Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
505/22.2T8PNF.P1.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: ANTÓNIO BARATEIRO MARTINS
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
REAPRECIAÇÃO DA PROVA
ERRO NA APRECIAÇÃO DAS PROVAS
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE
ÓNUS DO RECORRENTE
DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO
REJEIÇÃO
Data do Acordão: 11/16/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: REVISTA IMPROCEDENTE.
Sumário :

I – Deve ser rejeitada a impugnação da decisão de facto quando, nas conclusões, o recorrente não concretize os pontos de facto que considera incorretamente julgados (ainda que, previamente, no corpo da alegação, haja cumprido os demais ónus, especificando e apreciando criticamente os meios de prova produzidos, que, no seu entender, determinam uma decisão diversa e deixe expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida).

II – Deve igualmente ser rejeitada a impugnação da decisão de facto por o recorrente (que não indicou nas conclusões a decisão alternativa pretendida) não haver sequer explanado, de forma inequívoca, no corpo das alegações, as “respostas” que os pontos de factos que considera incorretamente julgados devem passar a ter.

Decisão Texto Integral:


Proc. 505/22.2T8PNF.P1.S1

6.ª Secção

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

I – Relatório

AA, com os sinais dos autos, intentou ação declarativa de condenação, com processo comum, contra “Ares Lusitai – STC, S.A.”, também identificada nos autos, pedindo que seja:

- declarado anulado o contrato de compra e venda outorgado entre si e a Ré, por intermédio de documento particular autenticado em 31/05/2021, relativo aos prédios rústicos identificados em 6.º da p.i.;

- condenada a Ré a restituir-lhe a quantia de €114.000,00, que recebeu do Autor em pagamento do preço da compra e venda;

- condenada a Ré a pagar-lhe a quantia de €1.224,05, referente a despesas de formalização do contrato de compra e venda, certificação de documentos, assessoria prestada e registos;

- condenada a Ré pagar-lhe a quantia global de €6.612,00, relativa aos impostos de IMT e Selo que teve de suportar decorrentes do contrato de compra e venda;

- condenada a Ré a pagar-lhe a quantia de €5.000,00 a titulo de danos patrimoniais e a quantia de €10.000,00 a titulo de danos morais.

Alegou, em síntese, que, em inícios de abril de 2021, foi abordado pelo solicitador BB, que o informou que os prédios da Ré, identificados no art. 6º da p.i., se encontravam à venda, tendo-lhe transmitido que tais prédios estavam inseridos em Zona de Solo Urbanizado- Áreas Mistas de Nível 3, onde era permitida a construção para os usos habitacional, comercial, de serviços e industrial; razão pela qual se deslocou ao local, por forma a verificar a localização, características e delimitações físicas dos prédios, tendo ficado convencido que os prédios tinham, no seu conjunto, a localização, configuração, área e limitações assinalados a amarelo na planta de localização, o que o levou a apresentar proposta de aquisição, que foi aceite pela Ré, tendo, em 16/04/2021, sido outorgado o respetivo contrato promessa de compra e venda.

Sucede que, após a celebração do contrato promessa, foi o A. informado pelos proprietários vizinhos que os prédios em causa não pertenciam à Ré, o que fez com que o A. pedisse uma reunião com a Ré para esclarecimento da situação, reunião essa em que foi garantido pela Ré ao Autor que não existiam quaisquer dúvidas quanto à propriedade, localização e identificação dos prédios em causa, confirmando a localização, configuração e delimitação que tinha sido publicitada no local, ou seja, a área e limitações assinalados a amarelo na referida planta de localização.

Assim, em 31/05/2021, perante tal esclarecimento, o A. celebrou com a Ré o contrato definitivo de Compra e Venda dos prédios, porém, posteriormente, ao efetuar a limpeza dos mesmos, tomou conhecimento que os prédios que adquiriu à Ré não eram os prédios constantes da parte a amarelo da planta de localização junta com a p.i., conforme haviam sido publicitados, identificados e confirmados pela Ré, já que estes prédios pertencem a CC e DD.

Mais alegou que jamais teria contratado com a Ré se soubesse que os prédios em causa não correspondiam aos publicitados pela Ré e que os mesmos correspondiam, isso sim, às parcelas de terreno assinaladas a verde, na planta junta como documento 15 da PI; acrescentou que, quando decidiu comprar os imóveis à Ré, visava levar a avante um projeto que consistia na reabilitação/restauro da construção existente nos prédios que lhe haviam sido apresentados e na construção na área restante de um conjunto de novas moradias, que depois de construídas tencionava vender a terceiros, visando o lucro, o que era do total conhecimento da Ré, razão pela qual o ocorrido lhe causou danos patrimoniais e não patrimoniais.

A Ré apresentou contestação, tendo impugnado os factos alegados pelo A. e referido que, embora o Autor alegue que a Ré o enganou, não estão verificados os respetivos pressupostos; e concluiu pela total improcedência da ação.

O Autor, em resposta, manteve o alegado na p.i..

Dispensada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador, em que foi declarada a total regularidade da instância, estado em que se mantém; tendo-se identificado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova.

Instruído o processo e realizada a audiência, a Exma. Juíza proferiu sentença, em que se julgou a ação parcialmente procedente e, em consequência, decidiu-se:

“(…)

a) declarar anulado o contrato de compra e venda a que se alude no ponto 17, outorgado entre o Autor, AA e a Ré, “Ares Lusitani – STC, S.A.” por documento particular autenticado, em 31/05/2021, relativo aos prédios rústicos identificados no ponto 5 da factualidade provada.

b) condenar a Ré a restituir ao Autor o preço de € 114.000,00 pago por este com a compra dos prédios que foram objeto da referida escritura.

c) condenar a Ré a restituir ao Autor a quantia de € 1.224,05 relativa às despesas de formalização do referido contrato de compra e venda, certificação de documentos, assessoria prestada e registos.

d) condenar a Ré a restituir ao Autor a quantia de € 6.612,00 relativa aos impostos de IMT e Selo que o Autor teve de suportar decorrentes do contrato de compra e venda referido.

e) condenar a Ré a pagar ao Autor a quantia de € 5.000,00, a título de danos não patrimoniais.

f) absolver a Ré do restante pedido.

g) absolver a Ré do pedido de condenação de litigância de má fé. (…)”

Inconformada com tal decisão, interpôs a R. recurso de apelação, tendo-se, por Acórdão da Relação do Porto, proferido em 30/05/2023, negado provimento ao recurso dos RR., confirmando consequentemente a sentença recorrida.

Ainda inconformada, interpõe a R. o presente recurso de revista, visando a revogação do Acórdão da Relação e a sua substituição por decisão que determine “ (…)a remessa dos autos à Relação para que a) seja apreciada a impugnação da decisão da matéria de facto deduzida pela Recorrente Apelante e b) Sejam apreciadas as demais questões de Direito suscitadas pela Recorrente no recurso de apelação (…)”.

Terminou a sua alegação com conclusões em que refere:

(…)

1. - Constitui tema nuclear do presente recurso de Revista a questão de saber se a Recorrente identificou ou não nas suas Alegações de Recurso para o Tribunal da Relação do Porto devidamente os depoimentos gravados, quer em termos de dia e respetiva sessão, quer ainda em termos de hora e o nome pelo qual consta identificada essa gravação no CD facultado pelo Tribunal de 1ª instância.

2. - E se cumpriu com os requisitos dos artigos 639º e 640º ambos do Código Processo Civil.

3. - E embora a Recorrente, se tenha pronunciado e demonstrado que cumpriu os requisitos previstos nos normativos citados, o certo é que o douto Acórdão do Tribunal da Relação proferido, vem decidir pela sua recusa, não só na apreciação da matéria de facto, como igualmente na matéria de direito.

4. - Aliás, a Recorrente para além de identificar os depoimentos, transcreveu-os na parte que considerou relevante e notório para apresentar uma outra alternativa decisória: em lugar de “provado”, consideraram que o referido facto deveria ser considerado “ não provado”.

5. - Neste contexto, não se evidencia qualquer falha de cumprimento do ónus de alegação previsto no art. 640º do CPC por parte da Recorrente.

6. - Mas, salvo o devido respeito, que é muito, entende a Recorrente, que os reproduziu, mas mesmo se entenda, que não se concede que não o fez, o certo é que, e, conforme já doutamente entendido pelo Supremo Tribunal em vários Acórdãos, não sendo obrigatória a reprodução do depoimento testemunhal identificado, o facto de as indicações que a Recorrente tiver dado do mesmo cumprem satisfatoriamente as exigências que decorrem do art. 640º do CPC, cabendo ao Venerando Tribunal da Relação do Porto cumprir a sua parte, como o determina o art. 662º, nº 1, do CPC.

7. - Pelo que em momento algum, a Recorrente na formulação das suas Alegações incorreu em incumprimento do ónus de alegação prescrito pelo art.640º do CPC.

8. - Mas, mesmo que tivesse acontecido, o que a Recorrente não concede, quanto à matéria de facto, de modo algum o Venerando Tribunal da Relação estaria legitimada a abster-se de apreciar o mérito da Apelação na parte restante, isto é, no que concerne à reapreciação do mérito da sentença de 1ª instância.

9. - O que o Tribunal da Relação não o fez, ao entender a recusa de apreciação da matéria de facto, com o fundamento de não estarem preenchidos os requisitos dos artigos 639º e 640º ambos do Código Processo Civil, vindo a entender, que prejudicada ficava a apreciação da matéria de direito e, por conseguinte, mantendo a decisão do tribunal de 1ª instância, pura e simplesmente.

10. - Mas, salvo o devido respeito, que é muito, a Recorrente entende que transcreveu de forma clara e sem sombra de dúvidas as passagens dos depoimentos das testemunhas que considerou convertidos e que a serem considerados, como deviam pela Meritíssima juiz a quo, levaria a considerar provada sim, que o Recorrido, sempre teve dúvidas na localização dos prédios, objeto do negócio de compra e venda e, que mesmo assim, persistiu na sua compra e na formalização do negócio.

11. - E por conseguinte, demonstrado ficava que não estava, como nunca esteve preenchido o requisito da essencialidade do negócio e, que tal pressuposto, não foi comunicado à Recorrente, o que claramente ficou provado, e disso fazem prova os depoimentos das testemunhas arroladas pela Recorrente ( EE e FF), mas também a testemunha do Recorrido ( BB ) e das declarações do próprio Recorrido.

12. - Prende-se, a questão do conhecimento da essencialidade tratada nos presentes autos

Se foi ou não provada a essencialidade por parte do Recorrido, o que só pela interpretação do artigo 247º do Código Civil-CC (sobre a epígrafe “erro na declaração”) se estatuir que “quando em virtude de erro, a vontade declarada não corresponde à vontade real do autor, a declaração é anulável, desde que o declaratário conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade, para o declaratário, do elemento sobre que incidiu o erro.”(sublinhado nosso).

13. - Ora, a anulabilidade prevista no artigo 247º do C.Civil, com base no erro vício que atinja os motivos determinantes da vontade, significa que os pressupostos do erro vêm do artigo 251º que remete para o nº 2 do mesmo artigo 247º do citado diploma, de onde resulta que o declarante pode anular a sua declaração, desde que o declaratário conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade da declaração.

14. - E claramente não ficou provado que a alegada essencialidade que o Recorrido se baseou, tenha sido provada, porque nunca comunicou, em momento algum à Recorrente que era essencial a aquisição de determinados prédios, e não os prédios rústicos em causa.

15. - O Recorrido sempre soube da localização, características e que tipo de prédios estava a comprar, que eram rústicos, tendo ficado provado que quem lhe apresentou o negócio, quem o levou o local, quem efetuou diligências, foi a testemunha do Recorrido BB e, ainda, que mesmos com duvidas sobre a localização dos prédios em causa, formou a sua declaração de vontade em comprar os prédios rústicos, que a Recorrente tinha para vender, esta factualidade era bastante para afastar a alegada essencialidade do negócio.

16. - Contudo, repita-se, mesmo que fosse sustentada a rejeição da Apelação, na parte respeitante à decisão da matéria de facto, o que só por mera hipótese académica se admite, o efeito que daí se pode extrair relativamente à parte restante do Recurso dirigida à apreciação do direito, teria sempre de ser admitida a submissão do Recurso nessa parte.

17. - Sendo incompreensível e inaceitável a decisão de rejeição do Recurso de Apelação, na apreciação do direito, caso viesse a ser entendido, que não devia ser apreciada a matéria de facto, o que não se concede, como se disse.

18. - Neste contexto, não se evidencia qualquer falha de cumprimento do ónus de alegação previsto no art. 640º do CPC por parte da Recorrente.

19. E por conseguinte, demonstrado ficava que não estava, como nunca esteve preenchido o requisito da essencialidade do negócio e, que tal pressuposto, não foi comunicado à Recorrente, o que claramente ficou provado, e disso fazem prova os depoimentos das testemunhas arroladas pela Recorrente ( EE e FF), mas também o depoimento da testemunha do Recorrido ( BB) e as declarações de parte do Recorrido.

20. - Tendo a Recorrente demonstrado a vontade de impugnar a decisão damatéria de facto com base na reapreciação de prova gravada, a verificação do recurso de apelação quanto à matéria de Direito, esta apreciação, não é prejudicada ainda que houvesse motivos para rejeitar a impugnação da decisão da matéria de facto com fundamento na insatisfação de algum dos ónus previstos no art. 640º, nº 1, do CPC.

21. - Tendo a Recorrente identificado os concretos pontos de facto que considera como mal julgados, indicado os meios de prova que deveriam ter conduzido a um resultado probatório diverso e transcrito parte dos depoimentos, não se pode manter a decisão de rejeição do recurso sobre matéria de facto e, muito menos sobre a matéria de Direito.

O A. respondeu, sustentando que o Acórdão recorrido não violou qualquer norma processual ou substantiva, designadamente, as referidas pela recorrente, pelo que deve ser mantido nos seus precisos termos.

Obtidos os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir.


*

II – Fundamentação

Como resulta do despacho que admitiu a presente revista, esta circunscreve-se à questão de saber se a R. (enquanto apelante) cumpriu (ou não) devidamente os ónus impostos pelo art. 640.º do CPC.

O Acórdão recorrido rejeitou a impugnação da decisão sobre a matéria de facto (por inobservância dos ónus impostos pelo art. 640.º do CPC) e, verificando-se uma situação de dupla conformidade que obsta à admissibilidade da revista (cfr. 671.º/3 do CPC), esta só passou a ser admissível por se haver firmado, neste Supremo, o entendimento de que não há dupla conforme quando a questão invocada, no recurso de revista, é a violação de normas de direito adjetivo relacionadas com a apreciação da impugnação da decisão da matéria de facto (os arts. 640.º e 662.º do CPC); e, claro, se a revista só é admissível por se haver invocado a violação de tais normas de direito adjetivo, só esta questão pode constituir-se em objeto válido da revista, não se podendo “aproveitar” a revista admitida com tal estrito objeto, para introduzir e suscitar outras e diversas questões (designadamente questões em relação às quais se verifica a dupla conformidade que obsta à admissibilidade da revista).

Daí a afirmação inicial: esta revista circunscreve-se à questão de saber se a R. (enquanto apelante) cumpriu (ou não) devidamente os ónus impostos pelo art. 640.º do CPC.

Aliás, a recorrente inicia as conclusões da revista a dizer1:

1. - Constitui tema nuclear do presente recurso de Revista a questão de saber se a Recorrente identificou ou não nas suas Alegações de Recurso para o Tribunal da Relação do Porto devidamente os depoimentos gravados, quer em termos de dia e respetiva sessão, quer ainda em termos de hora e o nome pelo qual consta identificada essa gravação no CD facultado pelo Tribunal de 1ª instância.

2. - E se cumpriu com os requisitos dos artigos 639º e 640º ambos do Código Processo Civil.

Debrucemo-nos então sobre tal estrito objeto da revista:

Começando por enfatizar que o que está em causa é saber se o Acórdão recorrido, ao rejeitar o recurso sobre a impugnação da decisão de facto, não respeitou (violou) as normas de direito adjetivo que estabelecem os ónus a cargo do recorrente que impugna a decisão relativa à matéria de facto.

Assim, encurtando razões, tudo se resume a saber se a ora recorrente, enquanto apelante, cumpriu os ónus impostos pelo art. 640.º do CPC, na medida em que, caso se entenda que cumpriu tais ónus, a conclusão inevitável é a de que, então, o Acórdão recorrido, ao rejeitar o recurso sobre a impugnação da decisão de facto, violou as normas de direito adjetivo que estabelecem tais ónus.

Em termos práticos, a tarefa do Supremo reconduz-se pois a “confrontar” as alegações e conclusões da apelação com as exigências/ónus impostos pelo correto entendimento/interpretação do art. 640.º do CPC.

Começando pelo correto entendimento/interpretação do art. 640.º do CPC:

Para o recurso de apelação abarcar a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, deve o apelante, em face do disposto no art. 640.º do CPC:

- indicar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, com a respetiva enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões;

- especificar, na motivação, os meios de prova, constantes do processo ou que nele tenham sido registados, que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos (e, se a impugnação se fundar, no todo ou em parte, em prova gravada, indicar com exatidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes, podendo proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos);

- deixar expressa, na motivação, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente.

Pelo que, sendo assim, deve ser rejeitada a impugnação da decisão de facto se e quando houver:

- falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados (arts. 640.º/1/a), 635.º/4 e 641.º/2/b) do CPC);

- falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou neles registados e/ou falta de indicação, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda (art. 640.º/1/b) e 2/a) do CPC);

- falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação (art. 640.º/1/c) do CPC).

Efetivamente, sem prejuízo dos ónus a cargo do recorrente, impostos pelo art. 640.º do CPC, deverem ser apreciados com rigor – como consequência do princípio da autorresponsabilidade das partes – impedindo-se que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa manifestação genérica de inconformismo das partes, o certo é que este STJ vem defendendo que há que compaginar o cumprimento dos ónus de alegação do art. 640.º com os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade e assim evitar, em tal apreciação, os efeitos dum excessivo formalismo2.

É justamente por isto que se vem entendendo – entendimento este consolidado no AUJ deste Supremo, de 17/10/2023, proferido no processo 8344/17.6T8STB.E1-A.S1 – que o recorrente não tem que reproduzir exaustivamente nas conclusões da alegação de recurso o alegado no corpo da alegação, bastando que, nas conclusões, respeite o art. 639.º/1 do CPC, afirmando a sua pretensão no sentido da alteração da matéria de facto e concretizando os pontos que pretende ver alterados; desde que, como é evidente, previamente, no corpo da alegação, haja cumprido os demais ónus, especificando e apreciando criticamente os meios de prova produzidos, que, no seu entender, determinam uma decisão diversa e deixe expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida.

Efetivamente, como é consistentemente referido pela jurisprudência deste STJ3, são as conclusões que delimitam o objeto do recurso, segundo a regra geral que se extrai do art. 635.º/4 do CPC, de modo que a indicação dos pontos de facto cuja modificação é pretendida pelo recorrente não poderá deixar de ser enunciada nas conclusões, até por, acrescenta-se, as conclusões confrontarem o recorrido com o ónus de contra-alegação, evitando dúvidas sobre o que realmente pretende o recorrente, e servirem ainda para delimitar o objeto do recurso (nos termos do referido art. 635.º do CPC).

Passando às alegações e conclusões da apelação:

“(…)

II Da Alteração da Matéria de Facto

31.Com o presente Recurso, visa a Apelante, questionar a apreciação da prova feita (salvo o devido respeito, muito mal e com expresso e inexplicável incumprimento dos deveres de cognição plasmados na alínea a) do nº2 do artigo 5º do CPC) que deveria ter sido aplicado - do que resultará ser posta em crise a douta decisão em várias questões de facto que consideramos incorretamente julgadas.

32. Visando ainda verem-se reapreciados os factos dados como provados, que a final a douta decisão fez manifestamente tábua rasa dos preceitos normativos, que a serem corretamente aplicados seria no sentido de ser decidido pela improcedência da ação apresentada pelo Apelado.

33. E isto, quer quanto à anulação do negócio de compra e venda, quer em relação a todos os valores em que a Apelante foi condenada a pagar.

34. O Tribunal a quo considerou como documentos válidos, um simples croqui, a que titulou como sendo uma planta e ainda e apenas, alguns depoimentos das testemunhas arroladas e, mesmo quanto a estes, fez uma interpretação e integração errada de tudo o que foi dito nas duas sessões de julgamento e, bem assim dos normativos legais

Na verdade,

Da má apreciação da prova produzida ( e gravada)

35.Constitui inequívoco elemento de desconsideração, pelo M.º Juiz a quo, a circunstância de, que segundo a douta sentença, ao considerar provado que foi o BB que procedeu à apresentação do negócio e do preço de compra e venda, o Apelado solicitou ao referido Solicitador BB, uma deslocação ao local, de forma a verificar in loco os referidos prédios e aferir da sua localização, características e delimitações físicas, devia a Mº Juiz a quo considerar que nem a Apelante, nem a imobiliária tiveram qualquer intervenção ou influenciaram o Autor na formação da vontade deste em apresentar a proposta de compra e venda dos dois prédios rústicos.

36. Ao Apelado, o negócio foi apresentado pelo referido BB, tendo sido este a dar-lhe a conhecer não só toda a documentação dos imóveis em causa, como foi ele que o levou ao local por várias vezes.

37. Não foi a Apelante que se deslocou ao local onde se situam os imóveis e, muito menos foi esta que mostrou ao Apelado toda a documentação referente aos imóveis, que nas certidões de registo predial e, respetivas cadernetas prediais não restam dúvidas que são prédios rústicos e, por conseguinte, foi isto que a Apelante tinha para vender e vendeu.

38. Fundamentou, o M.º Juiz a quo, a sua falta de convicção quanto a este aspeto, fazendo tábua rasa à prova produzida documentalmente, mas também ao que ficou provado.

39. Não atendendo sequer ao teor do depoimento de parte do Apelado, que confessou que foi o referido BB que lhe apresentou o negócio na sua plenitude e todas as características do mesmo e, que foram essas indicações que formaram a sua vontade de comprar os referidos prédios rústicos.

40. O M.º Juiz a quo não teve em consideração o que o Apelado declarou que tinha dúvidas quanto aos imóveis, depois da assinatura do contrato promessa de compra e venda celebrado em 16/04/2021, mas também ao que foi dito quer pela testemunha BB, quer por todas as restantes testemunhas, EE, GG e FF, que essas dúvidas nunca foram dissipadas.

41. Vejamos o depoimento de parte do Apelado, relativamente às dúvidas existentes sobre os imóveis:

Depoimento de Apelado, AA ouvido na 1ª sessão do dia 23/09/22 da audiência final, às 10,17,44 cujo depoimento foi gravado e identificado como AA:

(…)

42. Deste depoimento não pode resultar qualquer hesitação no julgador quanto ao facto de que o Apelado foi aliciado para a compra dos prédios em questão, pelo BB, tendo este sido o seu mentor para o convencer a formar a sua vontade de fazer negócio da compra dos dois prédios rústicos, tendo-lhe mostrado os imóveis, as suas características e a sua localização.

43. Mas igualmente sempre o acompanhou e segundo o seu depoimento ficou claro que tinha e tem interesse no desfecho da presente ação, relativamente aos serviços prestados disse o referido BB, senão vejamos o que disse a referida testemunha:

Depoimento de BB ouvida na 1ª sessão da audiência do 23/09/22a final, às cujo depoimento foi gravado e identificado em nome da testemunha BB.

(…)

44. Por outro lado, ficou manifestamente provado e demonstrado que as dúvidas sobre os imóveis persistiram no Apelado e no referido BB, depois da assinatura do CPCV que motivaram o pedido de agendamento de uma reunião com a empresa gestora dos imóveis propriedade da Apelante.

45. Pedido de reunião que foi solicitado por mail, que foi enviado para a imobiliária e subscrito pelo referido BB e, que faz parte do doc.8 junto com a p.i no qual expressamente são levantadas várias dúvidas, mas também onde se informa, que caso de existir erro, o Apelado mantem interesse na compra dos imóveis, mas devendo ser retificado o valor.

46. O que afasta a alegada essencialidade de que o Apelado fundamentou a sua petição, na medida em que não comunicou em momento algum à Apelante ou a quem quer que seja, que era essencial adquirir determinados prédios e, não outros.

47. Por outro lado, não corresponde à verdade que a localização dos mesmos era essencial, para que o A. levasse para a frente, um projeto que tinha idealizado, até porque, como se disse, no mail do senhor Solicitador BB, este refere que mantêm o interesse na compra dos mesmos, mesmo se tiver ocorrido alguma alteração.

48. Igualmente não pode resultar a perceção ao M.ºJuiz de factos como sendo verdadeiros e por conseguinte, que foram dados como provados, que a venda dos imóveis em causa, foi publicitada através de uma planta dos prédios, quando não é verdade.

48.Deveria ter sido considerado provado apenas que existia sim uma placa colocada num poste existente, com um anúncio de vende-se com os contactos da imobiliária, nada mais.

49. E isto porque, todas as testemunhas foram unânimes nos seus depoimentos, de que existia sim apenas uma placa de vende-se e os contactos da imobiliária.

Vejamos a esse propósito o que é dito pela testemunha BB, na 1ª sessão do dia 23/09/22 às 11.31.58:

35. Para, a seguir o M.º Juiz a quo entender que faz sentido esta justificação para decidir pela procedência da ação, considerando factos que não correspondem à verdade e que cujo contrário foi demonstrado e provado.

36. E igualmente não faz sentido a M.º Juiz a quo, que apesar das testemunhas da Apelante e até do Apelado, fazerem prova de que as duvidas do Apelado e do referido BB continuaram mesmo depois da realização da reunião continuou a pretender prosseguir com o negócio da compra dos dois prédios rústicos.

37. E por conseguinte, em momento algum como se disse foi comunicado pelo Apelado à Apelante ou a outrem a atuar em sua representação que era essencial a compra de determinados prédios e, não os que comprou.

38. Depoimentos que são corroborados pelo teor do documento nº8, onde manifestamente está claro e sem sombra de dúvidas que o Apelado comprava os prédios rústicos que comprou, afastando assim a tão falada essencialidade, pois neste está escrito” …. Que se mantem o interesse na compra dos mesmos imóveis, caso se verifique alguma alteração de localização. (sublinhado nosso)Pelo que a douta decisão não pautou pelo bom senso e muito menos pelo equilíbrio e justiça material.

39. Pelo que, nesta matéria, se imporia - e imporá a este Venerando Tribunal –“que ao terem sido dados, pelo M.º Juiz a quo, como provados que foi o BB que conduziu e apresentou o negócio da compra e venda ao Apelado, levando-o ao local, mostrando-lhe todas as características e a sua localização e, bem assim toda a documentação, deveria ter decidido também por aqui pela improcedência da ação, pois a Apelante, foi sempre elucidado pelo referido BB, não tendo a Apelante ou outrem por si, intervindo no que quer que seja.

40. Se o BB elucidou mal o Apelado, à Apelante não pode ser assacada quaisquer responsabilidades e, por conseguinte, a decisão não pode ser pela condenação da Apelante a pagar quaisquer valores e muito menos, a titulo indemnizatório.

41.E igualmente, em igual matéria, se imporia- e imporá a este Venerando Tribunal-… que a existir dúvidas que sempre persistiram, que continuaram mesmo depois de realizada a reunião por parte do Apelado e BB, não se compreende que sendo pessoas experientes no ramo imobiliário, que tenha prosseguido com o negócio.

41. Estes factos supra referidos embora dados como provados foram a final desconsiderados pelo Tribunal a quo mas, verdadeira e surpreendentemente, rejeitado com fundamento em juízos de valor manifestados pela Apelado, fazendo total tábua rasa da matéria dada como provada em toda a Audiência e constante do processo.

42. Acresce ainda, outros factos relativos à prova produzida e que é extremamente importante, que em momento algum o Apelado disse à Apelante, ou a alguém em sua representação ou até à imobiliária, que era essencial comprar determinados prédios, caso contrário não faria o negócio.

43. E prova disso resulta dos depoimentos das testemunhas, mas também do teor do documento sob o nº8 (oito) e que se transcreve: (…)

44. Pelo que só uma total desatenção por estes depoimentos é que conduz à decisão do M.º Juiz a quo de decidir pela procedência da ação, ao considerar-se que o Apelado sempre comunicou que era essencial comprar determinados prédios e, não aqueles que efetivamente comprou.

45. Mas veja-se ainda, e no que diz respeito a esta matéria de facto, o extrato do depoimento da testemunha FF, ouvida na 2ª sessão Audiência de Julgamento do dia 18/10/22 às 11.00.05, cujo depoimento foi gravado e identificado como FF que se transcreve:

(…)

46. Deste depoimento não resta qualquer dúvida que o Apelado sempre soube o que estava a comprar e que compraria os prédios rústicos que acabou por comprar.

47. Pelo que também aqui o Tribunal a quo não procedeu corretamente ao desconsiderar sem mais nem menos, o depoimento desta testemunha que o prestou de forma clara, de forma íntegra e de forma convincente.

48. Pelo que deveria ter valorado este depoimento, conjugando-o com os restantes depoimentos e documentos juntos aos autos e, que conduziria à improcedência da ação e a absolvição da Apelante.

49. Pelo que a decisão do M.ºJuiz a quo, tendo em conta toda a prova produzida e dada como provada, devia ter sido no sentido de declarar improcedente a ação por não estarem preenchidos os requisitos dos artigos 251º e 247º do C.C.

50. E mesmo se dirá, atendendo ao depoimento incoerente e contraditório da testemunha BB, que na 1ª sessão referiu que não tinha dúvidas, quando saiu da reunião, para depois, na 2ª sessão do julgamento, ao ser acareado com a testemunha EE, acabou por afirmar que depois da reunião, continuou com dúvidas e que ia continuar com a sua pesquisa.

Vejamos o depoimento da referida testemunha, ouvida na 1ª sessão da audiência final, do dia 23/09/22 cujo depoimento foi gravado e identificado com o nome do BB que se transcreve:

(…)

51.Ora, o depoimento desta testemunha, peca por várias contradições, por um lado, ao referir na 1ª sessão do dia 23/09/22 que não tinha dúvidas depois da reunião, para na 2ª sessão do dia 18/10/22 vir afirmar que efetivamente continuou com dúvidas, quanto à localização e configuração dos prédios rústicos e, que ia continuar a fazer as diligências para dissipar essas dúvidas.

52. Até porque se conjugarmos este depoimento desta testemunha e o depoimento das testemunhas EE, GG e FF, que referiram:

(…)

53. E ainda o teor do mail enviado pelo BB, documento sob o nº8 ( oito), mais afastada fica a alegada essencialidade por parte do Apelado.

54. Mas também por aqui, entende-se que não foi provada a alegada essencialidade e por conseguinte não estarem preenchidos os requisitos dos artigos …..

55. Pelo que igualmente, também por aqui, o Tribunal a quo excedeu os seus limites, ao dar como provado a existência de uma “planta” que nunca esteve no local afixada e para efeitos de publicidade da venda, para além de que facilmente ficou claro, que o que a Mº.Juiz a quo considerou como “planta”, não passa de um simples desenho ou croqui, sem valor algum.

56.Para além de que ficou provado que afixado a um poste existente junto aos prédios rústicos, esteve sim uma placa da imobiliária com os contactos e o anúncio de vende-se, nada mais.

57. Pelo que, tal placa, não devia ter sido valorizada como “planta”, porque não corresponde à verdade, para dar como provado a existência da publicidade no local com a exibição de tal croqui.

58. Aliás, é no mínimo estranho que a Mº Juiz a quo dê como provado a existência de uma planta a publicitar o negócio, quando ela nunca existiu e, muito menos no local.

59. Apesar da relevância destes factos - instrumentais e emergentes da instrução do processo, tendo sobre os mesmos, as partes tido a possibilidade de se pronunciar- o M.º Juiz a quo desconsiderou totalmente a sua relevância.

60. Não sendo tolerável tamanha desconsideração do dever inserto na alínea a) do nº 2 do artigo 5º do CPC em matéria de dever de cognição.

61. Deveria assim, o M.º Juiz a quo considerar não provado a existência de qualquer planta no local, porque nunca existiu e, muito menos o desenho ou um croqui a publicitar o negócio de compra e venda dos imóveis.

62. Pelo que deverá este Venerando Tribunal corrigir em correta interpretação do nº1 do artigo 662º do CPC que verdadeiramente constitui um dever de alterar a matéria de facto quando a prova produzida o justificar, o que foi o caso.

63.Entende-se que não foi produzida prova bastante da existência da alegada “ planta”, que não passa de um desenho ou croqui, pelo que esta matéria de facto deve ser dada como não provada ou não considerada para a prolação da douta sentença.

64.O Apelado bem sabia que os imóveis eram rústicos e que assim consta na certidão predial e caderneta predial.

65.E bem sabia da localização e características dos prédios rústicos que comprou à Apelante.

66.E foi precisamente o BB que transmitiu ao Apelado toda a informação do negócio.

67.Pelo que também aqui o Tribunal a quo não decidiu de forma correta e segundo os ditames da boa-fé e dos bons costumes e da experiência comum.

68.Provado ficou, por prova documental, testemunhal e até pelo depoimento de parte do próprio Apelado, que a Apelante em momento algum o enganou, pois vendeu os prédios rústicos, sua propriedade, descritos e inscritos na respetiva matriz predial rústica, conforme melhor consta nos documentos.

69.Pelo que também aqui não andou bem o Tribunal a quo, ao fazer uma tábua rasa de toda a prova produzida e dada como provada, porque a Apelante agiu sempre de forma transparente e honesta, como aliás é seu apanágio.

(…)

Conclusões

A matéria de facto deve ser alterada nos termos requeridos supra, com efeito:

I) Requer-se que uma vez considerados provados os factos em concreto, que não nunca existiu qualquer planta a anunciar a venda dos referidos prédios, mas apenas uma placa de vende-se com os contactos da imobiliária, pelo que deveria a decisão do M.Juiz a quo ter sido no sentido de não valorar a existência de uma planta que nunca existiu, e, por conseguinte pela improcedência da Ação pelo Apelado, pela não anulação do negócio de compra e venda.

(…)

V) O Apelado sempre soube, e sempre se conformou com tal situação, que estava a comprar dois prédios rústicos, não tendo em momento algum comunicado à Apelante ou outrem em sua representação, que era essencial comprar determinados prédios rústicos e, não outros, quando no documento 8, consta expressamente, que se houver erro, mantem interesse na compra dos referidos prédios, o que manifestamente afasta a essencialidade, pelo que a decisão da Mmo Juiz deveria ter sido no sentido de improcedência da ação e absolvição da Apelante, mantendo-se válido o negócio, com todas as legais consequências, o que se requer.

(…)

VIII) Pelo que igualmente, também por aqui, o Tribunal a quo excedeu os seus limites, ao dar como provado a existência de uma planta que nunca existiu, tendo-se verificado unicamente que se tratava sim, apenas de um croqui ou de um simples desenho, sem qualquer valor, constante de um relatório de avaliação do Banco, que mais uma vez foi fornecido pelo dito BB ao Apelado e nunca pela Apelante.

IX)Igualmente o Tribunal a quo excedeu os seus limites, ao considerar apenas como depoimento credível e isento da testemunha BB, o depoimento que na acareação das testemunhas se veio a revelar contraditório entre si ,sem credibilidade alguma e, sem qualquer isenção do referido BB, pois como ele próprio referiu tem interesse na improcedência da ação, para que lhe sejam pagos os valores pelos serviços de assessoria jurídica, em detrimento de outros depoimentos, como da testemunha FF, que o Tribunal a quo considerou sem credibilidade alguma.

X)Não se compreende, como é que o Tribunal a quo, vem a considerar o depoimento da testemunha FF sem credibilidade alguma, não se compreende o que serviu de base a esta torpe conclusão, quando este prestou o seu depoimento de forma isenta e convincente, mas claro, não interessava, porque se fosse valorado este depoimento, conduziria a uma decisão de improcedência da ação e por conseguinte a manter como válido o negócio de compra e venda outorgado entre o Apelado e Apelante.

XI)Pelo que o Tribunal a quo andou mal, ao dar como provado que o Apelado comunicou à Apelante que era essencial comprar determinados prédios rústicos e não os que acabou por comprar, porque não corresponde à verdade e o Apelado, como se disse não fez qualquer prova nesse sentido, aliás o documento 8 revela precisamente o contrário e os depoimentos das testemunhas arroladas pela Apelante assim o demonstraram e provaram.

XII) Contudo, manifestamente ficou provado quer documentalmente, quer pelo depoimento das testemunhas e ainda em especial, pelo depoimento de parte do Apelado, que a Apelante por si ou por interposta pessoa vendeu os prédios rústicos conforme melhor consta nos documentos dos mesmos, designadamente cadernetas prediais e certidões prediais e, que o Apelado, embora com duvidas, se conformou com tal situação, pois decidiu de forma livre e consciente celebrar o negócio definitivo, com a celebração do contrato particular autenticado.

XIII)Em suma, provados deviam ficar que os atos materiais que o Apelado e o BB praticaram desde sempre para se inteirarem das características dos prédios, sua localização, áreas entre outras questões, deslocando-se por várias vezes ao local, falando com pessoas vizinhas dos prédios em causa, pesquisando nas finanças, Câmara e Conservatória Predial, antes da celebração do contrato promessa, depois da assinatura deste, foram conducentes, mesmo tendo dúvidas, à formação da vontade do Apelado na realização do negócio definitivo da compra dos dois prédios rústicos que a Apelante vendeu.

XIV) Pelo que demonstrado fica e provado devia ter ficado, que o Apelado sempre soube o que estava a comprar e, que apesar de ter dúvidas, não deixou de o fazer, pelo que afastada fica mais uma vez o requisito da essencialidade e, de que esta nunca foi comunicada ao declaratário, a quem nunca foi dado a conhecer o que quer que seja, pelo que a decisão do Tribunal a quo deveria ter sido pela improcedência da ação e por conseguinte pela validade do negócio de compra e venda realizado.

XV)Pelo que, atenta a matéria de facto que resultou provada e a que devia ter sido considerada provada, devia ter-se formado boa para o reconhecimento da validade e manutenção do negócio de compra e venda outorgado, o que acarretaria necessariamente à improcedência da ação interposta pelo Apelado.

(…)

XXIV) Face, pois, à matéria de facto dada como assente e, à matéria que devia ter sido considerada provada, versus o conteúdo do pedido e o ónus da alegação, afirmação ou dedução, e outrossim do ónus da prova, jamais poderia a ação ser julgada parcialmente, como procedente, não podendo subsistir o sentido decisório da sentença do Tribunal a quo.

(…)”

E procedendo ao “confronto” das alegações e conclusões da apelação (acabadas de transcrever) com as exigências/ónus impostos pelo correto entendimento/interpretação do art. 640.º do CPC:

Importa começar por referir – daí a longa transcrição acabada de efetuar – que, enumerando/identificando a sentença da 1.ª Instância 29 concretos factos provados, a R. “conseguiu”, ao longo do segmento do corpo das alegações que designou de “Da Alteração da Matéria de Facto” e das conclusões, não identificar um único daqueles 29 concretos factos da sentença da 1.ª Instância que haja sido, a seu ver, mal julgado; e, claro, muito menos disse, qual era a redação (não provado ou outra qualquer) que algum de tais 29 concretos factos devia passar a ter.

Percebe-se a repetida divergência da R. em relação à “planta a anunciar a venda dos prédios”, planta essa que, segundo a R., só teria os contactos da imobiliária e o “anúncio de vende-se e nada mais”, mas a partir de tal divergência não é possível identificar quais serão, para a R., os concretos factos mal julgados e muito menos qual a redação que os mesmos, segundo a R., deverão passar a ter.

E para que não restem dívidas sobre a impossibilidade da reapreciação da decisão da matéria de facto a partir do modo como a R. a impugnou, atente-se nos seguintes concretos factos da sentença da 1.ª Instância:

“(…)

6 - Em inícios de abril de 2021, o Autor foi abordado pelo solicitador BB, que o informou que os prédios identificados no ponto 5 se encontravam à venda, apresentando-lhe o negócio tendo em vista aferir do seu interesse na compra dos mesmos.

(…)

8 - Perante a apresentação que lhe foi efetuada do negócio e do preço de compra e venda anunciado e publicitado que lhe pareceu atrativo, o Autor solicitou ao referido Solicitador BB, uma deslocação ao local, de forma a verificar in loco os referidos prédios e aferir da sua localização, características e delimitações físicas.

9 - Essa visita veio a ocorrer e uma vez identificados no local os prédios a vender pelo referido BB, o qual, informou o Autor, no local, da concreta localização dos prédios, suas características, áreas aproximadas e respetiva delimitação geográfica, informação que, aliás, era coincidente e conferia com a que constava de uma placa publicitária que se encontrava no local fixada no solo, onde era publicitada a venda dos terrenos e reproduzida a planta de localização junta na p.i. como documento 1, que aqui se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais, planta essa, que foi entregue ao Autor e onde constavam assinalados a localização, configuração e os limites do conjunto dos dois prédios que lhe foram apresentados para aquisição.

10 - O Autor ficou convencido que os prédios da Ré referidos no ponto 5 tinham, no seu conjunto, a localização, configuração, área e limitações assinalados a amarelo na referida planta de localização.

11 - O solicitador referiu ao Autor que teria que efetuar a proposta de aquisição dos sobreditos prédios à “Sociedade de Mediação Imobiliária, C............ . ....., Lda.”, na pessoa do seu agente Sr. GG, pessoa, que segundo ele, se encontrava encarregada pela Ré da promoção e venda dos referidos prédios.

12 - O Autor apresentou a proposta de aquisição dos dois referidos prédios a que se alude no ponto 5 à referida sociedade, proposta esta que veio a ser aceite pela Ré.

(…)

14 - Após a celebração do contrato promessa a que se alude no ponto 13, o Autor foi informado pelos proprietários vizinhos que os prédios em causa não pertenciam à Ré, o que fez com que o Autor suscitasse a realização de uma reunião com a Ré para esclarecimento da situação.

15 - Para o efeito, o solicitador BB enviou, com o conhecimento do Autor, em 23/04/2021, à Sociedade de Mediação Imobiliária, C............ . ....., Lda, promotora da venda dos prédios da Ré identificados no ponto 5, o email junto na p.i. como documento 8, que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, onde é solicitado esclarecimento sobre a localização dos terrenos objeto do negócio constantes do contrato promessa de compra e venda outorgado entre Autor e Ré em 16/04/2021, e a imediata suspensão da Escritura Pública de Compra e venda ou contrato particular autenticado de compra e venda, consoante o caso, agendada para o dia 30/04/2021, até que a situação ficasse devidamente esclarecida e fossem dissipadas todas as duvidas, nomeadamente, quanto à propriedade da Ré sobre os referidos imóveis e se os mesmos correspondiam aos publicitados para venda ao Autor, tendo Autor e Ré, acordado em 17 de Maio de 2021, na prorrogação desse prazo, através de alteração à cláusula quinta do contrato promessa de compra e venda outorgado em 16/04/2021, junto como documento 9, que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

16 - Nessa reunião foi inequivocamente garantido pela Ré ao Autor que não existiam quaisquer dúvidas quanto à propriedade, localização e identificação dos prédios identificados no ponto 5, confirmando a localização, configuração e delimitação que tinha sido publicitada no local, ou seja, a área e limitações assinalados a amarelo na referida planta de localização.

(…)”

E, como exemplo da inconcludência da impugnação da R., temos que (para além de não haver sequer certezas sobre que pontos de factos resultavam impugnados em razão da repetida divergência da R. em relação à “planta a anunciar a venda dos prédios”) não se percebe – e não é pouco relevante para o desfecho substantivo da lide – se a 1.ª parte deste último facto (em que se diz que foi inequivocamente garantido pela Ré ao Autor que não existiam quaisquer dúvidas quanto à propriedade, localização e identificação dos prédios identificados no ponto 5, confirmando a localização, configuração e delimitação que tinha sido publicitada no local) está impugnada pela R. e muito menos qual a “resposta” que, segundo a R., lhe deveria ser dada.

Isto para além de não bastar, repete-se, a mera e repetida divergência da R. em relação à “planta a anunciar a venda dos prédios” – planta essa que, segundo a R., só teria os contactos da imobiliária e o “anúncio de vende-se e nada mais” – para a partir daí considerar/identificar quais são, para a R., os concretos factos mal julgados.

E insistimos neste ponto porque a questão – a razão da rejeição da sua impugnação – não está verdadeiramente em saber (ao contrário do que a recorrente refere) “se a Recorrente identificou ou não nas suas Alegações de Recurso para o Tribunal da Relação do Porto devidamente os depoimentos gravados, quer em termos de dia e respetiva sessão, quer ainda em termos de hora e o nome pelo qual consta identificada essa gravação no CD facultado pelo Tribunal de 1ª instância”, mas sim, como resulta da transcrição supra efetuada das suas conclusões (enquanto apelante), em esta não afirmar sequer a sua pretensão de ver alterado um concreto e exato dos 29 factos provados, antes se limitando a dizer que “nunca existiu qualquer planta a anunciar a venda dos referidos prédios, mas apenas uma placa de vende-se com os contactos da imobiliária, pelo que deveria a decisão do M.Juiz a quo ter sido no sentido de não valorar a existência de uma planta que nunca existiu (…)”; e em, no corpo da alegação (também supra transcrito), não proceder diferentemente.

Como acima se referiu e sublinhou:

- o recorrente não tem que reproduzir exaustivamente nas conclusões da alegação de recurso o alegado no corpo da alegação, bastando que, nas conclusões afirme a sua pretensão no sentido da alteração da matéria de facto e concretize os pontos que pretende ver alterados, desde que, como é evidente, previamente, no corpo da alegação, haja cumprido os demais ónus, especificando e apreciando criticamente os meios de prova produzidos, que, no seu entender, determinam uma decisão diversa e deixe expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida.

- como é consistentemente referido pela jurisprudência deste STJ, são as conclusões que delimitam o objeto do recurso, segundo a regra geral que se extrai do art. 635.º/4 do CPC, de modo que a indicação dos pontos de facto cuja modificação é pretendida pelo recorrente não poderá deixar de ser enunciada nas conclusões, até por, acrescenta-se, as conclusões confrontarem o recorrido com o ónus de contra-alegação, evitando dúvidas sobre o que realmente pretende o recorrente, e servirem ainda para delimitar o objeto do recurso (nos termos do referido art. 635.º do CPC).

Este Supremo, na sua referida linha de evitar, na apreciação do cumprimento dos ónus do art. 640.º do CPC, os efeitos dum excessivo formalismo, tem procurado estabelecer uma separação entre os requisitos formais de admissão da impugnação da decisão de facto e os requisitos ligados ao mérito ou demérito da pretensão, porém, há sempre um mínimo que tem que ser cumprido.

“Mínimo” que, no caso, não foi atingido/concretizado pela R. na sua apelação: o segmento das suas alegações respeitante à impugnação da decisão de facto é uma permanente e contínua mistura de considerações de facto e de direito, sem uma única conclusão clara e inequívoca em sede de facto e, acima de tudo, sem nunca identificar algum dos 29 concretos pontos de facto mal julgados e as “respostas” que os mesmos deveriam passar a ter; e o segmento das suas conclusões respeitante à impugnação da decisão de facto padece da mesma mistura e incompletude (nunca indicando qual ou quais de tais 29 concretos pontos de facto foi mal julgado).

A ponto de nem sequer por interpretação (como resulta do exemplo acima dado a propósito do facto provado 16), despidos de quaisquer “formalismos”, podermos dizer com um mínimo de segurança (e respeitando o princípio da auto-responsabilidade das partes e da imparcialidade) quais são exatamente os concretos pontos de facto colocados em crise pela impugnação da decisão relativa à matéria de facto (a R. parece ter deixado ao critério do T. da Relação a sua escolha, tendo em vista poder o mesmo concluir pela improcedência da ação); sendo certo – não pode esquecer-se, daí não haver qualquer desproporcionalidade ou irrazoabilidade na rejeição – que não oferece qualquer dificuldade fazer bem o que a R. fez “mal” (não oferece qualquer dificuldade dizer, por ex., que o facto provado n.º 2 da sentença foi dado como provado e devia ser dado como não provado e a R. não fez sequer isto).

É pois inteiramente acertado dizer, como faz o Acórdão recorrido, que, “ao longo das suas alegações de recurso e bem como das suas conclusões não se vislumbra quais sejam os concretos factos que a recorrente pretende impugnar e, consequentemente, ver a resposta alterada”.

Em conclusão, a Relação não violou as normas de direito adjetivo (arts. 640.º e 662.º do CPC) relacionadas com a apreciação da impugnação da decisão da matéria de facto, ou seja, não merece censura a rejeição (por a R., na apelação, não haver cumprido devidamente os ónus impostos pelo art. 640.º do CPC, mais exatamente, por não haver especificado, nas conclusões, os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados) da apreciação da decisão relativa à matéria de facto proferida pela 1.ª Instância.

É quanto basta para julgar totalmente improcedentes as conclusões da R./recorrente4 e para negar a revista.


*

IV - Decisão

Nos termos expostos, nega-se a revista.

Custas pela R.


*

Lisboa, 16/11/2023

António Barateiro Martins (Relator)

Graça Amaral

Maria Olinda Garcia

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1. Embora, depois, a partir da conclusão 8.ª introduza questões que extravasam o estrito âmbito do que é admissível numa revista como a presente.↩︎

2. Cfr. Acórdãos do STJ de 29/10/2015, 01/10/2015, 19/02/2015, 18/02/2016, 11/02/2016, 19/01/2016, 03/12/2015, 16/11/2015, 26/11/2015 e 09/07/2015, todos disponíveis em www.dgsi.pt.↩︎

3. Cfr. Ac STJ de 23/02/2010 e de 22/10/2015, disponíveis em www.dgsi.pt.↩︎

4. Repetindo-se o que se começou por observar: a revista só é admissível e tem, por isso, como único objeto válido a questão de saber se a R. (enquanto apelante) cumpriu (ou não) devidamente os ónus impostos pelo art. 640.º do CPC (o que significa que o que se diz nas conclusões 8 e ss. extravasa tal objeto válido e não é suscetível de ser aqui apreciado, ou seja, por exemplo, a questão suscitada do Tribunal da Relação não ter “apreciado o mérito da Apelação na parte restante” configura, a ter a recorrente razão, uma nulidade do Acórdão da Relação, que tem/tinha que ser arguida junto do T. da Relação (cfr. art. 615.º/4/1.ª parte do CPC, ex vi 666.º do CPC).↩︎