Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
13330/17.3T8LSB.L2.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: NUNO ATAÍDE DAS NEVES
Descritores: COMPRA E VENDA
VENDA DE COISA DEFEITUOSA
IMÓVEL DESTINADO A LONGA DURAÇÃO
CADUCIDADE
CUMPRIMENTO DEFEITUOSO
Data do Acordão: 10/12/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
Enfermando a coisa comprada de vícios, pese embora a omissão do art. 917º nº 1 do Código Civil, que apenas menciona a acção por simples erro, sob pena de caducidade, deverá o comprador instaurar contra o vendedor a acção tendente a fazer valer qualquer pretensão decorrente daqueles vícios, no prazo a que se reporta aquele normativo, seja a resolução do negócio, seja a redução do preço, a reparação da coisa, sua substituição, ou indemnização nos termos gerais pelos prejuízos sofridos, a tal interpretação impondo a unidade do sistema jurídico.
Decisão Texto Integral:

Ingesmat - Gestão e Investimentos, Lda., e E..., Lda., demandaram Caixa Geral de Depósitos, S.A., pedindo que a ré fosse condenada solidariamente a pagar às autoras o valor de € 235.672,05, acrescida de juros de mora (vencidos e vincendos), à taxa legal, desde a data da citação.

Alegaram, em síntese, que a 1a autora adquiriu à ré, por escritura pública outorgada, em 6/6/2016, o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n° 2657/20090325, da freguesia de ..., correspondente a garagem.

O prédio não é apto à finalidade a que se destina, porquanto não é possível aceder às caves com veículos ligeiros de passageiros médio e de maior dimensão.

Apesar de terem efectuado obras com vista à ampliação das rampas e curvaturas, o acesso continuou inviabilizado.

O imóvel vendido não serve à função a que se destina (que as autoras pretendiam destiná-lo), pelo que têm direito a ser ressarcidas dos danos emergentes dessa desconformidade.

A ré na contestação excepcionou a ilegitimidade passiva da 2a autora, a coligação activa ilegal, a caducidade do direito invocado, impugnou o alegado pela autora, concluindo pela procedência das excepções e absolvição do pedido - fls. 96 e sgs. I vol.

Na resposta, as autoras pugnaram pela improcedência das excepções - fls. 124 e sgs. I vol.

Em sede de despacho saneador foi julgada procedente a excepção dilatória de ilegitimidade activa relativamente à 2a autora e a ré absolvida da instância quanto ao pedido efectuado por esta, procedendo esta excepção, prejudicada ficou a apreciação da coligação (ilegal), foi relegado para decisão final o conhecimento da excepção peremptória de caducidade, foram elencados os temas de prova e fixados os factos assentes - fls. 142 e sgs. I vol.

Após julgamento foi prolatada sentença que, julgando a acção parcialmente procedente, condenou a ré a pagar à autora o montante a liquidar em execução de sentença correspondente aos custos suportados com as obras de alargamento das rampas e curvaturas e com os serviços de arquitectura inerentes ao projecto de alteração já apresentado junto da Câmara Municipal (CM) e aos custos que venha a incorrer necessários à apresentação dos restantes projectos que se imponham para a instalação do monta-auto, à aquisição do equipamento, à adaptação do imóvel para receber o mecanismo e à fiscalização da execução da obra a realizar no imóvel adquirido à ré, até ao limite de € 182.769,25, absolvendo-se a ré quanto ao mais -fls. 190esgs.

Inconformada, a ré apelou.

Por acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, em 13/1/2022, foi alterada a redacção da decisão de facto no que concerne aos factos provados sob os n°s 6, 7, 11, 13, 25, 28, substituindo-se a palavra garagem por fracção e o facto provado sob o n° 1 passou a ter a seguinte redacção: A autora é uma sociedade que, entre outras actividades, se dedica à compra e venda de imóveis, bem como importação, exportação, compra e venda de veículos automóveis, motociclos e ciclomotores, importação, comércio e representação de equipamentos, peças e acessórios para veículos motorizados, designadamente, automóveis, motociclos e ciclomotores".

O acórdão julgou nula a sentença "por omissão de referência à factualidade constante do saneador, mormente, factos 28, 30, 31, 34, 35, 37 (respeitantes ao alegado conhecimento pela autora das dificuldades de utilização do imóvel para certo tipo de veículos), 38 a 40 e 42 a 45 (relativos à irrelevância para a venda do fim que a autora invoca pretender dar ao imóvel, dado o desconhecimento concreto pela ré sobre tal pretendido destino, que nunca assegurou ter o imóvel qualidades para tal) e 46 e 47 (referente à alegada inexistência de qualquer denúncia de defeitos por parte da autora), que se reportam à questão da culpa da ré, devendo ser elaborada nova sentença, de onde conste resposta fundamentada a tais factos provados ou não provados), bem como a fundamentação quanto à resposta negativa dada ao ponto i) dos factos não provados, elaborando-se nova sentença, com base na factualidade global então apurada".

Volvidos os autos à 1a instância, foi proferida nova sentença, em cumprimento do determinado no acórdão que, julgando a acção parcialmente provada, condenou a ré nos precisos termos da condenação anterior.

De novo inconformada, a Ré CGD interpôs novo recurso de apelação, formulando as respectivas conclusões, que a Autora recorrida contra-alegou, interpondo também recurso subordinado, a que a Ré respondeu.

Foi proferido Acórdão que julgou procedente a excepção de caducidade invocada pela Ré, considerando todas as demais questões colocadas na apelação prejudicadas por aquela decisão.

Inconformada com esta decisão, dela veio a Autora INGESMAT interpor recurso de revista para este Supremo Tribunal de Justiça, oferecendo as suas alegações, que culminam com as seguintes conclusões:

UM: O douto Acórdão recorrido violou o disposto no artigo 9º, nºs 1 e 2, e 917º do Código Civil.

DOIS: O artigo 917º do Código Civil refere-se, de forma expressa e inequívoca, à acção de anulação por simples erro, nada referindo em relação aos demais direitos (reparação, substituição, redução, resolução, indemnização).

TRÊS: Caso o legislador pretendesse que tal norma fosse aplicável aos demais direitos do comprador, tê-lo-ia referido, o que nunca ocorreu, sendo que deveremos presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados,conformedispõeo artigo9º,nº 3,doCódigoCivil.

QUATRO: A aplicação do artigo 917º ao caso concreto não só não pode ocorrer, uma vez que o artigo se aplica, exclusivamente, à acção de anulação por erro, como, a ocorrer, inviabilizaria, desde logo, qualquer negociação entre as partes, potenciando a litigiosidade e o recurso aos tribunais.

CINCO: O disposto no artigo 917º não é aplicável ao caso concreto, e, consequentemente, uma vez que a Autora comunicou, em tempo útil, a existência dos defeitos à Ré, improcede a excepção peremptória de caducidade do direito de acção.

SEIS: Caso assim não se entenda, o que não se concede, veja-se que a jurisprudência também consagra a possibilidade de, caso não esteja em causa o direito de anulação do contrato, por erro, os restantes direitos serem exercidos extrajudicialmente.

SETE: A Autora exerceu, extrajudicialmente, o direito a exigir a indemnização em caso de simples erro em data posterior à da comunicação dos defeitos (12 de Junho de 2016) e em data anterior a 19 de Outubro de 2016.

OITO: Ainda que se considerasse a data de 19 de Outubro de 2016, sempre teriam decorrido pouco mais de 4 meses entre ambas as datas, o que significa que a Autora exerceu, extrajudicialmente, o direito a exigir a indemnização em caso de simples erro antes de decorridos seis meses da data da denúncia, pelo que deverá a excepção peremptória de caducidade ser julgada totalmente improcedente.

NOVE: Devendo a excepção peremptória de caducidade ser julgada totalmenteimprocedente,nãosepoderãoconsiderarprejudicadas as restantes questões suscitadas pela Autora, em sede de recurso subordinado, sob pena da nulidade prevista no artigo 615º, nº 1, alínea d) do Código de Processo Civil (aplicável ex vi artigo 666º, nº 1, do Código de Processo Civil).

A Ré CGD contra-alegou, concluindo nos termos seguintes:

a. Vem o presente recurso interposto de acórdão que decidiu pela caducidade do direito de ação, por aplicação do art. 917.º do C.Civil: a “partir da denúncia (12/6/16), dispunha a autora, ex vi art. 917 CC, do prazo de seis meses para intentar a acção cujo terminus ocorreria em Dezembro de 2016 (12/12). Ora, tendo a acção sido intentada, em 7/6/17, já o prazo de caducidade (seis meses) havia decorrido - art. 917 CC.”

b. O prazo de caducidade previsto no artigo 917º do Código Civil é aplicável, por interpretação extensiva, a todas as ações em que são formulados pedidos com fundamento em vícios da coisa vendida, única forma de salvaguardar o princípio da unidade do sistema jurídico, uniformizando o tratamento de situações semelhantes.

c. No sentido de que o artigo 917.º do C.Civil deve ser interpretado de forma a abranger todas as ações emergentes de cumprimento defeituoso é o entendimento largamente dominante da jurisprudência.

d. E assim se decidiu no Acórdão Uniformizador 2/97, para a ação de reparação dos defeitos: “A acção destinada a exigir a reparação de defeitos de coisa imóvel vendida, no regime anterior ao Decreto-Lei n.º 267/94, de 25 de Outubro, estava sujeita à caducidade nos termos previstos no artigo 917.º do Código Civil” (DR de 30/1/1997, 1.º Série).

e. Invocado é, designadamente o princípio da unidade do sistema jurídico: “Sendo a causa de pedir – o vicio da coisa –, comum a todas as correspondentes acções (de anulação, indemnização pelo interesse contratual negativo, ...), em homenagem ao principio da unidade do sistema jurídico, deve aplicar-se, por interpretação extensiva, a esta acção de indemnização pelo interesse contratual positivo” (Acórdão do STJ, de 06/10/2016, Proc. nº 6637/13.0TBMAI.A.P1.S2) e “é uma questão de uniformização de tratamento de situações semelhantes, imposta pela unidade do sistema jurídico, que deve ser obtida por interpretação extensiva” (acórdão do STJ de 05-05-2022, processo nº 1608/20.3T8AMT-A.P1.S1).

f. Bem como a ratio igual quanto à existência de prazo curto: “Sendo a causa de pedir a mesma (o defeito da coisa), mantém-se a ratio da existência do prazo curto de caducidade da denúncia do defeito e para intentar acção judicial, que se justifica por forma a evitar a “pendência por período dilatado de um estado de incerteza sobre o destino do contrato ou cadeia negocial e as dificuldades de prova (e contraprova) dos vícios anteriores ou contemporâneos à entrega da coisa com o provável entorpecimento do giro comercial” (Ac. do STJ de 05/05/2020, Proc. nº 2142/15.9T8CTB.C1.S2).

g. Igualmente, tem sido esta a posição maioritária da doutrina, que salientam, designadamente, a possibilidade de iludir os prazos curtos de caducidade, fixados por razões fundadas, se outra fosse a solução.

h. Pedro Romano Martinez, salienta que “se o artigo 917º não fosse aplicável, por interpretação extensiva, a todos os pedidos derivados do defeito da prestação, estava criado um caminho para iludir os prazos curtos.” (Cumprimento Defeituoso em Especial na Compra e Venda e na Empreitada, pag. 367).

i. No mesmo sentido, diz Calvão da Silva “Na verdade, seria incongruente não sujeitar todas as acções referidas à especificidade do prazo breve para agir que caracteriza a chamada garantia edilícia desde a sua origem, pois, de contrário permitir-se-ia ao comprador obter resultados (referidos aos vícios da coisa) equivalentes, iludindo os rígidos e abreviados termos de denúncia e caducidade (Compra e Venda de Coisas Defeituosas, Conformidade e Segurança, 4.ª ed., 77).

j. Defendendo igualmente a interpretação extensiva do art. 917.º do C. Civil, Mota Pinto e Calvão da Silva, em O Direito, 121.º, 292, Menezes Leitão, em Direito das Obrigações, III, 126 e Armando Braga, A Venda de Coisas Defeituosas no Código Civil, A Venda de Bens de Consumo, 47.

k. O segundo fundamento invocado pela Autora - de que quando o direito de anulação do contrato não esteja em causa, os restantes direitos a que alude o artigo 917º do Código Civil podem ser exercidos extrajudicialmente ao abrigo do regime do não cumprimento das obrigações, nos termos do artigo 799º do Código Civil -, é igualmente contrariado pela doutrina e jurisprudência maioritária, que não estabelecem qualquer restrição à aplicação da totalidade do art. 917.º a outras ações que não a de anulação.

l. Como salientado no Acórdão do STJ de 01-07-2021, processo nº 3655/06.9TVLSB.L2.S1, “O prazo de caducidade do direito de acção previsto no artigo 917.º do Código de Civil deve abranger todas as acções emergentes de cumprimento defeituoso, sendo, como tal, aplicável não unicamente à acção de anulação, ali referida, mas a todas as pretensões e acções decorrentes da compra e venda de coisa defeituosa - seja genérica ou específica a obrigação subjacente.”

m. O único acórdão citado pela Recorrente a favor da sua tese foi revogado pelo STJ, em acórdão que salienta, e bem, que tal interpretação retiraria qualquer efeito útil à última parte do art. 917.º: “Sendo assim, não se encontra razão para a existência de um prazo para a interpelação extrajudicial, como foi entendido no acórdão recorrido em relação ao fixado em segundo lugar no artigo 917º. Na verdade, se com a denúncia do defeito o comprador já estava a solicitar ao vendedor uma actuação destinada a resolver o problema, para quê a fixação de um prazo para essa solicitação? A fixação daquele segundo prazo só se compreende, pois, se visar a instauração de uma acção judicial. Só assim tem conteúdo útil.” (Ac. de 13/10/2011, Proc. 1127/07.3TCSNT.C1.S1).

n. Ainda que a tese da Recorrente procedesse, no que não se concede, não se mostra provada qualquer interpelação extrajudicial para os efeitos pretendidos pela Recorrente, no prazo constante do art. 917.º do CPC, pois que a Recorrente sequer exerceu, extrajudicialmente que fosse, qualquer direito indemnizatório contra a Recorrida.

o. Dos invocados FP nºs 26 e 27, ou do FP 25, factos com a redação dada pelo acórdão em recurso, nesta parte transitado, não resulta o afirmado pela Recorrente.

p. Dos documentos que foram fundamento da decisão sobre a matéria de facto para a prova destes factos, nada consta sobre denúncia de quaisquer defeitos e muito menos sobre exercício do direito a exigir qualquer indemnização, por exemplo em alternativa à redução do preço.

q. Como salienta Menezes Cordeiro, “Mas feita a denúncia, o comprador deverá, no prazo de seis meses após a entrega da coisa, prevista no final do artigo 916.º/2, comunicar ao vendedor qual a sua decisão. Não o fazendo, a escolha defere-se ao vendedor, sem prejuízo dos prazos de caducidade: o do final do artigo 916.º/2 e o do artigo 917.º. Trata-se, no fundo, de uma concretização do princípio que aflora nos artigos 542.º/2 e 548.º, no tocante, respetivamente, a obrigações genéricas e alternativas” (Tratado de Direito Civil, XI, Reimpressão, 2019, p. 272).

Termos em que não pode proceder o presente recurso, devendo manter-se inalterada a decisão recorrida.

Cumpridos os vistos, cumpre decidir, tendo presente que são as conclusões das alegações recursivas que delimitam o objeto do recurso, estando vedado ao tribunal de recurso conhecer de matérias ou questões nelas não incluídas, com excepção daquelas que são de conhecimento oficioso (cfr. art. 635º nº 4, 639º nº 1, 608º nº 2, ex vi art. 679º, todos do CPC).

QUESTÃO

O que nos cumpre apreciar é se o prazo de caducidade previsto no artigo 917º do Código Civil é aplicável ao caso vertente e se o mesmo se verificou.

Na 1ª instância, entendeu-se que fora celebrado entre as partes um acordo de compra e venda, sendo a questão regulada, uma vez que o vendedor não é profissional do sector imobiliário, pelas normas do Código Civil que regulam a compra e venda de de bem imóvel de longa duração defeituoso, sendo que a Autora não alegou a sua qualidade de consumidora, por aplicação do art. 916º do CC, o regime tradicional civilista relativo às perturbações na prestação no contrato de compra e venda.

E prevendo o art. 916.º nº 3 do Código Civil o do prazo de um ano após conhecidos os defeitos e dentro de cinco anos a contar da entrega do imóvel para o exercício da denúncia dos mesmos, sendo que, tendo ficado provado que as partes outorgaram a escritura de compra e venda sobre o imóvel em 06.06.2016, data em que a autora entrou na sua posse, e que nessa data a fração mantinha as portas corta-fogo instaladas que não permitiam a passagem de quaisquer carros, vindo a remoção das portas a terminar em 11.06.2016, data a partir da qual foram realizados os ensaios de circulação das viaturas e verificado que não era possível o acesso pretendido, vindo a ser dado a conhecer à ré a existência de dificuldades de acesso das viaturas aos pisos inferiores em 12 de junho de 2016, após o que, em data não concretamente apurada, mas anterior a 19.10.2016, a A. solicitou à ré que a mesma suportasse os custos com a realização das obras necessárias para que a mesma se tornasse funcional, concluiu que a autora comunicou de facto os defeitos existentes no imóvel vendido à ré antes do termo do prazo legalmente previsto para tanto, que apenas terminaria em 11.06.2017.

Assim julgando a excepção de caducidade não verificada.

Já no Acórdão recorrido, considerando aplicáveis ao caso as normas ínsitas nos art. 913º e seguintes do CC (compra e venda de coisa defeituosa - imóvel), assim como o DL 267/94, de 25/10 (1 de Janeiro), se a coisa vendida for um imóvel, sendo o prazo de garantia é de 5 anos, e a denúncia deverá ocorrer dentro de um ano a contar do seu conhecimento e dentro de 5 anos após a sua entrega (cfr. art. 916/3 CC).

Por seu turno, a acção de anulação por simples erro caduca, findo qualquer dos prazos fixados no art. anterior sem o comprador ter feito a denúncia, ou decorridos sobre esta seis meses, sem prejuízo, neste último caso, o disposto no n° 2 art. 287 CC - art. 917 CC (caducidade da acção).

O regime previsto neste artigo aplica-se também às acções destinadas à eliminação ou reparação do defeito de coisa imóvel vendida, ou destinadas à sua indemnização pelo cumprimento defeituoso, ainda que o vendedor não revista a dupla qualidade de ser também o construtor - cfr. Ac. Uniformizador de Jurisprudência 2/97, de 4/12/96, in DR, Ia série - A, de 30/9/97, sendo aplicável o art. 917º do CC às acções destinadas a exercer outros direitos que não só o da acção de anulação por simples erro porque, e na medida que, através delas se fazem valer pretensões no quadro da garantia e à garantia ligadas e, que seria incongruente não sujeitar todas as acções referidas à especificidade do prazo breve para agir que caracteriza a chamada garantia edilícia desde a sua origem, pois de contrário, permitir-se-ia ao comprador obter resultados (referidos aos vícios da coisa) equivalentes, iludindo os rígidos e abreviados prazos de denúncia e caducidade.

Daqui se extrai, que no caso de bens imóveis, o prazo para a denúncia dos defeitos é de um ano após o conhecimento dos mesmos e até cinco anos após a entrega do imóvel ao comprador.

O prazo para a propositura da acção é de seis meses a contar da denúncia, nela se englobando não só as acções de anulação, em caso de simples erro, como também as demais acções tendentes à efectivação dos restantes direitos conferidos por lei ao comprador.

O prazo de caducidade não se suspende nem se interrompe senão nos casos em que a lei o determine - art. 328 CC.

In casu, apurado ficou que a aquisição do imóvel teve lugar, em 6/6/2016 e em 12/6/16, na sequência da remoção de portas e ensaios com a entrada de viaturas no local (veículos passageiros de porte médio e maior dimensão), a autora deu conhecimento à ré da dificuldade em colocar viaturas médias ou grandes na garagem (cfr. factos 23, 24, 28 e 29) reconhecendo que as pessoas intervenientes da CGD com quem contactou e negociou eram alheias, uma vez que o imóvel proviera do património do BNU, informando que estava a analisar alternativas técnicas para a viabilização do investimento, sendo que a autora foi mantendo com a ré diversos contactos pessoais e telefónicos, a fim de ser alcançada uma solução técnica para o problema de forma a que os custos adicionais das obras necessárias fossem assegurados, voltando em 19/10/16 a insistir na resposta da ré aos problemas de circulação de viaturas na garagem e custos para os ultrapassar, uma vez que até àquela data nenhuma informação lhe fora dada, tudo considerando, considerando que a denúncia dos defeito foi feita dentro do prazo de um ano que a lei lhe concede (em 12/6/16), e que a acção foi instaurada em 7/6/17, para além do do prazo de seis meses que dispunha para o efeito (art. 917º CC), cujo terminus ocorreria em Dezembro de 2016, já o prazo de caducidade de seis meses havia decorrido, assim procedendo a excepção de caducidade invocada pela ré.

APRECIANDO:

Antes do mais, os factos que resultaram provados das instâncias:

1) A autora é uma sociedade que, entre outras atividades, se dedica à compra e venda de imóveis.

2) As empresas E..., Lda. e a E... - Serviços Turisticos, Lda pertencem ao mesmo grupo que a autora e são de empresas familiares.

3) Tendo em vista o exercício das atividades de garagem e oficina de reparação de automóveis desenvolvida pela autora E..., Lda. e de aluguer de veículos com e sem condutor e prestação de serviços de animação turística desenvolvida pela sociedade designada E... - Serviços Turisticos, Lda, a autora cedeu e arrendou às referidas empresas, respetivamente, a fração com entrada pelo n.º 15-C e a fração com entrada pelo n.º 15-E, ambas da Rua ..., ....

4) Tendo em vista satisfazer as necessidades inerentes ao desenvolvimento daquelas duas empresas, a autora diligenciou pela localização de espaços e estacionamentos alternativos em prédios vizinhos.

5) A autora tomou conhecimento que o prédio com entrada pelos n.º 19-B e 19-C da Rua... pertencia à ré.

6) Após um primeiro contacto da autora, a ré manifestou o interesse na venda da referida Fração autónoma, tendo sido iniciadas negociações em setembro de 2015, visando a eventual concretização de compra e venda da garagem.

7) A autora visitou todos os espaços da indicada fração, incluindo a loja, no rés-do-chão, a garagem e as primeira, segunda e terceira caves.

8) O acesso foi meramente pedonal, já que o acesso automóvel a cada uma das caves se encontrava vedado, na zona da primeira cave, por portas antifogo, delimitadas por construção em alvenaria, que apenas permitiam, quando abertas, o trânsito e o acesso de pessoas.

9) A largura da via de acesso à zona das caves e a sua curvatura, inviabilizavam ou dificultavam o trânsito automóvel até à barreira (portas antifogo) colocada antes da primeira cave e, em particular, o seu regresso à posição inicial, tendo em atenção que a manobra teria de ser executada em temerária manobra de marcha à retaguarda.

10) As primeira e segunda caves do referido imóvel eram, ao tempo, utilizadas pela ré para depósito e arquivo de documentação.

11) Em 9 de Outubro de 2015, foram finalizadas as negociações e acordada a venda da garagem, ficando a autora a aguardar a marcação, pela ré, da escritura de compra e venda.

12) A ré sabia que a autora pretendia usar o imóvel para garagem e estacionamento.

13) A autora insistiu diversas vezes com a ré para a realização do negócio, tendo em 28 de janeiro de 2016, remetido comunicação eletrónica à ré salientando que a garagem da ré se destinaria ao “desenvolvimento do negócio das nossas empresas, oficina, rent-a-car e a nova empresa de transferes e tours, que necessitam de estacionamento para a sua correta e legal operacionalidade”.

14) Nessa mesma comunicação, a autora informou a ré que o atraso na celebração da escritura e a consequente ocupação do imóvel obrigara a autora a alugar, em novembro de 2015, um piso de estacionamento no Centro Comercial ... para parqueamento das viaturas das empresas do grupo.

15) No dia 1 de junho de 2016, a ré remeteu à autora a documentação do imóvel e a escritura de constituição da propriedade horizontal, assinalando existir “uma divergência na afetação do bem” – “na certidão de teor a fração destina-se a loja e na caderneta predial a mesma fração destina-se a estacionamento coberto e fechado”.

16) No dia imediatamente seguinte, ou seja, em 02/06/2016, a ré enviou a certidão de teor resultante das alterações por esta solicitadas.

17) Em 03/06/2017, a ré informou a autora da data e local designadas para a escritura de compra e venda.

18) No dia 6 de Junho de 2016, pelas 10h30, os representantes da ré e da autora celebraram a escritura de compra e venda relativa à fração autónoma designada pela letra “B”, “destinada a estacionamento coberto e fechado, que corresponde à loja com entrada pelos números 19-B e 19-C da Rua ... (antes Rua General ...), indicada no projeto como garagem, ocupando parte da primeira cave e toda a segunda e terceira caves, e parte do rés-do-chão para aquela Rua, com uma pequena arrecadação em galeria, pertencente ao prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na Avenida ..., número 3, e na Rua ..., números 19 a 19-E, em ...”.

19) A compra e venda foi efetuada pelo preço de € 750.000,00 (setecentos e cinquenta mil euros), que a ré reconheceu haver recebido.

20) No dia 6 de junho de 2016, pelas 14h57, após a escritura, a autora recebeu da ré “as plantas que temos disponíveis relativas ao armazém localizado na Rua ...”.

21) No dia 7 de junho de 2016, foi adjudicado à empresa E... - Eng. e Construção, Lda os trabalhos de construção civil para remoção das portas antifogo, demolição das zonas em alvenaria e remoção de entulhos, a fim de permitir a circulação de veículos nos acessos à primeira, segunda e terceira caves.

22) As referidas obras preliminares tiveram início imediato, tendo ficado concluídas no dia 11 de junho.

23) Realizados os ensaios com a circulação de veículos ligeiros de passageiros médios e de maior dimensão, nenhum deste tipo de veículos conseguiu atingir sequer a primeira cave, face às dimensões dos acessos, a apertada curvatura das rampas e o relevo (inclinação) do piso.

24) O acesso apenas é possível a viaturas mais pequenas, do tipo Mercedes Classe A, com a realização de sucessivas manobras a fim de evitar que aquelas não rocem nas paredes e com o auxílio de uma pessoa que oriente.

25) No dia 12/6 de 2016, a autora deu conhecimento à ré da dificuldade em colocar viaturas médias ou grandes na garagem reconhecendo que as pessoas intervenientes da CGD com quem contactou e negociou eram alheias, uma vez que o imóvel proviera do património do BNU, informando que estava a analisar alternativas técnicas para a viabilização do investimento

26) A autora foi mantendo com a ré diversos contactos pessoais e telefónicos, designadamente com os representantes da ré Dr. AA, a fim de ser alcançada uma solução técnica para o problema e a forma de assegurar os custos adicionais que as obras necessárias acarretariam.

27) Em 19/10/2016, a autora insistiu na resposta da ré aos problemas de circulação de viaturas na garagem e custos para os ultrapassar, uma vez que até àquela data nenhuma informação lhe fora dada.

28) Após a aquisição do imóvel, a autora realizou diversas obras de adaptação da garagem, a fim de viabilizar a sua normal utilização: a) trabalhos de demolição de paredes a fim de alargar as rampas; b) trabalhos de remoção de vãos de porta e das portas antifogo, incluindo trabalhos de construção civil.

29) Não obstante os trabalhos realizados o acesso às diversas caves não permite a circulação de veículos ligeiros de dimensão média e grande.

30) A autora diligenciou pela realização de diversos estudos que concluíram pela inviabilidade de acesso regular de veículos às diversas caves através das rampas, e que tal acesso apenas poderá ser efetuado através da instalação e introdução de um sistema de monta-autos (plataforma monta-automóveis).

31) Em outubro de 2016, a autora apresentou na Câmara Municipal de ... um projeto de alterações, interiores e exteriores.

32) A implementação do projeto importará custos com a aquisição do equipamento, a realização de projetos (honorários e cópias), a execução de alterações ao imóvel com vista à colocação do mecanismo e fiscalização da execução da obra e instalação do elevador.

33) Na escritura de compra e venda os segundos outorgantes, representantes da autora declararam ter a sua representada, perfeito e integral, conhecimento da situação em que se contra o imóvel objeto da presente escritura, designadamente no que concerne ao respetivo estado de conservação, situação jurídica, registral, fiscal e de licenciamento, assumindo todas as consequências de qualquer natureza daí decorrentes.

34) Nas visitas efectuadas pelos representantes da autora estes tiveram a oportunidade de visualizar as características do imóvel e percepcionar as rampas, curvatura e inclinação.

35) Nas visitas efetuadas os representantes da autora desceram e subiram as respetivas rampas, tendo procedido à sua medição.

36) A ré nunca assegurou à autora ou a qualquer outra pessoa que o imóvel tinha outras características para além do que se mostrava evidente, bem que se destinava a outro fim para além do que constava dos documentos respeitantes ao prédio.

37) Qualquer pessoa, ao visitar o local, constataria que o acesso entre os pisos, do rés-do-chão para as caves, era feito através de rampas autónomas, uma para entrada no piso e outra para saída.

38) Nunca a autora deu conhecimento à ré de que iria celebrar quaisquer contratos para utilização por terceiros da fração.

39) A autora não fez depender a realização do negócio de determinada utilidade do bem ou fez consagrar isso mesmo em qualquer documento contratual e nem demonstrou não estar interessada no negócio se a fração não pudesse ser destinada sequer a garagem ou a garagem com certas características de acesso.

40) Aquando da preparação da escritura foi constato não haver coincidência entre os elementos que constavam na matriz e no registo predial, estando a fração identificada na matriz como estacionamento coberto e fechado e no registo predial descrita como loja.

41) A ré procedeu à regularização da situação, passando a fração a ser descrita como consta da escritura de compra e venda.

42) A autora teve conhecimento de tudo isto e acesso a todos os documentos, incluindo a escritura de propriedade horizontal, não tendo então levantado qualquer dúvida, designadamente no sentido de manifestar não estar interessada no negócio se a fração não pudesse ser destinada a garagem ou a garagem com certas características.

43) A ré libertou o espaço de todos os pisos em data anterior a 1/6.

Vejamos:

A caducidade é a extinção do direito pelo seu não exercício durante certo tempo e o seu fundamento específico é a necessidade de certeza jurídica já que, como ensinava Manuel Andrade (in Teoria Geral da Relação Jurídica, vol. II, p. 464), “certos direitos devem ser exercidos durante certo prazo para que ao fim desse tempo fique inalteravelmente definida a situação jurídica das partes. É de interesse público que tais situações fiquem, assim, definidas duma vez para sempre com o transcurso do respectivo prazo”

O regime legal que importa observar para resolver o presente pleito inscreve-se nos artigos 913º e seguintes do Código Civil, respeitante à compra e venda de coisas defeituosas, uma vez que o contrato celebrado entre as autoras e a Ré consistiu num contrato de compra e venda de um imóvel, sendo invocadas pelas demandantes vícios ou defeitos materiais do imóvel que fora objecto do dito negócio, pretendendo as autoras ser indemnizadas pelo valor dos prejuízos para si advenientes doa ditos vícios ou defeitos do imóvel, para o fim a que se destinam.

O cumprimento defeituoso da obrigação dá-se " quando a prestação realizada pelo devedor não corresponde, pela falta de qualidades ou requisitos dela, ao objeto da obrigação a que ele estava adstrito" (Antunes Varela, "Cumprimento Imperfeito do Contrato de Compra e Venda. A Exceção do Contrato não Cumprido", Antunes Varela, C.J.,1987, 4, pág. 21/35). Quando assim sucede são aplicáveis "tanto os artigos 798.º e 799.º, como os artigos 913.º e seguintes do Código Civil" (Antunes Varela, loc. cit., pág. 30).

Neste âmbito, pois, dispõe o art. 916º nos termos seguintes:

“1. O comprador deve denunciar ao vendedor o vício ou a falta de qualidade da coisa, exceto se este houver usado de dolo.

A denúncia será feita até trinta dias depois de conhecido o defeito e dentro de seis meses após a entrega da coisa.

Os prazos referidos no número anterior são, respetivamente, de um e de cinco anos, caso a coisa vendida seja um imóvel.”

Por sua vez, o artigo 917.º, do mesmo Código, prescreve; “A ação de anulação por simples erro caduca, findo qualquer dos prazos fixados no artigo anterior sem o comprador ter feito a denúncia, ou decorridos sobre esta seis meses, sem prejuízo, neste último caso, do disposto no n.º 2 do artigo 287°".

Tratando-se de imóveis, resulta da conjugação destes preceitos que o prazo para denúncia dos defeitos é de um ano após o conhecimento dos mesmos e até cinco anos após a entrega do imóvel ao comprador.

Por seu turno, para a propositura da ação de anulação em caso de simples erro, pressupondo a denúncia nos prazos já referidos, o prazo é de seis meses a contar dessa denúncia, salvo se o contrato ainda não estiver totalmente cumprido, hipótese em que a ação pode ser instaurada a todo o tempo.

Por outro lado, é consensual, em igual prazo devem ser propostas as demais ações tendentes à efetivação dos restantes direitos conferidos por lei ao comprador, em caso de simples erro, quer seja a redução do preço, quer seja a reparação ou substituição da coisa, ou mesmo a indemnização, incluindo por incumprimento da obrigação de reparação.

É uma questão de uniformização de tratamento de situações semelhantes, imposta pela unidade do sistema jurídico, que deve ser obtida por interpretação extensiva.

Neste sentido se pronuncia PEDRO ROMANO MARTINEZ (In Cumprimento Defeituoso – Em especial na Compra e na Empreitada, Almedina, pp 413), dizendo que “Apesar do artigo 917º ser omisso, tendo em conta a unidade do sistema jurídico no que respeita ao contratode compra e venda, por analogia com o disposto no artigo 1224º, deverá entender que oprazo de seis meses é válido, não para interpor o pedido judicial de anulação docontrato como também para intentar qualquer outra pretensão baseada no cumprimento defeituoso”.De facto, não se compreenderia que o legislador só tivesse estabelecido um prazo para a anulação do contrato, deixando os outros pedidos sujeitos à prescrição geral de vinte anos (artigo 309º); por outro lado, tendo a lei estatuído que, em caso de garantia de bom funcionamento, todas as acções derivadas do cumprimento defeituoso caducam em seis meses (artigo 921º, 4), não se entenderia muito bem porque é que, na falta de tal garantia, parte dessas acções prescreveriam no prazo de vinte anos; além disso, contando-se o prazo de seis meses a partir da denúncia, e sendo esta necessária em relação a todos os defeitos(artigo 916º), não parece sustentável que se distingam os prazos para o pedido judicial; por último, se o artigo 917º não fosse aplicável, por interpretação extensiva, a todos os pedidos derivados do defeito da prestação, estava criado um caminho para iludir os prazos curtos».

No mesmo sentido de pronunciou o saudoso mestre Calvão da Silva (in Compra e Venda de Coisas Defeituosas, Conformidade e Segurança, 4.ª ed., 77), dizendo que “seria incongruente não sujeitar todas as acções referidas à especificidade do prazo breve para agir que caracteriza a chamada garantia edilícia desde a sua origem, pois, de contrário permitir-se-ia ao comprador obter resultados (referidos aos vícios da coisa) equivalentes, iludindo os rígidos e abreviados termos de denúncia e caducidade”

Como se afirmou no Acórdão de 13.02.2014 (Proc. 1115/05.4TCGMR.G1.S1), “… o credor tanto pode socorrer-se do regime de venda de coisas defeituosas contemplado no artigo 913.º e seguintes do Código Civil como do regime geral do incumprimento e, por isso, o pedido de indemnização decorrente da anulação por erro está sujeito ao prazo de caducidade que consta do artigo 917.º do Código Civil, ou seja, o credor podia pedir a indemnização fundada em erro em cumulação com o pedido de anulação do contrato a impor, procedendo, a restituição do que pagara pelo tecido e a sua devolução ou, não sendo esta possível, a restituição do valor correspondente (artigo 289.º/1 do Código Civil) com a indemnização dos danos emergentes que correspondem ao custo suportado com o fabrico dos sapatos. Mas pode igualmente o credor optar, face ao incumprimento, pela indemnização nos termos gerais, reclamando os danos emergentes e lucros cessantes (artigo 564.º do Código Civil), não se anulando o contrato. Foi o que sucedeu no caso vertente em que a autora reclamou os prejuízos correspondentes ao valor que iria auferir com a venda dos sapatos à empresa alemã, ou seja, o lucro que adviria do negócio, suportando os custos de produção que não foram obviamente reclamados. Este pedido de indemnização não está, portanto, sujeito ao aludido prazo de caducidade que tem em vista a indemnização correspondente à venda de coisa defeituosa, não a indemnização correspondente ao incumprimento do contrato, rectius, ao incumprimento da prestação a que a ré estava adstrita. “

Não estando em causa nos autos que a Ré tenha introduzido modificações ou efectuado reparações no prédio que vendera às autoras, fica excluída a aplicabilidade do regime dos artigos 1221.º a 1225.º do CC, que regula o exercício dos direitos atribuídos ao dono da obra para reagir contra a obra defeituosa, e não se configurando no caso vertente que a Ré tenha agido, no contrato de compra e venda em causa, na qualidade de profissional imobiliária, fica também excluída a aplicabilidade do regime do DL n.º 67/2003, de 8 de Abril, que regula a venda de bens de consumo e as garantias a ela relativas (JOÃO CURA MARIANO, Responsabilidade contratual do empreiteiro pelos defeitos da obra, Coimbra, Almedina, 2020 (7.ª edição), esp. pp. 111-174 e pp. 253-302).

Tenha-se presente o Assento de 4.12.1996 (Proc. n.º 085875), aliás referenciado pelo Acórdão recorrido, onde se fixou a seguinte jurisprudência: “a acção destinada a exigir a reparação de defeitos de coisa imóvel vendida, no regime anterior ao Decreto-Lei 267/94, de 25 Outubro, estava sujeita à caducidade nos termos previstos no artigo 917 do Código Civil de 1966”.

Sendo este o entendimento que vem sendo adoptado pela Jurisprudência, em particular por este Supremo Tribunal de Justiça, entre outros, no Acórdão de 9.03.2006 (Proc. 06B066), onde se diz: “[j]ustifica-se a aplicação extensiva da norma do art. 917º do Código Civil que refere, tão só, a acção de anulação, mesmo no caso de dolo do vendedor (hipótese esta em que o comprador não tem o ónus de denunciar o defeito - art. 9l6º nº l, "in fine", do CC-), às acções através das quais se fazem valer outras pretensões (de redução de preço, de reparação ou substituição da coisa, de resolução e indemnização) porque e na medida em que são recursos contratuais por vícios da coisa”, assim como nos Acórdãos de 29-01-2008 (Revista n.º 4592/07), de 13.10.2010 (Proc. 1127/07.3TCSNT.C1.S1), segundo o qual “[o]s prazos fixados nos artigos 916º e 917º do Código Civil para a caducidade das acções de anulação por simples erro na venda de coisas defeituosa são extensivos às acções em que se peça a reparação de defeitos da coisa vendida”, o Ac. do STJ de 16.3.2011 (Proc. 558/03.2TVPRT.P1.S1), ainda no já citado Acórdão de 13.02.2014 (Proc. 1115/05.4TCGMR.G1.S1, e a jurisprudência aí referneciada), os Acórdão de 05/05/2022 (Proc. 1608/20.3T8AMT-A.P1.S1).

Ora, não sendo a acção proposta dentro daquele prazo de 6 meses, o exercício do direito dirigido à efetivação de tais direitos, por via jurisdicional, extingue-se por caducidade (artigo 298.º, n.º 2, do Código Civil).

Ora, face ao quadro jurídico exposto, e considerando a factualidade provada atinente, haveremos de concluir que os direitos que os AA. pretendem nesta ação fazer valer contra a Ré se encontram extintos por caducidade.

De facto, resultando provado (facto 25) que as Autoras denunciaram os defeitos do prédio em 12/06/2016, dispunham as mesmas do prazo de 6 meses a contar daquela data, para a instauração da presente acção, ou seja até 12 /12/2016.

Tendo instaurado a presente acção tão só em 07/06/2017, já o prazo de caducidade se encontrava decorrido.

Não pode, assim, a presente revista deixar de improceder, confirmando-se o Acórdão recorrido.

DECISÃO

Por todo o exposto, Acordam ao Juízes que integram a 7 Secção Cível deste Supremo Tribunal de Justiça em julgar a revista improcedente, confirmando-se o Acórdão recorrido.

Custas pela recorrente.


Relator: Nuno Ataíde das Neves

1º Juiz Adjunto: Senhor Conselheiro Ferreira Lopes

2ª Juíza Adjunta: Senhora Conselheira Fátima Gomes