Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
17605/21.9T8LSB.L1.S1
Nº Convencional: 4.ª SECÇÃO
Relator: MÁRIO BELO MORGADO
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
RETRIBUIÇÃO
TRABALHO SUPLEMENTAR
FÉRIAS
SUBSÍDIO DE FÉRIAS
SUBSÍDIO DE NATAL
Data do Acordão: 06/23/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADAS AS REVISTAS
Sumário :

A retribuição por trabalho suplementar pago, pelo menos, em 11 meses por ano integra a retribuição do trabalhador e deverá refletir-se na retribuição de férias e nos subsídios de férias dos trabalhadores do sector portuário, à luz dos Códigos do Trabalho de 2003 e 2009, com exceção do período em que o Contrato Coletivo de Trabalho para o sector, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego n.o 6, de 15 de Fevereiro de 1994, coincidiu na sua vigência com a dos Códigos do Trabalho, sobre eles prevalecendo nesta matéria, até à verificação da respetiva caducidade, em Novembro de 2014.

Decisão Texto Integral:


Revista n.o 17605/21.9T8LSB.L1.S1

MBM/JG/RP

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça

I.

1. AA peticionou, na presente ação, a condenação de Sotagus Terminal de Contentores de Santa Apolónia, SA, a pagar-lhe a quantia de 137.731,19 € (acrescida de juros de mora), sendo 96.417,57 € relativos à inclusão na retribuição das férias e nos subsídios de férias e de Natal da média do valor pago a título de trabalho suplementar nos anos de 2002 a 2005, 2007 a 2014, 2015, 2017 e 2018 e 41.313,62 € relativos a dias de descanso compensatório não gozados.

2. Por seu turno, na apensa ação n.o 20169/21.0T8LSB, BB peticionou a condenação de Liscont Operadores de Contentores, SA, a pagar-lhe a quantia de 97.613,18 € (acrescida de juros moratórios), também relativa relativos à inclusão na retribuição das férias e nos subsídios de férias e de Natal da média do valor pago a título de trabalho suplementar nos anos de 2008 a 2019 e a dias de descanso compensatório não gozados.

3. Na 1.a Instância foi proferida sentença a julgar as ações parcialmente procedentes e, assim, a condenar:

– A R. Sotagus, a pagar ao A. AA: i) as diferenças salariais na retribuição de férias e no subsídio de férias referentes aos anos 2003, 2004, 2005, 2007, 2008, 2009, 2010, 2011, 2012, 2013, 2014, 2015, 2017 e 2019 com vencimento no dia 1 de Janeiro dos anos imediatamente subsequentes, resultantes da inclusão nos mesmos dos valores médios recebidos por a título de trabalho suplementar com referência aos valores médios dos últimos doze meses antes da data do vencimento da retribuição de férias e do subsídio de férias; ii) as diferenças salariais no subsídio de Natal referentes aos anos 2003, 2004, 2005, 2007, 2008, 2009, 2010, 2011, 2012, 2013, 2014, 2015, 2017 e 2019 dos anos resultantes da inclusão nos mesmos dos valores médios recebidos por a título de trabalho suplementar com referência aos valores médios dos últimos doze meses antes da data do vencimento do subsídio de Natal.

– A R. Liscont, a pagar ao A. BB: i) as diferenças salariais na retribuição de férias e no subsídio de férias referentes aos anos 2008, 2009, 2010, 2011, 2012, 2013, 2014, 2015, 2016, 2017, 2019 com vencimento no dia 1 de Janeiro dos anos imediatamente subsequentes, resultantes da inclusão nos mesmos dos valores médios recebidos por a título de trabalho suplementar com referência aos valores médios dos últimos doze meses antes da data do vencimento da retribuição de férias e do subsídio de férias; ii) as diferenças salariais no subsídio de Natal referentes aos anos 2008, 2009, 2010, 2011, 2012, 2013, 2014, 2015, 2016, 2017, 2019 dos anos resultantes da inclusão nos mesmos dos valores médios recebidos por a título de trabalho suplementar com referência aos valores médios dos últimos doze meses antes da data do vencimento do subsídio de Natal.

– Ambas as rés, a pagar aos autores juros de mora vencidos e vincendos.

4. Interposto recurso de apelação pelas RR., foi o mesmo julgado parcialmente procedente pelo Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) que decidiu:

– Alterar oficiosamente os pontos 5. e 58. da decisão de facto.

– Condenar a R. Sotagus a pagar ao A. AA apenas as diferenças salariais resultantes da inclusão dos valores médios recebidos pelo trabalhador a título de trabalho suplementar nos anos de 2014, 2015, 2017 e 2019, na retribuição de férias e no subsídio de férias vencidos no dia 1 de Janeiro de cada ano imediatamente subsequente aos indicados anos, com referência aos últimos doze meses antes da data do vencimento da retribuição de férias e do subsídio de férias.

– Condenar a R. a R. Liscont a pagar ao A. BB apenas as diferenças salariais resultantes da inclusão dos valores médios recebidos pelo trabalhador a título de trabalho suplementar nos anos de 2014, 2015, 2016, 2017 e 2019, na retribuição de férias e no subsídio de férias vencidos no dia 1 de Janeiro de cada ano imediatamente subsequente aos indicados anos, com referência aos últimos doze meses antes da data do vencimento da retribuição de férias e do subsídio de férias.

– Condenar ambas as rés a pagar aos autores juros de mora vencidos e vincendos.

– Absolver ambas as rés quanto ao mais peticionado.

5. Interpostos pelas partes recursos de revista, foram admitidos os dos Autores e o da Ré Liscont.

6. O Exmo Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se no sentido de a revista interposta por esta ré não ser admissível, no tocante a duas das questões suscitadas (prescrição dos juros de mora vencidos há mais de cinco anos e abuso de direito) e, quanto ao mais, pela improcedência dos recursos, em douto parecer a que apenas responderam os Autores, em linha com o antes sustentado nos autos.

II.

(Delimitação do objeto do recurso)

7.1. Na apelação, a ré ora recorrente questionou o facto de o tribunal de 1a instância a ter condenado no pagamento de juros de mora à taxa legal, desde a data em que deveriam ter sido pagos os créditos laborais reclamados pelos AA.

A Relação confirmou este segmento decisório da sentença, sem fundamentação essencialmente diferente, pelo que, verificando-se dupla conforme, o recurso é inadmissível nesta parte, nos termos do art. 671.o, n.o 3, do CPC.

Não se conhecerá, pois, desta questão.

7.2. Por outro lado, a recorrente invoca na Revista, a prescrição dos juros de mora vencidos há mais de cinco anos, bem como que as pretensões em que os AA. obtiveram ganho de causa constituem abuso de direito.

Acontece que a mesma não questionou estes pontos nas conclusões das alegações do recurso de apelação interposto da sentença proferida na 1a Instância, matéria sobre a qual, consequentemente, o acórdão recorrido não se pronunciou.

Deste modo, destinando-se os recursos a reapreciar as decisões tomadas pelos tribunais de inferior hierarquia e não a decidir questões novas que perante eles não foram equacionadas, é manifesto que estas questões (novas) não poderão agora ser conhecidas por parte deste Supremo1, sendo ainda certo que dos autos não resultam quaisquer razões que minimamente imponham conhecer oficiosamente do alegado abuso de direito.

Consequentemente, também não se conhecerá destas duas questões.

8. Inexistindo quaisquer outras de que se deva conhecer oficiosamente (art. 608.o, n.o 2, in fine, do CPC2), em face das conclusões das alegações de recurso, as questões a decidir,3 pela ordem resultante do nexo de precedência lógica e prático-jurídica que entre elas existe, são as seguintes:

8.1. Recurso da R. Liscont: se, no período considerado no acórdão recorrido, os AA. têm direito a ver incluído nos pagamentos relativos a férias e subsídio de férias o valor médio anual de trabalho suplementar por si prestado.

8.2. Recurso dos AA.: i) se, também no período anterior a novembro de 2014, nos termos considerados na sentença da 1a instância, os AA. têm direito a ver incluído nos pagamentos relativos a férias e subsídio de férias o valor médio anual de trabalho suplementar por si prestado; ii) se os AA. têm direito a ver incluído nos pagamentos relativos ao subsídio de Natal o valor médio anual de trabalho suplementar por si prestado (e, na afirmativa, em que período)

E decidindo.

III.

9. Com relevância para a decisão, foi fixada pelas instâncias a seguinte matéria de facto:4

9.1. Processo n.o 17605/21.9T8LSB - AA:

1. O autor foi um trabalhador portuário com contrato de trabalho sem termo celebrado com a ré no mês de Janeiro do ano de 2002.

2. Tendo prestado trabalho no porto de Lisboa, sob as ordens, direção e fiscalização da ré desde a referida data.

3. E cessado a sua relação de trabalho com e mesma no dia 31 de Maio de 2020, por virtude da passagem à situação de reforma.

4. O autor é sócio do Sindicato Nacional dos Estivadores, Trabalhadores do Tráfego, Conferentes Marítimos e Outros, desde a constituição deste (estatutos publicados no Boletim do Trabalho e Emprego no1 2017 de 8 de Janeiro), tendo o no de sócio 21342.

5. O autor possuía a categoria profissional de Coordenador. (redação dada pelo TRL)

6. O autor ingressou no sector portuário antes de 1993, razão pela qual é um trabalhador designado por Tipo A.

7. A ré é uma empresa que tem por objeto a atividade de movimentação e armazenagem de cargas nas áreas portuárias, compreendendo designadamente a estiva, desestiva e tráfego, bem como quaisquer outras operações preparatórias ou complementares de que as mercadorias careçam quer a bordo quer em terra.

8. A ré exerce a sua atividade exclusivamente no porto de Lisboa (...)

9. O trabalho no porto de Lisboa está organizado por turnos, estando atualmente apenas em vigor os turnos das 08,00h às 17,00h, das 17,00h às 24,00h e, nos casos de acabamento de navios, o prolongamento até às 02,00h.

10. Excecionalmente o porto trabalha da 00,00h/08,00h – 3o turno, o qual, por ainda não estar instituído, é sempre considerado trabalho suplementar;

11. No caso do trabalho suplementar o valor pago é o correspondente ao turno inteiro de trabalho, independentemente de o trabalhador ter apenas prestado trabalho em parte do respetivo turno.

12. O porto de Lisboa tem um funcionamento praticamente em contínuo, durante quase todos os dias do ano, com permanentes entradas e saídas de navios.

13. Que não têm, nem podem ter, horários rígidos de chegada e de saída, uma vez que as condições climatéricas, as marés e outros fatores não o permitem.

14. Por isso, as operações portuárias de carga e descarga de navios não podem ser programadas com grande antecedência, sendo que a única forma de poder garantir o normal funcionamento do porto de Lisboa e de todos os restantes do país é através de uma total disponibilidade dos trabalhadores portuários para prestarem trabalho sempre que for necessário.

15. (...)

16. (...)

17. Dado ser financeiramente inviável as empresas de operação portuária, entre as quais se enquadra a ré, terem um quadro de pessoal efetivo que assegure todo o trabalho durante todos os turnos, todos os dias, a solução sempre passou pelo recurso de trabalho suplementar

18. E pela existência de um contingente comum de trabalhadores em cada porto os quais, regra geral, são trabalhadores de uma empresa de cedência de mão de obra portuária detida em exclusivo por todas as empresas do porto que utilizam essa mesma mão de obra, sendo que, no caso concreto do porto de Lisboa, essa empresa é a A-ETPL.

19. Existem alguns meses no ano em que o montante pago a título de trabalho suplementar é superior à soma de todos os restantes valores que englobam a remuneração, circunstância que também se verifica no porto de Lisboa.

(...)

51. Até à interposição da presente ação, o autor nunca reclamou à ré quaisquer créditos.

52. Quando se prolongava um turno, o autor podia não fazer esse turno na íntegra.

53. O que acontecia na prática é que os trabalhadores para terminarem um navio, entravam num novo turno.

54. Nestes casos que ocorreram, o autor ainda que não completasse o turno e trabalhasse apenas parte dele, por exemplo uma hora, era pago pela ré pela totalidade do turno.

9.2. Processo n.o 20169/21.0T8LSB - BB

55. O autor foi um trabalhador portuário com contrato de trabalho sem termo celebrado com a ré no dia 8 de Fevereiro de 2008.

56. Tendo prestado trabalho no porto de Lisboa, sob as ordens, direção e fiscalização da ré desde a referida data.

57. O autor é sócio do Sindicato Nacional dos Estivadores, Trabalhadores do Tráfego, Conferentes Marítimos e Outros, desde a constituição deste (Estatutos publicados no BTE n.o 1 do ano de 2017 de 8 de Janeiro), tendo o n.° de sócio 40100.

58. O autor tem a categoria profissional de Trabalhador de Base. (redação dada pelo TRL)

59. A ré é uma empresa que tem por objeto todas as operações portuárias relativas à carga e descarga de contentores, incluindo a estiva de navios contentorizados, e ainda qualquer outra atividade de operação portuária prevista na lei.

60. A ré exerce a sua atividade exclusivamente no porto de Lisboa (...)

61. O trabalho no porto de Lisboa está organizado por turnos, estando atualmente apenas em vigor os turnos das 08h00 às 17h00, das 17h00 às 24h00 e, nos casos de acabamento de navios, o prolongamento até às 02h00.

62. Excecionalmente o porto trabalha das 00h00 às 08h00 3.o turno, o qual, por ainda não estar instituído, é sempre considerado trabalho suplementar.

63. No caso do trabalho suplementar o valor pago é o correspondente ao turno inteiro de trabalho, independentemente de o trabalhador ter apenas prestado trabalho em parte do respetivo turno.

64. O porto de Lisboa tem um funcionamento praticamente contínuo, durante quase todos os dias do ano, com permanentes entradas e saídas de navios.

65. Que não têm, nem podem ter, horários rígidos de chegada e de saída, uma vez que as condições climatéricas, as marés e outros fatores não o permitem.

66. Por isso, as operações portuárias de carga e descarga de navios não podem ser programadas com grande antecedência, sendo que a única forma de poder garantir o normal funcionamento do porto de Lisboa e de todos os restantes do país -, é através de uma total disponibilidade dos trabalhadores portuários para prestarem trabalho sempre que for necessário.

67. (...)

68. (...)

69. Dado ser financeiramente inviável as empresas de operação portuária, entre as quais se enquadra a ré, terem um quadro de pessoal efetivo que assegure todo o trabalho durante todos os turnos, todos os dias, a solução sempre passou pelo recurso de trabalho suplementar

70. E pela existência de um contingente comum de trabalhadores em cada porto os quais, regra geral, são trabalhadores de uma empresa de cedência de mão de obra portuária detida em exclusivo por todas as empresas do porto que utilizam essa mesma mão de obra, sendo que, no caso concreto do porto de Lisboa, essa empresa é a A-ETPL.

71. Existem alguns meses no ano em que o montante pago a título de trabalho suplementar é superior à soma de todos os restantes valores que englobam a remuneração, circunstância que também se verifica no porto de Lisboa.

(...).

97. Até à interposição da presente ação, o autor nunca reclamou à ré quaisquer créditos.

98. Quando se prolongava um turno, o autor podia não fazer esse turno na íntegra.

99. O que acontecia na prática é que os trabalhadores para terminarem um navio, entravam num novo turno.

100. Nestes casos que ocorreram, o autor ainda que não completasse o turno e trabalhasse apenas parte dele, por exemplo uma hora, era pago pela ré pela totalidade do turno.

IV.

a) – Se, no período considerado no acórdão recorrido, os AA. têm direito a ver incluído nos pagamentos relativos a férias e subsídio de férias o valor médio anual de trabalho suplementar por si prestado.

10. Regime jurídico aplicável ao caso sub judice.

Os factos em causa ocorreram entre os anos de 2002 e 2019.

Nos termos do n.o 1 do artigo 8.o da Lei n.o 99/2003, de 27 de agosto, e do n.o 1 do artigo 7.o da Lei n.o 7/2009, de 12 de fevereiro, ficam sujeitos ao regime do Código do Trabalho (o de 2003 e, identicamente, o de 2009) os contratos de trabalho e os instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho celebrados ou aprovados antes da sua entrada em vigor, salvo quanto às condições de validade e aos efeitos de factos ou situações totalmente passados anteriormente àquele momento, isto, sem prejuízo de disposição legal em contrário.

Assim, o Código do Trabalho de 2003 aplica-se às prestações remuneratórias peticionadas vencidas após a sua entrada em vigor (dia 1 de Dezembro de 2003 — n.o 1 do artigo 3.o da Lei n.o 99/2003) e o Código do Trabalho aprovado pela Lei n.o 7/2009, aplica-se às vencidas após a sua entrada em vigor (dia 17 de Fevereiro de 2009 — artigo 2.o da Lei).

Por outro lado, como bem esclarece o acórdão recorrido:

«Quanto às vencidas antes da vigência do Código do Trabalho de 2003 – as prestações a ser pagas entre 2002 e 30 de Novembro de 2003 –, há que atender ao disposto no Decreto-Lei n.o 49.408 de 24 de Novembro de 1969 (L.C.T.), no anterior regime jurídico das férias, feriados e faltas, previsto no Decreto-Lei n.o 874/76, de 28 de Dezembro, com as alterações conferidas pelo Decreto-Lei n.o 397/91, de 16 de Outubro, e pela Lei n.o 118/99, de 11 de Agosto, e ainda na lei do subsídio de Natal, aprovada pelo Decreto-Lei n.o 88/96, de 3 de Julho.

Assim, o Código do Trabalho de 2003 aplica-se às prestações remuneratórias peticionadas vencidas após a sua entrada em vigor (dia 1 de Dezembro de 2003 — n.o 1 do artigo 3.o da Lei n.o 99/2003) e o Código do Trabalho aprovado pela Lei n.o 7/2009, aplica-se às vencidas após a sua entrada em vigor (dia 17 de Fevereiro de 2009 — artigo 2.o da Lei).

Quanto às vencidas antes da vigência do Código do Trabalho de 2003 – as prestações a ser pagas entre 2002 e 30 de Novembro de 2003 –, há que atender ao disposto no Decreto-Lei n.o 49.408 de 24 de Novembro de 1969 (L.C.T.), no anterior regime jurídico das férias, feriados e faltas, previsto no Decreto-Lei n.o 874/76, de 28 de Dezembro, com as alterações conferidas pelo Decreto-Lei n.o 397/91, de 16 de Outubro, e pela Lei n.o 118/99, de 11 de Agosto, e ainda na lei do subsídio de Natal, aprovada pelo Decreto-Lei n.o 88/96, de 3 de Julho.

Ter-se-ão também presentes os seguintes instrumentos de regulamentação coletiva:

a) Contrato Coletivo de Trabalho entre a AOPL – Associação de Operadores do Porto de Lisboa e outra, e o Sindicato dos Conferentes de Cargas Marítimas de Importação e Exportação dos Distritos de Lisboa e Setúbal e outros, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego no 6, de 15 de Fevereiro de 1994, e

b) Contrato Coletivo de Trabalho entre a AOPL - Associação de Operadores do Porto de Lisboa e outras e o Sindicato dos Estivadores, Trabalhadores do Tráfego e Conferentes Marítimos do Centro e Sul de Portugal, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego no 37, de 08 de Janeiro de 2016.

(...)

E ter-se-á em consideração o Decreto-Lei 280/93 de 13 de Agosto, que veio regular especificamente o regime jurídico do trabalho portuário e constitui lei especial que, como tal, prevalece sobre as normas

gerais contidas no Código do Trabalho, sempre que, a propósito dos vários aspetos do regime laboral, estabeleça regime diverso. Nos termos do preceituado no artigo 3.o deste diploma, na sua versão primitiva, “[a]s relações laborais entre os trabalhadores do efetivo dos portos e as respetivas entidades empregadoras regem-se pelo disposto no presente diploma e pelas regras aplicáveis ao contrato individual de trabalho e demais legislação de trabalho”. E na versão introduzida pela Lei n.o 3/2013, o diploma veio dispor que [à]s relações entre o trabalhador que desenvolve a sua atividade profissional na movimentação de cargas e as empresas de estiva, as empresas de trabalho portuário e as empresas que explorem áreas de serviço privativo é aplicável o disposto no presente diploma, no Código do Trabalho e demais legislação complementar”, esclarecendo o âmbito subjetivo do diploma, e atualizando a remissão para as regras aplicáveis ao contrato individual de trabalho e demais legislação de trabalho coma referência ao Código do Trabalho e demais legislação complementar.»

11. Essencialmente, em termos que por inteiro se acompanham e que seguiremos de muito perto, o muitíssimo bem fundamentado acórdão recorrido assenta, quanto à questão em apreço, no seguinte entendimento: a remuneração por trabalho suplementar pago, pelo menos, em 11 meses por ano, integra a retribuição do trabalhador e deverá refletir-se no pagamento das férias e dos subsídios de férias dos trabalhadores do sector portuário, à luz dos Códigos do Trabalho de 2003 e 2009, com exceção do período em que a vigência do Contrato Coletivo de Trabalho para o sector, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego n.o 6, de 15 de fevereiro de 1994, coincidiu com a dos Códigos do Trabalho, sobre eles prevalecendo nesta matéria, até à caducidade do CCT (em novembro de 2014).

Analisemos as premissas que suportam este juízo.

11.1. Natureza retributiva do trabalho suplementar pago durante 11 meses por ano:

Com base no disposto no art. 258o, do CT/2009, que consagra os “princípios gerais sobre a retribuição”, Monteiro Fernandes define este conceito como o “conjunto dos valores (pecuniários ou não) que a entidade patronal está obrigada a pagar regular e periodicamente ao trabalhador em razão da atividade por ele desempenhada (ou, mais rigorosamente, da disponibilidade da força de trabalho por ele oferecida)”5.

A remuneração, em sentido amplo, compreende a retribuição (em sentido técnico-jurídico ou restrito) e outras prestações remuneratórias destituídas de índole retributiva, sendo que, nos termos do no 3 do mesmo artigo, “presume-se constituir retribuição qualquer prestação do empregador ao trabalhador”.

Sobre o requisito periodicidade/regularidade, diz o citado autor:6

«Esta característica tem um duplo sentido indiciário: Por um lado, sugere a existência de uma vinculação prévia (quando não se ache expressamente consignada) e, por conseguinte, de uma prática vinculativa; por outro, assinala a

medida das expetativas de ganho do trabalhador e (...) confere relevância ao nexo existente entre a retribuição e as necessidades pessoais e familiares daquele.

A repetição (...) do pagamento de certo valor, com identidade título e/ou montante, cria a convicção da sua continuidade e conduz a que o trabalhador, razoavelmente, paute o seu padrão de consumo por tal expetativa (...) juridicamente protegida.”

Acrescentando, relativamente ao requisito também fundamental da correspetividade:7

«[É] necessário que exista correspetividade entre as prestações do empregador e a situação de disponibilidade do trabalhador – ou seja, noutros termos, que essas prestações não tenham causa específica e individualizável, diversa da remuneração do trabalho.

(...)

É, em suma, necessário que se possa detetar uma contrapartida específicadiferente da disponibilidade da força de trabalho – para certa prestação do empregador, a fim de que esta se coloque à margem do salário global. O que, dito de outro modo, envolve a existência da presunção de que qualquer atribuição patrimonial efetuada pelo empregador em benefício do trabalhador, salvo prova em contrário, constitui parcela da retribuição (art. 258o/3).”

Especialmente significativo sobre este elemento é o Ac. de 12.10.2017 desta Secção Social8, Proc. n.o 84/16.0T8PNF.P1.S2, assim sumariado:

I. Princípio reitor na definição da retribuição (stricto sensu), visto o carácter sinalagmático que informa o contrato de trabalho, é a exigência da contrapartida do trabalho, pois só se considera retribuição aquilo a que nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho.

II. Mesmo provadas a regularidade e a periodicidade no pagamento de remunerações complementares, as mesmas não assumem carácter retributivo se tiveram uma causa específica e individualizável, diversa da remuneração do trabalho ou da disponibilidade para este.

Especificamente sobre a natureza retributiva do trabalho suplementar, diz-nos ainda Monteiro Fernandes: “(...) [N]o tocante ao trabalho suplementar, a remuneração acrescida pode ser ou não computada no salário global conforme se verifique ou não a regularidade do recurso a horas suplementares de serviço. Nesse sentido apontava a lei anterior ao CT e cremos que o facto de o preceito não ter correspondência no CT decorre apenas da sua evidente redundância”.

In casu, o trabalho suplementar foi prestado e pago periodicamente, com uma regularidade praticamente mensal, durante a maior parte da vigência dos contratos de trabalho em causa.

Também é patente que tais pagamentos se destinavam a remunerar o trabalho prestado, em si mesmo considerado, não se vislumbrando neste âmbito qualquer “causa específica e individualizável, diversa da remuneração do trabalho ou da disponibilidade para este”.

Deste modo, encontrando-se verificados todos os elementos definidores do conceito em discussão – e sendo ainda certo que não se mostra minimamente ilidida a presunção de que constitui retribuição

toda e qualquer prestação do empregador ao trabalhador, tal como não se retira qualquer elemento em contrário dos instrumentos de regulamentação coletiva do sector –, é inequívoca a natureza retributiva do trabalho suplementar prestado nos anos em que foi pago durante 11 meses, nos termos em que decidiu o acórdão recorrido.

11.2. In casu o trabalho suplementar pago aos AA. (pelo menos, em 11 meses por ano) deverá refletir-se na retribuição das férias e nos subsídios de férias dos trabalhadores do sector portuário, à luz do Código do Trabalho, embora apenas posteriormente à caducidade, em novembro de 2014, do Contrato Coletivo de Trabalho para o sector, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego n.o 6, de 15 de Fevereiro de 1994 (como decidiu o tribunal a quo).

Lapidarmente, ponderou o acórdão recorrido:

«(...)

Cada norma legal ou cláusula que institui ou regula cada prestação requer (...) uma tarefa interpretativa a fim de lhe fixar o sentido com que deve valer, o que significa que uma atribuição patrimonial pode ter que qualificar-se como elemento da retribuição (face ao art. 82.o da LCT ou 258.o do Código do Trabalho de 2003 ou 258.o do Código do Trabalho de 2009) e, não obstante isso, merecer o reconhecimento de uma pendularidade diversa da que caracteriza os restantes elementos, nomeadamente a retribuição-base.

De acordo com Monteiro Fernandes, a aplicação destas normas como um regime “homogéneo” da retribuição para todos os efeitos, seria insuportavelmente absurda conduzindo desde logo a um “emaranhado de cálculos viciosos no conjunto dos processos de cálculo das prestações devidas derivadas da retribuição (que, por um lado, seriam determinadas com base nela, mas, por outro, seriam nela integradas)”. Segundo este autor, deve assentar-se no seguinte: “a qualificação de certa atribuição patrimonial como elemento do padrão retributivo definido pelo art. 258.° CT não afasta a possibilidade de se ligar a essa atribuição patrimonial uma cadência própria, nem a de se lhe reconhecer irrelevância para o cálculo deste ou daquele valor derivado «da retribuição». O «ciclo vital» de cada elemento da retribuição depende do seu próprio regime jurídico, cuja interpretação há-de pautar-se pela específica razão de ser ou função desse elemento na fisiologia da relação de trabalho (...)”

Haverá pois que verificar, em face dos factos que se provaram na presente ação quanto aos diversos pagamentos efetuados pelas recorrentes aos recorridos ao longo dos anos, se as parcelas de retribuição por trabalho suplementar que estão em causa no recurso, integram, ou não, o conceito de retribuição ou remuneração a atender para o cálculo do valor devido a título de retribuição de férias e de subsídios de férias e de Natal, tal como estas prestações se encontram previstas na lei e no instrumento de regulamentação coletiva aplicáveis à data dos respetivos vencimentos.

(...)

A disciplina da retribuição do período de férias e do respetivo subsídio de férias consta dos artigos 211.o a 223.o e 255.o do Código do Trabalho de 2003.

Segundo o artigo 255.o, n.o 1, “[a] retribuição do período de férias corresponde à que o trabalhador receberia se estivesse em serviço efetivo”. E o n.o 2 do mesmo preceito estabelece que “[a]lém da retribuição mencionada no número anterior, o trabalhador tem direito a um subsídio de férias cujo montante compreende a retribuição base e as demais prestações retributivas que sejam contrapartida do modo específico da execução do trabalho”.

(...)

Quanto aos instrumentos de regulamentação coletiva, na vigência do Código do Trabalho de 2003 encontrava-se em vigor no sector portuário o Contrato Coletivo de Trabalho publicado no Boletim do Trabalho e Emprego n.o 6, de 1994, que apenas veio a cessar os seus efeitos por caducidade em Novembro de 2014, como as partes consensualmente aceitam.

Este Contrato Coletivo de Trabalho de 1994, estabelecia na sua cláusula 47a que os trabalhadores têm direito a gozar um período de férias em cada ano civil “sem prejuízo da retribuição” (n.o 1), nesta se incluindo a “atualização salarial do ano em que se vence o direito a férias” (n.o 3) e na cláusula 62.a, que “[o]s trabalhadores têm direito anualmente a um subsídio de férias correspondente à retribuição do respetivo período” (n.o 1) e que “[a] retribuição a que se refere o número anterior integrará, além da remuneração de base correspondente, as diuturnidades, o subsídio de IHT, de turno e por trabalho noturno e o subsídio global, havendo-os, e o subsídio de penosidade e de disponibilidade” (n.o 2).

Interpretando esta previsão convencional da retribuição de férias (n.o 2, da cláusula 62.a) e inerente subsídio (n.o 1, da cláusula 62.a) cremos que a mesma tem um carácter taxativo. Por força do n.o 2 da cláusula 62.a, conjugada com a cláusula 47.a, a “retribuição” do período de férias a que se refere o n.o 1 será integrada pela remuneração de base correspondente, pelas diuturnidades, pelo subsídio de IHT, de turno e por trabalho noturno e pelo subsídio global, havendo-o, bem como pelo subsídio de penosidade e de disponibilidade. E o mesmo sucede com o subsídio de férias que, nos termos do n.o 1, corresponde àquela “retribuição do respetivo período”.

O que exclui a consideração da retribuição por trabalho suplementar percebida de modo regular e periódico no cômputo das prestações de retribuição de férias (calculada nos termos do n.o 2) e de subsídio de férias (que é “correspondente àquela retribuição”), à luz do Contrato Coletivo de Trabalho de 1994, tal como defende a recorrente.

O artigo 4.o, no 1 do Código do Trabalho aprovado pela Lei n.o 99/2003, veio alterar a regra de prevalência de normas constante do artigo 13.o do Decreto-Lei n.o 49.408 de 24 de Novembro de 1969 (L.C.T.) – que apenas permitia a intervenção das normas hierarquicamente inferiores quando eram mais favoráveis ao trabalhador – ao dispor que as normas do Código do Trabalho podem ser afastadas por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho, salvo quando delas resultar o contrário.

É assim inequívoco que em caso de concurso entre as normas constantes do Código do Trabalho e as disposições dos instrumentos de regulamentação coletiva, a lei permite a intervenção destas últimas, quer em sentido mais favorável aos trabalhadores, quer em sentido menos favorável, apenas se exigindo que as normas do Código do Trabalho não sejam imperativas. Se o forem, não será permitida a intervenção das normas da regulamentação coletiva.

(...)

No caso, tal significa que a partir de 1 de Dezembro de 2003 e até 16 de Fevereiro de 2009 (período em que esteve em vigor o Código do Trabalho de 2003), a retribuição de férias e o seu subsídio, com a composição expressa das prestações taxativamente enunciadas na cláusula 62.a do Contrato Coletivo de Trabalho de 1994, não abarca os valores do trabalho suplementar pagos regular e periodicamente ao trabalhador no ano antecedente [como até então deveria ter sucedido caso houvesse sido prestado trabalho suplementar regular e periodicamente, por força da prevalência da lei nos termos do artigo 13.o da Decreto-Lei n.o 49.408 de 24 de Novembro de 1969 (L.C.T.).

Não há que chamar à colação o artigo 11o da Lei Preambular ao Código do Trabalho de 2003 segundo o qual “[a] retribuição auferida pelo trabalhador não pode ser reduzida por mero efeito da entrada em vigor do Código do Trabalho”, na medida em que quanto ao A. António Vaz, admitido em 2002, nunca em data anterior à vigência do Código a retribuição de férias e os subsídios de férias e de Natal devidos ao mesmo contemplaram a média do trabalho suplementar por ele prestado no ano anterior e, quanto ao A. José Monteiro, não se encontrava sequer vinculado à R. Liscont antes de 1 de Dezembro de 2003, pelo que não se coloca a questão da redução de retribuição antes por qualquer deles “auferida”.

Após a vigência do Código do Trabalho de 2009, que entretanto entrou em vigor em 17 de Fevereiro de 2009, a questão do reflexo das médias do trabalho suplementar na retribuição de férias e no subsídio de férias deve perspetivar-se do mesmo modo.

Tendo em atenção que nos termos do preceituado no artigo 3.o, que tem como epígrafe “relações entre fontes de regulação”, as “normas legais reguladoras de contrato de trabalho podem ser afastadas por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho, salvo quando delas resultar o contrário” (n.o 1), é de considerar que a regulamentação coletiva pode validamente dispor em sentido diferente do das normas legais, quer em sentido mais favorável, quer em sentido menos favorável aos trabalhadores, desde que as normas legais não tenham natureza imperativa. E é igualmente de considerar que a questão dos reflexos de qualquer parcela retributiva no âmbito da retribuição e subsídios de férias não se inclui no elenco de matérias enunciadas no n.o 3, do artigo 3.o, em relação às quais à lei só admite a derrogação por regulamentação coletiva em sentido mais favorável ao trabalhador. A respetiva alínea j), que contempla a matéria da “[f]orma de cumprimento e garantias da retribuição” e, ulteriormente, com a alteração introduzida pela Lei n.o 93/2019, de 04/09, o “pagamento do trabalho suplementar”, limita-se a isso mesmo, ou seja, à forma de cumprimento da retribuição, às suas garantias e ao pagamento da retribuição por trabalho suplementar, não abarcando, a nosso ver, o modo de cálculo das prestações complementares de retribuição e subsídio de férias agora em apreciação.

Pelo que a partir de 17 de Fevereiro de 2009 continua a valer na sua plenitude o regime convencional das cláusulas 47.a e 62.a do Contrato Coletivo de Trabalho de 1994, devendo a retribuição de férias e respectivo subsídio ser integrados, somente, pelas prestações ali taxativamente enunciadas, nas quais se não incluem os valores médios pagos no ano antecedente por trabalho suplementar.

E continua a não poder afirmar-se o direito dos ora recorridos a ver refletidos nas retribuições e subsídios de férias vencidos entre Fevereiro de 2009 e Novembro de 2014, data da caducidade do Contrato Coletivo de Trabalho de 1994, os valores médios de trabalho suplementar por si auferidos nos anos anteriores a esse vencimento.

A partir de Dezembro de 2014, com o vazio da regulamentação coletiva, aplicam-se aos contratos de trabalho sub judice as disposições da lei, pelo que as prestações retributivas por trabalho suplementar auferidas pelos AA. de modo regular devem passar a refletir-se na retribuição e subsídio de férias vencidos a partir de então, em conformidade com os artigos 264.o, n.o 1 e 2 do Código do Trabalho de 2009.

Quanto ao enquadramento convencional destas prestações, a partir de 2016, uma vez que o Contrato Colectivo de Trabalho publicado no Boletim do Trabalho e Emprego n.o 37, de 08 de Outubro de 2016, nada diz quanto à quantificação da retribuição de férias e do subsídio de férias (é totalmente omisso quanto às mesmas), valem plenamente as disposições do Código do Trabalho de 2009 (artigo 264.o, n.os 1 e 2) que, já o vimos, implicam que o trabalho suplementar percebido de modo regular e periódico pelo trabalhador seja atendido na retribuição de férias e no respetivo subsídio.

Pelo que as médias das componentes retributivas auferidas pelo ora recorridos a título de trabalho suplementar prestado de forma regular e periódica não devem ser computadas nas férias e subsídio de férias vencidos enquanto esteve em vigor o CCT/94 (na vigência dos Códigos do Trabalho de 2003 e de 2009) e até Novembro de 2014, passando a partir deste momento a ser atendidas naquelas prestações de férias e subsídio de férias sempre que percebidos em, pelo menos, 11 meses, no ano anterior ao vencimento das férias.

(...)»

Por estas razões, que dispensam outros desenvolvimentos argumentativos, improcede, pois, a primeira das questões suscitadas pela R. Liscont na sua revista.

b) – Se, também no período anterior a novembro de 2014, nos termos considerados na sentença da 1a instância, os AA. têm direito a ver incluído nos pagamentos relativos a férias e subsídio de férias o valor médio anual de trabalho suplementar por si prestado.

12. Pelas razões bastamente expendidas no acórdão recorrido e acima transcritas no ponto anterior, no período anterior a novembro de 2014, o sobredito CCT prevalece sobre o regime dos Códigos do Trabalho de 2003 e de 2009, não tendo por isso os AA. direito, nesse período, a ver incluído nos pagamentos relativos a férias e subsídio de férias o valor médio anual de trabalho suplementar por si prestado.

E, no tocante a eventuais direitos relativos ao período anterior (ano de 2002), não cumpre conhecer de tal questão, que não foi suscitada na revista e sobre a qual se formou caso julgado, como explica o acórdão recorrido, nos seguintes termos:

“Os AA. (...) defendem a manutenção da sentença, não tendo questionado a decisão absolutória na mesma contida, vg. no que concerne ao reflexo do trabalho suplementar prestado pelo A. CC no ano de 2002 no subsídio de Natal que se venceu em Dezembro de 2002 e na retribuição de férias e subsídio de férias que se venceram no dia 1 de Janeiro de 2003 (absolvição que se prendeu com a circunstância de não se ter apurado neste ano de 2002 que o A. CC houvesse prestado trabalho suplementar em 11 meses – vide o facto 24.), pelo que a mesma transitou em julgado neste segmento (cfr. os artigos 628.o e 635.o, n.o 5, do Código de Processo Civil).

É, pois, pacífico neste momento que, tendo sido o A. CC admitido ao serviço da primeira recorrente em Janeiro de 2002, não teve direito a que as médias do trabalho suplementar prestado nesse ano se refletissem nas indicadas prestações de férias e subsídios de férias e de Natal vencidas antes da vigência do Código do Trabalho de 2003 (em 15 de Dezembro de 2002 e em 1 de Janeiro de 2003).”

c) – Se os AA. têm direito a ver incluído nos pagamentos relativos ao subsídio de Natal o valor médio anual de trabalho suplementar por si prestado.

13. Igualmente improcede esta pretensão do AA./recorrentes, pelas razões expostas pelo Tribunal da Relação, cujo acerto não suscita qualquer dúvida e que se passam a transcrever.

«Quanto ao subsídio de Natal, o Código do Trabalho de 2003 disciplina a matéria a ele respeitante no artigo 254.o, dispondo o n.o 1 deste preceito quanto ao valor do subsídio de Natal que “[o] trabalhador tem direito a subsídio de Natal de valor igual a um mês de retribuição que deve ser pago até 15 de Dezembro de cada ano”.

Por seu turno o n.o 1 do artigo 250.o do Código do Trabalho de 2003 estabelece que, “[q]uando as disposições legais, convencionais ou contratuais não disponham em contrário, entende-se que a base de cálculo das prestações complementares e acessórias nelas estabelecidas é constituída apenas pela retribuição base e diuturnidades”.

Este preceito tem um campo de aplicação potencial muito dilatado, valendo como “chave interpretativa” de várias disposições do Código que se referem à retribuição sem mais, a propósito do cálculo de determinadas prestações complementares.

O subsídio de Natal é inequivocamente uma prestação “complementar”, na medida em que “não tem correspetividade direta com certa quantidade de trabalho”, pelo que o mês de retribuição a que se refere o artigo 254.o, n.o1, é equivalente ao somatório da retribuição base e diuturnidades .

A noção de retribuição base e diuturnidades é dada pelas alíneas a) e b) do n.o 2 do sobredito artigo 250.o, nelas se não enquadrando a prestação por trabalho suplementar em causa no presente recurso.

Assim, face a este regime legal e uma vez que o «mês de retribuição» a que se refere o n.o 1 do artigo 254.o do Código do Trabalho terá de ser entendido de acordo com a regra supletiva constante no n.o 1 do artigo 250.o do mesmo Código, nos termos do qual a respetiva base de cálculo se circunscreve à retribuição base e diuturnidades, conclui-se que, no domínio do Código do Trabalho de 2003, a base de cálculo do subsídio de Natal, salvo disposição legal, convencional ou contratual em contrário, se reconduz ao somatório da retribuição base e das diuturnidades .

À mesma conclusão se chega por aplicação dos artigos 262.o e 263.o do Código do Trabalho de 2009.

Inexiste disposição legal que contemple especificamente a situação dos recorridos e não há notícia nos autos de cláusula de contrato individual de trabalho que sobre esta matéria disponha, pelo que resta analisar se as disposições do instrumento de regulamentação coletiva aplicável contrariam a sobredita solução legal.

O Contrato Coletivo de Trabalho publicado no Boletim do Trabalho e Emprego n.o 6 de 1994, dispunha a sua cláusula 63a, no 1, que “[o]s trabalhadores têm direito a receber, no fim de cada ano civil, um subsídio de Natal correspondente à respetiva retribuição, o qual deve ser pago até 15 de Dezembro”.

Perante esta solução convencional, entendia a jurisprudência à luz da LCT que «se nos instrumentos de regulamentação coletiva sempre se falou em retribuições ou remunerações (vocábulos que aqui se devem ter por equivalentes), sem reserva, deve considerar-se, na falta de outros elementos interpretativos, que se quis abranger todos os segmentos que os integram» nos termos do artigo 82.o da LCT , o que valia quer para a retribuição de férias e subsídio de férias, quer para o subsídio de Natal, como acima se explicitou.

À luz do Código do Trabalho de 2003, contudo, em face da expressa previsão do seu artigo 250.o, não pode dizer-se, como outrora, que faltam outros elementos interpretativos e que o intérprete apenas se pode socorrer do conceito legal de retribuição previsto no artigo 249.o. Pelo contrário, deparamo-nos agora com a referida norma supletiva do artigo 250.o, n.o 1, que circunscreve claramente o conceito de retribuição a atender quando ele constitua base de cálculo de prestações complementares. E é de notar que esta norma supletiva demanda expressamente, para que se não aplique, a existência de norma legal, convencional ou contratual que a contrarie (vide a 1.a parte do n.o 1 do artigo 250.o), o que claramente afasta resultados interpretativos que, injustificadamente, afastem a sua estatuição.

Similares previsões constam o Código do Trabalho de 2009 – cfr. os artigos 262.o e 263.o.

Pelo que, à luz do regime codicístico, não relevam para o cômputo do subsídio de Natal os suplementos remuneratórios por trabalho suplementar em causa no presente recurso.

Na situação concreta dos recorridos não há que chamar à colação o disposto no artigo 11o da Lei Preambular ao Código do Trabalho de 2003, que impede a redução da “retribuição auferida pelo trabalhador” por mero efeito da entrada em vigor do Código do Trabalho, na medida em que, como já se salientou, o A. CC nunca em data anterior à vigência do Código o subsídio de Natal devido devia contemplar a média do trabalho suplementar por ele prestado e o A. DD apenas se vinculou em 2008, pelo que não se coloca a questão da redução de retribuição por qualquer deles “auferida” antes de 1 de Dezembro de 2003.

Sendo de notar que o Contrato Coletivo de Trabalho publicado no Boletim do Trabalho e Emprego n.o 37 de 2016, nada prevê quanto ao subsídio de Natal.

Pelo que, inexistindo disposições convencionais que “disponham em sentido contrário” do que estabelecem as disposições supletivas dos artigos 250.o do Código do Trabalho de 2003 e 262.o do Código do Trabalho de 2009, é de considerar que as médias da retribuição por trabalho suplementar auferida por ambos os recorridos ao longo do tempo não se refletem nos subsídios de Natal vencidos a partir de 15 de Dezembro de 2003, os únicos que estão em causa na apelação, neste especto igualmente devendo ser revogada a sentença.

V.

14. Em face do exposto, acorda-se:

a) No tocante ao recurso da R. Liscont, em não conhecer das questões mencionadas em supra nos 7.1. e 7.2.

b) Quanto ao mais, em negar as revistas, mantendo a decisão recorrida.

Os AA. e a R. Liscont suportarão as custas dos respetivos recursos.

Lisboa, 23 de junho de 2023

Mário Belo Morgado (Relator)

Júlio Manuel Vieira Gomes

Ramalho Pinto

_______________________________________________

1. Neste sentido, v.g. Acs. do STJ de 15.09.2021 (Proc. n.o 559/18.6T8VIS.C1.S1- 4.a Secção), de 22.02.2017 (Proc. n.o 1519/15.4T8LSB.L1.S1 - 4.a Secção), de 07.10.2021 (Proc. n.o 235/14.9T8PVZ.P1.S1 - 1.a Secção) e de 12.01.2021 (Proc. n.o 379/13.4TBGMR-B.G1.S1 - 1.a Secção), disponíveis in www.dgsi.pt.↩︎

2. Como todas as disposições legais citadas sem menção em contrário.↩︎

3. O tribunal deve conhecer de todas as questões suscitadas nas conclusões das alegações apresentadas pelo recorrente, excetuadas as que venham a ficar prejudicadas pela solução, entretanto dada a outra(s) [cfr. arts. 608.o, 663.o, n.o 2, e 679o, CPC], questões (a resolver) que, como é sabido, não se confundem nem compreendem o dever de responder a todos os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, os quais nem vinculam o tribunal, como decorre do disposto no art. 5.o, n.o 3, do mesmo diploma.↩︎

4. Transcrição expurgada dos factos destituídos de relevância para a decisão do recurso de revista.↩︎

5. Direito do Trabalho, Almedina, 16a edição, p. 395.↩︎

6. Ibidem., p. 397.↩︎

7. Ibidem.↩︎

8. Como todos os arestos do Supremo Tribunal de Justiça citados sem menção em contrário.↩︎