Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2394/22.8YRLSB.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: MARIA JOÃO VAZ TOMÉ
Descritores: RECURSO DE REVISTA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
DECISÃO ARBITRAL
ANULAÇÃO DE SENTENÇA
CAUÇÃO
EXECUÇÃO DE DECISÃO ARBITRAL
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO
CAUSA DO NEGÓCIO
CUMPRIMENTO
INTERPRETAÇÃO
RECONHECIMENTO DA DÍVIDA
RENÚNCIA
INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
Data do Acordão: 10/31/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA; ORDENANDO-SE QUE OS AUTOS BAIXEM
AO TRIBUNAL DA RELAÇÃO PARA QUE OS AUTOS PROSSIGAM
Sumário :
I. Sendo o STJ o Tribunal hierarquicamente superior ao TR que proferiu a decisão, é admissível o recurso de revista nos termos do art. 671.º, n.º 1, do CPC, uma vez que a decisão recorrida pôs termo ao processo, absolvendo a Ré da instância.

II. A sentença arbitral pode servir de base à execução, mesmo quando impugnada mediante pedido de anulação, dispondo o devedor da possibilidade de obter a suspensão da execução mediante a prestação de caução (art. 47.º, n.os 3 e 4, da LAV).

III. A natureza jurídica do cumprimento é objeto de querela doutrinal.

IV.Pode preconizar-se uma tese intermédia, dotada de maior elasticidade, que leve em devida linha de conta as diversas modalidades que o cumprimento pode assumir.

V.Porquanto no nosso ordenamento jurídicos não são admitidas prestações abstratas, é necessária a presença de uma causa solvendi para justificar o cumprimento, traduzindo-se essa causa na existência de uma obrigação.

VI. A prévia propositura da ação de anulação da sentença arbitral por parte da Recorrente, a comunicação prévia dessa intenção à Recorrida e a não desistência dessa ação, por aquela, antes, aquando ou depois do pagamento ilustram claramente a falta de vontade do cumprimento e da extinção da obrigação que lhe é imputada. A autonomia privada impõe a necessidade de se atender a uma determinação negativa de cumprimento: o afastamento do caráter de cumprimento da atribuição patrimonial.

VII. O art. 295.º do CC manda aplicar as regras disciplinadoras dos negócios jurídicos aos simples atos jurídicos na medida em que a analogia das situações o justifique. .

VIII.O declaratário normal, colocado na posição do declaratário real, terá em consideração o contexto negocial da conduta do declarante, o seu enquadramento.

IX. O art. 237.º do CC tem em vista esclarecer as dúvidas do intérprete: em caso de dúvida, o intérprete deve optar pela solução que se apresentar como a menos gravosa para o disponente.

X.Como o reconhecimento da dívida não constitui fonte autónoma de obrigações, não pode prescindir-se da existência ou da validade da relação creditícia, sendo a inexistência ou a invalidade desta suscetível de ser demonstrada e, consequentemente, de se repercutir na obrigação objeto de reconhecimento que, portanto, não se afigura idónea para fazer valer a pretensão creditícia.

XI. Não se pode presumir a renúncia ao direito de direito de requerer a anulação da sentença arbitral.

XII. A escolha do modo de prestar caução cabe ao obrigado.

XIII. O pagamento efetuado pela Recorrente não torna inútil a lide em que se discute a (in)validade da sentença arbitral, pois que, no caso de ser decretada a sua anulação, desaparece a respetiva causa.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça,


I – Relatório

1. A 26 de agosto de 2022, AM48, Lda., requereu a anulação da sentença arbitral de 29 de junho de 2022, proferida no processo arbitral iniciado por Cari Construtores, S.A., que correu termos no Centro de Arbitragem Comercial da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa com o n.º 23/2019/AHC/AP. Solicitou também a atribuição do efeito suspensivo da execução da sentença arbitral mediante a prestação de caução, ao abrigo do disposto no art. 47.º, n.º 3, da Lei da Arbitragem Voluntária (doravante LAV), o que fez, através de incidente que correu como Apenso A aos autos principais.

2. O Tribunal Arbitral declarou ilícita a resolução do contrato de empreitada efetuada pela AM48, Lda., mediante comunicação dirigida à Cari Construtores, S.A., a 3 de abril de 2019, e condenou aquela a pagar a esta o valor dos trabalhos e dos prejuízos que resultaram desse modo de cessação da referida relação contratual, o qual fixou no montante de € 865.489,63, acrescido de juros de mora vencidos desde maio de 2019 e de juros vincendos até integral pagamento, à taxa de juro comercial em vigor em cada momento nos termos do art.102.º do Cód. Comercial.

3. O Tribunal Arbitral julgou improcedentes os restantes pedidos formulados pela Cari Construtores, S.A., na sua petição inicial, assim como todos os pedidos reconvencionais deduzidos pela AM48, Lda., absolvendo aquela dos mesmos, condenando as partes no pagamento dos encargos com o processo arbitral, que foram liquidados junto do Centro de Arbitragem Comercial relativos a árbitros, à produção de prova (incluindo prova pericial) e encargos administrativos, na proporção do decaimento das suas pretensões, fixando-se em 9% para a Cari Construtores, S.A., e 91% para a AM48, Lda..

4. Por despacho de 27 de agosto de 2022, o Tribunal Arbitral determinou a retificação da sentença arbitral nos exatos termos requeridos pela AM48, Lda., a 28 de julho de 2022, determinando que na alínea b) se passasse a ler que decide “[c]ondenar a AM 48 a pagar à Cari o valor dos trabalhos e dos prejuízos que resultaram da resolução ilícita do Contrato de Empreitada, o qual se fixa em €865.489,63 (assumindo que o valor do custo demão-de-obra de€30.959,12 é um valor mínimo), acrescido de juros de mora vencidos desde 9 de Maio de 2019 e de juros vincendos até integral pagamento calculados sobre o valor dos danos relacionados com os encargos de estrutura, trabalhos realizados e custos de mão-de-obra, no valor total de €211.509.27, à taxa de juro comercial em vigor em cada momento nos termos do artigo 102.º do Código Comercial”.

5. A partir desse momento, a sentença arbitral, que não era passível de recurso e deixou de ser suscetível de alteração nos termos do art. 45.º da LAV, passou a ter, segundo o art. 42.º, n.º 7, da LAV “o mesmo carácter obrigatório entre as partes que a sentença de um tribunal estadual transitada em julgado e a mesma força executiva que a sentença de um tribunal estadual.”

6. A 1 de setembro de 2022, Cari Construtores, S.A., intentou ação executiva contra AM48, Lda., tendo em vista o pagamento do crédito titulado pela sentença arbitral, ali apresentada como título executivo, incluindo juros moratórios e juros compulsórios vencidos desde 27 de agosto de 2022 até integral pagamento.

7. No âmbito do presente processo de anulação de sentença arbitral, a Requerida Cari Construtores, S.A., a 4 de janeiro de 2023, veio solicitar a extinção da instância por falta superveniente de interesse em agir e inutilidade superveniente da lide, nos termos do art. 277.º, al. e), do CPC. Invoca, para o efeito, que a Requerente AM48, Lda., pagou integral e voluntariamente, a 16 de dezembro de 2022, na ação executiva onde a referida sentença arbitral fora dada em execução, o montante total da quantia exequenda e das despesas processuais, no montante de € 1.166.330,25, sendo apenas uma parte reduzida da quantia exequenda, no valor de € 82.000,83, recuperada por via dos saldos já penhorados, tendo até a Executada prescindido do prazo de dez dias de que dispunha para reclamar da nota de honorários e despesas. Refere também que o correspondente valor foi já transferido para a Exequente, ora Requerida, tendo sido declarada a extinção da execução. Conclui que esse pagamento voluntariamente efetuado pela Requerente significa, objetivamente, o reconhecimento definitivo da dívida exequenda titulada pela sentença arbitral, esvaziando de objeto a pretensão da Requerente nos presentes autos1. Pede seja declarada a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide e de falta superveniente de interesse em agir, assim como a condenação da Requerente como litigante de má-fé, em multa e indemnização a fixar pelo Tribunal nos termos do art. 543.º. n.os 1 e 2, do CPC, mas que não deverá ser inferior ao valor de € 44.160,00, tendo em vista, designadamente, os encargos com honorários de advogados no decurso do processo de anulação da setença arbitral.

8. Na sua resposta, a Requerente AM48, Lda., confirmou a realização do referido pagamento. Contestou, todavia, que o mesmo corresponda ao reconhecimento da dívida perante a Requerida. Muito diferentemente, sustenta que esse pagamento teve lugar unicamente em virtude do comportamento da Requerida, nomeadamente daquele por si adotado no incidente de prestação de caução (Apenso A), onde utilizou todos os meios processuais disponíveis para impedir que à AM48, Lda., fosse atribuído o efeito suspensivo da execução da sentença arbitral, continuando, ao longo de quatro meses, a obter a penhora de bens da Requerente, bloqueando um enorme e valioso acervo de bens desta, no valor aproximado de sessenta milhões de euros, que a impedia de exercer a sua atividade, causando-lhe prejuízos incalculáveis. Afirma que, receando não conseguir alcançar o efeito pretendido no incidente de prestação de caução e, perante os obstáculos sucessivamente suscitados pela Requerida Cari Construtores, S.A., à prestação de caução, com a perspetiva de recurso da última decisão proferida, de modo a evitar o colapso da empresa, a Requerente encetou contactos junto do agente de execução para proceder ao pagamento da quantia exequenda e, com isso, extinguir a execução, não o fazendo com o propósito de reconhecer qualquer dívida perante a Requerida. Salienta que a situação em apreço é totalmente diferente daquela que foi objeto do aresto citado pela Requerida: desde logo, porque neste estava em causa um recurso e aqui uma ação de anulação de sentença arbitral. Conclui pela não verificação da inutilidade superveniente da lide, devendo tal pretensão da Requerida improceder. Pede, ainda, a condenação da Requerida Cari Construtores, S.A., como litigante de má-fé, em multa e indemnização à Requerente, correspondente a todas as despesas com o presente processo, incluindo honorários dos seus mandatários.

9. Pronunciou-se ainda a Requerida Cari Construtores, S.A., reiterando os argumentos anteriormente apresentados e assinalando que o pagamento da quantia exequenda realizado pela Requerente não obedeceu a qualquer reserva. Refere igualmente que não utilizou qualquer expediente dilatório para protelar a suspensão da execução e prejudicar a Requerente, sendo esta quem não prestou garantia que cumprisse os requisitos legais, como foi judicialmente reconhecido. Conclui como no seu requerimento de 4 de janeiro de 2023.

10. Por acórdão de 28 de fevereiro de 2023, o Tribunal da Relação de Lisboa decidiu o seguinte:

Termos em que e face ao exposto, acordam os Juízes desta Relação em:

- julgar extinta a presente instância por inutilidade superveniente da lide, nos termos do art. 277, al. e), do C.P.C.;

- absolver requerente e requerida dos recíprocos pedidos de condenação por litigância de má-fé.

Custas pela requerente AM48, nos termos do art. 536, nº 3, do C.P.C., determinando-se, ainda, a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.

Notifique.

11. Não conformada, a Requerente AM48, Lda., interpôs recurso de revista, formulando as seguintes Conclusões:

A. Por Acórdão, de 28 de fevereiro de 2023, o Tribunal a quo julgou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, nos termos do disposto no artigo 277.º, alínea e), do CPC, porquanto, conforme nele se pode ler, “uma vez paga voluntariamente pela executada a quantia reclamada na ação executiva em que o título era a sentença arbitral, e uma vez extinta aquela execução, não pode já, em coerência, questionar-se a validade dessa mesma sentença, tornando-se inútil o prosseguimento do presente processo” .

B. O Tribunal a quo, proferiu esta decisão apesar de reconhecer que a lei não prevê a existência de um pagamento condicional na ação executiva, o que significa que não podia haver reservas quanto à ação de anulação e, bem assim, que o direito à anulação de decisões arbitrais é irrenunciável.

C. De acordo com o Acórdão recorrido, a Recorrente AM48, ao invés de proceder ao pagamento voluntário na ação executiva, poderia ter prestado caução no incidente que corria por apenso ao processo de anulação, por meio de depósito em dinheiro, olvidando que a Recorrente tentou prestar caução através de garantia bancária durante 4 (quatro) meses.

D. Ora, é com esta decisão de extinção da instância por inutilidade superveniente da lide que a AM48, ora Recorrente, não se conforma e, por isso, a impugna no presente recurso, isto porque se afigura à ora Recorrente que o Tribunal a quo errou ao declarar o prosseguimento do presente processo inútil em face do pagamento da quantia exequenda.

E. Conforme acima referido, a ora Recorrente propôs, em26.08.2022, a presenteação especial de anulação de Sentença Arbitral proferida no âmbito do Processo Arbitral, que julgou parcialmente procedentes os pedidos da aqui Recorrida CARI e requereu a atribuição de efeito suspensivo da execução da sentença arbitral mediante a prestação de caução, o que fez, através de incidente, que correu termos como Apenso A, aos presentes estes autos principais.

Em 12.09.2022, a Requerente prestou caução, através da Garantia Bancária acima referida, autónoma e à primeira solicitação, emitida pelo BNI – Banco de Negócios Internacional (Europa), S.A., no valor de € 914.368,55.

F. A aqui Recorrente deu conhecimento à aqui Recorrida, da propositura da ação de anulação da Sentença Arbitral e de que prestou Garantia Bancária para assegurar os seus direitos, não tendo aquela posto em causa a respetiva idoneidade.

G. Apesar da referida informação e da disponibilidade demonstrada pela AM48 para discutir com a CARI os termos da garantia bancária a prestar, com vista a evitar delongas processuais desnecessárias, a Recorrida não só não respondeu como ainda moveu uma ação de execução contra a Recorrente, tendo em vista o pagamento do crédito titulado pela Sentença Arbitral.

H. Em 19.10.2022, a Recorrida impugnou a idoneidade da garantia apresentada nos autos pela aqui Recorrente.

I. Em 31.10.2022, a Exma. Senhora Juiz Desembargadora Relatora do Tribunal a quo proferiu Decisão Singular, nos termos da qual admitiu a requerida prestação de caução mediante a identificada garantia bancária autónoma e à primeira solicitação e ordenou, apenas, que a aqui Recorrente, alterasse alguns aspetos de redação da garantia bancária prestada, bem como o seu valor.

Em cumprimento da referida Decisão Singular, a Recorrente AM48, em 15.11.2022, requereu a junção de nova Garantia Bancária em substituição da anterior.

J. Contudo, em 17.11.2022, a Requerida, ora Recorrida CARI, apresentou Reclamação para a Conferência2 da Decisão Singular da Exma. Senhora Juíza Desembargadora Relatora, e, em 28.11.2022, veio pronunciar-se3 sobre a nova garantia bancária junta aos autos pela AM48, em 15.11.2022, “impugnando os respetivos termos e idoneidade por não cumprirem com o determinado na referida Decisão Sumária”.

K. Por Despacho, de 29.11.2022, a Exma. Senhora Desembargadora Relatora do Tribunal a quo, antes de se pronunciar sobre os mencionados requerimentos da AM48, de 15.11.2022, e da CARI, de 28.11.2022, ordenou que os autos aguardassem a prolação do Acórdão da Conferência do Tribunal a quo4, ou seja, atribuiu efeito suspensivo à reclamação apresentada pela Recorrida, quando tal efeito não resulta da lei.

L. Em 06.12.2022, a Conferência do Tribunal a quo proferiu Acórdão5, nos termos do qual julgou a Reclamação da ora Recorrida parcialmente procedente, tendo ordenado a ora Recorrente a substituir a caução prestada, no prazo de 20 dias.

M. Apesar de a Exma. Senhora Desembargadora Relatora a quo ter referido que se ia pronunciar sobre os requerimentos da AM48, de 15.11.2022 e da CARI, de 28.11.2022, na sequência da prolação do Acórdão da Conferência, tal não veio a acontecer, e, por essa razão, i.e., por ainda existirem questões que não estavam esclarecidas pelo Tribunal a quo, a Recorrente nem sequer tinha certezas quanto aos termos que teria de pedir ao Banco para incluir na nova garantia bancária a prestar.

N. Em qualquer caso, na sequência da apresentação de nova garantia bancária, e tal como tinha sido feito até ali pela Recorrida, sendo a garantia bancária aceite pela Exma. Juíza

O. Concomitantemente, naquela data, no âmbito da execução, a aqui Recorrida já havia bloqueado um enorme e valioso acervo de bens da Recorrente – depósitos bancários em montante correspondente a € 2.388.764,06 e 46 (de 47) frações do Edifício Promenade, cujo valor ascende aproximadamente a 60 milhões de euros - apesar da garantia prestada, o que estava a impedir a Recorrente de exercer a sua atividade, causando-lhe prejuízos incalculáveis.

P. Com efeito, em dezembro de 2022, a Requerente tinha o fundado receio de não sair nunca mais do imbróglio referente à atribuição do efeito suspensivo da execução da Sentença Arbitral.

Foi, pois, com base neste enquadramento factual e por estar totalmente desesperada com esta situação absolutamente insólita e injusta, e para evitar o colapso da empresa, que a ora Recorrente encetou contactos junto do Exmo. Senhor Agente de Execução para proceder ao pagamento da quantia exequenda e, com isso, extinguir a execução.

Q. O Tribunal a quo formulou a questão a decidir nos presentes autos da seguinte forma: “que efeitos produzirá na presente causa tal pagamento voluntário e se este, por corresponder ao cumprimento da sentença impugnada, determina ou não a inutilidade da lide do processo onde se discutia a respetiva validade à luz do disposto no artigo 46 da LAV”.

R. Porém, através desta enunciação logo se constata que o Tribunal a quo partiu de uma premissa errada e que invariavelmente inquina todo o seu raciocínio: a de que o pagamento voluntário efetuado na ação executiva, pela aqui Recorrente, correspondeu “ao cumprimento da sentença impugnada”.

Tal não foi o caso: com o pagamento efetuado na ação executiva, a aqui Recorrente não se pretendeu libertar da obrigação reconhecida na Sentença Arbitral (que, de resto, impugna através da presente ação de anulação),

Mas pelo contrário, pretendeu apenas e tão-só, através desse pagamento, proceder ao levantamento das penhoras realizadas no seu património que, conforme se referiu, estavam a estrangular a sua atividade.

S. Com esta interpretação o Tribunal a quo imputa à Recorrente uma vontade que ela não tem e nunca teve e, com isso, proferiu uma decisão que não tem um mínimo de correspondência quer no plano dos factos, quer no Direito.

T. Apesar de ter todos os dados para decidir a ação de anulação, e bem sabendo dos motivos que levaram a AM48 a pagar a dívida exequenda na ação executiva – em particular o estrangulamento da atividade da AM48, situação que foi transmitida através de inúmeros requerimentos apresentados nos autos – o Tribunal a quo veio proferir uma decisão e sufragar um entendimento que não encontra respaldo na lei.

U. Isto porque, e em primeiro lugar, o Tribunal a quo funda a sua decisão num Acórdão, também da Relação de Lisboa, de 2015, cujos contornos não são minimamente idênticos ao caso sub judice, pois naquele está-se perante uma decisão de um tribunal judicial da qual foi interposto recurso com efeito meramente devolutivo e não de uma ação de anulação de sentença arbitral.

V. Depois, porque não é correto – e para além do mais é irrelevante - afirmar que a Recorrente tinha outra alternativa, designadamente a de prestar caução através de depósito em dinheiro, pois, como se viu, apesar de ter apresentado uma garantia bancária para suspender a execução, volvidos mais de 4 meses, não houve qualquer decisão do Tribunal, em face dos mecanismos dilatórios utilizados pela Recorrida,

Que iriam, certamente, continuar, se a Recorrente se tivesse oferecido para apresentar caução por meio de depósito em dinheiro.

W. Por fim, atentas as especificidades da ação de anulação arbitral, os fundamentos de impugnação são irrenunciáveis pelas partes, donde o Tribunal a quo sempre teria de decidir os pedidos da AM48 que, aliás, nunca demonstrou de forma alguma deixar de ter interesse nessa decisão (pelo contrário).

X. Como é consabido, para que haja cumprimento válido, não basta a coincidência entre a prestação devida e a prestação efetuada pelo devedor, é também necessária a intenção de cumprir essa obrigação.

Y. Dos factos alegados nos presentes autos resulta evidente que não houve, através do pagamento efetuado na ação executiva, uma intenção liberatória da aqui Recorrente, nem tal pagamento pode ser interpretado enquanto tal.

Pelo contrário, resulta com mediana clareza dos factos, que a ora Recorrida só procedeu ao pagamento da quantia exequenda atenta a situação de desespero em que se encontrava.

Z. Com vista a apurar o sentido juridicamente relevante do referido comportamento da aqui Recorrente e das respetivas implicações, cumpre recorrer às regras de interpretação do negócio jurídico, constantes do Código Civil Português (artigos 236.º do Código Civil - “CC”).

À luz das diretrizes interpretativas constantes do CC, aplicáveis no caso em apreço, a interpretação da vontade da ora Recorrida com o pagamento da dívida exequenda, deve operar em conformidade com o artigo 236.º, n.º 1 e 2 do CC.

AA. Como ponto de partida, nos termos do artigo 236.º, n.º 1, do CC, “[a] declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante salvo se este não puder razoavelmente contar com ele”.

BB. Por seu turno, preceitua o artigo 236.º, n.º 2, do CC, que “[s]empre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida”.

CC. A aqui Recorrida conhecia a vontade real da Recorrente, i.e., a de exercer o seu direito de impugnação da Sentença Arbitral.

Primeiro, porque a Recorrente instaurou a presente ação de anulação da Sentença Arbitral.

Segundo, porque a Recorrente informou a Recorrida da instauração da mesma e da vontade de suspender a execução da Sentença Arbitral, mediante a prestação de caução através de garantia bancária autónoma e à primeira solicitação.

Terceiro, porque a Recorrente sempre se demonstrou disponível para discutir os termos da garantia bancária com a ora Recorrida, com vista a evitar delongas processuais desnecessárias.

E, finalmente, porque em momento algum a ora Recorrente manifestou a vontade de não prosseguir com a ação de anulação. Pelo contrário, tudo fez para que a mesma prosseguisse e para que os seus direitos fossem salvaguardados.

DD. Também o Tribunal a quo conhecia a vontade real da Recorrente e preferiu desconsiderá-la, em detrimento de uma interpretação desligada dos factos do caso concreto, em clara violação do disposto no artigo 236.º, n.º 2, do CC.

Como bem assinala o Acórdão a quo, a lei não prevê a existência de pagamento condicional na ação executiva, donde, satisfeito o pagamento da quantia exequenda e demais acréscimos, a extinção da execução torna-se inevitável.

Tal pagamento, ao invés do que decidiu o Tribunal a quo, não correspondeu ao cumprimento da sentença impugnada, mas teve antes como finalidade levantar as penhoras na ação executiva, que era a única solução viável para proteger a sua atividade e a sua subsistência, uma vez que, a solução conferida pela Lei, através do artigo 47.º, n.º 3 da LAV, lhe estava ser vedada.

EE. Apesar de enunciar a irrenunciabilidade do direito de impugnar sentenças arbitrais e, bem assim, de enunciar que a ação de anulação implica um juízo puramente cassatório, diverso do que sucede no caso de recurso, o Tribunal a quo faz tábua rasa dessas asserções e profere uma decisão errada.

FF. A nossa Lei prevê a anulação de sentença arbitral como um dos mecanismos de controlo da legalidade de decisões proferidas por tribunais arbitrais, por forma a garantir que foram respeitadas as regras mínimas do processo justo.

Caso a impugnação seja procedente, a sentença deixará de produzir efeitos, pelo que a controvérsia que une as partes continuará a não estar resolvida.

Da mera leitura dos fundamentos da ação de anulação dos presentes autos resulta claro que o pagamento do montante peticionado, em nada colide com a utilidade na obtenção de uma sentença no âmbito dos presentes autos, porquanto o fim pretendido com a demanda não foi alcançado.

GG. A revisão do CPC, de 2013, que introduziu a forma sumária à execução, esvaziou por completo o espírito da alteração da LAV (que previu a possibilidade de suspensão da execução da decisão arbitral, mediante a prestação de caução), na medida em que o legislador, por um lado, reforça a proteção do executado e, por outro, desprotege-o totalmente.

E, com isso, criou situações patológicas como a do caso vertente: nas quais, antes sequer de o Requerente da ação de anulação conseguir a suspensão da execução, mediante a prestação de caução na ação de anulação, já todo o seu património se encontrava penhorado no âmbito de uma execução movida pela Exequente.

Não foi, certamente, este o espírito e vontade do legislador.

HH. Foram estas circunstâncias de facto e de direito que o Tribunal a quo não teve em consideração ao prolatar a decisão recorrida e, assim, decidiu erradamente pela extinção da instância por alegada inutilidade superveniente da lide.

Assim, deve a decisão recorrida ser revogada e, em consequência, devem o processo ser devolvido ao Tribunal da Relação de Lisboa para os autos prosseguirem os seus termos ulteriores.

Nestes termos, e nos mais de Direito, deve o presente recurso de revista ser julgado procedente e, por conseguinte, deve o Acórdão recorrido ser revogado, baixando os autos ao Tribunal a quo para que a ação de anulação prossiga com seus termos ulteriores.”

12. Por seu turno, a Recorrida Cari Construtores, S.A., apresentou contra-alegações com as seguintes Conclusões:

Em 16.12.2022, AM48 procedeu voluntariamente ao pagamento da quantia exequenda e despesas, no total de € 1.166.330,25, pagando integralmente a quantia em que havia sido condenada pelo tribunal arbitral.

II. Em 16.12.2022, o agente de execução comunicou a extinção da instância à ali Executada, em 21.12.2022 transferiu a quantia exequenda para a Cari, notificando-a de que a quantia exequenda e despesas se encontravam integralmente pagas e em 04.01.2023 procedeu ao arquivamento do processo executivo.

III. O Tribunal a quo extinguiu a instância por inutilidade superveniente da lide por entender que o pagamento “traduz-se objetivamente, no reconhecimento da dívida exequenda”, “não prevendo a lei a existência de pagamento condicional na ação executiva, satisfeito o pagamento da quantia exequenda e demais acréscimos, a extinção da execução torna-se inevitável” e que a AM48 podia ter prestado caução meio de depósito de dinheiro, nos termos do art. 623, nº 1, do C.C.

IV. A Recorrente parte de premissas erradas: não só o Tribunal a quo não procurou interpretar a conduta da Recorrente imputando-lhe uma vontade que ela não teve, como in casu não importa apurar o sentido juridicamente relevante do comportamento da Recorrente, estando mesmo vedado o recurso regras da interpretação do negócio.

V. Assim é porque estamos perante um enunciado performativo: a realização dum ato ilocutório (um “dizer”) tem um determinado efeito (implicando um “fazer”) no domínio do direito quando se verifiquem as circunstâncias apropriadas segundo uma convenção ou regra que o determine (Carlos Ferreira de Almeida, ob cit).

VI. E in casu o pagamento feito pela AM48, no âmbito da ação executiva, teve, forçosamente, o duplo efeito jurídico de reconhecimento pela executada da dívida exequenda e de liquidação desta dívida, determinando a sua extinção, nos termos dos artigos 846º, nºs 1 e 2 do CPC (“pode o executado (…) fazer cessar a execução, pagando as custas e a dívida.”, “mediante entrega direta ou depósito”) e 849º, nº 1, alínea a) do CPC (a execução extingue-se “logo que e efetue o depósito da quantia liquidada, nos termos do artigo 847º”).

VII. Se quem figura como executado se dirige ao agente de execução dizendo-lhe que vem ‘pagar a dívida exequenda’ e entrega o respetivo montante, estamos perante um enunciado performativo, porque esse “dizer”, se acompanhado da entrega direta desse montante, implica um “fazer” que consistiu na extinção automática tanto da dívida exequenda ‒ que, por força daquele enunciado, foi implicitamente reconhecida pelo solvens ‒ como da execução nela baseada.

VIII. Está adquirido nos presentes autos (cf. a pág. 5 do douto acórdão sob recurso) que o pagamento “não obedeceu a qualquer reserva”, mas, ainda que, por hipótese, tal reserva tivesse sido declarada pela executada nessa ocasião, ela não teria tido a menor relevância jurídica porque as atribuições legais do agente de execução não comportam a possibilidade de ele “aceitar” ou de ‘dar relevo jurídico’ a eventuais qualificações, reservas ou condições a que um executado qualquer sujeite o pagamento.

IX. A competência do agente de execução, na ação executiva, consiste na prática de atos materiais de realização coativa da prestação devida ao exequente, que são os ‘atos executivos’ em sentido próprio, não cabendo (ou podendo) ao agente de execução ou, depois dele, ao juiz da execução indagar ou certificar-se de qual foi a intenção íntima da AM48 quando praticou esse ato.

X. No mesmo sentido do Acórdão recorrido e concordando integralmente com o tribunal a quo, decidiu também a Exma. Juíza Conselheira do Tribunal Constitucional nos autos de Reclamação n.º 1082/22, vindos do processo arbitral n.º 23/2019/AHC/AP, que ocasionou a presente ação de anulação, respeitantes a um recurso de constitucionalidade da AM48 que incidia sobre a Liquidação de Encargos da Arbitragem (cfr. decisão de 06/04/2023 junta supra): “estão já pagos voluntariamente os encargos que estiveram, no fundo, na origem desta reclamação, não podendo os mesmos ser agora reavidos pela reclamante, dado também que, por força desse pagamento incondicional (que apenas é imputável à executada e ora reclamante, que o efetuou sponte sua por esta forma), já se extinguiu definitivamente a execução em que se pretendeu obter o seu pagamento coercivo”.

XI. Ainda que assim não se entendesse ‒ o que se admite por cautela de patrocínio - a afirmação da Recorrente de que a intenção concreta de prestar é necessariamente condição de eficácia do cumprimento não tem qualquer respaldo legal, bastando atentar nas duas disposições que presidem à definição do cumprimento liberatório: os artigos 406.º, n.º 1, e 762.º, n.º 1, do CC.

XII. Os requisitos legais do cumprimento da obrigação e consequente efeito liberatório são, em regra, apenas dois: (i) quem presta ser devedor de determinada obrigação, e (ii) a prestação realizada corresponder à prestação devida pelo devedor.

XIII. Pois bem: o título da obrigação de pagamento apenas condena ao pagamento, nada exigindo quanto à disposição íntima da Recorrente nem tão-pouco uma eventual exceção à eficácia liberatória do pagamento, caso este fosse feito com reserva mental.

XIV. Uma vez que a Recorrente cumpriu o que devia e, cumprindo, não enunciou uma ressalva ou reserva concludente, a sua conduta não poderia deixar de consubstanciar o cumprimento da obrigação em questão.

XV.O regime do artigo 236.º do CC não se aplica per se a qualquer ato jurídico, mas apenas diretamente às declarações negociais - conceito em que não cabe o ato de pagamento de certo montante - e potencialmente aos demais atos jurídicos, por remissão do artigo 295.º do CC, mas apenas quando procedam as razões justificativas do regime, o que não se verifica nem foi demonstrado pela Recorrente.

XVI. É falsa a alegação da Recorrente, para suspender a execução da sentença arbitral, não tivesse alternativa ao pagamento: podia ter prestado garantia bancária nos termos deferidos pelo Tribunal e que são os que resultam da lei e podia, como assinalou o Tribunal a quo, ter prestação caução por meio de depósito de dinheiro (no mesmo valor), nos termos do 623º, nº 1, do CC. A Recorrente, podendo fazê-lo, não o fez e escolheu antes, por razões que só a si respeitam, pagar a dívida exequenda. Sibi imputet!

XVII. Muito embora seja absolutamente irrelevante para o objeto do recurso, a CARI rejeita frontalmente todas as acusações que lhe são dirigidas pela AM48: a CARI não adotou qualquer comportamento dilatório, limitando-se a invocar que a garantia prestada pela AM48 não cumpria os requisitos legalmente estabelecidos, o que foi reconhecido nas decisões proferidas pelo Tribunal a quo (Decisão singular de 31.10.2022 e Acórdão de 06.12.2022).

XVIII.O que a ora Recorrente alega sobre o excesso de penhora dos seus bens não tem a menor pertinência para a apreciação do objeto do recurso. Em qualquer caso, importa ter presente que (i) a jurisprudência e a doutrina têm entendido que não basta a existência da penhora para que a execução deixe de prosseguir, sendo necessária a prestação de caução (ii) a quase totalidade dos bens penhorados se encontrava já, à data da penhora, onerada com garantias anteriores; (iii) a Recorrente tinha meios adequados para reagir a qualquer suposto excesso de penhora.

II - Questões a decidir

Atendendo às conclusões do recurso, que, segundo os arts. 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, do CPC, delimitam o seu objeto, e não podendo o Supremo Tribunal de Justiça conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser em situações excecionais de conhecimento oficioso, estão em causa as questões de saber se a conduta adotada pela Executada/Requerente/Recorrente no âmbito da ação executiva intentada pela Exequente/Requerida/Recorrida se traduz ou não no cumprimento da obrigação pecuniária a que foi condenada na sentença arbitral, ou no reconhecimento da dívida daquela perante esta, de um lado e, de outro, se esse comportamento determina ou não a inutilidade da lide do processo em que se discute a (in)validade dessa sentença à luz do disposto no art. 46.º da Lei da Arbitragem Voluntária (doravante LAV), aprovada pela Lei n.º 63/2011, de 14 de dezembro.

III - Fundamentação

A. De Facto

Relevam os factos mencionados supra.

B. De Direito

(In)admissibilidade do recurso de revista

1. A presente ação de anulação de decisão arbitral foi proposta ao abrigo do art. 46.º da LAV, sendo competente para o efeito o Tribunal da Relação em cujo distrito se situe o lugar da arbitragem (art. 59.º, n.º 1, da LAV), ou seja, no caso dos autos, o Tribunal da Relação de Lisboa.

2. Segundo art. 59.º, n.º 8, da LAV, “Salvo quando na presente lei se preceitue que a decisão do tribunal estadual competente é insusceptível de recurso, das decisões proferidas pelos tribunais referidos nos números anteriores deste artigo, de acordo com o que neles se dispõe, cabe recurso para o tribunal ou tribunais hierarquicamente superiores, sempre que tal recurso seja admissível segundo as normas aplicáveis à recorribilidade das decisões em causa.”

3. Sendo o Supremo Tribunal de Justiça o Tribunal hierarquicamente superior ao Tribunal da Relação que proferiu a decisão, é admissível o recurso de revista nos termos do art. 671.º, n.º 1, do CPC, uma vez que a decisão recorrida pôs termo ao processo, absolvendo a Ré da instância.

4. Assim tem entendido a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça. Com efeito, a “norma constante do n.º 1 do art. 671.º do CPC não deve interpretar-se no sentido de pretender excluir cabalmente o exercício do duplo grau de jurisdição nas causas em que a Relação haja excepcionalmente actuado, não como tribunal de recurso, mas como órgão jurisdicional que, em 1.ª instância, apreciou o objecto do litígio – como ocorre com as acções de anulação de sentença arbitral, necessariamente iniciadas perante esse tribunal.”6.

5. Não se descortina “numa interpretação funcionalmente adequada do sistema de recursos que nos rege, razão bastante para excluir o normal exercício pelo STJ do duplo grau de jurisdição sobre decisões finais proferidas pela Relação, em acções ou procedimentos que, nos termos da lei, se devam obrigatoriamente iniciar perante elas”7, o que também sucede, inter alia, claramente nas ações de anulação de sentença arbitral.

6. Assim, in casu, tendo a Recorrente legitimidade para recorrer, sendo o recurso tempestivo e encontrando-se paga a taxa de justiça devida, não se verifica qualquer obstáculo à admissibilidade do recurso de revista.

Se o comportamento da Recorrente no âmbito da ação executiva intentada pela Recorrida se traduz no cumprimento da obrigação pecuniária a que foi condenada na sentença arbitral

1. A Recorrente AM48, Lda., instaurou o presente processo contra Cari Construtores, S.A., pedindo a anulação da sentença arbitral proferida a 29 de junho de 2022 no âmbito de processo arbitral que opôs ambas as partes (tendo corrido termos, com o n.º 23/2019/AHC/AP, junto do Centro de Arbitragem Comercial da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa), que a condenou no pagamento da quantia nela indicada. Essa sentença foi retificada por despacho de 27 de agosto de 20228. No mesmo articulado inicial, requereu que fosse atribuído efeito suspensivo à da execução da sentença da sentença arbitral, mediante a prestação de caução.

2. Por sua vez, em setembro de 2022, foi deduzido incidente de prestação de caução por apenso, ao abrigo do disposto no art. 47.º, n.º 3, da LAV, na sequência do despacho de 16 de setembro de 2022 proferido nestes autos.

3. Conforme resulta da documentação junta, e é aceite por ambas as partes, a quantia reclamada no processo de execução da referida sentença arbitral, entretanto instaurado pela Cari Construtores, S.A., foi integralmente paga pela Requerente AM48, Lda.. Consequentemente, esta ação executiva foi declarada extinta, a 4 de janeiro de 2023, por decisão do agente de execução.

4. A questão que agora se coloca é, pois, a de saber se esse pagamento corresponde ou não ao cumprimento da sentença impugnada, e se determina ou não a inutilidade da lide do processo em que se discute a validade dessa sentença à luz do disposto no art. 46.º da LAV9.

5. Não restam dúvidas sobre a idoneidade da sentença arbitral para servir de base à execução, mesmo quando impugnada mediante pedido de anulação, dispondo o devedor da possibilidade de obter a suspensão da execução mediante a prestação de caução (art. 47.º, n.os 3 e 4, da LAV).

6. A propósito da execução de sentença arbitral, “(…) o artigo 47º nºs 3 e 4 da LAV/2011 admite que uma sentença arbitral possa ser executada ainda que haja sido impugnada mediante pedido de anulação apresentado de acordo com o artigo 46º LAV/2011.

Essa impugnação tem efeito meramente devolutivo, mas o impugnante – in casu, o devedor – pode requerer que ela «tenha efeito suspensivo da execução», oferecendo-se para prestar caução no prazo fixado pelo tribunal. Aplica-se neste caso o disposto no nº 3 do artigo 733º e, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 648º e 650º.

Manifestamente, também, este regime do artigo 47º nºs 3 e 4 da LAV/2011 equivale, não ao do artigo 647º nº 4, mas ao do artigo 704º nº 5 segunda parte: o que se suspende é a execução e não o efeito condenatório da sentença arbitral. Por isso, antes da instauração da execução nada haverá a suspender.

Se não for obtida a suspensão da execução, podem ter lugar atos executivos baseados em título que poderá vir a ser revogado, se for procedente a anulação da sentença arbitral. Por isso, são de aplicar as normas de proteção ao devedor que estão vertidas nos nºs 3 e 4 do artigo 704º.”10.

7. Por conseguinte, tal como numa decisão pendente de recurso, sendo dada em execução sentença arbitral impugnada nos termos do art. 46.º da LAV, ainda que a ação executiva siga os seus trâmites normais, o exequente, ou qualquer outro credor, não pode ser pago sem prestar caução (art. 704.º, n.º 3, do CPC).

8. Isto é, tal como sucede em execução de sentença pendente de recurso com efeito devolutivo, também a execução de sentença arbitral sujeita a impugnação mediante ação de anulação apenas se extingue com a procedência desta ação, não havendo, entretanto, lugar ao pagamento ao exequente.

9. No caso sub judice, a Recorrente AM48, Lda., pagou a quantia exequenda e demais acréscimos pecuniários, pondo termo à execução que, consequentemente, foi declarada extinta.

10. Com efeito, não prevendo a lei a existência de pagamento condicional na ação executiva, uma vez efetuado o pagamento da quantia exequenda e demais acréscimos, a extinção da execução torna-se inevitável11.

a) Natureza jurídica do cumprimento

1. A natureza jurídica do cumprimento é objeto de querela doutrinal12.

2. Com efeito, o cumprimento é entendido quer como facto jurídico em sentido estrito (v.g., o cumprimento de obrigações de non facere), quer como ato jurídico não negocial (hipótese mais frequente), quer como negócio jurídico (quando a obrigação tenha por conteúdo a prestação de consenso).

3. Para outros, não pode falar-se do cumprimento como entidade (de facto) suscetível de qualificação jurídica, devendo antes referir-se as diferentes atividades correspondentes à atuação de um esquema operativo programado na obrigação: essas atividades seriam as mais diversas e teriam a sua qualificação jurídica autónoma: factos jurídicos, atos jurídicos ou negócios jurídicos.

4. Pode dizer-se que a tese do cumprimento como puro facto jurídico conduz a um esvaziamento excessivo da posição do solvens, preferindo-se uma conceção do cumprimento que permita alguma tutela deste perante a prática de atos abusivos por parte do credor.

5. Por seu turno, a tese do cumprimento como ato jurídico em sentido estrito pressupõe, em ordem à extinção da obrigação, um modo de conduta dirigido pela vontade, ainda que este não condicione os respetivos efeitos jurídicos. O efeito extintivo da obrigação constitui uma consequência ex lege do ato de cumprimento voluntário, porquanto a ordem jurídica atribui aos atos jurídicos em sentido estrito os respetivos efeitos independentemente de estes serem ou não queridos pelo sujeito. Se, de um lado, a lei confere relevância à vontade do comportamento, considera, de outro lado, irrelevante a vontade dos efeitos.

6. Conforme a tese do negócio jurídico unilateral, o cumprimento funda-se no animus solvendi do devedor, resultando a extinção da obrigação de um negócio jurídico unilateral do solvensi.e., de uma exteriorização de vontade deste dirigida à produção do efeito jurídico do cumprimento, efeito esse modelado de acordo com a vontade manifestada.

7. Para a tese do contrato, o cumprimento exige tanto a oferta como a aceitação da prestação “como cumprimento”. Consequentemente, a eficácia jurídica do cumprimento depende de uma factispecies complexiva, em que se inclui a realização efetiva da prestação e um contrato de cumprimento destinado a produzir esse efeito.

8. Por sua vez, a tese limitada do contrato refere que o cumprimento se consubstancia num contrato apenas nas hipóteses em que esteja em causa um ato jurídico-negocial de prestação.

9. De seguida, a tese do contrato real requer um entendimento ou acordo das partes sobre o fim da prestação.

10. Já para a tese da realização finalística da prestação, o cumprimento não exige a celebração de qualquer contrato ou acordo das partes sobre o fim da prestação, mas apenas a definição unilateral pelo solvens desse fim. A função desta definição do fim da prestação consiste apenas em relacionar a prestação com determinada dívida, e não em estabelecer o cumprimento como consequência jurídica. Deste modo, não poderia dizer-se estar em causa um negócio jurídico, mas apenas um simples ato jurídico. Exigir-se-ia, em qualquer caso, uma declaração do solvens.

11. Depois, segundo a tese da realização real da prestação, o cumprimento basta-se com a obtenção do resultado da prestação através do ato de prestar do devedor (de seu auxiliar, ou mesmo de terceiro – para a tese que qualifica a prestação de terceiro como cumprimento) que, de forma objetivamente reconhecível, corresponda à prestação devida. Para parte da doutrina pátria, esta tese encontra-se expressamente consagrada no art. 762.º, n.º 1, do CC, que identifica o cumprimento como a mera realização real da prestação, não exigindo a emissão de uma declaração negocial, ou sequer uma atuação finalisticamente orientada13.

12. Pode, contudo, preconizar-se uma tese intermédia, dotada de maior elasticidade ou plasticidade, que leve em devida linha de conta as diversas modalidades que o cumprimento pode assumir, sem excluir em via de princípio que a estrutura do cumprimento possa coincidir com aquela do negócio quando do ato derive, e enquanto seja querida pelo devedor, uma mutação da realidade jurídica traduzida na constituição, modificação ou extinção de uma particular situação jurídica. Com efeito, considerada a variabilidade da prestação do devedor, o aspeto que essencialmente caracteriza e distingue o cumprimento – i.e., a atividade material, o ato jurídico ou o negócio jurídico, unilateral ou bilateral, praticados como atuação de uma obrigação - é a sua causa, ou seja, a pré-existência da obrigação (causa solvendi).

13. Sustenta-se, pois, recentemente, uma espécie de polimorfismo do cumprimento que, além dos diversos modos de realização da prestação devida, apresenta um núcleo estrutural fixo que sempre o caracteriza nos diferentes modos que o podem manifestar. Esse núcleo identifica-se nos traços próprios do ato jurídico em sentido estrito, cuja presença é constante, qualquer que seja o modo de expressão da atuação da obrigação. Daqui decorre que a disciplina dos vícios da vontade (do negócio jurídico) poderá apenas aplicar-se quando a atuação da relação obrigacional adquira a forma de negócio jurídico (unilateral ou bilateral). Refere-se a presença de uma causa solvendi como núcleo mínimo essencial do cumprimento, sem excluir, todavia, que o comportamento do obrigado possa consistir na conclusão de um verdadeiro e próprio negócio jurídico.

14. Porquanto no nosso ordenamento jurídicos não são admitidas prestações abstratas, é necessária a presença de uma causa solvendi para justificar o cumprimento, traduzindo-se essa causa na existência de uma obrigação. Na ausência de causa solvendi, ao devedor que realiza a prestação é consentido lançar mão do instituto do enriquecimento sem causa.

15. O pagamento de uma dívida, efetuado voluntariamente pelo solvens, mas não espontaneamente (v.g., porque foi vítima de ameaça por parte do credor), pode ser considerado como privado de causa debendi e a atribuição patrimonial (pagamento/cumprimento) derivada do contrato (relação obrigacional) encontra neste a sua justificação.

16. No caso sub judice, a prévia propositura da ação de anulação da sentença arbitral por parte da Recorrente AM48, Lda., a comunicação prévia dessa intenção à Recorrida Cari Construtores, S.A., e a não desistência dessa ação, por aquela, antes, aquando ou depois da realização do pagamento da quantia exequenda ilustram claramente a falta de vontade do cumprimento e da extinção da obrigação que lhe é imputada.

17. A realização da prestação pela Recorrente AM48, Lda., não chega, só por si, para alcançar a consequência do cumprimento, pois que se deve atender às circunstâncias que concretamente rodearam esse pagamento, que não permitem relacioná-lo com a obrigação. Na verdade, havendo dúvidas sobre a correspondência entre a atribuição patrimonial efetuada pela Recorrente e a obrigação, não pode adotar-se sem mais a tese da realização material da prestação, tornando-se, pois, necessária, a determinação do respetivo fim. Nestes casos será de acolher a tese da realização finalística da prestação que, de resto, respeita a autonomia privada do devedor. Se este não quiser, mediante a atribuição patrimonial, cumprir uma obrigação, mas antes prosseguir outro fim, deve esclarecê-lo, expressa ou tacitamente. Retira-se, assim, à prestação realizada o caráter de cumprimento e o efeito do cumprimento não se produz.

18. A autonomia privada impõe a necessidade de se atender a uma determinação negativa de cumprimento: o afastamento do caráter de cumprimento da atribuição patrimonial. A Recorrida pretende atribuir à conduta da Recorrente um efeito que não está inequivocamente contido no sentido dessa conduta. Além disso, o credor não pode partir do princípio de que um tal comportamento da Recorrente representa uma renúncia ao direito de requerer a anulação da sentença arbitral. Pode equacioná-la, mas nada obriga a que seja assim. O declaratário normal, colocado na posição do delaratário real, não retira, necessariamente, essa consequência do comportamento da Recorrente: a renúncia ao direito de impugnar a sentença arbitral. Há, pois, que atender à vontade real ou presumida do devedor.

19. A Recorrente pagou a quantia exequenda para evitar consequências indesejáveis na sua esfera de atividade empresarial e não para solver uma divida perante a Recorrida. Acresce que não há nada que indique, de forma inequívoca, que esse pagamento foi feito sem reserva, porquanto a Recorrente não desistiu da ação de anulação da sentença arbitral antes, ao mesmo tempo ou depois da realização do pagamento. Nem tão pouco houve contactos prévios entre as partes no sentido dessa desistência. Por isso, se porventura a anulação da sentença arbitral vier a ser decretada, a causa do pagamento da quantia exequenda deixa de existir14.

b) Interpretação do comportamento da Recorrente

1. O art. 295.º do CC manda aplicar as regras disciplinadoras dos negócios jurídicos aos simples atos jurídicos na medida em que a analogia das situações o justifique.

2. A analogia consiste na aplicação de uma norma a um caso carecido de regulamentação e relativamente ao qual procedam as razões justificativas da disciplina da hipótese legalmente prevista. Na verdade, “dois casos dizem-se análogos quando neles se verifique u conflito de interesses paralelo, isomorfo ou semelhante – de modo a que o critério valorativo adoptado pelo legislador para compor esse conflito de interesses num dos casos seja por igual ou maioria de razão aplicável ao outro (cf. o n.º 2 do art. 10.º)15.Compete ao intérprete ponderar as razões justificativas da necessidade de regulamentação do caso omisso (interpretação de um simples ato jurídico) e verificar se essas razões são assimiláveis àquelas que justificam a regulamentação do caso previsto na lei (as regras de interpretação consagradas nos arts. 236.º e ss do CC). Se coincidirem, o intérprete pode aplicar a(s) norma(s), por analogia. A disciplina plasmada nos arts. 236.º e ss do CC visa a prevalência dos interesses de um dos intervenientes na perfeição da declaração negocial (o declaratário) e a proteção da autonomia privada do declarante, quando a confiança do declaratário não esteja em causa16. In casu, pode afirmar-se a necessidade de proteção da autonomia privada da Recorrente sem que se ofenda a confiança da Recorrida.

3. Acresce que a determinação do sentido juridicamente relevante da conduta dos sujeitos tem lugar com base na declaração negocial: as normas aplicam-se tendencialmente a todos os negócios jurídicos, mesmo quando a liberdade de estipulação é reduzida e, por via do preceito do art. 295.º do CC, a todos os atos jurídicos não negociais, ainda que estes, apesar de serem também atos voluntários, não se dirijam, diferentemente daqueloutros, à produção de efeitos jurídicos.

4. Apesar de não reconhecer a dívida, a Recorrente realizou o pagamento. Prestou, mas como que se reservou tacitamente a possibilidade de obter a respetiva restituição. Assim, nas circunstâncias do caso concreto, a Recorrida não podia presumir a existência de uma vontade da Recorrente de cumprimento da dívida a que fora condenada pelo Tribunal arbitral. Prevalece aqui a autonomia privada do devedor, que mantém o direito à restituição no caso de anulação da sentença arbitral.

5. O sentido do comportamento Recorrente determina os respetivos efeitos jurídicos.

6. A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem entendido reiteradamente que, no âmbito da interpretação das declarações negociais, se encontra vedado a este Tribunal o apuramento da vontade real das partes por se tratar de matéria de facto, da exclusiva competência das Instâncias. Compete-lhe apenas proceder à interpretação das declarações negociais quando o respetivo sentido deva ser determinado de acordo com os critérios previstos no art. 236.º, n.º 1, do CC, ou quando importe estabelecer se foi ou não respeitado o regime consagrado no art. 238.º do CC17.

7. Constitui, inter alia, matéria de Direito a definição do modelo do declaratário normal, o apuramento do sentido que um declaratário normal retiraria do comportamento do declarante quando colocado na posição do declaratário real, o juízo sobre o que o declarante pode (ou não) razoavelmente esperar que venha a ser o sentido do seu comportamento, assim como a determinação do sentido menos gravoso para o disponente18.

8. Aliás, num ordenamento jurídico de pendor tendencialmente objetivista, a interpretação será considerada, essencialmente, uma questão de Direito. Correspondendo o sentido da declaração ao sentido suscetível de ser apreendido por um declaratário normal, pode dizer-se que, efetivamente, uma grande parte da interpretação é matéria de Direito19.

9. O declaratário normal, colocado na posição do declaratário real, terá em consideração o contexto negocial da conduta do declarante, o seu enquadramento, não a olhando de forma estanque ou isolada.

10. Efetivamente, a ponderação do pagamento da quantia exequenda efetuado pela Recorrente não pode ser desacompanhada do restante comportamento adotado pela mesma, nem tão pouco das circunstâncias que o rodearam.

11. Estas circunstâncias não podem deixar de relevar na interpretação do ato de pagamento da quantia exequenda praticado pela Recorrente. É que não está apenas em causa esse ato, pois este foi antecedido de uma comunicação da intenção da Recorrente de requerer a anulação da sentença arbitral e seguido da prática de atos que demonstram esse mesmo propósito, como a propositura da respetiva ação judicial.

12. A interpretação desse ato de pagamento, contrariamente ao que a Recorrida pretende, não pode, pois, ser feita atendendo, de forma isolada, separada, apartada, estanque ou estagnada, apenas a esse ato. A teoria da impressão do destinatário, de cariz objetivista, acolhida no art. 236.º, n.º 1, do CC, que visa também tutelar a confiança daquele a quem a declaração se destina, segundo a qual a declaração vale com o sentido que um declaratário normal, medianamente instruído, sagaz e diligente, colocado na posição do declaratário concreto, a entenderia. De acordo com essa norma, o sentido decisivo da declaração negocial é aquele que seria apreendido por um declaratário normal, ou seja, um declaratário medianamente instruído e diligente, colocado na posição do declaratário real, perante o comportamento do declarante. Ressalvam-se apenas os casos de não poder ser imputado ao declarante, razoavelmente, aquele sentido (n.º 1), ou o de o declaratário conhecer a vontade real do declarante (n.º 2). Pretende-se proteger o declaratário, conferindo à declaração o sentido que seria razoável presumir atendendo ao comportamento do declarante, e não o sentido que este lhe quis efetivamente atribuir. A normalidade do declaratário, que a lei toma como padrão, exprime-se não só na capacidade para entender o texto ou conteúdo da declaração, mas também na diligência para recolher todos os elementos que, coadjuvando a declaração, auxiliem a descoberta da vontade real do declarante. O declaratário normal deve, pois, ser uma pessoa dotada de razoabilidade, sagacidade, conhecimento e diligência medianos, considerando as circunstâncias que ela teria conhecido e o modo como teria raciocinado a partir delas, mas colocando-a na posição do destinatário real, isto é, levando igualmente em devida linha de conta as circunstâncias que este conheceu concretamente e o modo como esse concreto declaratário poderia, a partir delas, apreender um sentido declarativo. Assim, a interpretação das declarações negociais não se dirige, salvo no caso do art. 236.º, n.º 2, do CC, a fixar um facto simples – o sentido que o declarante quis imprimir à sua declaração –, mas antes o sentido normativo da declaração.

13. Considerando as circunstâncias do caso concreto, pode dizer-se que a Recorrida não poderia entender o ato de pagamento da quantia exequenda praticado pela Recorrente como o cumprimento de uma obrigação pecuniária cuja existência reconhece e extingue e, assim, tornando inútil a presente lide.

14. Por outro lado, o art. 237.º do CC consagra um critério de resolução de dúvidas na fixação do sentido juridicamente relevante das declarações negociais, i.e., um critério que se deve usar em caso de dúvida. Estabelece um critério que esclarece definitivamente a dúvida subsistente depois da utilização dos critérios consagrados no art. 236.º do mesmo corpo de normas (sentido que um declaratário normal retire do comportamento do declarante e sentido correspondente à vontade real do declarante): i.e., quando, após o recurso ao art. 236.º, n.º 1, do CC, subsistem dúvidas sobre o sentido que há-de ser atribuído ao comportamento do declarante20.

15. Trata-se igualmente de determinar a vontade real, a intenção significativa do declarante subjacente ao seu comportamento, com base na consideração de todos os elementos de interpretação do seu comportamento. Atendendo ao carácter finalista do agir humano, a ponderação de todos estes elementos revela, necessariamente, a vontade real do declarante. Está em causa a vontade juridicamente relevante da Recorrente.

16. Uma vez que não está em causa a confiança da Recorrida, protege-se a autonomia privada da Recorrente.

17. O art. 237.º do CC tem em vista esclarecer as dúvidas do intérprete: em caso de dúvida, o intérprete deve optar pela solução que se apresentar como a menos gravosa para o disponente21.

c) Do reconhecimento ou não da dívida pela Recorrente

1. Por seu turno, de acordo com alguma doutrina, o reconhecimento de dívida consubstancia-se num negócio jurídico unilateral22 que, no caso em apreço, não parece haver sido celebrado pela Recorrente. Aliás, ainda que a dívida houvesse sido por si reconhecida, a Recorrente poderia alegar e provar a inexistência da relação fundamental. Uma fez feita essa prova, não existe qualquer obrigação, não podendo a Recorrida valer-se desse reconhecimento23. Acresce que o alegado reconhecimento de dívida não observou a forma escrita prevista no art. 458.º, n.º 2, do CC.

2. Não pode, pois, dizer-se que a conduta da Recorrente se traduz, objetivamente, no reconhecimento da dívida exequenda, como refere a Recorrida Cari Construtores, S.A..

3. O reconhecimento da dívida pode, pois, ser considerado como um ato unilateral recetício de caráter negocial e conteúdo patrimonial, mediante o qual o sujeito reconhece ser devedor perante outro sujeito em relação a determinada quantia. Não é um ato constitutivo de outra relação obrigacional, sendo antes uma mera abstração processual da causa debendi. Trata-se, pois, nesta perspetiva, de um ato negocial com conteúdo patrimonial mediante o qual é possível verificar a efetiva existência de uma dívida reconhecida pela parte que é chamada a saldá-la. O devedor confirma a existência da sua obrigação, libertando o credor do ónus de provar a relação fundamental. A sua existência presume-se até prova do contrário.

4. Para outros, o reconhecimento de dívida não se reveste de caráter negocial, constituindo antes um ato jurídico em sentido estrito não recetício, que não pressupõe uma específica intenção cognitiva, inculcando apenas, implicitamente, a manifestação da consciência da existência do débito e revelando o caráter da voluntariedade, podendo concretizar-se num comportamento objetivamente incompatível com a vontade de desconhecer a pretensão do credor.

5. Pode dizer-se que depende sempre de uma relação fundamental ou subjacente e não pode constituir uma fonte autónoma de obrigações, gerando uma presunção juris tantum da existência da dívida com inversão do ónus da prova.

6. Se bem que o reconhecimento da dívida tenha efeito confirmativo da obrigação existente na esfera do devedor, dispensando o credor do ónus da prova da obrigação, que se presume existir até prova do contrário, no plano substantivo não se pode prescindir da existência ou da validade da relação entre devedor e credor. Como não constitui fonte autónoma de obrigações, não pode prescindir-se da existência ou da validade da relação creditícia, sendo a inexistência ou a invalidade desta suscetível de ser demonstrada e, consequentemente, de se repercutir na obrigação objeto de reconhecimento que, portanto, não se afigura idónea para fazer valer a pretensão creditícia. É que, nessa hipótese, o reconhecimento perde o seu caráter vinculativo.

7. A não desistência da ação de anulação da sentença arbitral – antes, em simultâneo ou depois da realização do pagamento da quantia exequenda - demonstra que a Recorrente não reconheceu a dívida, apesar da realização da prestação. Se a sentença arbitral vier a ser anulada, impõe-se concluir que a prestação não tinha causa. Pagou, mas como que tacitamente reservou a possibilidade de obter a respetiva restituição. Nesta sede, prevalece a autonomia privada do devedor.

d) Da renúncia ou não ao direito de requerer a anulação da sentença arbitral

1. Não se pode presumir a renúncia a um direito: in casu, ao direito de requerer a anulação da sentença arbitral.

2. Tornar voluntária e supervenientemente inútil a lide como que se equipararia a uma desistência da ação sem qualquer contrapartida. Tal não é uma consequência necessária da conduta da Recorrente, i.e., do pagamento por si efetuado da quantia exequenda.

3. Conforme mencionado supra, de acordo com o art. 237.º do CC, em caso de dúvida sobre o sentido ou significado da conduta, não se pode presumir essa renúncia.

e) Da prestação de caução

1. De acordo com o art. 623.º, n.º 1, do CC, no caso de alguém ser legalmente obrigado ou autorizado a prestar caução, se não houver determinação da modalidade que esta garantia deva revestir, a mesma pode ser prestada por meio de depósito em dinheiro, títulos de crédito, pedras ou metais preciosos, por penhor, hipoteca ou fiança bancária. Este preceito visa justamente determinar como a caução pode ser prestada quando a lei nada estabelecer a esse respeito.

2. A escolha do modo de prestar caução cabe ao obrigado. Basta-lhe prestá-la, não se afigurando necessário declarar a sua escolha ao credor.

3. Pode afirmar-se que está em causa uma garantia de caráter híbrido, porquanto, não sendo, em abstrato, pessoal ou real, pode, no caso concreto, o seu conteúdo ser moldado ou enformado por qualquer delas.

4. Ao abrigo do art. 623.º, n.º 2, do CC, a doutrina e a jurisprudência têm admitido outras modalidades de caução como a garantia autónoma.

5. Não pode, por conseguinte, dizer-se que a Recorrente não haja prestado caução, pois fê-lo justamente na modalidade de garantia bancária autónoma à primeira solicitação. Apenas não o fez por meio de depósito em dinheiro e não tinha que o fazer, porquanto, conforme mencionado supra, compete ao obrigado escolher o modo pelo qual pretende prestar caução.

6. Na garantia autónoma, a dissociação da relação de garantia perante a relação principal, autonomizando-a, permite obter a vantagem de segurança oferecida pela prestação de caução por meio de depósito em dinheiro, mas sem o grave inconveniente da imobilização monetária, assim como consente proteger o credor não só contra o risco do incumprimento, mas ainda contra riscos atípicos.

7. Compreende-se o comportamento da Recorrente atendendo a que volvidos aproximadamente quatro meses sobre a propositura da ação executiva pela Recorrida, com a penhora de muitos bens e de elevado valor, ainda não lograra suspender essa ação. Sentia-se economicamente asfixiada para a prossecução da sua atividade empresarial.

Da inutilidade superveniente ou não da lide

1. A impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide verifica-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objeto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da providência pretendida. Num e noutro caso, a solução do litígio deixa de interessar – além, por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por ele já ter sido atingido por outro meio24.

2. In casu, não desapareceram os sujeitos nem o objeto do processo. Também não se verificou a satisfação do interesse da Autora fora da ação de anulação da sentença arbitral,

3. Assim, o pagamento da quantia exequenda efetuado pela Recorrente não torna inútil a presente lide, em que se discute a (in)validade da sentença arbitral, pois que, no caso de ser decretada a sua anulação, desaparece a respetiva causa.

4. Por conseguinte, não pode falar-se do desaparecimento da utilidade decorrente da ação de anulação da sentença arbitral, não estando apenas em causa um mero interesse moral da Recorrente suscetível de, no limite, coincidir com o respeito por um sentimento de justiça.

IV – Decisão

Nos termos expostos, acorda-se em julgar procedente o recurso interposto por AM38, Lda., revogando-se o acórdão recorrido e, consequentemente, devendo os autos baixar ao Tribunal da Relação de Lisboa em ordem ao prosseguimento da ação de anulação da sentença arbitral.

Custas pela Recorrida.

Notifique.

Lisboa, 31 de Outubro de 2023


Maria João Vaz Tomé (Relatora)

Jorge Leal

Manuel Aguiar Pereira

_____________________________________________


1. Apoia-se, para o efeito, no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 17 de março de.2015 (Manuel Marques), Proc. 5681/10.4TBSXL.L1-1 - disponível para consulta in www.dgsi.pt.↩︎

2. cfr. Requerimento da CARI, a fls., com ref.ª citius 606280, no apenso do incidente de prestação de caução.↩︎

3. cfr. Requerimento da CARI, a fls., com ref.ª citius 607845, no apenso do incidente de prestação de caução.↩︎

4. cfr. Despacho, a fls. com ref.ª citius 19292932, no apenso do incidente de prestação de caução.↩︎

5. cfr. Acórdão, a fls. com ref.ª citius 19309720, no apenso do incidente de prestação de caução. Relatora Desembargadora, esta poderia sempre lançar mão da reclamação para a conferência e de recurso do acórdão que viesse a ser proferido.

Tudo isto num carrossel alucinante e interminável em que a Recorrida enredou a Recorrente, levando-a a um estado de desespero e de insegurança, sem alcançar o termo de tal carrossel.↩︎

6. Cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de novembro de 2016 (Lopes do Rego), proc. n.º 1052/14.1TBBCL.P1.S1 – disponível para consulta in www.dgsi.pt.↩︎

7. Cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de novembro de 2016 (Lopes do Rego), proc. n.º 1052/14.1TBBCL.P1.S1 – disponível para consulta in www.dgsi.pt.↩︎

8. A Requerente AM48, Lda., foi, na sentença arbitral, condenada a pagar à Requerida Cari Construtores, S.A., de acordo com a al. b) do segmento decisório (retificado), “o valor dos trabalhos e dos prejuízos que resultaram da resolução ilícita do Contrato de Empreitada, o qual se fixa em € 865.489,63 (assumindo que o valor do custo de mão-de-obra de € 30.959,12 é um valor mínimo), acrescido de juros de mora vencidos desde 9 de maio de 2019 e de juros vincendos até integral pagamento calculados sobre o valor dos danos relacionados com os encargos da estrutura, trabalhos realizados e custos de mão-de-obra, no valor total de € 211.509,27, à taxa de juro comercial em vigor em cada momento nos termos do artigo 102° do Código Comercial.” Ainda de acordo com a al. g) do mesmo segmento decisório, a Requerente AM48, Lda., foi condenada, juntamente com a Requerida Cari Construtores, S.A., “no pagamento dos encargos com o presente processo arbitral e que foram liquidados junto do Centro de Arbitragem Comercial relativos a árbitros, à produção de prova (incluindo prova pericial) e encargos administrativos, na proporção do decaimento das suas pretensões e que o tribunal arbitral fixa em 9% para a CARI e 91% para a AM48, condenando esta última no reembolso à primeira dos valores correspondentes.”↩︎

9. Recorde-se que a anulação da sentença arbitral, cujos fundamentos e requisitos se encontram taxativamente previstos no art. 46.º da LAV – não podendo as partes renunciar ao direito de arguir a sua anulabilidade (n.º 5 do mesmo preceito) -, implica um juízo puramente cassatório, diverso do que sucede no recurso, em que o tribunal estadual se substitui ao tribunal arbitral, revogando a decisão arbitral e proferindo outra em seu lugar sempre que possível.↩︎

10. Cf. Rui Pinto A Ação Executiva, Lisboa, AAFDL, 2019, p. 174.↩︎

11. Cf. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 20 de novembro de 2006 (Fonseca Ramos), Proc. n.º 0655695 – disponível para consulta in em www.dgsi.pt, ainda que em diferente quadro normativo para este efeito irrelevante.↩︎

12. Cf. Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito das Obrigações, vol. II, Coimbra, Almedina, 2021, pp. 177 e ss.; António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, vol. IX, Coimbra, Almedina, 2017, pp. 159 e ss..↩︎

13. Cf. Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito das Obrigações, vol. II, Coimbra, Almedina, 2021, p. 179.↩︎

14. Cf. Karl Larenz, Lehrbuch des Schuldrechts, Erster Band, Allgemeiner Teil, Muenchen, C.H.. Beck’s Verlagsbuchhandlung, 1987, pp. 241 e ss..↩︎

15. Cf. João Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Coimbra, Almedina, 1987, p. 202.↩︎

16. Cf. Maria Raquel Aleixo Antunes Rei, Da Interpretação da Declaração Negocial no Direito Civil Português, Lisboa, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 2010 p. 326 - disponível para consulta in https://repositorio.ul.pt/bitstream/10451/4424/1/ulsd61308_td_Maria_Rei.pdf.↩︎

17. Cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de abril de 2021 (Maria do Rosário Morgado), proc. n.º 453/14.0TBVRS.L1.S1 [“(…) IV - O nomem juris adotado pelos contratantes não vincula o Tribunal, uma vez que a qualificação jurídica de um contrato deve ser feita com recurso às regras de interpretação e integração da declaração negocial, nos termos dos arts. 236º e ss. do CC. V - A interpretação de declarações negociais só constitui matéria de direito quando o sentido da declaração deva ser determinado segundo o critério do nº1, do art. 236º, do CC, ou surja a questão de saber se foi respeitado o art. 238º, do mesmo Código, estando-lhe vedado o apuramento da vontade real das partes por constituir matéria de facto, da exclusiva competência das instâncias. VI - O nº1, do art. 236º, do CC consagra a denominada doutrina da impressão do destinatário, segundo a qual o sentido juridicamente relevante com que deve valer uma declaração negocial há de corresponder àquele que lhe seria dado por um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, que, conhecendo as circunstâncias que este concretamente conhecia, atribuiria à declaração, agindo com capacidade e diligência médias”.] – disponível para consulta in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/9278b1dd2200a138802586d80036e826?OpenDocument&ExpandSection=1; de 2 de junho de 2020 (Raimundo Queirós), proc. n.º 17583/15.3T8LSB.L1.S1 [“I - A interpretação do negócio jurídico com recurso aos critérios legalmente fixados nos arts. 236.º e ss. do CC, quando, como no presente caso, as instâncias não apuraram a vontade real dos contraentes, é matéria de direito, estando, por isso, sujeita ao controle do STJ. (…)”]; de 5 de janeiro de 2016 (Nuno Cameira), proc. n.º 146/13.5TCFUN-A.L1.S1 (“I - A interpretação do negócio jurídico de acordo com os critérios fixados nos arts. 236.º e 238.º, ambos do CC, constitui matéria de direito – e sujeita, por isso, ao controle do STJ – sempre que não tenha sido possível às instâncias apurar a vontade real dos contraentes. II - Se, da interpretação conjugada das cláusulas de um contrato de abertura de crédito em conta corrente resultar, segundo o critério do art. 236.º, n.º 1, do CC, que apenas a sociedade de que o recorrido foi sócio gerente assumiu as obrigações dela decorrentes, o banco fica impedido de o executar com base em tal contrato, ainda que aquele tenha avalizado uma livrança em branco e subscrito o respectivo pacto de preenchimento para assegurar o cumprimento das obrigações contratuais da sociedade creditada”) – disponível para consulta in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/-/60542B275E2E1FBF80257F3100541C35; de 2 de maio de 2019 (Catarina Serra), proc. n.º 5015/15.1T8CBR.C1.S2 [“o art. 236.º, n.º 1, do CC, consagra aquilo que Manuel de Andrade designa como a “teoria da impressão do destinatário”, segundo a qual o sentido do negócio jurídico é o “sentido com que a declaração seria interpretada por um declaratário razoável, colocado na posição concreta do declaratário efectivo. A teoria da impressão do destinatário é o critério abraçado pela esmagadora maioria da doutrina portuguesa para a interpretação dos negócios jurídicos (Ferrer Correia, Manuel de Andrade, Carlos da Mota Pinto, só para nomear alguns). Explica António Menezes Cordeiro que o “horizonte do destinatário” é composto dos seguintes elementos: (1) a letra do negócio; (2) os textos circundantes; (3) os antecedentes e a prática negocial; (4) o contexto; (5) o objectivo em jogo; e (6) elementos jurídicos extra-negociais”.)] – disponível para consulta in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/deafab34fe95f42c802583ef0037bc67?OpenDocument.; de 27 de abril de 2022 (Barateiro Martins), proc. n.º 2052/19.0T8BRG.G1.S1 (“I - O regime legal da interpretação dos negócios jurídicos está concentrado, quanto às suas regras gerais, nos arts. 236.º a 239.º do CC. II - Podendo afirmar-se, sem prejuízo de tais regras, que a primeira regra de interpretação até será a vontade real comum, o sentido subjetivo comum, ou seja, se há consenso das partes, do declarante e do declaratário, sobre o sentido da declaração, é de acordo com ele que a declaração deve ser interpretada. III - Estando a segunda regra contida no art. 236.º, n.º 2, do CC, segundo a qual, em caso de divergência entre o sentido subjetivo da declaração e o seu sentido objetivo, prevalece o sentido subjetivo desde que o declaratário o conheça (em conformidade com o ditame da velha máxima falsa demonstrativo non nocet). IV - E, em caso de divergência entre o sentido subjetivo da declaração e o seu sentido objetivo, desconhecendo o declaratário a vontade real do declarante, prevalece, segundo a terceira regra, contida no art. 236.º, n.º 1, do CC, o sentido objetivo da declaração, salvo se o declarante não puder contar com ele, isto é, desde que tal sentido não colida com a expetativa razoável do autor da declaração: é a chamada teoria da impressão do destinatário”) – disponível para consulta in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/2070584e1989a20b80258832002c86ea?OpenDocument.; de 30 de novembro de 2021 (Maria João Vaz Tomé), proc. n.º 19/20.5YLPRT.L1.S1 (“5. Segundo o art. 236.º do CC, “1. A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele. 2. Sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida.”) – disponível para consulta in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/786378bac919a099802587a00060dcb5?OpenDocument&ExpandSection=1.↩︎

18. Cf. Maria Raquel Aleixo Antunes Rei, Da Interpretação da Declaração Negocial no Direito Civil Português, Lisboa, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 2010 pp.402 e ss - disponível para consulta in https://repositorio.ul.pt/bitstream/10451/4424/1/ulsd61308_td_Maria_Rei.pdf.↩︎

19. Cf. Maria Raquel Aleixo Antunes Rei, Da Interpretação da Declaração Negocial no Direito Civil Português, Lisboa, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 2010 pp.406-407 - disponível para consulta in https://repositorio.ul.pt/bitstream/10451/4424/1/ulsd61308_td_Maria_Rei.pdf.↩︎

20. Cf. Maria Raquel Aleixo Antunes Rei, Da Interpretação da Declaração Negocial no Direito Civil Português, Lisboa, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 2010 pp. 183-185 - disponível para consulta in https://repositorio.ul.pt/bitstream/10451/4424/1/ulsd61308_td_Maria_Rei.pdf.↩︎

21. Cf. Maria Raquel Aleixo Antunes Rei, Da Interpretação da Declaração Negocial no Direito Civil Português, Lisboa, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 2010 pp. 187-188, 211 - disponível para consulta in https://repositorio.ul.pt/bitstream/10451/4424/1/ulsd61308_td_Maria_Rei.pdf.↩︎

22. Cf. António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, II, Direito das Obrigações, Contratos, Negócios Unilaterais, Coimbra, Almedina, 2010, p. 693.↩︎

23. Cf. Fernando Oliveira e Sá, “Anotação ao artigo 458.º”, in Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações, Das Obrigações em Geral, Lisboa, Universidade Católica Editora, 2018, p.215.↩︎

24. Cf. José Lebre de Freitas/Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 1.º, Coimbra Almedina, 2018, p.561.↩︎