Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
304/17.3T8PVZ.P1.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: MARIA OLINDA GARCIA
Descritores: CONTA BANCÁRIA
CONTA SOLIDÁRIA
DEPÓSITO BANCÁRIO
TITULARIDADE
DOAÇÃO
INTERPRETAÇÃO DA VONTADE
Apenso:

Data do Acordão: 11/02/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: REVISTA PARCIALMENTE CONCEDIDA.
Sumário :

A existência de valores pecuniários depositados numa conta bancária titulada por duas pessoas, não sendo essa conta movimentada por uma delas em vida da outra, não significa, por si só, que não tenha existido doação (total ou parcial) dos valores depositados. A conclusão sobre a existência, ou não, de alguma atribuição patrimonial terá de ser casuística, baseada na factualidade que revela a vontade das partes.

Decisão Texto Integral:

Processo n. 304/17.3T8PVZ.P1.S1


Recorrente: AA


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


I. RELATÓRIO


1. BB e CC propuseram ação declarativa sob a forma de processo comum contra AA, na qual pediram:


-a) que se declare a falecida DD a única proprietária e detentora do direito real sobre a quantia total de € 172.126,65 e ainda da quantia correspondente a metade do valor que resultou da venda das 6845 unidades de participação do Fundo Mobiliário Vip Montepio, das contas de fundos n.º ............-1 e .............-2, do Banco Montepio Geral, cujo montante não é inferior a € 25.000;


-b) que se condene Ré a:


- reconhece-las como únicas proprietárias da referida quantia de € 172.126,65 e do montante que se apurar corresponder à metade do valor que resultou da venda das 6845 unidades de participação do Fundo Mobiliário Vip Montepio, por aquisição da mesma através de sucessão por morte de DD;


- restituir-lhes, enquanto herdeiras de DD, a quantia de € 172.126,65 e a quantia que se apurar corresponder à metade do valor que resultou da venda dos 6845 unidades de participação do Fundo Mobiliário Vip Montepio da qual indevidamente se apropriou, acrescida dos juros legais à taxa de 4%, desde a interpelação (14/10/2016) até efetivo e integral pagamento, computando-se os mesmos até 22/02/2017 no montante de € 2.829,98.


Subsidiariamente, pediram:


- que se declare a falecida DD proprietária e detentora do direito real sobre a quantia total de € 105.562,35, correspondente a metade dos valores das contas de que era contitular, referidas nas alíneas a), b), c), d), h), i), j), k), l), m), n) e o) do art.º 8º da pi, no montante de € 66.564,30 e € 38.998,05 relativo aos valores depositados nas contas referidas nas alíneas e), f) e g) do mencionado art.º 8º, das quais era única titular;


- que se condene a Ré a:


- reconhece-las como únicas proprietárias da referida quantia de € 105.562,35, por aquisição da mesma através de sucessão por morte de DD;


- restituir-lhes, enquanto herdeiras de DD, a quantia de € 105.562,35 da qual indevidamente se apropriou, acrescida dos juros legais à taxa de 4%, desde a interpelação (14/10/2016) até efetivo e integral pagamento, computando-se os mesmos até 28/02/2017 no montante de € 1.515,47.


2. Alegaram, em síntese, que, em 17 de janeiro de 2016, faleceu DD, sem testamento, nem qualquer outra disposição de última vontade, deixando a suceder-lhe sete primos, entre os quais as autoras se incluem. Dois desses herdeiros doaram-lhes os respetivos quinhões hereditários e os restantes três repudiaram a herança, sendo, por isso, as autoras as únicas herdeiras.


Dessa herança faziam parte, entre outros, valores monetários e outros depositados em instituições bancárias, em contas e aplicações que discriminam, bem como os respetivos valores à data do óbito, doze delas contituladas pela Ré, a qual, após o óbito, procedeu à sua movimentação através de levantamentos e transferências nos montantes de € 3.563,20, € 65.008,78, € 1.773,48, € 2.639,69, € 101,43, € 4.000, € 5.000, € 1,42, € 1.469,27, deu ordem de venda de obrigações que rendeu € 19.867,20 e € 29.704,13 que transferiu para uma conta sua; estava autorizada a movimentar três contas da exclusiva titularidade da falecida tendo dado ordem de venda de unidades de participação de um Fundo que rendeu € 28.362,97 e levantou um depósito a prazo no valor de €10.000, transferindo subsequentemente € 39.997,05.


Acrescentaram que as quantias depositadas e demais produtos diziam respeito a valores auferidos por DD, sendo a Ré titular de algumas das contas apenas para garantir a existência de um terceiro para a movimentação em caso de incapacidade ou impossibilidade daquela; a Ré não tinha rendimentos suficientes para ser detentora das quantias depositadas, nem a titular teve intenção de efetuar a sua transmissão, sabendo que não era herdeira e que os montantes não lhe pertenciam.


Por último, referiram que, em 12 de outubro de 2016, remeteram, através da sua mandatária, carta interpelando a Ré para proceder à devolução dos valores de que se apropriou.


3. A Ré contestou invocando as exceções de inadmissibilidade da reivindicação e de petição da herança e contrapôs que teve uma relação longa e próxima com a autora da sucessão e o seu marido, de quem era sobrinha neta, por ter sido acolhida quando tinha 7 anos, sendo por eles tratada como se fosse filha; após a morte do marido, a sua relação com a autora da sucessão estreitou-se mais, apoiando-se reciprocamente; a autora da sucessão sempre cuidou de prover ao seu sustento e concretizar providências com vista a garantir a sua estabilidade financeira, tendo subscrito três seguros de vida dos quais foi indicada beneficiária, tornando-a contitular das referidas contas e autorizando-a a movimentar as restantes, doando-lhe os montantes depositados e mantendo-se contitular para poder ajudá-la na realização de transferências ou execução de transferências devido às suas parcas habilitações literárias.


Formulou reconvenção pedindo:


- o seu reconhecimento como proprietária dos valores objeto do pedido das Autoras;


- a condenação das Autoras a reconhecê-la como proprietária dos referidos valores;


- o seu reconhecimento como proprietária do montante de € 28.200;


- a condenação das Autoras, solidariamente, a restituir-lhe o montante de € 28.200, acrescido de juros de mora, à taxa legal desde a notificação da contestação, até efetivo e integral pagamento;


- o seu reconhecimento como titular do direito de crédito relativo ao remanescente do preço do imóvel no valor de € 85.000;


- a condenação das Autoras, solidariamente, a indemniza-la no montante de € 85.000, acrescido de juros de mora, à taxa legal desde a notificação da contestação, até efetivo e integral pagamento ou, subsidiariamente, a restituir-lhe esse montante a título de enriquecimento sem causa;


- a condenação das Autoras, solidariamente, a indemniza-la a título de danos não patrimoniais, no montante de € 20.000, acrescido de juros de mora, à taxa legal desde a notificação da contestação, até efetivo e integral pagamento.


Alegou que é única proprietária dos valores referidos na petição, por lhe terem sido doados, acrescentando que a autora da sucessão era proprietária de duas frações situadas no concelho de ..., encetou negociações com vista à sua alienação, celebrando contrato promessa a 28 de agosto de 2015, cujo sinal de € 10.000 lhe doou, o que aceitou, declarando ser seu desejo que o remanescente do preço também fosse por si recebido para que adquirisse habitação própria, o que transmitiu a familiares e amigos; em 12 de outubro de 2016, a mandatária das Autoras remeteu-lhe uma carta para devolução voluntária dos saldos movimentados e restantes objetos de valor, tendo a Autora BB telefonado dias depois exigindo que lhes entregasse o sinal e, posteriormente, deslocou-se a um café onde se encontrava, fazendo a mesma exigência, ameaçando que iria ao Banco de Portugal, o que a levou a emitir um cheque no valor € 28.200 por se ter sentido perturbada e com receio; as Autoras omitiram às promitentes compradoras que o preço remanescente tinha sido doado, tendo recebido delas o valor de € 85.000, agindo com abuso de direito ao celebrar o contrato de compra e venda; referiu, ainda, que devido à ameaça, passou a viver ansiosa com medo do que as Autoras poderiam fazer em seu desfavor e andou angustiada.


4. As Autoras replicaram pronunciando-se relativamente às exceções afirmando serem as únicas herdeiras e únicas titulares do direito de propriedade sobre os bens reivindicados; argumentaram que a constituição da Ré como beneficiária de seguros demonstra a existência de situações específicas em que houve intenção de fazer doação, mas tal não acontecia relativamente à sua inserção nas contas como titular ou autorizada, pois destinava-se apenas a garantir a movimentação, à semelhança do que fez com o filho da primeira Autora, que recusou, tendo mantido a titularidade e contitularidade por ser a proprietária dos valores aplicados e depositados aplicando-os e gerindo-os como entendia.


No que diz respeito ao sinal, referiram que o contrato promessa foi alterado em 25 de novembro de 2015, com reforço do mesmo no montante de € 18.200, fixando o remanescente em € 66.800, que receberam na data da celebração da escritura, tendo pago € 6.150 à imobiliária que mediou o negócio; o valor do sinal foi recebido por DD e depositado nas suas contas bancárias.


Acrescentaram que foi a Ré quem tomou a iniciativa de comunicar a existência do contrato promessa, tendo marcado encontro para entrega da documentação respeitante à venda, sendo o primeiro cheque para devolução do sinal emitido a 13 de abril de 2016 e substituído por outro a 19 de abril, depositado no dia seguinte, pois o primeiro, emitido de conta de DD, não tinha provisão devido aos levantamentos da Ré; nos contactos mantidos com a Ré esta nada referiu acerca da doação; restituíram à Ré os valores de condomínio que a mesma suportara


5. Realizada audiência prévia, a reconvenção foi admitida, sendo proferido despacho saneador que se pronunciou pela validade e regularidade dos pressupostos processuais.


6. Decorrido o julgamento, a primeira instância:


«I. julgando a ação parcialmente provada e procedente:


A) declara a falecida DD única proprietária da quantia total de € 172.123,80 e da metade do valor que resultou da venda de 6845 unidades de participação do Fundo Mobiliário Vip Montepio, das contas de fundos n.º ............-1 e .............-2, do Banco Montepio Geral, não inferior a € 25.000;


B) condena a Ré AA a:


i) reconhecer que as Autoras BB e CC adquiriram o valor identificado em A) por sucessão por morte de DD;


ii) a restituir às Autoras os montantes identificados em a), acrescidos de juros à taxa legal de de 4% desde 14 de Outubro de 2016 até integral e efetivo cumprimento.


II. julgando a reconvenção não provada e improcedente, absolve as Reconvindas BB e CC dos pedidos formulados pela Reconvinte AA.


Custas da ação e da reconvenção a cargo da Ré


7. Inconformada com essa decisão, a ré interpôs recurso de apelação.


Porém, o TRP, pronunciando-se sobre a questão de saber se os montantes existentes à data da morte da DD, nas contas bancárias por ela tituladas, foram por si doados em vida à ré, não lhe deu razão, tendo confirmado a decisão recorrida, sem voto de vencido e sem fundamentação diversa.


8. Ainda inconformada, a ré apelante interpôs recurso de revista excecional, com base no art.672º, n.2, alínea c) do CPC, invocando a existência de oposição entre o acórdão recorrido e o acórdão do STJ, proferido em 16.06.2016 (relatado por Tomé Gomes), no processo n. 865/13.6TBDL.L1.S1.


Nas suas alegações formulou as seguintes conclusões:


1.º


«O acórdão recorrido faz uma interpretação sobre a mesma questão fundamental de direito que se encontra em contradição com outra jurisprudência dos Tribunais Superiores (Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão proferido em 16 de Junho de 2016, no processo n.º 865/13.6TBDL.L1.S1, relatado pelo senhor Dr. Juiz Conselheiro Tomé Gomes, disponível em http://www.dgsi.pt e também acessível em https://dre.pt, cuja cópia se junta).


2.º


O que se invoca, em face do art. 672.º, n.º 1, alíneas a) e c) e n.º 2, alíneas a) e c) do C.P.C., sendo o que está em causa é uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.


3.º


Acórdão fundamento este que acordou em conceder a revista, revogando o acórdão recorrido, julgando válida a doação verbal de coisa móvel uma vez que “(…) O facto de a donatária não ter procedido ao levantamento de tais valores em vida da doadora não descaracteriza, por si só, aquela entrega simbólica, já que a donatária passou a poder dispor dos fundos ali provisionados como, pelo menos, contitular dos mesmos, segundo a vontade expressamente manifestada pela doadora”.


4.º


A questão a apreciar pelo STJ é a seguinte:


Saber se o facto da Recorrente, AA, só ter movimentado o dinheiro que se encontrava nas contas, identificadas no ponto 17 dos factos provados da Sentença da 1.ª Instância, em seu favor após a morte da doadora, DD, implica a inexistência de tradição do bem doado e, por conseguinte, a invalidade da doação verbal do dinheiro que se encontrava nas contas identificadas no ponto 17 dos factos provados da Sentença da 1.ª Instância, bem como, da caducidade da doação com a morte da doadora DD.


5.º


Colhe-se deste Acórdão fundamento - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido em 16 de Junho de 2016 no processo n.º 865/13.6TBDL.L1.S1, relatado pelo senhor Dr. Juiz Conselheiro Tomé Gomes, disponível em https://www.dgsi.pt e também acessível em https://dre.pt (comparando-o com o Acórdão Recorrido) o seguinte:


- “A validade de doação verbal de coisa móvel depende da prova de que essa doação foi acompanhada da entrega da coisa doada, nos termos do artigo 947, n.º 2, 1.ª parte, do C.C.”.


- (…) Tal entrega não tem de ser necessariamente simultânea da declaração de doar, podendo ser anterior ou mesmo posterior a esta (…).


- (…)Se, por decorrência de uma doação verbal de valores pecuniários a depositar numa conta bancária, a doadora alterar a titularidade singular que detinha nessa conta para uma titularidade solidária com a donatária e seguidamente ali depositar esses valores, tais factos são, em correspondência com o animus donandi, representativos da entrega simbólica dos valores assim doados, nos termos e para os efeitos do art. 947.º, n.º 2, 1.ª parte, do CC.


- (… ) O facto de a donatária não ter procedido ao levantamento de tais valores em vida da doadora não descaracteriza, por si só, aquela entrega simbólica, já que a donatária passou a poder dispor dos fundos ali provisionados como, pelo menos, contitular dos mesmos, segundo a vontade expressamente manifestada pela doadora”.


6.º


Do referido acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido em 16 de Junho de 2016 no processo n.º 865/13.6TBDL.L1.S1, relatado pelo senhor Dr. Juiz Conselheiro Tomé Gomes, disponível em http://www.dgsi.pt e também acessível em https://dre.pt, pode retirar-se que:


(i) Uma forma de tradição enquadrável no artigo 947.º, numero 2 do Código Civil seria a atribuição ao donatário de valores depositados numa conta bancária da possibilidade de movimentar tal conta;


(ii) O facto de o donatário não proceder ao levantamento dos valores doados em vida do doador não descaracteriza a tradição;


(iii) Na sequência da verbalização da doação do dinheiro da doadora a favor da donatária, que culminou com a alteração dos termos da movimentação da conta no banco, permitindo à donatária passar a poder dispor livremente o dinheiro que nela depositado, consubstancia uma autêntica forma de tradição da coisa doada para a donatária: o “animus donandi” é acompanhado duma entrega, aqui a titularidade do depósito, ou seja, um meio susceptível de tornar efectivo o apossamento;


(iv) O facto de a ora Recorrente não ter movimentado a conta a débito em seu favor em vida da doadora não implica a inexistência da tradição do bem doado, contrariamente ao decidido no acórdão recorrido, porque o n.º 1 do artigo 945.º do CC refere-se apenas à aceitação da doação e o n.º 2 da mesma disposição limita-se a considerar que esta existe se houve a tradição material da própria coisa móvel (dinheiro) doada ou do seu titulo representativo para o donatário, mas não estabelece que só há tradição da coisa doada quando a própria coisa ou o seu titulo representativo mude de mão para o donatário;


(v) É que a tradição não tem necessariamente que ser material, com mudança de mão da própria coisa ou do titulo, pois que como dispõe a alinea b) do art. 1263.º do CC, a posse pode adquirir-se pela tradição simbólica da coisa, como ensina Menezes Cordeiro, ob. cit., “a traditio ficta”, como o nome indica é aquela em que já não existe qualquer acto material sobre a coisa. Este tipo de tradição efectiva-se, simplesmente, pela entrega de documentos que ponham a posse da coisa á disposição do transmissário, falando-se por isso em “traditio per chartam”.


7.º


O referido acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido em 16 de Junho de 2016 no processo n.º 865/13.6TBDL.L1.S1, relatado pelo senhor Dr. Juiz Conselheiro Tomé Gomes, disponível em http://www.dgsi.pt e também acessível em https://dre.pt, adopta a posição da doutrina (Galvão Telles, Menezes Cordeiro, Antunes Varela e Carlos Ferreira de Almeida) e da jurisprudência (nomeadamente, nos acórdãos do STJ 27/05/2003, Proc. n.º 03B1251- Conselheiro Abílio Vasconcelos - de 03/06/2003, processo n.º 03ª1615 - conselheiro Silva Balazar, de 03/03/2005, processo n.º 04b3711- conselheiro Bettencourt Faria de 06/10/2005, processo n.º 04b2753 - conselheiro Pereira da Silva de 18-12-2008, processo n.º 3759/08, 6.ª secção, conselheiro João Camilo, in sumários do STJ (Boletim) e nos acórdãos da Relação do Porto, de 21-05-1992 recurso 280/92 - 3.ª secção - desembargador Pais de Sousa, sumariado no BMJ n.º 417, pág. 821; e de 19-09-2011, proc. n.º 82 /1999.P1, desembargador António Mendes Coelho, in www.dgsi.pt; e no acórdão da Relação de Coimbra de 29-01-2013, processo n.º1504/09.5TBFIG.C1 - Desembargadora Sílvia Pires, in www.dgsi.pt) que, no caso das contas solidárias, que podem ser livremente movimentadas por qualquer dos seus titulares, provado que foi intenção do titular que depositou o numerário, que este passasse a ser propriedade do outro titular, podendo dele dispor como entendesse, então, estamos face a uma doação acompanhada de “tradição” do bem doado, pois que a conta conjunta solidária funciona como meio idóneo para operar a tradição, para tornar efectivo o apossamento das quantias depositadas e não obsta á conclusão anterior o facto de a conta bancária ter continuado a ser titulada pela falecida, que podia por isso também continuar a movimentá-la, porque para haver doação esta não tem que envolver sempre a transmissão de bens, como resulta do âmbito traçado pelo art. 940.º do CC e já há muito havia sido referido por Galvão Telles, ob. cit., “pode-se doar por outras formas: pondo em comum um direito, constituindo sobre coisa própria um direito real menor, assumindo para com outrem uma obrigação. O que importa (a par do empobrecimento do doador) é a valorização do activo do donatário, a atribuição a este de um direito, e essa atribuição pode revestir qualquer das configurações indicadas” e, finalmente, o facto de a donatária não ter movimentado a conta a débito em seu favor em vida da doador não implica a inexistência da tradição do bem doado, contrariamente ao decidido no acórdão recorrido, porque o n.º 1 do artigo 945.º do C.C. refere-se apenas á aceitação da doação e o n.º 2 da mesma disposição limita-se a considerar que esta existe se houve a tradição material da própria coisa móvel (dinheiro) doada ou do seu titulo representativo para o donatário, mas não estabelece que só há tradição da coisa doada quando a própria coisa ou o seu titulo representativo mude de mão para o donatário. É que a tradição não tem necessariamente que ser material, com mudança de mão da própria coisa ou do titulo, pois que como dispõe a alinea b) do art. 1263.º do C.C., a posse pode adquirir-se pela tradição simbólica da coisa, como ensina Menezes Cordeiro, ob. cit., “a traditio ficta”, como o nome indica é aquela em que já não existe qualquer acto material sobre a coisa. Este tipo de tradição efectiva-se, simplesmente, pela entrega de documentos que ponham a posse da coisa á disposição do transmissário, falando-se por isso em “traditio per chartam”.


8.º


De referir, e citando Carlos Ferreira de Almeida: “O Supremo Tribunal de Justiça tem aceite a conta bancária como meio idóneo de tradição simbólica do dinheiro (cfr. art. 945.º, n.º 2, que equipara à tradição da coisa a entrega de “titulo representativo”) e admitido que, nestas circunstâncias, se forme um contrato de doação, desde que o pretenso donatário prove o animus donandi”.


9.º


Segue-se necessariamente que, em face da factualidade que enforma o presente caso concreto, o regime legal aplicável (artigos 940.º, 945.º, 947.º e 1263.º, al. b), todos do Código Civil), a orientação jurisprudencial maioritária acima citada e a melhor doutrina acima referenciadas, o acórdão recorrido consubstancia uma solução não só absurda como absolutamente injusta, encontrando-se em contradição com outra jurisprudência dos Tribunais Superiores (Supremo Tribunal de Justiça no acórdão proferido em 16 de Junho de 2016 no processo n.º 865/13.6TBDL.L1.S1, relatado pelo senhor Dr. Juiz Conselheiro Tomé Gomes, disponível em http://www.dgsi.pt e também acessível em https://dre.pt, cuja cópia se junta).


Se não vejamos,


10.º


A doação verbal do dinheiro (que estava nas contas bancárias identificadas no ponto 17 dos factos provados da sentença proferida em 1.ª Instância) feita pela Autora da Sucessão DD revestiu-se dos caracteres necessários para cumprir o disposto no artigo 947.º, n. 2 do Código Civil.


11º


O caso julgado pelo Supremo Tribunal de Justiça no acórdão proferido em 16 de Junho de 2016 no processo n.º 865/13.6TBDL.L1.S1, relatado pelo senhor Dr. Juiz Conselheiro Tomé Gomes, disponível em http://www.dgsi.pt e também acessível em https://dre.pt é idêntico ao presente caso concreto:


1- A Doadora declarou doar verbalmente à Ré/Donatária/Recorrente as quantias existentes na conta bancária, o que a referida Ré/Donatária/Recorrente aceitou, tendo na decorrência disso, alterado aquela conta para uma conta solidária em nome de ambas, passando a Donatário a dispor desses valores como entendesse.


2- A Donatária não procedeu ao levantamento de tais valores em vida da doadora.


12º


Perante esta factualidade e que também corresponde à factualidade que conforma a situação sub judice, o Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão proferido em 16 de Junho de 2016 no processo n.º 865/13.6TBDL.L1.S1, relatado pelo senhor Dr. Juiz Conselheiro Tomé Gomes, disponível em http://www.dgsi.pt e também acessível em https://dre.pt, decidiu o seguinte, e de cujo Acórdão aderimos na integra:


- “A validade de doação verbal de coisa móvel depende da prova de que essa doação foi acompanhada da entrega da coisa doada, nos termos do artigo 947, n.º 2, 1.ª parte, do C.C.”


- “(…) Tal entrega não tem de ser necessariamente simultânea da declaração de doar, podendo ser anterior ou mesmo posterior a esta (…) e podendo consistir seja numa entrega material da própria coisa doada seja numa entrega simbólica do bem doado, por exemplo do seu titulo representativo, como decorre, aliás, do disposto nos artigos 945.º, n.º 2, e 1263.º, alinea b), do C.C”


- “(…) O documento em que se consubstancia a conta de depósito bancário representa o dinheiro que dele foi objecto, pelo que a colocação pelo doador na disponibilidade do donatário de movimentar ou dispor dos valores ali depositados pode traduzir-se na entrega simbólica desses valores ou do direito de crédito a eles correspondente”.


- “(…) A constituição de uma conta solidária por iniciativa do primeiro (dono do dinheiro), em nome de ambos, a par da prova do animus donandi, leva à conclusão de que foi intenção daquele depositar o seu numerário para que o valor correspondente passasse a pertencer também ao outro contitular.”


- “(…) A conta bancária conjunta é meio idóneo para efectuar a tradição da quantia depositada, se simultaneamente se provar o animus donandi”.


- (…) Se, por decorrência de uma doação verbal de valores pecuniários a depositar numa conta bancária, a doadora alterar a titularidade singular que detinha nessa conta para uma titularidade solidária com a donatária e seguidamente ali depositar esses valores, tais factos são, em correspondência com o animus donandi, representativos da entrega simbólica dos valores assim doados, nos termos em para os efeitos do art. 947.º, n.º 2, 1.ª parte, do C.C.


- (… ) O facto de a donatária não ter procedido ao levantamento de tais valores em vida da doadora não descaracteriza, por si só, aquela entrega simbólica, já que a donatária passou a poder dispor dos fundos ali provisionados como, pelo menos, contitular dos mesmos, segundo a vontade expressamente manifestada pela doadora”.


13.º


Assim, em face da factualidade que enforma a situação sub judice, do regime legal aplicável, da jurisprudência e da doutrina referenciadas, tem de se considerar não apenas que a Autora da sucessão /Doadora, DD, doou verbalmente o dinheiro que estava nas contas identificadas no ponto 17 dos factos provados da Sentença da 1.ª Instância á Recorrente/Donatária, AA, mas também que se verificou a tradição simbólica dos valores doados, da Doadora para a Donataria. Pelo que a propriedade dos saldos das contas bancárias identificadas no ponto 17 dos factos provados da sentença da 1.ª Instância transmitiram-se para a esfera jurídica da ora Recorrente, AA, por efeito de doação efectuada, pelo que já não pertenciam á falecida DD, á data da sua morte, mas sim á ora Recorrente, AA.


14.º


Com efeito, de acordo com o referido Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido em 16 de Junho de 2016, a doação verbal de coisa móvel (dinheiro que estava nas contas) é válida desde que se prove o animus donandi, a aceitação da donatária e haja tradição ficta da coisa doada.


15.º


O referido acórdão do Supremo Tribunal de Justiça acordou em conceder a revista, revogando o acórdão recorrido, julgando válida a doação verbal de coisa móvel uma vez que “(….) não se divisa que a tal obste o facto de a ora R. não ter procedido ao levantamento de tais valores em vida de GG, o que até se compreende no contexto da relação de amizade e confiança existente entre ambas como transparece dos factos instrumentais tidos em conta pela 1.ª Instância e consignados na motivação da decisão de facto. O que, salvo o devido respeito, parece não oferecer duvida é que, na decorrência daquela doação verbal e da subsequente alteração da titularidade da conta, a R. passou a dispor dos fundos ali provisionados como, pelo menos, contitular dos mesmos, segundo a vontade expressamente manifestada pela doadora”. (…) Verifica-se, deste modo, uma correspondência clara entre o animus donandi de GG e a materialidade consistente na alteração da titularidade da referida conta bancária, o que, por si só, afasta a hipótese de que a contitularidade atribuída por aquela á R. se destinaria a simples movimentação ou gestão da conta”.


16.º


O facto de o donatário não proceder ao levantamento dos valores doados em vida do doador não descaracteriza a tradição;


17.º


Na sequência da verbalização da doação do dinheiro da doadora a favor da donatária, que culminou com a alteração dos termos da movimentação da conta no banco, permitindo á donatária passar a poder dispor livremente o dinheiro que nela depositado consubstancia uma autêntica forma de tradição da coisa doada para a donatária: o “animus donandi” é acompanhado duma entrega, aqui a titularidade do depósito, ou seja, um meio susceptível de tornar efectivo o apossamento;


O facto de a ora Recorrente não ter movimentado a conta a débito em seu favor em vida da doadora não implica a inexistência da tradição do bem doado, contrariamente ao decidido no acórdão recorrido, porque o n.º 1 do artigo 945.º do CC refere-se apenas á aceitação da doação e o n.º 2 da mesma disposição limita-se a considerar que esta existe se houve a tradição material da própria coisa móvel (dinheiro) doada ou do seu titulo representativo para o donatário , mas não estabelece que só há tradição da coisa doada quando a própria coisa ou o seu titulo representativo mude de mão para o donatário;


18.º


É que a tradição não tem necessariamente que ser material, com mudança de mão da própria coisa ou do titulo, pois que como dispõe a alinea b) do art. 1263.º do CC, a posse pode adquirir-se pela tradição simbólica da coisa, como ensina Menezes Cordeiro, ob. cit., “a traditio ficta”, como o nome indica é aquela em que já não existe qualquer acto material sobre a coisa. Este tipo de tradição efectiva-se, simplesmente, pela entrega de documentos que ponham a posse da coisa á disposição do transmissário, falando-se por isso em “traditio per chartam”.


19.º


Face ao exposto o acórdão recorrido devia ter revogado a decisão singular da 1.ª Instância, com os seguintes fundamentos:


a) A factualidade provada no ponto 28 dos factos provados, resulta que foi feita doação pela Autora da sucessão, DD, a qual se revestiu dos caracteres necessários para cumprir o disposto no artigo 947.º, n.º 2 do Código Civil;


b) O facto de a donatária não ter procedido ao levantamento de tais valores em vida da doadora não descaracteriza, por si só, aquela entrega simbólica, já que a donatária passou a poder dispor dos fundos ali provisionados como, pelo menos, contitular dos mesmos, segundo a vontade expressamente manifestada pela doadora, ou seja, o facto da Recorrente, AA, não ter procedido em vida de DD ao levantamento de tais valores não descaracteriza, por si só, a tradição ficta, conforme resulta do facto provado em 28 da Sentença recorrida, já que a Recorrente passou a dispor dos montantes provisionados nas referidas contas, como titular dos mesmos, resultando desde este momento (ter passado a dispor dos valores depositados nas contas e que corresponde à tradição ficta) a adesão á doação e sua aceitação. Existindo a par do empobrecimento da doadora (autora da sucessão DD), verifica-se a valorização do activo da donatária (AA), com a atribuição a esta do direito de propriedade sobre os montantes depositados nessas contas, conforme resulta do facto provado no ponto 28 da referida DD (primeira titular ) ter tornado a segunda (AA) titular das contas para que os montantes depositados ficassem a pertencer-lhe.


c) Existiu a tradição ficta da coisa doada (dinheiro que estava nessas contas) já que a Ré, aqui Recorrente, passou a utilizar livremente esse dinheiro que nelas estava depositado.


d) Houve tradição da coisa móvel (dinheiro) para a Ré, aqui Recorrente, a que esta aderiu e aceitou quando subscreveu pelo seu próprio punho os documentos bancários relativos ás contas bancárias identificadas no ponto 17 dos factos provados, quando a primeira titular a tornou segunda titular.


e) A doação, nos termos do disposto no artigo 947.º, n.º 2, do C.C., é válida e que não caducou com a morte de DD.


20.º


Deve o Acórdão em crise ser revogado e substituído por outro, devendo ser revogado o Acórdão recorrido, que confirmou e manteve a Decisão Singular, substituindo-o por Acórdão que reconheça a Ré como proprietária do valor global de €172.023,80, assim como de €25.000,00 (correspondente ao valor de metade das unidades de participação do Fundo Vip Montepio), por os ter adquirido por doação, julgando-se (nesta parte) procedente o pedido reconvencional, e, improcedente a acção, e absolvendo-se a Ré da condenação desta pelo Tribunal a quo em I-A e B, i ) e ii), do decidido em VI da Sentença da 1.ª Instância.


Termos em que,


E nos mais de Direito e com o douto suprimento de Vossas Excelências, julgando-se procedentes as conclusões 1.º a 20.º, inclusive, deve ser revogado o Acórdão recorrido, que confirmou e manteve a Decisão Singular, substituindo-o por Acórdão que reconheça a Ré como proprietária do valor global de €172.023,80, assim como de €25.000,00 (correspondente ao valor de metade das unidades de participação do Fundo Vip Montepio), por os ter adquirido por doação, julgando-se (nesta parte) procedente o pedido reconvencional, e, improcedente a acção, e absolvendo-se a Ré da condenação desta pelo Tribunal a quo em I- A e B, i) e ii), do decidido em VI da Sentença da 1.ª Instância, o que se requer, contribuirão os Venerandos Conselheiros para a realização do direito e da JUSTIÇA


9. A Formação a que alude o art.672º, n.3 do CPC admitiu o recurso como revista excecional, com base no art. 672º, n.1, alínea c) do CPC


Cabe apreciar.


*


II. FUNDAMENTOS


1. Admissibilidade e objeto do recurso:


Como supra referido, o recurso foi admitido como revista excecional, para que se conhecesse da seguinte questão:


Saber se DD doou, efetivamente, à ré os montantes depositados nas contas bancárias das quais eram contitulares, sabendo-se que a “doação” não foi reduzida a escrito e que a ré só movimentou essas contas depois de a DD ter morrido.


2. A factualidade assente:


As instâncias deram como provados os seguintes factos:


«1. Em 17 de Janeiro de 2016, na freguesia de ..., do concelho de ..., faleceu DD, no estado de viúva de EE, com 87 anos de idade, vítima de doença cancerígena.


2. A Ré teve uma longa e próxima relação com a falecida DD e com o marido desta, também falecido, EE.


3. A Ré era parente de EE, sendo o pai da Ré sobrinho daquele.


4. Em 1972, quando a Ré tinha sete anos, foi acolhida por aquele casal.


5. O casal afirmava que a Ré era a filha que não tinham tido.


6. O casal provia ao sustento da Ré, prestava-lhe assistência, acarinhava-a e envolvia-a na sua vida familiar.


7. Após a morte de EE, ocorrida a ... de ... de 2008, a proximidade entre a Ré e DD estreitou-se.


8. O óbito de EE foi sentido pela Ré como a perda de um pai.


9. Essa perda foi amparada, na medida do possível, pelo continuado acompanhamento e afeto de DD, a qual também encontrou no afeto e na presença da Ré um importante apoio para suportar a morte do marido.


10. Após a morte do marido, DD continuou a suportar as despesas com o sustento da Ré, acentuando-se a preocupação com a sua subsistência futura, por entender que, após a sua própria morte, se nada fizesse, esta ficaria desamparada.


11. Por isso, DD decidiu tomar providências que garantissem a estabilidade financeira da Ré.


12. Em 19 de Fevereiro de 2010, a falecida DD subscreveu, junto do BES Vida, um seguro de vida no valor de € 40.000, tendo como beneficiária, em caso de morte, a Ré.


13. Em 15 de Junho de 2010, a falecida DD subscreveu, junto da Ocidental Vida, um seguro de vida no valor de € 50.000, tendo como beneficiária, em caso de morte, a Ré.


14. Em 25 de Março de 2011, a falecida DD subscreveu, junto do Banco Santander Totta, um seguro de vida no valor de € 25.000 tendo como beneficiária, em caso de morte, a Ré.


15. A falecida DD, e a aqui Ré, eram contitulares das seguintes contas bancárias:


a) conta a ordem nº 0003..........20 do Banco Santander Totta, que à data do óbito tinha o saldo de € 3.563,20;


b) conta a ordem nº 0000..........01 do Banco Santander Totta, que à data do óbito tinha o saldo de € 0 (zero);


c) conta poupança garantida nº 0003..........20 do Banco Santander Totta, que à data do óbito tinha o saldo de € 0 (zero);


d) conta depósito a prazo Aforro Premio nº 0003..........20 do Banco Santander Totta, que à data do óbito tinha o saldo de € 65.008,78;


e) conta depósito nº .............-4 do Banco Montepio Geral, que à data do óbito tinha o saldo de € 1.773,48;


f) conta a ordem nº .........69 do Banco Millennium BCP, que à data do óbito tinha o saldo de € 2.639,69;


g) conta a ordem nº .........61 do Novo Banco, que à data do óbito tinha o saldo de € 101,43;


h) conta rendimento mensal nº ..........44 do Novo Banco, que à data do óbito tinha o saldo de € 4.000;


i) conta depósito a prazo NB Flexível nº ..........51 do Novo Banco, que à data do óbito tinha o saldo de € 5.000;


j) conta poupança normal nº ..........43 do Novo Banco, que à data do óbito tinha o saldo de € 1,42;


k) conta a ordem n.º ..........28 do Novo Banco, que à data do óbito tinha o saldo de € 1.469,27.


16. Tendo também a Ré autorização para movimentar:


a) conta a ordem nº .........69 do Banco Popular, que à data do óbito tinha o saldo de € 635,08;


b) conta depósito a prazo n.º .........42 do Banco Popular, que à data do óbito tinha o saldo de € 10.000;


c) conta de instrumentos financeiros n.º 176.736.2463734 do Banco Popular onde estavam depositadas 4892,36 unidades de participação do Fundo Popular Global 25, com o valor de € 28.362,97;


d) Obrigações do Novo Banco London (Dossier nº ..........28) com valor/quantidade de € 12.000 e € 20.000;


e) 6845 unidades de participação do Fundo Mobiliário Vip Montepio, nas contas de fundos nº ............-1 e .............-2, do Banco Montepio Geral.


17. A Ré tornou-se titular das contas infra identificadas nas seguintes datas:


a) conta à ordem nº 0003..........20 do Banco Santander Totta: 21 de Fevereiro de 2008;


b) conta poupança garantida nº 0003..........20 do Banco Santander Totta: 6 de Dezembro de 2011;


c) conta depósito a prazo Aforro Premio nº 0003..........20 do Banco Santander Totta: 17 de Dezembro de 2015;


d) conta depósito nº .............-4 do Banco Montepio Geral: desde a sua abertura em 8 de Fevereiro de 2008;


e) conta a ordem nº .........69 do Banco Millennium BCP: desde a sua abertura em 4 de Abril de 2008;


f) conta rendimento mensal nº ..........44 do Novo Banco: desde a sua abertura a 27 de Fevereiro de 2015;


g) conta depósito a prazo NB Flexível nº ..........51 do Novo Banco: desde a sua abertura a 29 de Abril de 2015;


h) conta poupança normal nº ..........43 do Novo Banco: desde a sua abertura a 14 de Agosto de 2008;


i) conta à ordem n.º ..........28 do Novo Banco: desde a sua abertura a 18 de Outubro de 2010.


18. A Ré ficou autorizada a movimentar, na qualidade de procuradora, as contas infra identificadas nas seguintes datas:


a) conta a ordem nº .........69 do Banco Popular: 28 de Abril de 2015;


b) conta depósito a prazo n.º .........42 do Banco Popular: 22 de Setembro de 2015;


c) conta de instrumentos financeiros n.º .............34 do Banco Popular: 6 de Maio de 2015.


19. A Ré era a única titular da conta à ordem nº .........61 e da conta poupança normal nº ..........43 do Novo Banco, abertas a 14 de agosto de 2008, tornando-se DD segunda titular a 3 de Maio de 2011.


20. A conta identificada em 19), bem como a identificada em 17) j) era movimentada a crédito e a débito pela Ré [facto aditado nos termos do artigo 5º nº 2 alínea b) do Código de Processo Civil].


21. A situação referida em 17) e 19) permitia a movimentação das contas em caso de impossibilidade pela primeira titular.


22. As contas fundo identificadas em 16) e) foram abertas em 11 de Setembro de 2006 e 4 de Setembro de 2009, respetivamente, com montantes provenientes de contas contituladas por EE e DD, ficando associadas à conta à ordem identificada em 15) e) a partir da abertura desta.


23. A conta nº 0003..........20 do Banco Santander Totta foi constituída com a liquidação parcial de uma conta de depósito à ordem e sucessivamente movimentada a crédito com depósito mensal de pensões, juros e resgate de depósitos/aplicações e transferências, bem como a débito através de cheques, constituição de contas a prazo e aplicações e débitos diretos de pagamento de serviços por DD.


24. A conta depósito a prazo Aforro Premio nº 0003..........20 do Banco Santander Totta foi aprovisionada em 11 de Janeiro de 2016 por DD com o montante de € 65.000, transferido da conta nº 0003..........20 da mesma instituição.


25. O dossier de títulos nº ..........28, referido em 16) d), aberto em 2 de Maio de 2013, foi movimentado por DD a:


- 7 de Maio de 2013, com a subscrição de € 38.000 de obrigações NB LND 6,75% com vencimento a 27 de Abril de 2015, amortizado a 28 de Abril de 2015;


- 12 de Dezembro de 2013, com a subscrição de € 24.000 de obrigações NB LND 5% com vencimento a 23 de Abril de 2019, resgatadas pela Ré a 21 de Janeiro de 2016;


- 5 de Maio de 2015, com a subscrição de € 39.000 de obrigações NB LND 5% com vencimento a 15 de Março de 2022, resgatadas pela Ré a 1 de Fevereiro de 2016 [resposta ao artigo 33º da petição inicial].


26. O dossier nº ..........28 do Novo Banco identificado em 16) d) estava associado à conta à ordem nº ... .... ..28, referida em 17) k).


27. A conta à ordem nº .........69 do Banco Popular foi aprovisionada por DD com € 500 em numerário e com um cheque no montante de € 30.000 a 29 de Abril de 2015.


28. Devido à grande proximidade entre DD e a Ré, bem como às preocupações referidas em 10), a primeira tornou a segunda titular das contas identificadas em 17) para que os montantes ali depositados ficassem a pertencer-lhe.


29. A Ré sempre dependeu de EE e de DD para realizar atos e operações mais complexos ou que exigiam maior reflexão.


30. No dia 28 de Agosto de 2015, DD, na qualidade de promitente vendedora, celebrou com FF e GG, na qualidade de promitentes compradoras, um contrato-promessa de compra e venda relativo a duas frações autónomas designadas pelas letras “I” e “T”, correspondentes ao Piso Seis – Terceiro Andar Esquerdo – habitação e arrecadação na subcave identificada pela letra “I” e Piso um – sub-cave – garagem número 1, do prédio urbano, sito em regime de propriedade horizontal na Av.ª ..., freguesia de ... e Concelho de ....


31. Através desse contrato, as Promitentes Compradoras entregaram a DD, a título de sinal, o montante de € 10.000 e comprometeram-se a pagar, aquando da celebração do contrato definitivo, o montante de € 85.000.


32. Por aditamento ao acordo identificado em 30), reduzido a escrito a em 25 de Novembro de 2015, DD deu quitação do montante de € 18.200 entregue pelas promitentes compradoras a título de reforço de sinal, ficando estipulado que o valor remanescentes de € 66.800 seria entregue por cheque visado na outorga da escritura de compra e venda.


33. DD disse à Ré que o produto da venda das frações identificadas em 30) se destinava à compra, por esta, de casa própria.


34. A Ré aceitou.


35. DD depositou € 15.000 relativo ao montante aludido em 32) na conta nº 0003..........20 identificada em 17) a).


36. DD comunicou a alguns familiares e amigos que o valor da venda das frações se destinava à compra de casa própria pela Ré.


37. O diagnóstico da doença referida em 1) ocorreu no ano de 2014.


38. DD manteve-se lúcida e com capacidade de decisão até momento próximo do falecimento.


39. A falecida sabia que não tinha cônjuge, nem ascendentes, nem descendentes, nem irmãos.


40. Aquando da morte de DD foi a Ré quem suportou as despesas do funeral, no montante de € 3.340.


41. A falecida não fez testamento, nem qualquer outra disposição de última vontade, não tendo descendentes nem ascendentes vivos, tendo sido habilitados como seus herdeiros, os seus primos: BB e CC, aqui Autoras; HH; II; JJ; KK; LL.


42. Por escritura celebrada em 8 de Agosto de 2016, no Cartório Notarial ..., no ..., HH e II declararam doar o quinhão hereditário que lhes pertencia, na herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de sua prima DD, às aqui Autoras BB e MM, que os declararam aceitar.


43. Por escritura lavrada em 8 de Agosto de 2016, no Cartório Notarial ..., no ..., JJ, repudiou a herança aberta por óbito de sua prima DD, herança esta que não tinha aceitado nem expressa, nem tacitamente.


44. Por escritura de 27 de Julho de 2016, lavrada no Cartório Notarial ..., em ..., KK e NN, com o consentimento das respetivas esposas, repudiaram a herança aberta por óbito de sua prima DD, herança esta que não tinham aceitado nem expressa, nem tacitamente.


45. A Ré, após o óbito da DD e tendo perfeito conhecimento da ocorrência do mesmo, procedeu a movimentação das referidas contas bancárias, através de levantamentos, instruções de venda e transferências bancárias por si ordenadas, para conta bancária de sua exclusiva titularidade.


46. A totalidade do saldo depositado na conta a ordem nº 0003..........20 do Banco Santander Totta, no montante de € 3.563,20, foi transferida a 20/01/2016, tendo a conta bancária ficado com saldo € 0 (zero).


47. A totalidade do saldo no montante de € 65.008,78, depositado na conta depósito a prazo Aforro Premio nº 0003..........20 do Banco Santander Totta, foi transferida a 20/01/2016, tendo a conta bancária ficado com saldo € 0 (zero).


48. A totalidade do saldo de € 1.773,48 depositado na conta depósito a prazo nº .............-4 do Banco Montepio Geral, foi transferida a 08/02/2016, tendo a conta bancária ficado com saldo € 0 (zero).


49. A totalidade do saldo de € 2.639,69 depositado na conta a ordem nº .........69 do Banco Millennium BCP, foi transferido em 19/01/2016, tendo a conta bancária ficado com saldo € 0 (zero).


50. A totalidade do saldo de € 101,43 depositado na conta a ordem nº .........61 do Novo Banco, foi transferido, tendo a conta bancária ficado com saldo € 0 (zero).


51. A totalidade do saldo de € 4.000 depositado na conta rendimento mensal nº ..........44 do Novo Banco, foi transferido, tendo a conta bancária ficado com saldo € 0 (zero).


52. A totalidade do saldo de € 5.000 depositado na conta depósito a prazo NB Flexível n.º ..........51 do Novo Banco, foi transferido, tendo a conta bancária ficado com saldo € 0 (zero).


53. A totalidade do saldo de € 1,42 depositado na conta poupança normal n.º ..........43 do Novo Banco, foi transferido, tendo a conta bancária ficado com saldo € 0 (zero).


54. A totalidade do saldo de € 1.469,27 depositados na conta a ordem nº ..........28 do Novo Banco, foi movimentado por levantamento multibanco em 17/01/2016, no montante total de € 400 e o remanescente por transferência datada de 19/01/2016.


55. As obrigações “Novo Banco London” foram, por ordem da Ré, vendidas, tendo as referidas vendas dado origem ao crédito na conta bancária nº ..........28 do Novo Banco dos montantes de € 19.867,20, em 21/01/2016, e de € 29.704,13 em 01/02/2016.


56. A Ré transferiu, em 28/01/2016, a quantia de € 19.867,20 para a sua conta bancária, e, em 03/02/2016, transferiu igualmente a quantia de € 29.704,13 para a sua conta bancária.


57. A Ré ordenou a venda, em 21/01/2016, das 4892,36 unidades de participação do Fundo Popular Global 25, depositados na conta de instrumentos financeiros nº 176.736.2463734 do Banco Popular, tendo sido creditado na conta à ordem nº ........69 o valor de € 28.362,97.


58. Procedeu ainda a Ré, na qualidade de autorizada, ao levantamento do depósito a prazo n.º .........42 do Banco Popular, tendo sido creditada a conta a ordem nº .........69, no montante de € 10.000, em 22/01/2016.


59. Por ordem da Ré, autorizada a movimentar a conta a ordem n.º .........69 do Banco Popular, foi, em 22/01/2016, transferida a quantia de € 38.997,01 e em 26/01/2016 a quantia de € 1,04, ambas transferidas para conta titulada por aquela.


60. A referida quantia de € 38.997,01, acrescida de € 1,04, que à data das transferências se encontrava depositada na conta a ordem nº .........69 do Banco Popular, correspondia ao somatório do valor de € 635,08 constante daquela conta à data do óbito e aos valores de € 28.362,97 da venda do Fundo Popular Global 25 e do levantamento do depósito à ordem da conta .........42, no montante de € 10.000, daquela instituição bancária.


61. Relativamente às 6845 unidades de participação do Fundo Mobiliário Vip Montepio, nas contas de fundos n.º ............-1 e .............-2, do Banco Montepio Geral, referidas na alínea p) do art.º 8º da presente pi, após tramitação do processo de habilitação de herdeiros junto daquela instituição bancária, foram vendidos e o resultado dividido pelo Montepio Geral em função dos titulares daquelas contas.


62. Da venda dos referidos fundos recebeu a Ré, em finais de 2016, um valor de, pelo menos, € 25.000.


63. Desde Janeiro de 2000, a Ré exerce atividade profissional de auxiliar de ação educativa na Santa Casa da Misericórdia de ... auferindo em 2008 a remuneração mensal de € 455 e gratificação de € 62,04, com rendimentos brutos de € 7.823,64, € 7.040,90, € 6.541,63, € 7.644,10, respetivamente, nos anos de 2012, 2013, 2014, 2015.


64. Em Abril de 2016, a Autora BB contactou a Ré solicitando a entrega dos montantes referidos em 31) e 32).


65. A Ré emitiu o cheque nº ........53 no montante de € 28.200, da conta identificada em 17) a), com data de 13 de Abril de 2016, à ordem da Autora.


66. A conta identificada em 65) não tinha provisão.


67. O cheque identificado em 65) foi substituído por outro do mesmo montante, da conta nº .........20 do Banco Santander Totta, com data de 19 de Abril de 2016.


68. O cheque referido em 67) foi pago a 20 de Abril de 2016.


69. A Ré pagou as quotas do condomínio referentes aos meses de Novembro de 2015 a Abril de 2016 e despesas de água das frações identificadas em 30).


70. Aquando da entrega do cheque identificado em 65), a Autora BB emitiu à ordem da Ré, um cheque no montante de € 302, para pagamento de despesas referidas em 69).


71. Por carta registada com aviso de receção, datada de 12/10/2016 e recebida pela Ré em 14/10/2016, as aqui Autoras, através da sua Mandatária, interpelaram a Ré para voluntariamente proceder à devolução, entre outros, dos valores correspondentes aos saldos bancários, acima identificados.


72. As Autoras celebraram depois com as Promitentes Compradoras o contrato definitivo de compra e venda das referidas frações, recebendo das mesmas o preço remanescente.


73. No âmbito dos contactos da mediadora imobiliária para celebrar a escritura aludida em 74), a Ré ficou a saber que não era herdeira de DD.


74. A Ré facultou à imobiliária o contacto da Autora BB.


75. A Ré não comunicou às Autoras o referido em 33).


76. A Autora BB pagou à imobiliária o montante de € 6.150 relativo à comissão na angariação de comprador.»


*


3. O direito aplicável


3.1. A questão em análise na presente revista é a de saber se a falecida DD doou à ré, em vida, os montantes depositados nas contas bancárias das quais eram contitulares, sabendo-se que, a existir doação, esse contrato não foi reduzido a escrito e que a ré só movimentou essas contas depois de a DD ter morrido.


A sentença objeto de apelação foi integralmente confirmada por decisão singular do Desembargador relator. Tendo essa decisão sido alvo de reclamação para a Conferência, veio a ser integralmente reproduzida e confirmada pelo acórdão que é alvo da presente revista.


3.2. Os argumentos que levaram a decisão recorrida a entender que não tinha existido contrato de doação validamente celebrado foram, em síntese, os seguintes:


«No caso dos autos, atenta a factualidade provada, verifica-se que devido á grande proximidade entre DD e a ré, a primeira tornou a segunda titular das contas referidas acima para que os montantes referidos lhe ficassem a pertencer. Por outro lado, resulta que a ré nunca movimentou nenhuma dessas contas em vida de DD, apenas as tendo movimentado após o seu falecimento, sendo que após essa data a ré através de levantamentos e instruções de vendas e transferências bancarias para contas da sua titularidade, movimentou o total de 172.023,80 euros e recebeu 25.000,00 na sequencia da venda de 6845 unidades de participação do Fundo Mobiliário VIP.


Assim, existiu uma doação verbal de coisa móvel (saldos bancários) a qual para ser válida exige a tradição da coisa doada, sendo que no caso a ré não praticou quaisquer actos de empossamento dado não ter feito nenhuma operação quanto aos saldos bancários em vida da doadora (não existiu tradição porque a quantia depositada continuou depositada na conta conjunta de que a ré era cotitular ou tinha autorização para movimentar, quantia que só veio a levantar depois da morte da falecida doadora).


A doação verbal desses bens porque não implicou nenhuma tradição, deve considerar-se nula por não respeitar a exigência referida no artigo 947.º, n.º 2 do Código Civil.


A tradição pode traduzir-se numa entrega material da própria coisa doada ou numa entrega simbólica do bem doado, por exemplo do seu título representativo, nos termos dos artigos 945.º, n.º 2, e 1263.º, alínea b) do CC, sendo que no caso não existiu essa tradição visto que a ré não realizou depósitos ou levantamentos nessas contas durante a vida da doadora, nem esses valores lhe foram entregues, nem se apurou a entrega desses títulos, sendo que apenas aquando do falecimento da doadora realizou os levantamentos e transferências já referidas.


Portanto, em vida da doadora não existiu tradição da coisa objecto da doação, não tendo a ré feito qualquer movimentação nas contas, sendo que apenas as movimenta a débito, e já depois do óbito da doadora e assim, exigindo a doação por morte as formalidades do testamento nos termos do artigo 946º do CCivil a mesma não respeitou a forma legal e é ineficaz, e assim esses saldos integravam a herança da doadora (devendo ser restituídos ás autoras como sucessoras da doadora).»


3.3. O caso dos presentes autos apresenta aspetos fácticos que, não raro, se identificam também em outros casos que têm corrido pelos tribunais: a existência de valores pecuniários depositados numa conta bancária titulada por duas pessoas, não sendo essa conta movimentada por uma delas em vida da outra.


Todavia, tais circunstâncias, por si só, não comportam suficiência normativa que permita extrair uma conclusão quanto à titularidade de tais montantes generalizável a todo e qualquer caso.


A conclusão sobre tal questão terá natureza casuística, pois só pela consideração de todos os factos relevantes se poderá concluir qual foi, em cada caso concreto, a intenção das partes ao constituírem uma conta conjunta, nomeadamente se existiu uma liberalidade de um contitular para com o outro (ou outros) ou se, diferentemente, tal contitularidade não visou uma atribuição patrimonial.


3.4. No caso a que respeitam os presentes autos, existia entre a falecida DD e a ré uma relação que pode ser qualificada como “quase-familiar”, como resulta da factualidade provada, nomeadamente do ponto n.2 ao ponto n.10 dos factos assentes. Efetivamente, como aí se demonstra, quando a ré tinha sete anos de idade, foi acolhida pela DD e pelo seu marido, do qual era sobrinha-neta, com os quais teve uma relação longa e próxima, afirmando o casal que ela era a filha que não tinham tido. Após a morte do marido da DD (em 2008), foi a ré quem lhe prestou apoio e conforto.


Quando a DD morreu (em 2016) foi a ré quem suportou as despesas do funeral (facto provado n.40).


Dada a existência deste tipo de relação, a DD teve o propósito de beneficiar economicamente a ré, acautelando financeiramente o seu futuro (como decorre dos factos provados n.10 e n.11).


Para o efeito realizou várias diligências, que se traduziram na constituição de seguros de vida, em 2010 e 2011, em favor da ré (factos provados números 12, 13 e 14), na constituição da contitularidade de várias contas bancárias (factos provados n.15 e 17) e ainda na atribuição do valor da venda de dois imóveis que a DD havia prometido vender a terceiros em 2015 (factos provados n.30 a 34 e 36)1.


Em disputa no presente recurso está apenas a questão da titularidade de saldos bancários, que totalizam o montante de €172.023,80; bem como de metade do valor que resultou da venda de 6845 unidades de participação do Fundo Mobiliário Vip Montepio, no valor de €25.000,00.


3.5. Dos factos provados n.15 a n.18 resulta que a ré e a DD eram contitulares de várias contas bancárias, abertas em diferentes Bancos. E resulta também que a DD procedeu a uma distinção no que respeita à inclusão do nome da ré nas suas contas bancárias. Como consta do facto provado n.16, a ré foi incluída nas contas aí referidas apenas para as poder movimentar (em conjugação com o facto provado n.21), nomeadamente em caso de impossibilidade da DD (cuja doença cancerígena foi diagnosticada em 2014, conforme facto provado n.37). Nestas contas a ré assumiu, portanto, apenas uma função de auxiliar ou mandatária da DD – a única titular dos montantes aí depositados.


Porém quanto às demais contas, particularmente as referidas no facto provado n.17, a ré surge como contitular dessas contas, sem qualquer limitação.


Assim, dada esta distinção, não se pode concluir (como concluíram as instâncias) que em todas as contas nas quais figurava o nome da ré esta tivesse apenas uma função de auxiliar a DD na movimentação dos montantes nelas existentes.


A diferente posição que a ré assumiu nas diferentes contas bancárias terá, naturalmente, um diferente relevo normativo. Para este efeito, deve ter-se presente o que se encontra provado no ponto n.28 dos factos assentes, onde se estabelece que:


«Devido à grande proximidade entre DD e a Ré, bem como às preocupações referidas em 10), a primeira tornou a segunda titular das contas identificadas em 17) para que os montantes ali depositados ficassem a pertencer-lhe


Alega a recorrente que esses valores lhe pertencem porque lhe teriam sido doados pela DD ao torna-la contitular das contas bancárias.


O contrato de doação, regulado no art.940º e seguintes do Código Civil, pressupõe que o doador, por espírito de liberalidade e à custa do seu património, disponha de uma coisa ou de um direito em benefício de outrem. Porém, como a doação não é um simples negócio unilateral, mas sim um contrato, terá de existir aceitação do donatário (que pode ser expressa ou tácita). No caso concreto, encontra-se provado que a DD pretendeu doar à ré os montantes depositados nas contas referidas no ponto 17 da factualidade assente. Por outro lado, para que alguém se torne titular ou contitular de uma conta bancária (celebrando um contrato com uma entidade bancária) terá, obviamente, de manifestar a sua vontade nesse sentido. Assim, quando a ré se torna contitular das contas onde se encontravam os valores que a DD pretendia doar-lhe está a manifestar um comportamento que exterioriza a sua aceitação, pelo menos tácita, dessa liberalidade.


Estando em causa a doação de coisas móveis (dinheiro, no caso concreto), o art.947º, n.2 exige a redução do contrato a escrito, quando a sua celebração não seja acompanhada da tradição da coisa doada.


Tratando-se da doação de coisas fungíveis, como é o dinheiro, a traditio da coisa doada tem de ser adequadamente compreendida quando esses bens se encontram depositados em contas bancárias, pois, em regra, os contratantes não procedem ao levantamento físico do dinheiro para, depois, o voltarem a depositar. Segundo os usos comerciais, a traditio de dinheiro entre contas bancárias opera-se de forma simbólica [prevista no art.1263º, alínea b) do CC], colocando à ordem ou disposição do beneficiário as quantias atribuídas (acompanhada da emissão de cartões de débito ou crédito respeitantes à conta beneficiada, quando necessário à sua movimentação.)


Assim, se a falecida DD tivesse transferido determinado montante para uma conta titulada apenas pela ré, também não teria havido qualquer traditio material do dinheiro doado (não seria razoável levantar o dinheiro em numerário para, de seguida, o ir depositar). A tradição do dinheiro doado teria, nessa hipótese, natureza simbólica ou tácita, traduzida no ato de colocar ao dispor da beneficiária o valor doado. E a conclusão de que a traditio, nesta hipótese, existiu não deveria ficar dependente da posterior movimentação que a donatária fizesse, ou não, dos valores doados. Ao decidir não movimentar a conta (nomeadamente, por não necessitar dos valores nela depositados), a donatária estaria a exercer uma das faculdades que a titularidade do dinheiro lhe confere: a faculdade de o usar ou não.


Estas considerações são igualmente válidas quando o doador torna o donatário contitular de determinada conta bancário com o propósito de proceder a uma liberalidade (total ou parcial) dos valores depositados em favor deste último, como se verifica no caso concreto (facto provado n.28).


Porém, no caso dos presentes autos, não se poderá concluir linearmente que a DD tivesse tido a intenção de transferir, em vida, a totalidade dos valores depositados nas contas referidas no ponto n.17 da factualidade assente para a ré, no momento em que a tornou contitular dessas contas. O que passou a existir foi uma situação de contitularidade dos valores depositados, pois a doadora, ao manter-se como contitular das contas bancárias, manteve-se também como comproprietária dos valores depositados.


Sendo o depósito bancário uma relação de ordem comercial (pela natureza do depositário), daí emerge uma relação solidária (art.513º do CC), na qual se presume que, no plano das relações internas, os credores e devedores nela participam em partes iguais (nos termos do art.516º do CC). Não sendo esta presunção afastada, sempre teria de se concluir que a ré e a DD eram titulares, cada uma, de metade dos valores depositados nas referidas contas.


O facto de a ré não ter movimentado as contas em vida da doadora não lhe retira a qualidade de donatária, pois poderia igualmente não ter procedido a qualquer movimento bancário se os montantes tivessem sido transferidos para uma conta da sua exclusiva titularidade. Movimentar, ou não, uma conta bancária não é necessariamente uma condição de aceitação de uma doação ou de tradição dos valores doados.


Quando a DD morreu, o que existia era uma situação de compropriedade dos valores depositados nas contas a essa data. Assim, não sendo a ré herdeira da falecida, a metade que a esta pertencia caberá, segundo as regras legais das sucessões, às suas herdeiras (as autoras na presente ação).


Ainda que a DD tivesse tido a intenção de que a sua metade ficasse, por sua morte, a pertencer também à ré, tal vontade teria de ter sido manifestada com observância das formalidades testamentárias, dado o disposto no art.946º do CC, quanto à doação por morte. E tal não aconteceu.


Em resumo, quanto a este ponto, o recurso procederá apenas parcialmente.


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3.6. Quanto aos 25.000 dos fundos do Montepio: consta do facto provado n.16, alínea e) que a ré tinha autorização para movimentar: «6845 unidades de participação do Fundo Mobiliário Vip Montepio, nas contas de fundos nº ............-1 e .............-2, do Banco Montepio Geral


Como consta dos factos provados nos números 60 e 61 da factualidade assente, em finais de 2016, o Montepio vendeu esses fundos (após tramitação do processo de habilitação de herdeiros junto desta instituição bancária), tendo atribuído metade à ré, no montante de € 25.000.


Consta do facto provado n.28 que a DD tornou a ré titular das contas identificadas no ponto 17 para que os montantes ali depositados ficassem a pertencer-lhe.


Porém, as 6845 unidades de participação do Fundo Mobiliário Vip Montepio, encontravam-se depositadas nas contas n. ............-1 e n..............-2, do Banco Montepio Geral, as quais não se encontram entre as contas referidas no ponto n.17 da factualidade provada (que foram alvo de doação à ré). Quanto a estas duas contas do Montepio Geral, a ré apenas tinha uma contitularidade formal, para que as pudesse movimentar, como se encontra provado no ponto n.16, alínea e) dos factos assentes. Tais valores não foram, portanto, alvo de doação à ré. Consequentemente, devem integrar a herança da DD, com os inerentes efeitos legais. Assim, quanto a este montante, a revista da ré é improcedente.


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DECISÃO: Pelo exposto, concede-se provimento parcial ao recurso de revista, revogando-se parcialmente o Acórdão recorrido, nos seguintes termos:


a) Reconhece-se que a ré é proprietária de 50% do valor global de €172.023,80 (ou seja, 86.011,90) por os ter adquirido por doação, julgando-se, nesta parte, parcialmente procedente o pedido reconvencional.


Consequentemente, confirma-se parcialmente o acórdão, condenando a ré-recorrente a restituir às autoras os outros 50% daquele valor, que herdaram da falecida DD. Sobre este valor são devidos juros de mora (como decidido pelas instâncias), desde 14 de outubro de 2016 até integral e efetivo cumprimento.


b) Confirma-se a decisão recorrida na parte em que condena a ré a restituir metade do valor que resultou da venda de 6845 unidades de participação do Fundo Mobiliário Vip Montepio, das contas de fundos n.º ............-1 e .............-2, do Banco Montepio Geral, no montante de €25.000,00. Sobre este montante são igualmente devidos juros de mora, desde 14 de outubro de 2016 até integral e efetivo cumprimento.


Custas: 40% pelas recorridas e 60% pela recorrente.


Lisboa, 02.11.2023


Maria Olinda Garcia (Relatora)


António Barateiro Martins


Luís Espírito Santo


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1. Os valores respeitantes ao sinal do contrato promessa respeitante a esses imóveis, bem como o valor do reforço de sinal foram entregues pela ré às autoras, após interpelação destas para o efeito, pelo que não estão em causa no presente recurso.↩︎