerdo, com forte probabilidade de ficar privado de visão nessa vista. Pelo que não estão reunidos os pressupostos para o acórdão recorrido considerasse que a ré tivesse agido a coberto de uma causa de justificação, havendo interpretação errada do artigo 339 do CC.

28ª O acórdão do TRP fez uma errada interpretação da norma contida no artigo 339º do CC. Pois nenhuma prova produzida de que existia uma agressão atual e que a conduta da ré tivesse um intuito defensivo. A legitima defesa pressupõe uma intenção defensiva. Resultou provado que a ré exibiu uma conduta ofensiva. A doutrina e a jurisprudência tem entendido que legitima defesa pressupõe a existência de 5 requisitos. Vejamos: a agressão de interesses juridicamente protegidos do agente ou de terceiros; a atualidade da agressão; a ilicitude da agressão; a necessidade de defesa; a necessidade do meio; o conhecimento da situação de legitima defesa

Os três primeiros requisitos resultam da situação em que o agente atua e os dois últimos da ação de defesa.

29ª Dos factos considerados provados não resultou provado que a ré tivesse atuado na defesa de quaisquer interesses legítimos, nem a existência de uma agressão atual, nem a inexigibilidade de outra conduta. Pelo contrário resultou provado que a ré agiu livre e voluntariamente, com o propósito concretizado de molestar fisicamente o autor. Arremessando várias pedras ao autor. perante este circunstancialismo fica desse modo excluído o intuito defensivo, demonstrando-se, ao invés um propósito agressivo, pelo que em tal caso já não se pode falar de legitima defesa, nem sequer de legitima defesa putativa ou excesso de legitima defesa. Pois  não resultou provado o autor tivesse usado a enxada que tinha na sua posse para agredir a ré. Ou que o autor tivesse perpetrado contra à ré as agressões que ela relatou e que a sentença considerou não provadas. Também não resultou provado que a ré tivesse agido em defesa da sua vida e da sua integridade física ou que a ré tenha atuado com imoderação ou a falta de temperança dos meios empregues na defesa, resultante de um estado afectivo de perturbação ou medo em que tenha condicionado a sua actuação.

30ª Pelo contrário da prova produzida o tribunal formou a sua convição de que “E toda a atitude na ré durante a discussão e agressão não indicie que se trate de pessoa indefesa ou com remorso/sensibilidade para vir a sofrer ou temer como descreve. Pelo contrário a forma como arremessou pedras ao autor e o insultou revelam uma personalidade forte e o seu depoimento não criou a convicção de que se vê como uma vítima do sucedido, que tenha receio do autor ou tenha ficado traumatizada com o sucedido” (sublinhado nosso, citamos passagem de motivação da sentença recorrida). Pelo que também não estão preenchidos os pressupostos do artigo 337, nº 2 do CC.

31ª A necessidade de defesa deve apurar-se na base de todas as circunstâncias em que decorreu a agressão e em particular com base na intensidade daquela, da perigosidade do agressor e da sua forma de agir. Dos factos considerados provados resultaram que foi a ré invadiu a rua do ..., onde se localiza a residência do autor e onde este se encontra junto a sua residência. Mais resultou provado que a ré tinha o marido perto do local em que se encontrava. Resultou ainda provado o caminho para a residência da ré era seguir ao longo da rua da .... O que significa que a ré invadiu a rua do ... no intuído de perpetrar uma agressão contra a autor a pedrada Não resultou provado qualquer ameaça por parte do autor.

32ª Não estão verificados os pressupostos da legitima defesa. Pelo contrário estão verificado todos os pressupostas da responsabilidade civil   da ré. A sentença recorrida faz uma errada interpretação da norma constante no artigo 487º do Código Civil. Com efeito, a ré admitiu na sua contestação reconvenção que atirou uma pedra na cabeça do autor. Em sede da audiência de julgamento a ré declarou que atirou pelo menos uma pedra na cabeça do autor e que arremessou várias pedras na direção do autor. Conduta que gerou lesões feridas contusas, que necessitaram de tratamento hospitalar, e danos de carácter permanente descritos no relatório do IML.

33ª A sentença faz uma interpretação errada da normas contida no artigo 337º e 487º do CC. Com efeito a conduta da ré de arremessar pedras ao autor não se destinou a afastar qualquer agressão atual do autor contraria a lei e contra o património a sua pessoa ou património. Mais não resultou aprovado que a ré tivesse um instinto defensivo e muito menos ficou provado que era não dispunha de alternativa a sua conduta. Também não resultou provado que o autor tivesse desencadeado qualquer conduta ilícita contra a ré. O atirar pedras ao autor no intuito  de o atingir no rosto e na cabeça uma conduta perigosa, com intuito ofensivo e não defensivo e desnecessário, pois o atirar pedras soltas pressupõe uma distância física, a ré poderia abandonar o local. Houve excesso de meios e não foi provada perturbação ou medo que motivasse a legitima defesa.

34ª Com efeito, não ouve qualquer reação eminente ou em vias de concretização, de natureza ilegal e não provocada pelo agente que a está a sofrer. Nem superioridade dos interesses em salvaguarda ao interesse sacrificado. O autor não praticou ato violador de interesses da ré, nem o meio empregue pela ré era adequado a repelir qualquer agressão. O acórdão recorrido faz uma errada interpretação da norma constante no artigo 487º do Código Civil. Com efeito a ré admitiu na sua contestação reconvenção que atirou uma pedra na cabeça do autor. Em sede da audiência de julgamento a ré declarou que atirou pelo menos uma pedra na cabeça do autor e que arremessou várias pedras na direção do autor. Conduta que gerou lesões feridas contusas, que necessitaram de tratamento hospitalar, e danos de carácter permanente descritos no relatório do IML.

35ª Assim, da interpretação conjugada da norma contida no artigo no artigo 387º e 487 deveria o tribunal considerar que não existia qualquer causa que excluísse a ilicitude e a culpa da ré e de considerar provado que a ré de forma ilícita e culposa atingiu a saúde e a integridade física do autor causando-lhe danos A versão dos factos da ré de que estava a ser agredida pelo autor não resultou provada como consta dos factos não descritos na sentença. No julgamento da matéria de facto a agressão atual e ilícita imputada pela ré ao autor faz parte dos factos não provados elencados na sentença

36ª Tendo o tribunal concluído que:

“E toda a atitude na ré durante a discussão e agressão não indicie que se trate de pessoa indefesa ou com remorso/sensibilidade para vir a sofrer ou temer como descreve. Pelo contrário a forma como arremessou pedras ao autor e o insultou revelam uma personalidade forte e o seu depoimento não criou a convicção de que se vê como uma vítima do sucedido, que tenha receio do autor ou tenha ficado traumatizada com o sucedido” (sublinhado nosso, citamos passagem de motivação da sentença recorrida)

Face ao supra alegado existe uma errónea interpretação do direito por parte do acórdão do TRP, designadamente da norma contida no artigo 337º do CC. Não foi provada designadamente uma agressão atual e ilícita a ré e que esta tenha atuado para afastar essa agressão através de meios adequados e na consciência que agia e legitima defesa.

37ª Face ao exposto não estava reunidos os pressupostos da exclusão da legitima defesa e da exclusão da ilicitude e estando suficiente provado que o autor sofreu danos a ré deveria ter sido condenada a ressarcir o autor pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos. O acórdão do TRP fez uma deficiente aplicação do direito e uma errónea interpretação das normas contidas artigo 70º, 337º, 483º, 487 e 496º do Código civil, do artigo 31º e 143 do Código Penal e do artigo 26º da Constituição. Com base numa boa aplicação do direito e uma assertiva interpretação das normas supra referidas o autor deveria ser ressarcido pelos danos patrimoniais e não patrimoniais peticionados na petição inicia

38ª Mais resultou provado que os réus difundiram factos suscetíveis de ofenderem o crédito e o bom nome do autor. A difusão por parte dos réus dos factos considerados não provados na sentença da primeira instância, são falsos, caluniosos destituídos de qualquer fundamento de prova. No mesmo contexto a ré chamou a voz alta o autor de porco nojento e borrado e que tinha matado a ré como o marido não a socorresse, e que os réus difundiram que o autor era um ... burlão e vigarista.

39ª O acórdão do TRP interpretou de forma errada o artigo 70º e 483º, nº1 do Código civil, bem como o artigo do artigo 26º, nº 1 da constituição que garante um conjunto de direitos pessoais, entre eles o direito ao bom nome e a reputação. Com base nestas normas os réus deveriam ter sido condenados a ressarcir o autor pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos. Da prova produzida resultou provado de que os réus fizeram apreciações negativas sobre o carácter do autor apelidando-o de burlão, vigarista, porco, nojento e borrado.

40º Tais factos foram divulgados e os réus foram a fonte que lhe deu origem com a sua conduta favorecendo que depois tais factos fossem replicados em diferentes lugares públicos e contextos sociais. Os factos foram difundidos e de conhecimento de várias pessoas. O testemunha DD em locais públicos, a oficina do EE e o Café do ..., que o autor tinha sido apelidado de burlão e que era um ... que não prestada e que era conhecido pelo ... que tinha levado umas pedradas. São meios pequenos as testemunhas apresentaram-se em tribunal inibidas com medo de falar e dizer o que ouviram para evitar criar conflito nas suas relações quotidianas com os réus. O réu em plena audiência de julgamento sem que ninguém lhe perguntasse referiu que o autor o vigarizou, A ré em voz alta apelidou o autor em voz alta de porco, nojento e borrado naturalmente que toda esta informação circula no meio em que o autor se move.

41º Foi ainda difundido, com base na conduta do dos réus que o doutor tinha sido atingido à pedrada, sendo conhecido como o ... que tinha levado umas pedradas. Nesta parte, aliais com em outras, a sentença carece de qualquer fundamento de facto e de direito, não descrevendo um itinerário decisório para que o recorrente possa impugnar em sede de recurso a motivação do tribunal.

42º Com base no artigo 70º, 483º nº 1 do CC e 26º, nº 1 da Constituição e 180 e 181º nº 1 do CP deveriam os pedidos constantes na Petição ser julgados procedentes. A sentença recorrida fez uma interpretação errado na norma constante no artigo 483º, nº 1 e do artigo 70º, do artigo 562º, 564º e 496º CC e no artigo 143, nº 1 e 180, nº 1 do Código Penal, com base nestas normas deveria ser considerado de que a conduta dos réus era ilícita e culposa e que causou danos patrimoniais e não patrimoniais ao autor. Pelo que deveriam os réus ser condenados a indemnizar o autor pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos.

43º A interpretação da sentença de que o autor ao desistir de queixas prescindiu de ser ressarcido pelos danos sofridos assenta em pressuposto errados e sem qualquer fundamento legal.

A sentença da primeira instância que foi replicada pelo acórdão do TRP faz em diversos segmentos afirmações não fundamentadas sobre o autor, sobre os danos por este sofridos e sobre o direito de acesso aos tribunais para ser ressarcido pelos danos sofridos. Com efeito, o autor tem direito nos termos do artigo 6º da CEDH, que a sua causa seja examinada equitativa e publicamente por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá sobre a determinação dos seus direitos. O no artigo 20º, nº 4 da Constituição consagra o direito a um processo equitativo. O decurso inquérito 265/19...., não impede o direito do autor recorrer aos tribunais para ser ressarcido pelos danos sofridos e do direito de ver a sua pretensão ser julgada nos termos das normas contida no artigo 6º da Convenção e 20, nº 4 da constituição. O autor tem o direito de recorrer aos tribunais ressarcimento civilístico pelos dados sofridos que configura um processo autónomo a que tem o direito de recorrer. A Convenção Europeia dos Direitos do Homem estipula no seu artigo 6º que “Qualquer pessoa tem direito que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá sobre os seus direitos e obrigações de carácter civil (…).

45ª O acórdão recorrido faz uma errónea da interpretação da norma contida no artigo 143º, nº 3 do Código. Esta norma refere-se a uma situação excecional de dispensa de pena criminal, quando se verificarem cumulativamente vários pressupostos. A dispensa de pena no âmbito do crime de ofensa à integridade física simples, além da previsão de uma das alíneas do artigo 143º , nº 3 do CP. Pressupõe a verificação dos pressupostos gerais de aplicação do instituto, previstas nas alínea de a) a c) do artigo 74º do CP, ou seja as circunstâncias do caso devem permitir concluir que a ilicitude e a culpa são diminutas, o dano está reparado e à não aplicação da pena não obstam razões de prevenção.

46ª Mesmo no caso em que os agentes são agressores e agredidos e causam e sofrem lesões corporais semelhantes, para efeitos de responsabilidade penal, sendo este juízo independente da indemnização que possa resultar da responsabilidade civil. A responsabilidade cível tem autonomia em relação a responsabilidade penal e analisada com base em pressupostos civilísticos, em função dos danos sofridos pelo lesado. (Neste sentido acórdão do TRE, processo 273/14.1PBFAR.E1, DE6/6/2017)

47ª O acórdão não procedeu a uma análise da prova e dos depoimentos, limitou-se a parafrasear a sentença proferida na primeira instância. Não fez uma análise crítica e conjugada dos vários elementos de prova. Dos depoimentos resulta que a ré confessou que atirou pedras ao autor e que lhe acertou pedras na cabeça. O local onde os factos ocorreram a versão do réu e da ré não coincidem. A prova não foi analisada com detalhe e de forma critica. O tribunal de recurso o tribunal de recurso não se pronunciou sobres as questões suscitadas pelo autor na alegação de recurso. O acórdão limitou-se a citar de forma acrítica passagens e conclusões da sentença de primeira instância. Porém não faz qualquer referência às questões suscitadas pelo recorrente em sede de alegação de recurso.

48ª Em face de tudo o supra alegado vem requer-se que o acórdão seja declarado nulo. Com efeito o acórdão do TRP não cumpriu o estipula no artigo 1615º nº 1 alínea c) e d) do CPC. O incumprimento dos deveres a que o julgador estava vinculado determina a nulidade do acórdão do TRP.

49ª   O acórdão do TRP, não procedeu ao julgamento da matéria de factos nos termos a que estava vinculado, não cumprindo o disposto no artigo 662 do CPC. Pelo que fez uma errónea interpretação da norma contida no artigo 662º do CPC, conjugado com o artigo 615º, nº1 do mesmo diploma. Com efeito, o acórdão do TRP fez um conjunto de considerações generalistas assentes no subjectivismo e na intuição pessoal do julgador, sem proceder ao julgamento das questões suscitadas no recurso. Nesta parte, o TRP, contrariou sem qualquer fundamentação o douto acorda do STJ ((acórdão 1916/18.3T8STS.P1.S1, de 6/04/2022). Nos termos deste acórdão do STJ “As questões relacionadas com o incorreto uso dos poderes de facto conferidos por lei ao tribunal da relação, com violação do disposto no artigo 662 do CPC não se encontram abrangidos pelo efeito da dupla conforme impeditiva da interposição de recurso de revista normal

50ª Se for omitida ou incorretamente exercida tal atividade processual de sindicância da matéria de facto impugnada que constitui pronuncia originária que compete unicamente à primeira instância, esse incumprimento dos deveres imposto no artigo 662 do CPC comporta naturalmente a interposição de revista normal para o STJÉ o que sucede quando rejeita a impugnação da matéria de facto com o incumprimento das exigência do artigo 640º, nº 1 e 2 do CPC; Quando não se debruça com a suficiência, a autonomia, e a completude exigíveis sobre a análise da matéria concretamente impugnada, refugiando-se em considerações de natureza geral ou tabelar que não traduzem qualquer efetivo reexame dos factos que o recorrente alegou estarem incorretamente decididos, quando descura a exposição da fundamentação que permite objetivamente compreender o percurso subjacente à reanálise da prova (acórdão 1916/18.3T8STS.P1.S1, de 6/04/2022).

51ª Dos factos considerados provados estão preenchidos todos os requisitos para que o autor seja ressarcido pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos Com efeito, há uma conduta agressora da ré, que se consubstanciou em atirar pedras soltas ao autor tendo atingido a pedrada na cabeça, da qual resultaram lesões.

52ª  Tal conduta é ilícita, culposa, adequada a causar danos no autor e a existência de danos permanente e visíveis a distância social. Atirar pedras soltas a alguém é uma atividade perigosa. Tais factos resultaram da confissão da ré. Mas ainda que assim não fosse entendido a ré exerceu uma atividade perigosa, existindo fundamento para a inversão do ónus da prova nos termos do artigo 493º, nº 2 do CC.~

53ª O acórdão do TRP fez uma interpretação errada dos artigos 26º, 70º, 483 nº1 e 496 do CC e do 26º da CRP. Com bases nestas normas o autor deveria ser ressarcido pelos danos patrimoniais e não patrimoniais peticionados. Conforme a jurisprudência dominante nos tribunais superiores. A titulo meramente exemplificativo refira-se acórdão do TRL de 10-04-2018, processo 2424/12.1TAALM.L1. O  autor deveria ser ressarcido pelos danos patrimoniais, biológicos e não patrimoniais nos termos peticionados na petição inicial.”

Culmina pedindo:

“Em face de tudo o supra alegado deve o presente recurso ser julgado procedente, por fundamentado e provado, requerendo-se que o acórdão recorrido seja revogado, que sejam considerados procedentes os pedidos formulados pelo autor na Petição Inicial, sendo o autor ressarcido pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos nos termos peticionados na petição inicial.”


11. BB e CC, RR, apresentaram contra-alegações, onde concluem (transcrição):

“1º Veio o Autor, ora Recorrente, interpor recurso de Revista excepcional do douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, que veio confirmar a decisão proferida na primeira instância.

2º No entanto, o ora Recorrente não especifica qual a concreta alínea do art. 672º nº1 do CPC, ao abrigo da qual é interposto o presente Recurso Excepcional de Revista, limitando-se a remeter, em termos vagos e genéricos, para o nº 1 do art. 672º do CPC. Tal omissão, per si, acarreta a inviabilidade da presente instância recursiva.

3º   De igual modo, ao realizar uma alegação vaga e genérica dos fundamentos pelos quais o seu Recurso deve ser admitido, é manifesto que o Recorrente não cumpriu com o ónus previsto no nº2 do artigo 672º do CPC.

4º O argumentário do Recorrente resume-se a considerações vagas e puramente genéricas, das quais não se alcança, em concreto, a relevância jurídica da questão a apreciar pelo STJ e o interesse de particular relevância social em causa que mereceria esta apreciação excepcional

5º A conclusão a retirar da tese defendida pelo Recorrente será, necessariamente, a de que todo e qualquer processo cujo objecto decorra da alegada ocorrência de lesões físicas e/ou ofensas ao crédito e ao bom nome de alguém preencherão os requisitos materiais de interposição do recurso excepcional de revista.

6º Pelo que é manifesto que o presente recurso não poderá ser admitido, nos termos

do disposto nos arts. 672º do CPC

7º Quanto ao mais, mesmo que o Recurso fosse admitido, no que não se concede, este é manifestamente desprovido de fundamento.

8º Salvo o devido respeito, que é muito, facilmente se alcança dos fundamentos do recurso que o ora Recorrente pretende fazer da presente instância recursiva um verdadeiro novo julgamento da causa e não uma reapreciação da decisão recorrida, realizando, em largos trechos do seu Recurso, menções à prova produzida em sede de audiência de julgamento, quer quanto à prova testemunhal, quer quanto às declarações de parte dos Réus, como se pretendesse que a presente Revista consubstanciasse uma nova instância de sindicância relativamente à matéria de facto.

9º O douto Acórdão proferido pelo tribunal “a quo” não violou qualquer normativo, conforme supra exposto, e deve ser mantido nos seus precisos e exactos termos.”


12. No tribunal recorrido foi proferido despacho a admitir o recurso nos seguintes termos: “Por ser legal, tempestivo e haver legitimidade suba o recurso interposto ao STJ para os efeitos legais.”


13. Distribuídos os autos no STJ, a lei impõe ao relator que verifique se alguma circunstância obsta à admissão do recurso.

Da análise efectuada resulta que o recurso interposto é não apenas de revista excepcional, mas igualmente de revista normal, por se questionar se o acórdão recorrido fez uma correcta aplicação da lei processual relativa ao pedido formulado na apelação onde houve impugnação da matéria de facto, por via do art.º 662.º do CPC,  entendendo-se que o exercício dos poderes  - bem ou mal exercidos - do Tribunal da Relação é questão que pode ser conhecida pelo STJ, em recurso de revista normal, por não funcionar aqui o impedimento à admissibilidade do recurso “dupla conforme” (art.º 671.º, n.º1 e 3 do CPC).

Porque o recurso comporta igualmente questões de outra índole, em relação às quais a sentença e o acórdão recorrido decidiram no mesmo sentido, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diversa, e atendendo a que foi solicitada a admissão da revista pela via excepcional, que só pela formação a que se reporta o art.º 672.º do CPC pode ser decidida, o conhecimento de que este acórdão se vai ocupar apenas abrangerá  a primeira das questões indicadas – saber se o Tribunal da Relação exerceu bem e dentro do quadro legal os seus poderes de reapreciação da impugnação da matéria de facto.


Colhidos os vistos legais, cumpre analisar e decidir.

II. Fundamentação

De facto

14. Das instâncias vieram provados os seguintes factos:

1. O AA é ..., sendo doutorado em direito pela Escola ....

2. Em 2 de Setembro de 2019, em local próximo à residência do Autor, este e os Réus que ali passavam e pararam a beber água, ocorreu uma discussão motivada pelo uso dessa água a que o Autor manifestou opor-se.

3. Após tal altercação entre todos, o Réu marido prosseguiu o seu caminho num sentido tendo-se a Ré mulher dirigido no sentido oposto, em direcção à sua casa, pelo que passou perto do Autor que se encontrava com uma enxada na mão.

4. Nesse momento ambos se envolveram em discussão verbal.

5. No decurso dessa discussão ambos se agrediram fisicamente, em simultâneo, tendo o Autor sido atingido por pedras arremessadas pela Ré e tendo esta sido lançada ao chão pelo Autor e por ele atingida no peito, por forma e ordem não concretamente apuradas.

6. Ambos sofreram lesões físicas por causa dessa apurada conduta.

7. Pelo menos uma das pedras arremessadas pela Ré CC atingiu o Autor na cabeça.

8. Por causa disso o Autor sofreu feridas corto contusas superficiais que foram tratadas no serviço de cirurgia e as feridas foram suturadas.

9. O Autor teve alta no dia 3/09/2019 cerca das 0H21, ficando em vigilância por um período de 8 dias com a indicação de caso o seu estado de saúde piorasse deveria regressar de imediato a urgência com a indicação de se deslocar ao centro de saúde para retirar os pontos, dentro de 8 dias.

10. Deu entrada na urgência fez TC e ficou em vigilância nos serviços de neurologia das 22h11 do dia 3/09/19, e nele permaneceu em observação até às 13h16 do dia seguinte dia 4/09/2019, por suspeita de AVC.

11. Em 12-09-2019 o Autor regressou à urgência com novas queixas e fez análises, e ficou em ficou no serviço de neurologia em observação até às 18h28.

12. As referidas discussão e agressões foram do conhecimento de algumas pessoas residentes nas imediações e comentada em locais públicos.

13. O concelho ... é um meio pequeno, onde Autor é conhecido por ser ....

14. O Autor ficou incomodado e envergonhado com o sucedido.

15. Em cafés e em outros locais públicos foi comentado o sucedido e dito que o Autor tinha sido atingido à pedrada na cabeça.

16. O Autor despendeu, nas taxas que pagou nos serviços de urgência do Hospital ... as seguintes quantias: Urgência 2/09- 16 € TAC - 13 € Episódio de urgência de 03-09- 16 €. Urgência de 12/09 - 34,55 €

17. O Autor despendeu 32 € em duas idas à urgência em 26-06-2020 e em 06-07-2020.

18. Pagou 87,73 € de consulta de transplante capilar na CME CLINIS, em  ... a 03-10-2019 e 60 € em consulta de otorrino em 21-08-2020.

19. ... fica a pelo menos 60 kms da residência do autor.

20. O Autor deslocou-se à R...., Lda., Estrada ..., ... que dista pelo menos 90 Kms da sua residência.

21. A 23-10-2020 o Autor foi à clínica F..., em ..., que dista pelo menos 40 kms da sua residência, para realizar um TAC craniano por que pagou 13 €.

22. A Ré CC apresentou queixa-crime contra o ora Autor em 03-09-2020 e o Autor apresentou queixa-crime contra os Réus em 21 de Outubro de 2019, tendo essas queixas dado origem ao inquérito nº 265/19...., do DIAP ..., ... Secção, arquivado a 6-11-2020 em consequência das desistências de queixa apresentadas e aceites pelos ali queixosos e arguidos.

23. Por causa do descrito em 5 a Ré sentiu mal-estar, dores e sofrimento.

24. No âmbito do inquérito referido em 22) foi solicitada perícia médico legal à Autora, realizada em 04-09-2019, data em que a mesma apresentava as seguintes lesões: ráquis: equimose azulada ténue, com ligeiro edema associado, com 8cm por 4cm de maiores dimensões na metade direita da região lombar; Tórax: equimose arroxeada com bordos amarelos, com 9cm por 5 cm de maiores dimensões nos quadrantes superiores da mama direita; Membro inferior direito: múltiplas escoriações numa área de 8 cm por 7 cm de maiores dimensões na face anterior do joelho; Membro inferior esquerdo: múltiplas escoriações numa área de 7cm por 7 cm de maiores dimensões na face anterior do joelho. Três equimoses arroxeadas, numa área de 4 cm por 5 cm de maiores dimensões na face posterior do terço proximal da perna.

25. Tais lesões determinaram pelo menos 10 dias para a cura: com afectação da capacidade de trabalho geral (1 dias) e sem afectação da capacidade de trabalho profissional”.

26. A Ré quando questionada sobre as lesões revivia os factos que as causaram o que lhe causou vexame.


15. Das instâncias vieram não provados os seguintes factos:

a) O Autor é Doutorado em ... pelo ....

b) Dedica-se ao ensino e ao trabalho de Investigação.

c) Os Réus BB e CC por má formação, inveja e frustração pelo insucesso académico dos seus descendentes, de forma continuada, há numerosos anos, fazem em lugares públicos afirmações e difundem factos susceptíveis de porem em causa o bom-nome, o crédito pessoal e profissional e a reputação do autor.

d) Em finais de 2018, durante os anos de 2019 e 2020, no lugar de ... e perante várias outras pessoas e entidades noutros locais, referiram-se ao autor apelidando-o de burlão, vigarista, porco, nojento e borrado.

e) Bem como difundiram factos que qualificavam o autor de agressor, ameaçador e injuriador e que contra eles tinha praticado factos consubstanciadores de agressão, ameaça e injúria, factos esses praticados em início de setembro de 2019.

f) Por várias vezes, dirigindo-se ao Autor apelidaram o mesmo de burlão e vigarista. g) Como passam diariamente junto à sua residência difundem factos relativos à sua vida privada, ao modo como habita, aos seus hábitos no propósito de atingirem a sua imagem e a sua reputação.

h) Em princípios de Setembro de 2019 os Réus, em comum acordo, difundiram no lugar de ..., junto de várias pessoas, que o autor a tinha agredido, ameaçado e injuriado.

i) E para tornar credível os factos que relatava, provocou em si própria, com a ajuda do réu BB alguns hematomas que mostrou a várias pessoas da referida aldeia. j) O Réu, em concertação de vontades com a Ré mulher, difundiu idênticos factos e testemunhou-os perante as autoridades judiciárias com pleno conhecimento da sua falsidade.

k) Com o propósito de atingir o bom nome e reputação e de encobrir os crimes que contra ele tinham praticado anteriormente.

l) Os réus tinham pleno conhecimento da falsidade dos factos que difundiam, bem sabendo que difundiam tal informação para encobrir crimes por eles perpetrados contra o autor.

m) No momento referido em 4) a Ré CC dirigindo-se ao Autor chamou-lhe repetidas vezes “Porco, nojento e borrado”

n) Factos ouvidos a mais de uma centena de metros de distância por outras pessoas

o) Em 2 Setembro de 2019, quando o Autor estava junto a sua residência, cerca das 20 horas, a Ré CC apanhou várias pedras soltas que existiam no início da rua do ... e caminhando em direcção ao Autor que estava junto a sua residência lançou-lhe várias pedras.

p) A ré arremessava as pedras com força todas elas dirigidas à cabeça e ao rosto do ora Autor.

q) O Autor procurou desviar-se das pedras que a Ré lhe arremessava, mas esta, que se encontrava acerca de 7 metros de distância, aproximou-se e quando estava acerca de 3 a 4 metros atingiu o Autor com 3 pedras na cabeça

r) À medida que abandonava o local a Ré, dirigindo-se ao Autor disse-lhe: “porco nojento ficaste marcado”.

s) O Autor sofreu traumatismo crânio encefálico.

t) O Autor foi atingido por outras pedras noutras partes do corpo causando hematomas e pele arroxeada, designadamente nos membros inferiores

u) Na sequência das lesões sofridas o Autor teve uma forte hemorragia e fortes dores. v) E foi-lhe rapado o cabelo na zona frontal para realizar os tratamentos

w) O estado de saúde do Autor agravou-se de forma substancial pelo que teve de se deslocar novamente à urgência do Hospital ... na tarde do dia 3/09/2019.

x) Na tarde do dia 12/09/2019 teve de fazer nova deslocação ao Hospital ..., por sentir com persistência tonturas, cefaleias e náuseas, secreções sanguinolentas.

y) Por causa do sucedido ao Autor foi diagnosticada depressão e prescrita medicação antidepressiva “...” e ...”

z) O Autor sofreu depressão durante vários meses devido as agressões sofridas e ao facto de ser do conhecimento público de várias pessoas que fora atingido à pedrada e de ficarem na sua fronte lesões visíveis.

aa) Necessitou de tratamento para a depressão durante vários meses.

bb) Não voltou a recuperar a estado de saúde mental que tinha antes da agressão.

cc) A partir da agressão o autor padece de crises de ansiedade frequentes.

dd) E passou a ter alterações no sono frequentes

ee) Necessita de tomar de forma permanente de medicação antidepressiva.

ff) E de medicação para dormir e controlo da ansiedade como ... 2,5 mg, ... 2m, agomalatina, ..., “...” e ...”

gg) Ficou com problemas neurológicos como cefaleias frequentes e zumbido nos ouvidos

hh) Das lesões sofridas na zona frontal esquerda não recuperou totalmente. ii) Continuou a ter dores moderadas a ligeiras nos meses seguintes.

jj) Com a indicação que precisaria de cerca de um ano para recuperar parcialmente das lesões sofridas.

kk) No local das lesões sempre que o Autor apanha luz solar ou toma banho em água quente sente forte ardor, dor e vermelhão na zona frontal esquerda, situação que se mantem na presente data.

ll) Mesmo aplicando creme protector, o Autor sempre que tem contacto com a luz solar ou toma banho em água quente sente dor e ardor no local da lesão.

mm) Para debelar esses problemas foi acompanhado no serviço de dermatologia

nn) O Autor não recuperou totalmente das lesões sofridas.

oo) Na zona frontal esquerda ficou com uma cicatriz de 3cm de altura, por 4cm de largura.

pp) Cicatriz essa não coberta pelo cabelo.

qq) Na zona frontal ficou com outra cicatriz no couro cabeludo e falha de cabelo

rr) Antes da agressão o Autor tinha a face frontal perfeita, sem qualquer lesão e sem falta de cabelo.

ss) Tal lesão será permanente e a cirurgia estética não a eliminará

tt) Necessitou de fazer tratamento para tentar conter a queda de cabelo na região frontal.

uu) Para repor o cabelo perdido em consequência da agressão o Autor, por indicação médica, necessita transplante capilar.

vv) Os Réus tiveram como propósito da sua conduta o de rebaixar, denegrir a imagem, a reputação e a integridade física do Autor, tendo pleno conhecimento de que lhe estava a causar tristeza, desgosto e noites mal dormidas, dores e deformações físicas e a pôr em risco a sua vida.

ww) O Autor fez mais duas deslocações à urgência dos Centro Hospitalar de ... EPE na fase de recuperação devido a cefaleias e zumbidos nos ouvidos decorrentes das lesões sofridas no dia 2 de Setembro de 2019.

xx) Por causa dessas lesões o Autor teve que se deslocar a consultas de especialidade na CME CLINIS, G... Lda, em ..., para tratamento à queda de cabelo e às cicatrizes,

yy) Por causa das lesões descritas em 8 o Autor fez tratamentos na R...., Lda., Estrada ....

zz) Para completar tratamento e repor o cabelo que tinha antes da agressão na face frontal terá de despender a quantia de 5.675 €.

aaa) O Autor no decurso do ano de 2020, na fase de recuperação das lesões sofridas continuou a ter cefaleias, tonturas, falta de equilíbrio e zumbidos o que terminou que fosse atendido pela médica de família que requisitou novo TAC

bbb) Por causa das lesões referidas em 8 o Autor foi acompanhado e na F..., em ... e foi acompanhado pelo médico de família e consultas de especialidade e teve gastos nessas consultas e medicação no Consulta Centro Médico ....

ccc) Para tratamento dessas lesões teve despendeu 198, 97 € em medicação.

ddd) O Autor perdeu 40 dias de trabalho em recuperação das lesões e do vexame, consultas hospitalares e consultas médicas, bem como em deslocações.

eee) Tendo deixado de auferir ganhos nas suas actividades profissionais investigador na escrita de artigos de livros e na dinamização de acções de informação a distância e presenciais e de ....

fff) Em virtude das lesões bem como do vexame e depressão sofridos o Autor esteve numerosos dias incapacitado para trabalhar, tanto no período subsequente à agressão como durante o período de recuperação.

ggg) Situação que se mantém na presente data e manterá no futuro.

hhh) Os boatos difundidos pelos Réus sobre o Autor foram comentados e discutidos em cafés e outros locais públicos e tiveram reflexo no crédito e bom-nome do Autor, afastaram clientela e determinados assuntos jurídicos deixaram de lhe ser confiados

 iii) O Autor ficou com uma cicatriz que será um dano estético permanente que é objecto de interrogação por colegas, amigos e alunos, que lhe causa desgosto e afecta a sua auto-estima.

jjj) O autor andou durante vários meses com lesões físicas visíveis na zona frontal, sendo conhecido pelo ... que levou pedradas na cabeça

kkk) O Autor teve de rapar o cabelo na região frontal esquerda para receber tratamentos e na sequência destes e da agressão perdeu cabelo na região frontal

lll) Os seus alunos e colegas e pessoas questionavam-no acerca do sucedido.

mmm) Os Réus receberam em data recente, uma herança no valor de 400 mil €.

nnn) Já antes disso tinham uma situação económica acima da média.

ooo) Nos meses anteriores aos factos ocorridos no dia 02 de Setembro de 2019, o Autor foi manifestando actos de crescente animosidade e conflitualidade para com os Réus, em especial dirigidos à Ré CC.

ppp) A razão de ser de tal animosidade surgia do facto dos Réus fazerem uso da água de um tanque existente na rua da ..., em ..., ..., o que desagradava ao Autor.

qqq) No dia 2 de Setembro de 2019 pelas 19:30 de tal data, a Ré CC deslocou-se até junto do tanque de água identificado no artigo 9º, onde ali foi beber e buscar água e o Autor, que ali se encontrava a cerca de 15 metros, dirigiu-se a Ré, dizendo-lhe, em viva voz “Tornas a vir à água e ficas cá”

rrr) No seguimento de tal, a Ré regressou à sua casa, tendo, no caminho, sido novamente abordada pelo Autor, que empunhava uma foice e uma enxada, e, de viva voz, proferiu as seguintes expressões: “Não venhas mais à água, senão eu mato-te!”; “Porca, badalhoca, ladra, a água é minha!”.

sss) Acto contínuo, o Autor desferiu um golpe com a enxada, que empunhava, na Ré CC, que a acertou no peito com uso de força e com violência.

ttt) O Autor ergueu novamente a enxada que empunhava para desferir novos golpes no corpo da Ré CC sendo que esta, em desespero e buscando impedir novas agressões à sua pessoa, agarrou numa pedra que se encontrava junto de si e atirou-a em direcção ao seu agressor.

uuu) Porém, o Autor não se deteve na sua senda de violência, empurrando a Ré CC de modo a que esta caísse prostrada no chão, com a barriga voltada para o solo.

vvv) O Autor agarrou a Ré CC pelos cabelos, arrastando-a ao longo de aproximadamente 6 metros.

www) Fazendo com que esta raspasse os seus joelhos no chão ao longo do percurso.

xxx) Após tal, ainda com a Ré prostrada, o Autor desferiu pelo menos mais 5 golpes, com o cabo da enxada, nas costas daquela e nos seus membros inferiores.

 yyy) O Autor apenas cessou as agressões quando o Réu BB veio acudir a Ré, rendo abandonado imediatamente o local.

zzz) A Ré chegou a temer pela própria vida.

aaaa) A Ré sofreu dores que se agudizavam sempre que se sentava e se deitava, impedindo-a de dormir e quando caminhava, com especial incidência na zona dos joelhos.

bbbb) O que a impediu de fazer pequenos esforços, levantar pesos leves, dobrar-se e fazer caminhadas.

cccc) E impediram a Reconvinte de fazer trabalhos domésticos e pequenos trabalhos agrícolas, como usualmente fazia

dddd) As lesões e respectiva alteração estética eram percepcionadas por todos quantos conviviam com a Reconvinte, nomeadamente amigos e familiares os quais a questionavam acerca das razões que subjaziam a tais lesões.

eeee) Durante o período de tempo que demandou à consolidação de tais lesões, a Reconvinte evitou sair de sua casa, passear junto dos seus amigos e aproveitar os seus tempos de lazer nos termos em que habitualmente o fazia.

ffff) Sentindo-se hipervigilante, em relação a tudo em seu redor, especialmente quando saia e entrava em casa, encontrando-se sempre em sobressalto.

gggg) Passou a evitar andar sozinha por locais ermos ou isolados, olhando sempre em seu redor antes de sair de casa para a via pública.

hhhh) Ficou a padecer de sonhos e pensamentos perturbadores recorrentes acerca do acontecimento, com mal dormir.

iiii) E sempre que recorda o evento traumático, o que acontece várias vezes por semana, sente mal-estar, extrema angústia e sentimento de insegurança.

De Direito

16. O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões do Recurso, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso e devendo limitar-se a conhecer das questões e não das razões ou fundamentos que àquelas subjazam, conforme previsto no direito adjetivo civil - arts. 635º n.º 4 e 639º n.º 1, ex vi, art.º 679º, todos do Código de Processo Civil.

Como se disse já, por agora cumpre conhecer das questões não abarcadas pela dupla conforme impeditiva da revista e pela decisão de remessa à formação na parte em que a revista só pode ser admitida pela via excepcional.


17. Na impugnação da matéria de facto efectuada na apelação, conhecida pelo tribunal recorrido, resulta que a discordância do A. se traduzia no seguinte:

i) - não foi produzida prova para que pontos 4, 5, 6, 23, 24 e 26 fossem dados como provados, nos termos descritos na sentença;

ii) - as alíneas c), d), e), f), g), h), i), j), k), l), m), n) s) a uu), vv), ww) a ggg) e iii) a lll) dos factos não provados deveriam passar a constar dos factos provados.


18. Depois de explicar o regime de conhecimento desta questão pelo tribunal de recurso, o Tribunal da Relação avançou na análise solicitada pelo recorrente, como se atesta no acórdão recorrido.

18.1. Essa análise centrou-se nos seguintes meios de prova:

a) depoimento de parte, da Ré, CC;

b) depoimento de parte do réu, BB;

c) depoimento de parte do autor, AA;

d) depoimento da testemunha FF;

e) depoimento da testemunha, DD;

f) depoimento da testemunha, GG;

g) depoimento da testemunha, HH;

h) depoimento da testemunha, II;

i) depoimento da testemunha JJ;

j) nos documentos apontados pelo A. na apelação, como os relatórios médicos (nomeadamente).

As partes significativas dos depoimentos foram transcritas, por síntese, no acórdão, às quais se seguiu a sua apreciação, na qual o tribunal disse “De toda esta prova se colhe que, quanto às ofensas, as versões do autor e dos réus são diametralmente opostas, sendo relevante que não foram testemunhadas.”.

E em seguida o tribunal explicou ainda a sua posição sobre a análise que efectuou, e que o levou a considerar que a sentença tinha decidido bem, dizendo:  

“Assim, temos de concordar com o que se diz na sentença “A conjugação desses depoimentos e documentos criou a convicção positiva de que ocorreram, durante essa altercação, agressões físicas mútuas bem como que a discussão foi motivada pelo uso de água de um poço pelos Réus, mas nada mais. Por isso se julgaram provadas as alíneas 2 a 11, 23 a 25 e não provadas as alíneas m) a r) e qqq) a zzz). Todavia, ficou a certeza de que na sequência de discussão que todos descreveram como motivada pelo uso de água de um poço pelos Réus contra a vontade do Autor, este e a se agrediram após o afastamento do Réu do local que terá voltado para trás apenas quando ouviu gritos. A descrição do que viu ao chegar a sua mulher de joelhos no chão e debruçada com a cabeça para baixo enquanto o Autor a segurava pelos cabelos é compatível com as lesões descritas pelo GML a 04-09-2019.”

Em jeito de conclusão afirmou ainda:

Todos os demais factos referentes à disputa que o autor pretende ver provados carecem de sustentação probatória evidente”.


O Tribunal passou e seguida à análise dos restantes pontos em discussão, dizendo:

“Quanto às lesões do autor relevam as notas de alta do Centro Hospitalar de ....

Na primeira (doc. 1 junto com a pi): consta: “Alta 03/9/2019 00.21:32; Serviço de Urgência; Data de admissão 02/9/2019 22:48; Motivo de admissão: Trauma crâneo-encefálico Notas clinicas: Homem de 53 anos que recorre por ferida corto contusa após ter batido com pedra. Sem TCE sem perda de conhecimento ou vómitos. Sem medicação; EO ferida corto contusa frontal duas feridas superficiais. Fez limpeza desinfecção e sutura. Vigilância da evolução da ferida e retirada de pontos aos 8 dias em Centro de Saúde….”

Na segunda do mesmo Centro Hospitalar de 4/9/2019 (doc. 3 junto com a pi) consta como diagnóstico cefaleia.

Todas as outras queixas relatadas nos factos que o autor pretende que sejam considerados provados (problemas dermatológicos, psicológicos, estéticos e capilares) também a prova os não consente no sentido de estarem directamente relacionados com a agressão.

Improcedendo totalmente a impugnação da matéria de facto, a solução de direito tem de manter-se.”


18.2. O que havia sido pedido ao Tribunal recorrido e com que fundamento?

Do recurso de apelação resulta, entre outros:

 - Quanto aos factos provados que considerou mal julgados, pediu a reanálise dos depoimentos de parte dos RR, do Autor e da testemunha FF, a análise do relatório médico legal relativo à Ré.

- Quanto aos factos não provados que considerou deverem ser dados por demonstrado:

i) pediu a reanálise dos depoimentos da testemunha DD e HH e das declarações do autor – para os Pontos a) e b) dos factos não provados;

ii)  do depoimento do réu BB do depoimento da testemunha DD, do depoimento da Testemunha FF, do depoimento da testemunha JJ e do depoimento do autor – para os pontos c, d, e, f, g, h, i, j, k, l, m, n dos factos não provados;

iii)  do depoimento da Ré CC, depoimento da testemunha FF e as Declaração do autor  - para os pontos O, P, Q, R dos factos não provados

iv) relatório Médico Legal realizado ao autor no âmbito do inquérito 265/19.... anexo aos autos, Documentos de aquisição de medicação em farmácia e receitas médicas e declaração médica Relatório de clinica relativo a transplante, análise das Declarações do autor e da da testemunha DD, FF e HH -  para os pontos não provados S,T,U,V,W,X, Y, Z, aa, bb, cc, dd, ee, ff, gg, hh, ii, jj, kk,ll, mm, nn, oo, pp,uu, vv, ww, yy, zz, aaa, bbb, ccc, ddd, eee, fff, ggg, hhh, iii, jjj, kkk,lll

- invoca contradições entre factos provados e não provados e credibilidade afirmada de depoimentos de testemunhas em face das ilações que deles se retiram, não obstante a falta de credibilidade;

- considera que não foram devidamente valorados relatórios e declarações médicas incluindo um de dermatologia.


18.3. O que o recorrente entende que o tribunal recorrido fez mal?

Nas suas alegações da revista, diz o recorrente:

“O acórdão do TRP, não procedeu ao julgamento da matéria de factos nos termos a que estava vinculado, não cumprindo o disposto no artigo 662 do CPC. Pelo que fez uma errónea interpretação da norma contida no artigo 662º do CPC, conjugado com o artigo 615º, nº1 do mesmo diplma. Com efeito, o acórdão do TRP fez um conjunto de considerações generalistas assentes no subjectivismo e na intuição pessoal do julgador, sem proceder ao julgamento das questões suscitadas no recurso.”

(…)

O acórdão não procedeu a uma análise da prova e dos depoimentos, limitou-se a parafrasear a sentença proferida na primeira instância. Não fez uma análise crítica e conjugada dos vários elementos de prova.

(…)

Quando não se debruça com a suficiência, a autonomia, e a completude exigíveis sobre a análise da matéria concretamente impugnada, refugiando-se em considerações de natureza geral ou tabelar que não traduzem qualquer efetivo reexame dos factos que o recorrente alegou estarem incorretamente decididos, quando descura a exposição da fundamentação que permite objetivamente compreender o percurso subjacente à reanálise da prova (acórdão 1916/18.3T8STS.P1.S1, de 6/04/2022).”


19. Que dizer?

Da análise do que descrevemos resulta ter o tribunal efectuado a apreciação critica dos meios de prova convocados pelo recorrente para conhecimento do pedido, quer quanto aos factos provados, quer quanto aos não provados; que essa apreciação deu origem a uma convicção do próprio tribunal; que os meios de prova em causa não tinham valor probatório tabelado, estando sujeitos à livre apreciação do tribunal; que dos factos a provar, na convicção do tribunal, alguns deles não podiam ser tidos por relacionados/causais com as agressões que as partes imputam uma à outra.

Da apreciação empreendida igualmente resulta não haver contradição entre factos provados e não provados, tal como o tribunal os configurou, uma vez que a verdade apurada no processo não é coincidente com a versão que veio sustentada pelo A.

Da análise efectuada resulta ter o tribunal dado cumprimento aos deveres legais impostos pelo art.º 662.º do CPC.

Porque os meios de prova em causa não tinham valor probatório legalmente fixado, sendo o STJ um tribunal que apenas conhece de Direito, e não estando em causa o disposto no art.º 674.º, n.º3 e 682.º, n.º2  do CPC, nada mais pode este tribunal conhecer sobre a matéria de facto fixada.

É assim de considerar improcedente a revista na parte relativa à impugnação da matéria de facto por invocada violação do regime do art.º 662.º do CPC.


20. No que concerne ao pedido de revista excepcional, devem os autos ser remetidos à formação a que alude o art.º 672.º do CPC, a fim de aí se decidir se o recurso deve ser admitido e conhecido na pate relativa às decisões recorridas e nas quais há dupla conforme, que assim se atesta, bem como a reunião dos demais pressupostos gerais de admissão do recurso.

III. Decisão

Pelos fundamentos indicados:

- nega-se a revista na parte em que vem impugnado o acórdão recorrido que se debruçou sobre a impugnação da matéria de facto;

- determina-se a remessa à formação para decisão de admissão quanto às questões suscitadas e sobre as quais há dupla conforme e pedido de revista excepcional.

As custas do recurso de revista, que é um só, são as seguintes:

- não sendo admitida a revista excepcional, são elas suportadas pelo A.

- se vier a ser admitida a revista excepcioal, serão definidas a final em função do vencimento.


Lisboa, 6 de Julho de 2023

Relatora: Fátima Gomes

1º adjunto: Dr Ferreira Lopes

2ª adjunta – Dra Maria dos Prazeres Pizarro Beleza