Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
571/22.0T8GRD.C1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: ISABEL SALGADO
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO
FUNÇÃO JURISDICIONAL
RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
DIREITO À INDEMNIZAÇÃO
PRISÃO PREVENTIVA
OBRIGAÇÃO DE PERMANÊNCIA NA HABITAÇÃO
ABSOLVIÇÃO CRIME
Data do Acordão: 10/12/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE
Sumário :
I. A alteração do artigo 225ºdo Código de processo Penal, sufragada pela Lei n.º 48/2007, de 29, 8, estende a sua aplicação à medida privativa da liberdade em regime detenção de obrigação de permanência na habitação, e viabiliza o exercício do direito de o arguido obter do Estado compensação ajustada aos danos sofridos em caso da sua absolvição dos crimes imputados( nº1 e al) c).

II. Concretizando em lei ordinária, o equilíbrio necessário entre a tutela constitucional do direito à liberdade individual e, por outro, o direito à segurança da vida em sociedade e eficácia da justiça penal, em respeito pelo disposto no artigo 27º, nº1 e nº5 , da Constituição da República Portuguesa e consagração no artigo 5º§5º da CEDH.

III. A exclusão ou compressão do direito à indemnização autorizadas pelo nº2 são as situações tipificados nas alíneas b) e c) do nº1 do artigo 225º, do CPP, rectius, em caso de “ uma acção/omissão do arguido dolosa ou culposa” na aplicação da medida de coação privativa da liberdade.

IV. À margem daquela previsão, seguindo a regra da prevalência da norma especial sobre norma geral, não se mostra conciliável, transpor o critério “ concorrência e medida da culpa do lesado “ a que alude o artigo 570.º do Código Civil, rectius “coresponsabilizar” o lesado, que não interpôs recurso da medida de coacção.

V. No Estado de direito , a faculdade de o arguido reagir contra a decisão que decretou medida restritiva da sua liberdade, através de recurso ordinário ou requerer a providência de habeas corpus, configuram instrumentos de tutela do direito fundamental à liberdade , com vista a assegurar o respeito e limites das restrições legais consentidas.

VI. O regime de OPHVE por definição implica probabilidade de danos em grau inferior à imposição de restrição da liberdade individual, em meio prisional.

VII. O Autor não viu comprometidos os laços familiares e permaneceu no seu centro habitual da sua vida pessoal e profissional, atenuando o espectro dos efeitos lesivos da medida de coação.

VIII. Ponderada a casuística factual, orientados pela equidade, e o referencial dos valores padrão atribuídos neste tribunal em situações equiparadas, é ajustado o montante actualizado de € 20 000,00, em ordem a ressarcir o Autor pelos danos de natureza não patrimonial, por ter estado privado da liberdade , em regime de OPHVE durante 276 dias.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


I. Relatório

1. Da causa

1.1.- AA, interpôs acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra o Estado Português, formulando pedido de indemnização pelos danos sofridos, em consequência da medida coactiva de obrigação de permanência na habitação, fiscalizada por meios técnicos de controlo à distância, vindo a ser absolvido; pede a condenação do Réu no pagamento das quantias de: 55.200,00 euros, a título de danos não patrimoniais; 27.136,69 euros, a título de danos patrimoniais, e 25.830,00 euros em ganhos futuros não auferidos.

Em suma, alegou que, em 18 de Março de 2019, foi constituído arguido no Processo Comum Colectivo nº 266/16.4... JAGRD, sendo decretada aquela medida privativa da liberdade , sob a imputação da alegada prática, em co-autoria com seu pai, de dois crimes de escravidão e dois crimes de tráfico de pessoas, e a título individual e singular, pronunciado pela alegada prática de um crime de abuso de confiança.

Realizado o julgamento, o Autor foi absolvido de todos os crimes imputados, por acórdão de 19 de Dezembro de 2019, sendo então revogada aquela medida e restituído à liberdade; em recurso , interposto pelo assistente, o Tribunal da Relação de Coimbra negou provimento.

Mais alegou que, a sua absolvição adveio de se haver comprovado que não praticou os crimes de que era acusado, e não se tratando de absolvição com base no princípio “in dubio pro reo”.

Relativamente aos danos não patrimoniais, alega que sofreu privação da liberdade durante 276 dias, que lhe trouxe sentimento de profunda tristeza e inconformismo e, em termos psicológicos e de auto-estima, a situação se revelou penosa; sempre fora, até à sua detenção, considerado pessoa séria, íntegra e honrada, na localidade onde reside e na região envolvente, e tido em consideração pela generalidade das pessoas, tendo chegado a integrar a Junta de Freguesia de ..., sendo que, passou a ser motivo de conversa e comentários com teor negativo e depreciativo, causando-lhe desgosto e ainda afecta a sua imagem social. Além disso,andou preocupado por ter sido afectada a sua actividade profissional – sofreu de um estado de grande ansiedade, perda de sono e depressão, que foi mais intensa durante o período de privação da liberdade, mas que deixou sequelas psicológicas que ainda hoje se fazem sentir, pugnando pela sua indemnização em 200,00 euros diários.Quanto aos danos patrimoniais, alega que o seu rebanho composto por 252 animais adultos, dada a falta de assistência e acompanhamento, no período da sua detenção (e de seu pai), fez com que, por causas naturais (acidentes e ataques de predadores) tivessem desaparecido 107 ovelhas, sendo o prejuízo de 16.050,00 euros, porque cada animal tinha o valor de, pelo menos, 150,00 euros – desaparecimentos que aconteceram apesar de ter contratado uma pessoa para os trabalhos necessários ao manejo do rebanho e com quem despendeu a quantia de 2.460,00 euros, que não gastaria se tivesse liberdade para pessoalmente fazer tais trabalhos e a contratação não foi suficiente para garantir o manejo do gado; perdeu ainda 35 borregos (18 machos e 17 fêmeas) dos nascidos durante o período da privação da liberdade, perda essa resultante da acção de predadores – tendo um prejuízo de 2.960,00 euros e fou obrigado a devolver ao IFAP 2.625,69 euros; e viu-se impedido de colher/enfardar aveia e centeio, que semeia, e do feno dos seus lameiros tendo necessidade, de recorrer aos serviços de um conhecido para enfardar a aveia e o centeio que havia semeado antes da sua detenção, gastando 791,00 euros e teve que comprar 1.500 fardos, com o custo total de 4.500,00 euros, sendo o seu prejuízo de 2.250,00 euros, correspondente à parte que destinou ao seu gado; e deixou de vender 5.000 fardos de feno, sendo o seu lucro cessante de 10.000,00 euros, porque o custo de produção é de 1/3 do valor de cada fardo; esteve ainda impedido produzir batata para venda e de colher e vender as suas castanhas, tendo um lucro cessante de 1.500,00 e 3.450,00 euros; e também alegou que com a perda de produção das 107 ovelhas que pereceram, o rebanho deixou de produzir 128 borregos que seriam vendidos ao preço médio de 85,00 euros cada, deixando de ganhar 10.880,00 euros.

1.2. Citado, o Estado Português defendeu-se por excepção e , impugnou os danos alegados pelo Autor, reclamando também a condenação do mesmo por litigância de má-fé.

Prosseguidos os ulteriores trâmites da instância , realizada a audiência de discussão, o tribunal julgou a acção improcedente, por não provada, conforme dispositivo transcrito - «A) Absolver o Réu Estado Português, dos pedidos formulados pelo Autor AA. B) Condenar o Autor AA como litigante da má-fé na multa que se fixa em 10 (dez) unidades de conta. Valor da acção: 108.166,69 euros. Custas: pelo Autor (cfr. artigo 527º, n.º s 1 e 2, do Código de Processo Civil), sem prejuízo do apoio judiciário concedido.»

2. A Apelação

Inconformado, o Autor, interpôs recurso de apelação e obteve provimento parcial da sua pretensão , nos termos exarado no dispositivo do acórdão Face ao exposto, decide-se por acórdão, julgar parcialmente o recurso, e por consequência: a)- julgar parcialmente o recurso no que concerne à matéria de facto como supra referido; b)- Julgar parcialmente o recurso no que concerne aos danos patrimoniais, condenando-se o R., ESTADO PORTUGUÊS, a pagar ao A. a quantia de 2.460,00€;c)- Julgar parcialmente o recurso no que concerne aos danos não patrimoniais, condenando-se o R. a pagar ao A. a quantia de 35.000,00€.)- Julgar procedente, como supra referido, a pretensão do A. e condenar o R., no que se vier a liquidar em execução de sentença, como supra referido, tão só referente ao valor que teve de suportar ao BB pelo trabalho de enfardamento. e)- Julgar procedente e não condenar o A., aqui recorrente, como litigante de má-fé; e f)- No mais julgar o recurso improcedente. Custas,em ambas as instâncias, na proporção dos respetivos vencimentos/sucumbência, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário que foi concedido ao apelante e da isenção de que goza o réu, Estado Português, cf. artigo 4.º, n.º 1, al. a), do Regulamento das Custas Processuais. »

3. A Revista

1. Inconformado, agora, o Réu, pede revista, pugnando pela alteração do acórdão, no segmento da quantia indemnizatória a título de danos não patrimoniais, passando a atribuir-se ao Autor valor não superior a Euros 15.000,00.

São as seguintes as conclusões formuladas pelo Senhor Procurador Geral Adjunto, em representação do Estado:

« (…)5.2. Com o presente recurso visa-se a impugnação do douto Acórdão recorrido na questão seguinte: i) O montante da indemnização fixado por danos não patrimoniais sofridos pelo Autor. 5.3. Dispõe o artigo 496.º n.º 1, do Código Civil que “Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito», sendo o montante da indemnização fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º do referido diploma (ex vi do n.º 4 do citado artigo 496.º), designadamente o grau de culpabilidade do agente e as demais circunstâncias do caso que o justifiquem.” 5.4. “O montante da indemnização por dano não patrimonial é fixado pelo juiz, segundo um critério de equidade, como resulta da primeira parte do n.º 4 do artigo 496.º, o que significa, conforme afirma a jurisprudência, secundando as palavras de Pires de Lima e de Antunes Varela, «atender ao condicionalismo de cada caso concreto, com vista a alcançar a solução equilibrada e justa, havendo que ter presentes as regras da boa prudência, do bom senso, da justa medida das coisas e a criteriosa ponderação das realidades da vida, bem como os padrões de indemnização adoptados pela jurisprudência.” 5.5. Ora, por um lado, no douto acórdão recorrido, pelo menos de modo expresso, não se mencionam circunstâncias que aqui relevam, designadamente: - Se recorreu da medida coativa que lhe foi imposta ou se pediu a sua revogação/cessação e, se sim, qual a decisão proferida. Se não o fez, isso terá de ser ponderado negativamente num cálculo indemnizatório, já que o Autor se conformou com a sua situação e tolerou que a mesma ocorresse e se mantivesse.5.6. Sendo que “Ao Supremo Tribunal de Justiça é legítimo apreciar criticamente a suficiência ou insuficiência da matéria de facto provada e não provada em conexão com a matéria de direito aplicável, nos termos do art.º 682.º, n.º 3, do CPC. E que a necessidade de ampliação da matéria de facto determina a anulação do acórdão pelo STJ e a remessa à Relação para novo julgamento, nos termos dos art.ºs 682.º, n.º 3 e 683.º, ambos do CPC.” 5.7. Por outro lado, deram-se como Factos Não Provados (a fls. 26 do douto acórdão em recurso): - “até à sua detenção”. (artigo 17º da petição inicial) - Após tal conhecimento passou a ser motivo de conversa e comentários com teor negativo e depreciativo, factor de que teve conhecimento e lhe acarretaram forte sentimento de desgosto. (artigo 19º da petição inicial) - Situação que foi mais intensa durante o período da privação da liberdade, mas que se manteve após ela, e ainda hoje afecta a sua imagem social no referido meio. (artigo 20º da petição inicial) “teve que procurar apoio psicológico (…), junto da psicóloga Dr.ª CC. (artigo 23º da petição inicial).” 5.8. Acresce, também, que, atento o facto de o Autor ter estado em OPHVE, junto da família e com um regime que lhe permitiu, durante muito tempo, cuidar dos animais que possuía como forma de rendimento, conforme matéria de facto considerada provada, sob os nºs sob os nºs 40., 43 e 45. a 49 [cfr. fls. 12, 18 e 19, do douto acórdão recorrido], o valor fixado será de considerar elevado. 5.9. Com efeito, não obstante a ausência de um critério uniforme nas decisões dos Tribunais Superiores na fixação de valor compensatório por danos não patrimoniais, permitimo-nos referenciar o ac. do STJ, de 02.02.2023, no proc. nº 4978/16.4T8VIS.C1.S1 (relatora a Senhora Juíza Conselheira Ana Paula Lobo), transitado em julgado em 16.02.2023, em que o Autor esteve privado da sua liberdade (sujeito à medida de coação de prisão preventiva) por 325 dias, tendo sido considerada adequada, ou, ao menos, admissível, a compensação, por danos não patrimoniais, de € 15.000,00 (quinze mil euros). Bem como, o ac. da Relação de Lisboa de 30.09.2014, no proc. n.º 2208/11.4TVLSB.L1-7, (Relator o Senhor Juiz Desembargador José Pimentel Marcos), onde se analisa uma situação do artigo 225.º, n.º 1, alínea c) do C.P.Penal, em que o Autor esteve sujeito à medida de coação de prisão preventiva por um período de dezassete meses e vinte e dois dias, tendo sido fixada uma indemnização no montante de 10.000,00 € (dez mil euros). 5.10. Se bem que no douto acórdão recorrido, a fls. 101, sejam invocados, ainda, e para comparação com outros casos e indemnizações atribuídas, os Acórdãos do STJ, de 11/10/11,Processo.º269/03.6TBPMS.L1.S1 e no Processo n.º 336/14.tTBALM.L1.S2, (…) o primeiro, versa sobre uma situação distinta da dos presentes autos (situação de manifesta prisão ilegal, e que não pode ter acolhimento no caso presente), e o segundo, certamente por lapso de escrita, não foi possível ser consultado, desconhecendo-se, assim, a que situação se reporta não podendo, pois, servir de guião para a douta decisão tomada. 5.11. Perante o quadro factual traçado nestes autos e os valores considerados pela jurisprudência, à luz do artigo 8.º, n.º 3, do Código Civil, consideramos, no respeito por opinião diversa, proporcionado e adequado fixar a indemnização em valor não superior a €15.000,00 (quinze mil euros). 5.12. O douto acórdão recorrido ao julgar parcialmente procedente o recurso de Apelação e, em consequência, ao revogar a decisão da 1ª instância fez, a nosso ver e no respeito por opinião diversa, uma errada interpretação e aplicação dos normativos legais, designadamente, dos artigos 8.º, n.º 3, 494º e 496º, do CC, motivo pelo qual, em nossa opinião e sempre no respeito por entendimento diferente, deve: Ser revogado o douto acórdão recorrido e substituído por outro que considere a redução do montante da indemnização por danos não patrimoniais para valor não superior a € 15.000,00 (quinze mil euros)….».

O Autor respondeu, defendendo a improcedência da revista.

2. Admissibilidade e tema decisório do recurso

Verificados os pressupostos gerais de recorribilidade e alteração do mérito decisória pelo julgado do Tribunal da Relação, admite-se a revista, em conformidade com o disposto no artigo 671º, nº1, do CPC.

Delimitada a matriz do objecto do recurso pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo das ressalvas legais, em interface com o acórdão em revista, a única questão em debate , reporta à adequação do quantitativo arbitrado ao Autor na componente de danos não patrimoniais, em consequência da prisão preventiva em regime OPHVE.

II. Fundamentação

A. Os Factos

Vem provado das instâncias:

1. O Autor foi arguido no Processo Comum Colectivo nº 266/16.4..., que correu termos no Juízo Central Cível e Criminal – Juiz ..., desta comarca da .... 2. No decorrer do Inquérito, foi aplicada ao Autor, em 18 de Março de 2019, a medida coactiva de obrigação de permanência na habitação, fiscalizada por meios técnicos de controlo à distância, além da proibição de contactar, por qualquer meio e por qualquer forma, com as vítimas e testemunhas já identificadas no processo. 3. Foi o Autor pronunciado, e posteriormente julgado, naquele processo, pela prática, em co-autoria com seu pai, DD, de dois crimes de escravidão e dois crimes de tráfico de pessoas. 4. Tendo ainda, a título individual e singular, sido também pronunciado pela prática de um crime de abuso de confiança. 5. Submetido a julgamento o Autor foi absolvido de todos os crimes que lhe eram imputados, por acórdão de 19 de Dezembro de 2019. 6. Nessa mesma data, e na decorrência da sua absolvição, foi-lhe revogada a medida de coacção e restituído à liberdade. 7. Da qual foi privado durante 276 dias. 8. O Acórdão foi objecto de recurso, interposto pelo assistente do processo, tendo o Tribunal da Relação de Coimbra negado provimento ao recurso, mantendo integralmente a decisão recorrida. 9. O Acórdão da Relação, proferido em 10 de Março de 2021, foi notificado aos interessados a 14 de Março de 2021. 10. A privação da liberdade do Autor acarretou-lhe um sentimento de profunda tristeza e inconformismo. 11. Em termos psicológicos e de auto-estima, a situação revelou-se penosa. 12. O Autor sempre foi considerado pessoa séria, íntegra e honrada, na localidade onde reside e na região envolvente, nomeadamente nos concelhos de ..., ... e ..., tendo chegado a integrar a Junta de Freguesia de .... 13. Também foi para si penosa e motivo de grande preocupação a forma como a situação afectou a sua actividade profissional. 14. Tudo isto levou a que o Autor viesse a sofrer de um estado de grande ansiedade, perda de sono e depressão, que foi mais intensa durante o período de privação da liberdade, mas que deixou sequelas psicológicas que ainda hoje se fazem sentir. 15. De tal modo que teve que procurar apoio clínico, numa primeira fase, junto do seu médico de família, Dr. EE, do Centro de Saúde .... 16. E ainda, por indicação do referido médico, junto dos Serviços de Psiquiatria da U.L.S. da ..., onde vem sendo seguido e tratado pelo Dr. FF. 17. O Autor é agricultor tendo como principal actividade a exploração de um rebanho de ovinos, da raça serra da estrela, cujo pastoreio e manutenção é feita com o seu pai, DD, também este proprietário de um rebanho de ovinos, sendo todo o trabalho desenvolvido por ambos em conjunto. 18. Uma vez que o pastoreio é feito em regime extensivo ou tradicional isso implica um acompanhamento diário e durante várias horas dos animais, por parte de ambos, alternadamente. 19. Grande parte desse pastoreio ocorre em zonas de montanha e floresta onde é frequente o aparecimento de predadores (lobos, raposas e cães selvagens). 20. Aquando da sua detenção o rebanho do Autor era composto por 238 animais adultos. 21. Aquando da sua restituição à liberdade, o efectivo estava reduzido a 143 animais adultos. 22. O Autor, durante aquele período a contratou os serviços de GG para os trabalhos necessários ao manejo do rebanho (pastoreio, alimentação, limpeza de lojas de parqueamento, cuidados de saúde, etc…). 23. O Autor despendeu com tal contratação a quantia de 2.460,00 euros. 24. Uma pessoa não é suficiente para garantir o cabal manejo do gado. 25. O IFAP, por ter sido indevidamente pago valor por ter sido detectada uma incorrecção de 71 animais elegíveis no prémio/campanha 2019 e porque não foi apresentada qualquer resposta ao ofício enviado ao Autor, mantendo-se a ocorrência que determinou a recuperação da quantia de 2.415,71 euros, determinou a reposição daquele montante considerado como indevidamente pago, que será compensada em futuros pagamentos; e, relativamente à Medida 9 – Manutenção de actividade agrícola em zonas desfavorecida – campanha de 2019, determinou a reposição da quantia de 209,98 euros, considerado como indevidamente recebido na campanha em causa – caso o Autor não proceda à reposição voluntária, se procederá a compensação. 26. O Autor todos os anos faz um enfardamento de aveia e centeio, que semeia, e do feno dos seus lameiros, sendo parte dos fardos resultantes destinados a complemento da alimentação dos animais e também para as “camas” dos locais onde eles pernoitam. 27. No ano de 2019 teve que recorrer aos serviços de um conhecido (o Sr. BB “...”, de ...) para enfardar a aveia e o centeio que havia semeado antes da sua detenção. 28. Nos anos normais, em que consegue fenar todos os seus lameiros e searas, o Autor vende os fardos excedentes. 29. Corre termos neste Tribunal a acção de processo comum n.º 960/21.8..., em que figura como Autor DD, pai do aqui Autor AA, em que peticiona o pagamento de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais contra o Estado, em virtude da perda de liberdade do referido DD, na sequência da aplicação da medida de coacção de obrigação de permanência na habitação com recurso a vigilância electrónica no âmbito do processo n.º 266/l6.4..., que correu termos no Juízo Cível e Criminal da Comarca da ... - J1. 30. No âmbito daquela acção, o ali Autor invoca prejuízos não patrimoniais e patrimoniais decorrentes da perda de animais em virtude da impossibilidade de proceder à manutenção do seu rebanho e à necessidade de ressarcir o IFAP de subsídios recebidos. 31. Nas duas acções existe uma diversidade de sujeitos e do objecto do processo. 32. Não obstante já ter decorrido o respectivo julgamento, a decisão no âmbito da acção de processo comum n.º 960/21.8..., ainda não transitou em julgado. 33. No âmbito do processo n.º 266/l6.4..., que correu termos no Juízo Cível e Criminal da Comarca da ... - J1, o Autor foi absolvido da prática dos crimes de que se encontrava acusado e pronunciado.134. Conforme resulta dos factos dados como provados no Acórdão proferido no âmbito do processo n.º 266/16.4...2 "4. No ano de 2005, em primeiro lugar, HH e depois BB, foram para casa dos arguidos, tendo passado a trabalhar para os mesmos na sua exploração agropecuária. 5. Nessa altura, os assistentes HH e BB, encontravam-se em más condições socioeconómicas. 6. HH e BB trabalhavam para os arguidos, o primeiro apenas a guardar o rebanho; e o segundo também realizava certos trabalhos agrícolas, sem terem um horário pré-definido e sem o gozo de férias. 7. Os assistentes iniciavam o trabalho, em regra, no Verão, entre as 6h - 7 h da manhã e no Inverno cerca das 8h -9 h, e no final do dia regressavam a casa, no Verão, cerca das 21 h e no Inverno cerca das 17h-l 8 h, tendo sempre um período de almoço que não era fixo, sendo que no Verão, entre as 10h-11 h e as 18 horas, não estavam com o rebanho e tinham, normal mente, esse período de descanso. 8. Os arguidos não procederam ao pagamento de quaisquer salários aos assistentes, nem procederam a descontos para qualquer sistema de proteção social. 9. Os arguidos davam aos assistentes dormida em sua casa, alimentação, roupa e suportavam as demais despesas dos assistentes. 10. HH e BB passaram a residir com os arguidos em casa destes, e a dormir num quarto existente numa das casas pertença dos arguidos, sita junto ao café que exploram. 11. O quarto onde dormiam HH e BB não tinha aquecimento e não tinha casa-de-banho. 12. Os assistentes HH e BB viveram em casa dos arguidos ao longo de mais de onze anos. 13. HH, nascido a ... .1 1 .1943 era analfabeto, não sabendo ler nem escrever e foi trabalhar para os arguidos, na respetiva exploração agropecuária, no dia 5 de fevereiro de 2005 e esteve a trabalhar para os arguidos durante 11 anos e 10 meses, dando-lhe estes alojamento, alimentação e vestuário e pagando as demais despesas, designadamente de higiene e barbeiro, um maço de tabaco por dia e, por vezes, alguns montantes, incertos, em dinheiro, nomeadamente €5, € 10,00 ou € 20.14. Os arguidos nunca efetuaram descontos para a Caixa Geral de Aposentações ou para qualquer outro sistema de proteção social. (…) 23. BB, nascido a 2.4.1971, padece de debilidade mental ligeira e síndrome de dependência do álcool. 24. Na exploração agropecuária dos arguidos e a mando destes, por vezes, trabalhava com o tractor, com a motosserra, ou pastoreava gado, situação que se manteve durante cerca de 12 anos, até agosto de 2017.25. Durante esse período de tempo, o BB não recebeu qualquer salário e nunca os arguidos efetuaram descontos, a favor do BB. para a Caixa Geral de Aposentações, ou para qualquer outro sistema de proteção social. 26. BB era retribuído pelos arguidos com as refeições, alojamento, vestuário, pagamento das suas despesas de higiene, barbeiro, um maço de tabaco por dia e, por vezes alguns montantes. incertos, em dinheiro, nomeadamente €5, €10,00 ou € 20”.35. Os ali assistentes viviam e trabalhavam para os ali arguidos, sem que tivessem qualquer remuneração fixa em dinheiro, sem horário estabelecido ou período de férias estipulado. 36. As declarações dos assistentes se revelaram, naquele julgamento, incongruentes, desprovidas de lógica e rigor, não tendo permitido corroborar quaisquer maus tratos má alimentação, privação da liberdade, impossibilidade de escolha ou medo. 37. Os factos foram dados como não provados devido à ausência de prova da sua verificação, e não por se ter provado que o Autor não os praticou. 37.338. Apenas a 17 de Junho de 2019, o ali arguido deu entrada de requerimento solicitando autorização para desempenhar a sua actividade laboral, em horário e regime considerado adequado e compatível com a medida de coacção, nos termos a fixar pelo Tribunal.39. Em tal requerimento, o Autor invoca que, após a aplicação da medida de coacção, "contrataram um funcionário assalariado para colmatar a sua falta na exploração'', situação que se manteve até à semana anterior ao dia 17 de Junho de 2019 e que o "gado tem sobrevivido graças a cuidados primários de amigos e familiares têm prestado". 40. Até ao dia 17 de Junho de 2019, nada havia requerido ao Tribunal, designadamente qualquer autorização de ausência para trabalho com o seu rebanho de ovelhas. 41. Por despacho de 26 de Junho de 2019, foi indeferida a autorização especial de ausências para desenvolvimento da actividade laboral requerida pelos ali arguidos e determinada a comunicação ao veterinário municipal para adopção das medidas necessárias e urgentes para assegurar o bem estar e protecção dos animais. durante o tempo que vigorasse a medida de coacção. 42. Nessa sequência, o Médico Veterinário Municipal de ... subscreveu uma comunicação ao Tribunal informando das diligências por si efectuadas, no dia 28 de Junho de 2019, que veio a ser junta aos autos a 10 de Julho de 2019, dando conhecimento que os animais (cerca de 400) se encontravam a ser apascentados por uma única pessoa, que se encontravam em boas condições corporais, mas necessitavam de ser tosquiadas, e que a Câmara Municipal não tinha condições para tomar medidas para assegurar o bem estar e a protecção dos animais. 43. Após requerimentos concretizados a 12 de Julho de 2019 e 15 de Julho de 2019, os ali arguidos foram autorizados a proceder à tosquia dos animais no ovil de ... e a deslocarem-se a diversas propriedades com o objectivo de cortar as suas culturas de grão, centeio e aveia, destinadas a alimentar os animais, tendo apenas sido indeferida a pretensão de proceder ao maneio diário dos animais, entre as 07.00h e as 10.00h e as 17.00 e as 19.00h, como pretendido. 44. Nesse mesmo despacho foi determinado que se oficiasse à DGV informando-se que os arguidos se encontravam sujeitos à medida de coacção de obrigação de permanência na habitação, que não poderiam deslocar-se às suas propriedades para tomar conta dos seus rebanhos e, nessa medida, deveria existir urna fiscalização periódica aos animais e, caso fosse necessário, adoptadas medidas administrativas, nos termos do artigo 6.º -A do Decreto-Lei n.º 64/2000, de 22 de Abril, nomeadamente medidas de carácter higiosanitário e de maneio que se mostrem adequadas para corrigir a situação de perigo para os animais que se vier a apurar, designadamente alimentação, abeberamento e alojamento dos animais e, apenas, quando estas medidas não sejam suficientes para pôr termo ao seu sofri mento dos animais, o abate dos mesmos. 45. Por despacho de 5 de Setembro de 2019 foi autorizada a deslocação dos ali arguidos, no dia l0 de Setembro, para realização da sua vacinação, controlo sanitário e desparasitação, na sequência de requerimento para o efeito. 46. Através de requerimento junto a 11 de Setembro de 2019 naquele processo, o Autor AA declarou que "desde que se encontram na actual situação coactiva, e na impossibilidade de o fazerem pessoalmente. têm contratado assalariados rurais que assegurem minimamente o manejo de tal rebanho", o que apenas naquela data deixou de ser possível, tendo-se reiterado a necessidade de deslocação do Autor e do seu pai DD ao ovil para assegurar os cuidados aos animais. 47. Nessa sequência, por decisão de 13 de Setembro de 2019, foi autorizado que os ali arguidos AA e DD se ausentassem do local da vigilância, um pela manhã e outro pela parte, pelo período de duas horas, para tratarem de um rebanho de ovelhas. 48. Posteriormente, por despacho de 8 de Outubro de 2019, proferido naquele processo, o Tribunal veio a autorizar cada um dos ali arguidos a deslocarem-se à sua referida propriedade 3 horas por dia, sendo o arguido AA entre as 8 horas e as 11 horas e o seu pai entre as 16 horas e as 19 horas. 49. Por fim, por despacho de 30 de Outubro de 2019, o Tribunal autorizou os dois arguidos a deslocarem-se à sua referida propriedade, entre as 8 horas e as 12 horas no período da manhã; e as 14 horas e as 17 horas, no período da tarde, para que cuidassem dos animais. 50. No âmbito do processo n.º 266/16.4..., o ali arguido DD declarou, no âmbito daquele julgamento "que, apesar do Sr. HH dar uma ajuda, se ele lá não estivesse, o próprio arguido faria o trabalho, o que, aliás, tem acontecido desde que eles saíram, não tendo, desde então contratado ninguém, acrescentando que mesmo depois deste processo, com a autorização de duas horas para ele e duas para o filho, conseguem tratar de tudo''. 51. O apuramento de animais constantes dos documentos juntos com a petição de animal (extraídos do SNIRA) resultam de declaração do próprio proprietário à Direcção-Geral de Veterinária. 52. Os detentores de animais ovinos e caprinos estão obrigados à identificação, registo e circulação dos animais das espécies ovinas e caprinas, encontrando-se todos os dados relativos aos animais coligidos em bases de dados que integram o SIRNA, geridos pela Direcção-Geral de Veterinária e pelo Instituto de Financiamento de Agricultura e Pescas, IP. 53. Entre as comunicações obrigatórias previstas encontra-se os nascimentos, desaparecimentos, todas as movimentações que ocorram para a exploração ou a partir desta, abates e mortes.4Os detentores de animais das espécies ovina são obrigados a comunicar ao SNIRA a morte de qualquer animal ocorrida na exploração, no centro de agrupamento ou no transporte para outra exploração no prazo máximo de doze horas a contar da ocorrência, para que seja promovida de imediato a recolha do cadáver.54. Os documentos 4 e 5 juntos com a petição inicial reflectem apenas uma listagem reportada aos meses de Janeiro de 2019 e Dezembro de 2019, sendo resultado não só das comunicações obrigatórias efectuadas pelo produtor (que poderão ter a sua origem em qualquer uma das finalidades referidas em 55.) mas também de actualizações administrativas efectuadas na sequência de acções de controlo levadas a cabo na exploração. 55. Do desenvolvimento do processo n.º 266/16.4... resultou a perda da colaboração que era prestada pelos ali ofendidos HH e BB, no desenvolvimento das tarefas agrícolas e pecuárias daquela exploração, pelo que neste período poderia ser necessário substituir estes trabalhadores. 56. A cotação dos borregos, reportado ao valor semanal entre 14 e 20 de Dezembro de 2020, é, consoante o peso inferior a 12 kg, entre 22 a 28 kg e superior a 28 kg, respectivamente, de 4,50 euros, 3,39 euros e 2,84 euros o kg. 57. Enquanto a ovelha, se encontra cotada em valores, por unidade, entre 10 e 20 euros de espécie não determinada “refugo” e entre 50 e 70 euros de espécie “reprodutora”, Bordaleira Serra da Estrela. 58. A medida de coacção que lhe foi imposta no âmbito do processo n.º 266/l 6.4JAGRD não impediu o Autor de assegurar, por si ou através de terceiros, os cuidados considerados adequados a salvaguardar o bem-estar dos animais. 59. Que foram também garantidos por entidades terceiras (Veterinário Municipal e DGV), a quem o Tribunal comunicou o estatuto processual do Autor e a necessidade de salvaguardar aquele rebanho. 60. Na impossibilidade do Autor e do seu pai, foi contratado pessoal para tratar dos animais, e o Autor pôde manter a prestação de alguns cuidados àqueles animais, desde Julho de 2019, e de forma ampla e nos exactos termos pretendidos pelo Autor a partir de 13 de Setembro de 2019, contrariamente ao que pretende fazer crer, bem sabendo o autor que nenhuma razão lhe assiste na pretensão que deduz contra o Réu Estado. “Na impossibilidade do Autor e do seu pai, foi contratado pessoal para tratar dos animais, e o Autor pôde manter a prestação de alguns cuidados àqueles animais, desde Julho de 2019, e de forma ampla e nos exactos termos pretendidos pelo Autor a partir de 13 de Setembro de 20195. 61. 62, 63 e 64.6 65- Facto aditado7 Factos dados como não provados no Proc.º crime n.º 266/16.4... “1. Em data não concretamente apurada, mas no início do ano de 2005, os arguidos, de comum acordo e em comunhão de esforços e de fins, decidiram recrutar indivíduos desempregados, com apoio familiar e recursos económicos inexistentes ou muito débeis, dependentes do álcool e/ou do tabaco e/ou diminuídos a nível cognitivo, a fim de prestarem trabalho para os mesmos nas quintas que exploram na localidade de ..., ..., a troco de nada mais que alojamento e alimentação precários.2. Em concretização de tal desígnio, no ano de 2005, os arguidos abordaram HH e BB, aos quais prometeram um emprego na respetiva exploração agropecuária, em troca de um salário, acrescidos de alimentação e habitação, bem como de descontos para regime de proteção social, propostas essas aceites por HH e BB. 3. Os arguidos, relativamente ao regime laboral que prometeram a HH e BB, apenas no que diz respeito ao HH cumpriram parcialmente o acordado no primeiro mês de prestação de trabalho com o pagamento do ordenado estipulado. 4. Os arguidos, aproveitando-se da grande debilidade socio-económica e da situação de especial vulnerabilidade de HH e BB, nada mais cumpriram quanto às contraprestações devidas pela prestação da respetiva força de trabalho. 5. Os arguidos passaram a tratar HH e BB por “criados”, e obrigavam-nos a iniciar os trabalhos entre as 5h30m/6h30m, consoante fosse verão ou inverno, terminando a jornada de trabalho pelas 22h00m, sem direito a tempos de repouso, feriados ou dias festivos, mediante a atribuição de escassa alimentação e muito precárias condições de habitabilidade. 6. O quarto referido em 11. dos factos provados era onde os assistentes para além de dormirem, também residiam. 7. O local onde os arguidos colocaram HH e BB a residir não tinha qualquer isolamento contra o frio, nem as mínimas condições de higiene. 8. Os arguidos sujeitavam HH e BB a precárias e degradantes condições de saúde física e psíquica, alojamento, higiene e segurança. 9. Quando HH e BB regressavam molhados pela chuva e com frio, não tinham possibilidade sequer de se enxugar e aquecer. 10. Ao longo de todo o período de tempo em que HH e BB trabalharam para os arguidos, quando aqueles não executavam os trabalhos que lhes estavam atribuídos da forma pretendida pelos arguidos, estes intimidavam-nos e atemorizavam-nos, exigindo que trabalhassem mais e melhor, deixando HH e BB sem qualquer capacidade de reagirem. 11. HH e BB não se insurgiam, mais frequentemente contra com as descritas condições de vida e laborais, por temerem ser agredidos física e verbalmente por parte dos arguidos, como efetivamente foram por inúmeras vezes, ou ver a sua situação de vida ainda mais prejudicada. 12. Para concretizar os seus intentos, durante o período de tempo em que os assistentes viveram e sua casa, os arguidos retiveram os documentos pessoais de HH e BB, entre os quais os respetivos bilhetes de identidade/cartão de cidadão, com o propósito de evitar que se ausentassem. 13. HH combinou com os arguidos um ordenado de €200,00 (duzentos euros) por mês e descontos para a Caixa Geral de Aposentações. 14. HH recebeu o ordenado de € 200 do primeiro mês. 15. Em data não concretamente apurada, mas no decurso do mês de maio de 2016, HH chateou-se com o arguido DD, tendo-lhe pedido satisfações sobre o pagamento dos ordenados que lhe devia, como o havia feito em circunstâncias anteriores, tendo o DD respondido, como respondeu nas noutras ocasiões, que era o HH quem lhe devia doze anos de renda de casa e de gastos com alimentação. 16. O arguido AA actuou nos termos descritos em 16. dos factos provados, apenas aparentando estar a ajudar o HH. 17. HH nunca viu qualquer documento relacionado com a sua conta bancária, à qual nunca teve acesso, bem assim nunca teve qualquer conhecimento do desfecho do pedido de atribuição da reforma em França. 18. O arguido AA apropriou-se e fez suas as quantias referidas em 18. dos factos provados, em prejuízo do assistente HH. 19. O referido em 20 dos factos provados acontecia por o assistente HH temer ser agredido física e verbalmente por parte dos arguidos, como efetivamente foi por inúmeras vezes, ou ver a sua situação de vida ainda mais prejudicada. 20. HH aguentou viver nas condições descritas até ser hospitalizado no dia 5 de dezembro de 2016.21. Os arguidos, em comunhão de esforços e identidade de fins, em execução de plano previamente delineado entre ambos, agiram consciente e livremente: i. com intenções concretizadas de recrutar, aliciar, acolher e alojar HH e BB para os sujeitarem a trabalhos excessivos e não pagos; ii. com intenções concretizadas de, para atingirem o referido propósito, ludibriar HH e BB através de erro em que ardilosamente os induziram, mediante promessas de integração num posto de trabalho remunerado, com regalias sociais, alimentação e em alojamento condignos, promessas que sabiam, antecipada e deliberadamente, que não iriam cumprir; iii. aproveitando-se das débeis condições psíquicas e inexistente suporte familiar de HH e BB, razões pelas quais foram HH e BB seduzidos e aceitaram as propostas de trabalho dos arguidos; os quais retiveram os documentos de identificação, e outros, de HH e BB para que as mesmos não se ausentassem, sujeitando-os, efetivamente, a mais de 11 anos de trabalhos excessivos e em condições laborais e de vida degradantes, assim obtendo enriquecimento ilegítimo na mesma medida que causaram prejuízo patrimonial para HH e BB. 22. Mais agiram os arguidos, em comunhão de esforços e identidade de fins, em execução de plano previamente delineado entre ambos, reiterada, delibera e persistentemente ao longo de mais de onze anos, aproveitando-se de especial vulnerabilidade dos assistentes, sem qualquer respeito pela dignidade que merece qualquer ser humano, com intenções concretizadas de as reduzir à condição de meras coisas, objetos ou animais de sua pertença, ou seja, subjugaram-nos a uma completa relação de domínio imposto por meio de violência física e psíquica, receio, medo, inquietação, com abuso de autoridade derivada de ascendente económico e em função do trabalho, não tendo HH e BB qualquer poder de decisão sobre o modo e tempo da prestação do trabalho, apenas fornecendo os cuidados estritamente essenciais à sobrevivência necessária à continuidade o desempenho da atividade laboral. 23. Foram HH e BB constrangidos, deliberadamente pelos arguidos, a trabalhar e a viver sem o mínimo de condições de habitabilidade, higiene, saúde física e psíquica, privacidade, alimentação e trabalho, sobrecarregando-os com trabalhos excessivos, sendo maltratados física e psicologicamente pelos arguidos, por forma a subjugá-los inteiramente à sua vontade e caprichos, privando-os de toda e qualquer liberdade, nomeadamente liberdade física de movimentos, liberdade de decisão e liberdade de ação, reduzindo-os a “coisa sua” e a um estado de sujeição total, tratando-os como seres destituídos de dignidade humana. 24. Com a conduta descrita revelam os arguidos não possuir qualquer respeito para com HH e BB, enquanto pessoas e seres humanos, violando os mais elementares princípios e deveres da vida humana, bem assim da vida em sociedade. 25. Causaram, pois, as referidas condutas assumidas pelos arguidos danos irreparáveis na personalidade e na integridade física e psíquica de HH e BB. 26. Bem sabiam, os arguidos, serem as condutas que assumiram proibidas e puníveis por lei penal. 27. Agiu o arguido AA consciente e livremente, fazendo integrar no seu património o montante total de €1.330,95, à revelia do destinatário de tal pensão de reforma, bem sabendo o arguido AA que tal quantia não lhe era destinada nem lhe pertencia e que, ao atuar da forma descrita, agiu contra a vontade do seu legítimo proprietário. 28. Para o efeito, o arguido AA, por meio de meio ardiloso e aproveitando-se do facto dele não saber ler nem escrever, convenceu o HH de que trataria das burocracias necessárias e à revelia daquele, da mesma se fez co-titular, com a intenção concretizada de, mediante engano a que induziu o HH, se apropriar, como se apropriou, da pensão de reforma deste. 29. Bem sabia, o arguido AA, ser a conduta que assumiu proibida e punível por lei penal”.

E, Não Provado: A absolvição do Autor adveio de se haver comprovado que não praticou os crimes de que era acusado.Tal resultou claramente da prova, que não suscitou dúvidas, não se estando, perante uma absolvição com base no princípio in dubio pro reo. (…) Após tal conhecimento passou a ser motivo de conversa e comentários com teor negativo e depreciativo, factor de que teve conhecimento e lhe acarretaram forte sentimento de desgosto. Situação que foi mais intensa durante o período da privação da liberdade, mas que se manteve após ela, e ainda hoje afecta a sua imagem social no referido meio. - “teve que procurar apoio psicológico (…), junto da psicóloga Dr.ª CC. Sendo o prejuízo daí decorrente de 16.050,00 euros, pois que cada animal tinha o valor de, pelo menos, 150,00 euros. E tal aconteceu apesar de o Autor ter sido forçado, ue não gastaria se tivesse liberdade para pessoalmente fazer tais trabalhos. Não foi suficiente (…) não tendo o Autor conseguido contratar mais pessoas – e daí as perdas de animais referidas. A aludida insuficiência no manejo do rebanho, pela impossibilidade em que se encontravam o Autor e seu pai, levou também à perda de 35 borregos (18 machos e 17 fêmeas) dos nascidos durante o período da privação da liberdade, perda essa resultante da acção de predadores. O prejuízo sofrido é de 2.960,00 euros. A perda das 107 ovelhas e, bem assim, a insuficiente actividade agrícola no ano de 2019 resultante da impossibilidade de levar a cabo a normal exploração. Viu-se impedido de colher/enfardar tais produtos. Em tal actividade gastou 791,00 euros, pagos ao referido BB pelo enfardamento de 113 rolos, à razão de 7,00 euros por rolo. Uma vez que não teve possibilidade de enfardar o feno (actividade que é habitualmente feita por si, comas suas alfaias), não só não conseguiu vender qualquer feno nesse ano, como ainda teve que comprar 1.500 fardos, a 3,00 euros /cada, para fazer face às necessidades do seu rebanho e de seu pai, como custo total de 4.500,00 euros. Sendo o seu prejuízo de 2.250,00 euros, correspondente à parte (metade) que destinou ao seu gado. Vendendo, em média, 5.000 fardos por ano, ao preço médio de 3.,00 euros /cada, deixando, pois, de realizar, em 2019, 15.000,00 euros, sendo o seu lucro cessante de 10.000,00 euros, já que o custo de produção é de 1/3 do valor de cada fardo. Ainda, e no ano de 2019, a situação em que se encontrava impediu-o de produzir batata para venda e de colher e vender as suas castanhas. Produz e vende, em média, 10.000 kg de batata, por ano, ao preço de 0,30 euros /kg, deixando de realizar 3.000,00 euros. Tendo o lucro cessante de 1.500,00 euros, deduzidos os custos de produção (cerca de ½ do valor de venda). Quanto à castanha, colhe, em média, 2.000 kg por ano sendo o valor de venda de 2,30 euros /kg deixou de realizar 4.600,00 euros. Considerando os custos de produção de ¼ desse valor, o seu lucro cessante foi de 3.450,00 euros. Dado ser frequente a ocorrência de partos múltiplos, cada ovelha pare, em média, 1,20 crias, o rebanho deixou de produzir – considerando apenas o ano imediatamente seguinte – 128 borregos que seriam vendidos ao preço médio de 85,00 euros cada, deixando, consequentemente o Autor de ganhar 10.880,00 euros. Considerando os custos de produção de ¼ desse valor, o seu lucro cessante foi de 3.450,00 euros. Dado ser frequente a ocorrência de partos múltiplos, cada ovelha pare, em média, 1,20 crias, o rebanho deixou de produzir – considerando apenas o ano imediatamente seguinte – 128 borregos que seriam vendidos ao preço médio de 85,00 euros cada, deixando, consequentemente o Autor de ganhar 10.880,00 euros.

B. Aplicação do Direito

1. Em sinopse do pleito, o Autor, arguido no processo crime identificado, absolvido em julgamento pelos crimes imputados e, então restituído à liberdade, demandou o Estado, reclamando o pagamento de indemnização pelos danos sofridos em consequência da medida de coação, durante 276 dias, em regime OPHVE, invocando a previsão do artigo 225º do CPP.8

A sua pretensão indemnizatória veio a ser acolhida (parcialmente) em recurso , através do acórdão recorrido, que revogou a decisão absolutória do primeiro grau..

O Estado Réu circunscreve a impugnação em sede revista na componente da compensação de Euros 35.000,00, fixada por danos não patrimoniais, que entende ser excessiva.

2. No sentido pugnado, alteração para quantia não superior a € 15.000,00, apresenta os seguintes fundamentos:

- O acórdão recorrido não teve em conta se, o Autor recorreu ou não da medida coativa, pesando negativamente no cálculo indemnizatório, caso tenha aceitado ( conclusão 5ª.5.); e , ainda, deverá,

- Atender-se aos factos não provados “ (…) a sua detenção (…) passou a ser motivo de conversa e comentários com teor negativo e depreciativo e lhe acarretaram forte sentimento de desgosto. “ (…) Situação que foi mais intensa durante o período da privação da liberdade, mas que se manteve após ela, e ainda hoje afecta a sua imagem social no referido meio. (…) teve que procurar apoio psicológico (…), junto da psicóloga (…) “ 9 (conclusão 5ª.7.); e,

- Oo regime de OPHVE permitiu ao Autor estar junto da família e cuidar dos animais como forma de rendimento, conforme matéria de facto considerada provada, sob os nºs sob os nºs 40., 43 e 45. a 49 . ( conclusão 5.8.); e,

- a jurisprudência adrede, em particular, o Acórdão do STJ de 02.02.2023, que no caso de prisão preventiva por 325 dias, e o arguido absolvido, fixou a compensação por danos não patrimoniais no valor de € 15.000,00. (conclusão 5ª9.)10

3. Afirma o recorrente que, na situação em que o arguido optou por se conformar com a medida de coação, tal implicará a avaliação em baixa da quantia indemnizatória, e para o efeito, se necessário, com a ampliação da matéria de facto pelo tribunal a quo.

Sem razão, cremos.

Na actual previsão do artigo 225º do Código Processo Penal , a absolvição do arguido em processo-crime, que esteve sujeito a medida privativa da liberdade, logo viabiliza o exercício do direito a obter do Estado compensação pelos danos sofridos, e ainda que este tenha agido no estrito cumprimento das normas relativas à aplicação de medida de coacção. 11

Ali se estabeleceu, após a alteração sufragada pela Lei n.º 48/2007, de 29.8, :12

«1 - Quem tiver sofrido detenção, prisão preventiva ou obrigação de permanência na habitação pode requerer, perante o tribunal competente, indemnização dos danos sofridos quando: a) A privação da liberdade for ilegal, nos termos do n.º 1 do artigo 220.º, ou do n.º 2 do artigo 222.º; b) A privação da liberdade se tiver devido a erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto de que dependia; ou c) Se comprovar que o arguido não foi agente do crime ou atuou justificadamente. (…)».13

Amplificou-se, pois, o regime especial de responsabilização extracontratual do Estado, por privação ilegal ou injustificada da liberdade, estendendo agora a sua aplicação, à medida coativa de obrigação de permanência na habitação, eliminou o advérbio «manifestamente», da ilegalidade da privação da liberdade, e acrescentou outro fundamento de responsabilidade na alínea c) “ comprovação em julgamento de que o arguido não cometeu o crime ou que agiu justificadamente “.

Trata-se de concretizar na lei ordinária, o equilíbrio entre a tutela constitucional do direito à liberdade individual e, por outro, o direito à segurança da vida em sociedade e eficácia da justiça penal, em respeito pelo disposto no artigo 27º, nº1 e nº5 da Constituição da República Portuguesa e consagração no artigo 5º§5º da CEDH.

Prescreve o nº2 do artigo 225º, do CPP, que -. “ Nos casos das alíneas b) e c) do número anterior o dever de indemnizar cessa se o arguido tiver concorrido, por dolo ou negligência, para a privação da sua liberdade.» 14

Prosseguindo a interpretação fiel aos elementos histórico , teleológico , sistemático e literal do normativo em foco, a exclusão ou compressão do direito à indemnização por danos advenientes da aplicação de medida coactiva de privação da liberdade, estão apenas autorizadas nas situações tipificados nas alíneas b) e c) do nº1 do artigo 225º, do CPP, em face de “ uma acção/omissão do arguido dolosa ou culposa” e, portanto, corresponsável na aplicação da medida de coação privativa da liberdade, eleita no decurso do processo crime.

Podemos hipotizar uma miríade de circunstâncias, onde o arguido assume comportamento ( com dolo ou negligência) contrário aos fins da investigação criminal e a recolha de provas, que torne inevitável o decretamento de medida de coação privativa da liberdade e, a eventual exclusão e compressão da sua ulterior compensação, em sede civil, pelos danos que reclame do Estado no quadro normativo em análise. 15

O recorrente não alegou tal factualidade.

Observamos que, de harmonia com a regra de hermenêutica ínsita no artigo 7º, n.º 3, do Código Civil, i.e, “lei especial prevalece sobre a lei geral, (…)exceto se outra for a intenção inequívoca do legislador”, estando em causa detenção, prisão preventiva ou obrigação de permanência na habitação, sobrepõe-se a aplicação do regime especial de responsabilidade extracontratual do Estado consagrado no artigo 225º do Código de Processo Penal.

Parece, então, não configurável, à margem da previsão e pressupostos legais indicados, “coresponsabilizar” o lesado, que aceitou sem recorrer a medida aplicada, e transpor o critério “ concorrência e medida da culpa do lesado “ a que alude o artigo 570.º do Código Civil e artigo 4.º da Lei nº 67/2007.

No Estado de direito , a faculdade de o arguido reagir contra a decisão que decretou medida restritiva da sua liberdade, através de recurso ordinário ou requerer a providência de habeas corpus, configuram instrumentos de tutela do direito fundamental à liberdade , com vista a assegurar o respeito e limites das restrições legais consentidas.

Deste modo, manifesta-se inconsiável, pretender extrair efeito preclusivo ou restritivo da vantagem legal concedida no artigo 225º, nº1, do CPP, na circunstância do arguido lesado, ter optado por não recorrer da medida de coação sofrida, que não se subsume ao limite negativo previsto no seu nº2.

4. A argumentação jacente e o Quantum indemnizatório atribuído ao Autor pelos danos não patrimoniais.

Na fixação da compensação por estes danos, e a impossibilidade de determinar o seu valor exacto dos danos não patrimoniais , haverá que apelar à equidade, i.e, julgar ex aequo et bono , atento o que prescrevem os artigos 496º, nº1, nº4 e 566º, nº3, do Código Civil ex vi do artigo 4º, al) a.

A equidade assenta numa valoração complexa que referencia valorações éticas, o sentido prático e natureza das coisas.

Sendo corrente afirmar que o juízo de equidade “é a justiça do caso concreto”, é por conseguinte, sobremaneira incindível das circunstâncias factuais apuradas em cada situação concreta sob análise.

Nesta linha de abordagem, conforme emerge da ampla recolha e análise da jurisprudência e doutrina sobre o tópico no Acórdão do Supremo Tribunal em 21.04.2022, prolatado nesta 2ª secção, procurará, pois, neste domínio, indagar , no essencial, -«(…) Como “vem sendo reiteradamente sublinhado pelo STJ, (…) se o critério adoptado se afastar, de modo substancial e injustificado, dos padrões que, generalizadamente, se entende deverem ser adoptados numa jurisprudência evolutiva e actualística, abalando a segurança na aplicação do direito e o princípio da igualdade (arts. 566.º, n.º 3, do CC, e 674.º, e 682.º, do CPC)” (..).»16

E, mais adiante, sublinhou- «(…) a intervenção do Supremo consistirá em verificar :”(…)se estavam preenchidos os pressupostos normativos do recurso à equidade; se foram considerados as categorias ou os tipos de danos cuja relevância é admitida e reconhecida; se, na avaliação dos danos correspondentes a cada categoria ou a cada tipo, foram considerados os critérios que, de acordo com a legislação e a jurisprudência, deveriam ser considerados; e se, na avaliação dos danos correspondentes a cada categoria ou a cada tipo, foram respeitados os limites que, de acordo com a legislação e com a jurisprudência, deveriam ser respeitados.(..)” mormente, na busca de uniformização dos critérios jurisprudenciais, de modo a garantir o respeito pelo princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei, nos termos proclamados no n.º 1 do artigo 13.º da Constituição e conforme o disposto no n.º 3 do artigo 8.º do CC.(…)».17

5. No referente à compensação por danos não patrimoniais , o douto acórdão recorrido considerou- “ (…)Não há qualquer dúvida de que os danos sofridos pelo autor, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, em montante a fixar equitativamente pelo tribunal. Como se colhe do Acórdão do STJ, de 26/6/91, in BMJ 408 – 538, a gravidade do dano mede-se por um padrão objectivo, tendo em conta as circunstâncias do caso concreto, sem ater a personalidades de sensibilidade exacerbada e a apreciar em função da tutela do direito.Por outro lado, como se refere, no Acórdão do STJ, de 07/06/2011, Processo 3042/06.9TBPNF.P1.S1, in http://www.dgsi.pt/jstj, importa verificar se os critérios seguidos na fixação desta indemnização, são passíveis de generalização para casos análogos, muito em particular, se os valores arbitrados se harmonizam com os critérios ou padrões que, numa jurisprudência actualista, devem ser seguidos em situações análogas ou equiparadas, nomeadamente, tendo em vista as lesões sofridas, suas consequências e a idade das vítimas.diz-se “ (…)Na categoria dos danos não patrimoniais abarcam-se todas as sequelas que afectam a personalidade do lesado, designadamente, as dores físicas e psíquicas, perdas de capacidade, tanto a nível físico como psíquico, vexames, sentimento de inferioridade por afectação da imagem, a nível estético, a saúde e bem estar, tudo, como acima já referido, a aferir objectivamente.

Destacou a factualidade provada - “ Cotejando os factos apurados, no que a tal concerne, designadamente os que constam dos factos 7, 10 a 16 inclusive de onde resulta que o A. esteve privado da sua liberdade 276 dias, que em termos psicológicos e de auto-estima, a situação se revelou penosa, que sempre foi considerado pessoa séria, íntegra e honrada, na localidade onde reside e na região envolvente, nomeadamente nos concelhos de ..., ... e ..., tendo chegado a integrar a Junta de Freguesia de ..., que foi para si penosa e motivo de grande preocupação a forma como a situação afectou a sua actividade profissional, o que o levou a sofrer de um estado de grande ansiedade, perda de sono e depressão, que foi mais intensa durante o período de privação da liberdade, mas que deixou sequelas psicológicas que ainda hoje se fazem sentir, de tal modo que teve que procurar apoio clinico, numa primeira fase, junto do seu médico de família, Dr. EE, do Centro de Saúde ..., e ainda, por indicação do referido médico, junto dos Serviços de Psiquiatria da U.L.S. da ..., onde vem sendo seguido e tratado pelo Dr. FF.

Vindo a concluir - “ Tendo em linha de conta os critérios legais aplicáveis e atentas as circunstâncias acima relatadas e que o direito à liberdade de movimentos é de primordial importância para o bem estar de qualquer pessoa (tanto que tem foros de protecção constitucional e qualquer cidadão só dela pode ser privado nos termos previstos no artigo 27.º, n.º 2 da CRP), bem como que não se trata de critérios rígidos nem de quantias pré-determinadas nem fixas, e até por comparação com outros casos e indemnizações atribuídas, designadamente, nos Acórdãos do STJ, de 11/10/11, Processo n.º 1269/03.6TBPMS.L1.S1 e no Processo n.º 336/14.tTBALM.L1.S2, disponíveis no respectivo sítio do Itij, julgamos ser equitativo e justo, atribuir ao autor, a este título, a quantia de 35.000,00€.

6. Em enunciado global, os danos não patrimoniais abrangem todas as sequelas que afectam a personalidade do lesado, designadamente, as dores físicas e psíquicas, perdas de capacidade, tanto a nível físico como psíquico, vexames, sentimento de inferioridade por afectação da imagem, a nível estético, a saúde e bem estar, com o limite objectivo consagrado no artigo 496, nº1, do CC- são atendíveis os danos não patrimoniais que pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.

Finalmente, na busca da uniformização de parâmetros de avaliação neste domínio, visto o disposto no artigo 8º, nº3, do Código Civil e, em prossecução do princípio da igualdade garantido pelo artigo 13º, nº1, da CRP.

No acórdão recorrido atendeu-se à compensação atribuída por danos morais no quadro da previsão legal do artigo 225º, nº1 do CPP , alcançada no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11.10.2011 (1268/03.6TBPMS.L1.S1).18

Naquele outro Aresto, cabia ao Estado compensar o lesado pelos danos morais sofridos em consequência de “prisão preventiva ilegal”, durante 4 meses e 3 dias, em estabelecimento prisional, conforme se lê no texto « (…)a valoração da prova indiciária (a ter sido realmente efectuada) que incidiu sobre o primeiro e essencial pressuposto de que dependia o decretamento da prisão preventiva, traduziu-se numa valoração manifestamente errada e inadmissível, visto que a factualidade recolhida no inquérito, não suportava, com toda a evidência, tal valoração. Estamos, então, no domínio do erro grosseiro, ou pelo menos, perante acto temerário que o decisor podia e devia ter evitado. (…)» E, com a seguinte factualidade «(…Na verdade, como ficou provado, o A. sempre teve a convicção de que se encontrava preso, apesar de inocente, e, durante todo o tempo em que essa situação se manteve, passou inúmeras noites sem dormir, chorou, gritou de raiva e sofreu depressão durante a maior parte do tempo. Deixou, muitas vezes, de ter controlo sobre a sua pessoa, tendo sido sujeito a diversos exames e consultas do foro psiquiátrico.Foi transportado em carrinhas celulares que, muitas vezes, não eram lavadas e se encontravam impregnadas de fezes humanas e restos de vómitos, de modo que, nos tempos de espera no interior da carrinha, o ar se tornava irrespirável, provocando mesmo a perda de consciência (…)».19

Daí que , s.m.o, a situação convocada no acórdão recorrido evidencia contornos distanciados da avaliação exigida na casuística presente.

Objeta o recorrente, que a compensação arbitrada no montante Euros 35.000,00 é excessiva , atendendo, v.g, que na situação concreta, o Autor esteve preso no regime OPHVE, junto da família e da sua exploração agro pecuária.

Propendemos para considerar que tal não será despiciendo na valoração dos danos morais no caso espécie .

O regime de OPHVE atenuou objetivamente no caso o espectro negativo dos efeitos lesivos causados, perante as circunstâncias pessoais, familiares e a actividade profissional do Autor , na componente não patrimonial.

Permitiu ao Autor conviver e beneficiar do suporte próximo e afetivo da família, no seu habitat, e superentender ou zelar, em parte, pela exploração agrícola, e autorizado a deslocações pontuais às suas propriedades -cfr. factos provados nos pontos 40,45,46,47.

Para debelar o abalo e perturbação do sono, não se apurou, designadamente, qual a periodicidade das consultas médicas e grau de afectação do estado de saúde geral, que aponte para consequência de especial acuidade ou sequelas permanentes.

De assinalar ainda, que não se provou a factualidade alegada pelo Autor , porventura de maior gravidade, como os sentimentos de desgosto e vergonha causados com a afectação da imagem pessoal no meio onde vive e trabalha .

Outrossim, identificamos aproximação mais consentânea com a situação avaliada neste Supremo Tribunal e Secção no aresto de 2.02.2023.20

Ali se considerou - « A privação da liberdade durou 325 durante os quais esteve afastado do convívio em situação de liberdade com a sua filha mais velha e neta, com quem tem um relacionamento próximo, o tempo todo, mas também no Natal e na Páscoa. Não se provou que tenha no meio prisional sofrido particulares agruras, desentendimentos ou perigo provocado por outros reclusos sem que essa ausência de demonstração dos factos a este propósito alegados sejam indício seguro de que a sua vida ali decorreu com a normalidade, dentro do contexto anormal de privação de liberdade. Sendo a liberdade um valor humano absoluto, a compensação a atribuir à privação da liberdade que veio a demonstrar-se indevida há-de permitir ao lesado obter bens, serviços ou tranquilidade quanto ao seu futuro que possam atenuar as consequências do dano sofrido. Se compararmos os valores que têm vindo a ser fixados pela Jurisprudência pela privação do direito à vida a pessoas de faixa etária similares às do recorrente que oscilam entre 90 000,00€ e 120 000,00€ de que são exemplo as decisões proferidas nos processos 3710/18.2T8FAR.E1 e 33/12.4GTSTB.E1.S1, acessíveis em www.dgsi.pt, respectivamente, poderemos divisar uma ordem de grandeza do que seria a privação de quase um ano de vida em liberdade, sendo certo que a privação da liberdade e a possibilidade que teve de retomar, no fim dela, a sua vida, mesmo que com incómodos e inconvenientes que perdurarão no tempo, não aconselham uma equiparação directa, permitindo, embora concluir que o valor fixado pelo tribunal recorrido se afigura insuficiente para a reparação do dano sofrido pelo autor. Ponderados os elementos antes indicados consideramos ajustado o valor de 15 000,00€ que supera em 50% o definido pelo tribunal recorrido. (….)».

Apesar do perfil referente à dinâmica da vida pessoal e social dos lesados não se equivalerem, a envolvente circunstancial presente no caso ora ajuizado apresenta grau inferior de danos, como se expôs.

O regime de OPHVE por definição implica danos prováveis em grau inferior à imposição de restrição da liberdade individual, em meio prisional, transponível para o caso em juízo, pois que, o Autor não viu comprometidos os laços familiares e permaneceu no seu centro habitual da sua vida pessoal e profissional.

Para concluir que, ponderada a casuística factual, orientados pela equidade, e o referencial dos valores padrão atribuídos neste tribunal em situações equiparadas, é ajustado o montante actualizado de € 20 000,00, em ordem a ressarcir o Autor dos danos de natureza não patrimonial, por ter estado privado da liberdade durante 276 dias, sujeito à medida de coação de obrigação de permanência na habitação com recurso a vigilância eletrónica, no ano de 2019, vindo a ser absolvido pelos crimes imputados.

III. Decisão

Pelo exposto, procedendo em parte a revista, delibera-se:

a. Revogar o acórdão recorrido no segmento da indemnização atribuída a título de danos não patrimoniais;

b. Fixar em 20 000,00€ o valor da indemnização por danos não patrimoniais, condenando o Estado Réu ao seu pagamento ao Autor ;

c. Custas por ambas as partes, na proporção do respetivo decaimento.

Lisboa, 12 de Outubro de 2023


Isabel Salgado (relatora)

Ana Paula Lobo

Fernando Baptista de Oliveira

_______


1. Com a alteração introduzida pelo TRC.

2. Com a alteração introduzida pelo TRC.

3. Eliminado pelo Tribunal da Relação .

4. Redação dada pelo Tribunal da Relação.

5. Redação dada pelo Tribunal da Relação

6. Eliminados pelo TRC

7. Aditado pelo TRC

8. Na redação conferida pela Lei n.º 48/2007, de 29/08.

9. Factos alegados pelo Autor nos artigos 17º, 19º, 20º e 23º da Petição Inicial.

10. no proc. nº 4978/16.4T8VIS.C1.S1 ,sendo Relatora Senhora Juíza Conselheira Ana Paula Lobo, que integra este Colectivo.

11. No caso espécie, a data dos factos ( 2019), posterior à alteração legislativa introduzida pela Lei n.º 48/2007 , excluiu a discussão anterior na literatura jurídica( entre outras) quanto à razão do fundamento da absolvição do arguido, conforme exposto no acórdão recorrido, e a matéria de facto alterada ; e, pontificou, também este tribunal, no acórdão do STJ, indicado em 10 “ II - Raramente no processo se consegue mais que a absolvição por falta de prova. O réu não tem de provar que está inocente, a acusação é que tem que provar que é culpado. “- disponível in wwww.dgsi.pt.

12. Entrou em vigor em 15.09.2007 .O artigo 225º do CPP, foi objecto das versões constantes das alterações introduzidas pela Lei n.º 59/98, de 25/08 e Lei n.º 48/2007, de 29/08, e Lei 94/2021, de 21 de Dezembro.

13. No alinhamento da tendência internacional dos ordenamentos jurídicos em Estados de Direito.

14. Não extensível à situação tipificada na alínea a),do nº1 do artigo 225º, do CPC, tratando-se do quadro mais grave de prisão ilegal.

15. Sem olvidar o disposto no artigo 623.º do CPC, não configurando verdadeiro caso julgado a vinculação do juiz cível à sentença penal.

16. No processo 96/18.9T8PVZ.P1.S1, sendo Relator Fernando Baptista de Oliveira, também membro deste Colectivo, disponível in www.dgsi.pt.

17. No mesmo aresto.

18. Disponível in www.dgsi.pt.; a indemnização por danos morais fixada em 15.000,00 , acrescida de juros de mora desde a citação.

19. E a aplicação do artigo 225º na redação anterior às alterações introduzidas pela Lei 48/2007; disponível in www.dgsi.pt.

20. Citado pelo recorrente; No processo 978/16.4T8VIS.C1.S1, sendo Relatora Ana Paula Lobo, que integra este Colectivo, e já referido em nota anterior.