Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | ||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Processo: |
| |||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Nº Convencional: | 2.ª SECÇÃO | |||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Relator: | VIEIRA E CUNHA | |||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Descritores: | DOCUMENTO ELETRÓNICO FORÇA PROBATÓRIA ASSINATURA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA CORREIO ELETRÓNICO DOCUMENTO PARTICULAR AUTORIA CONFISSÃO | |||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Data do Acordão: | 06/22/2023 | |||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Votação: | UNANIMIDADE | |||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Texto Integral: | S | |||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Privacidade: | 1 | |||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Meio Processual: | REVISTA | |||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Decisão: | CONCEDIDA | |||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Sumário : | I - O valor probatório dos documentos electrónicos aos quais não seja aposta uma assinatura electrónica qualificada e certificada é apreciado nos termos gerais de direito (art.º 3.º n.º5 do RJDEAD), o que significa que pode ser livremente apreciado pelo tribunal – art.º 366.º do CCiv. II – Se o “email” a que se reporta determinado facto provado foi aceite pela Ré, na respectiva oposição, nos termos em que foi enviado o dito “email”, não aceitando, todavia, a Ré a interpretação confessória que lhe é dada pela Autora, a matéria em causa não era a da exigência legal de forma, para a prova tarifada do documento, à semelhança do disposto nos art.ºs 373.º n.º1 e 376.º n.º1 do CCiv, mas antes a do valor que o tribunal tivesse atribuído aos documentos escritos em causa. III - Estabelecida a autoria do “email”, enquanto documento escrito, a declaração dele constante pode integrar uma verdadeira e própria confissão extrajudicial, tal como definida no art.º 352.º do CCiv. IV - O art.º 357.º n.º1 do CCiv exige a inequivocidade da declaração confessória, que se verifica no caso de ocorrer uma proposta séria, independentemente das contas feitas ou por fazer, a cargo do devedor – uma eventual precipitação da declaração, apenas se pode imputar ao comportamento próprio. | |||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça Súmula do Processo Xpo Transport Solutions Portugal, Ld.ª, intentou procedimento de injunção, que prosseguiu como acção de processo comum, contra Carrola Transportes, Ld.ª, pedindo o pagamento da quantia de € 27.689,07 (vinte e sete mil seiscentos e oitenta e nove euros e sete cêntimos), acrescida de juros vencidos, que calculou em € 8.409,36 (oito mil quatrocentos e nove euros e trinta e seis cêntimos), e juros vincendos, a calcular à taxa legal. até efectivo e integral pagamento, alegando, para tanto, ter celebrado com a Ré um acordo nos termos do qual se prestaram mutuamente serviços de transporte de mercadorias, tendo, ainda, ambas acordado que, excepcionalmente, quando as cargas se revelassem muito volumosas, a Autora aplicaria uma fórmula diferente de cálculo do preço, tendo por base, também, o volume da carga. A partir de meados de 2016, a mercadoria de que a Ré solicitava transporte, apesar de leve, era volumosa, o que impedia a Autora de transportar mais mercadoria no mesmo reboque. Como passou a ser regra o transporte de mercadoria leve e volumosa passou a ser facturada de acordo com a volumetria, sendo que, tendo disso a Ré reclamado, a Autora emitiu uma nota de crédito, que deduziu ao valor das facturas mais antigas, encontrando-se em dívida o valor que peticionou, como até foi reconhecido em e-mail que junta. A Ré contestou, pedindo a improcedência da acção, alegando que, para regular as relações de transporte estabelecidas entre as partes, existia um tarifário que vigorou entre 22 de Dezembro de 2014 e pelo menos até Dezembro de 2016, sucedendo que a autora debitou nas facturas serviços que não foram requeridos, por valores e critérios não convencionados, convertendo o volume da mercadoria em peso, o que nunca foi acordado ou aceite.
As Decisões Judiciais Foi proferida sentença em 1.ª instância, que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenou a Ré no pagamento à Autora da quantia de € 25.425,00 (vinte e cinco mil quatrocentos e vinte e cinco euros), acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal comercial, contados desde 17 de novembro de 2017, até efetivo e integral pagamento. Tendo a Ré recorrido de apelação, a Relação julgou o recurso procedente, revogou a decisão recorrida e absolveu a Ré do pedido. Inconformada, os Autores interpõe recurso de revista, que sumaria conclusivamente da seguinte forma: 1- O acórdão de que se recorre entendeu revogar a decisão do tribunal de 1ª Instância, essencialmente, por quatro grandes ordens de razão (pelo menos tanto quanto a A. infere, e não exatamente por esta ordem): 1. Porque o e-mail transcrito no ponto 18 dos factos provados não constitui um reconhecimento de dívida válido e eficaz porque: a. Não é da autoria da R. – pela alegada falta de aposição de uma assinatura eletrónica; b. Não se pode extrair do seu teor “qualquer reconhecimento de qualquer divida ou promessa de pagamento”; 2. Porque [ainda que o referido e-mail configurasse um reconhecimento de dívida válido e eficaz], não convocou a Autora, como fundamento do pedido que formula, qualquer declaração unilateral de dívida e o consagrado no art.º 458º, do CC; 3. Porque [ainda que o referido e-mail configurasse um reconhecimento de dívida válido e eficaz], não procedeu a A. à alegação da relação causal ao acto de reconhecimento unilateral de débito; 4. Porque o Acordão (sem que nada o justifique), cria a ficção de que a causa de pedir da A. se fundamenta num “contrato que foi celebrado para vigorar excepcionalmente”. 2.º - Antes de mais se dirá que o Tribunal da 1ª Instância serviu-se do conjunto das declarações e depoimentos em Tribunal, da análise global da prova produzida, incluindo a prova documental e testemunhal, e da análise dos articulados das partes (aqui se incluindo a confissão judical) para dar como provado o reconhecimento de dívida pela Ré (e não apenas o referido e-mail), inexistindo matéria que permita, em nossa opinião, à Relação concluir de forma diferente. 3.º - A Relação do Porto interpreta e aplica mal a lei (art.os 2º e 3º nºs 2, 4 e 5 do DL 290-D/99, de 2/8, na redação que lhe foi conferida pelo DL 88/2009, de 9/4, art.º 366º e 373º do CC e art.ºs 444 n.ºs 1 e 2 e 662º do CPC) quando conclui que o e-mail, transcrito no ponto 18 dos factos provados, não é da autoria da R. – pela alegada falta de aposição de uma assinatura eletrónica – no que não se pode concordar, uma vez que o e-mail está assinado. 4.º - A 1ª Instância deu como provado que o e-mail transcrito no ponto 18 dos factos provados é da Autoria da R.: “Em 30 de agosto de 2017, o legal representante da ré enviou à autora um email com o seguinte teor (…)”, pelo que, para que a Relação pudesse afirmar que o e-mail em causa não é da Autoria da Ré impunha-se a alteração da decisão de facto nos termos dos nºs 1 e 2 do art.º 662º do CPC, o que não foi feito. 5.º - Não podia a Relação do Porto, não tendo alterado a matéria de facto dado como provada, nos termos do art.º 662º, por inconciliável contradição lógica e erro na aplicação da lei, afirmar que o e-mail referido no ponto 18. dos factos provados não é da autoria da R. 6.º - A Relação do Porto faz equivaler a falta de assinatura eletrónica qualificada certificada por uma entidade certificadora credenciada à falta de assinatura [eletrónica] de todo. 7.º - O artigo 2.º, do DL 290-D/99, de 2/8, na redação que lhe foi conferida pelo DL 88/2009, de 9/4, define assinatura electrónica como o resultado de um processamento electrónico de dados susceptível de constituir objecto de direito individual e exclusivo e de ser utilizado para dar a conhecer a autoria de um documento electrónico - como tal, ao processar eletronicamente dados (texto) que compõem o respectivo nome, isto é, ao eletronicamente dactilografar o seu nome no final do(s) email(s), sendo este nome associado ao endereço de correio eletrónico do remetente (...) o seu autor utiliza a sua própria identificação para dar a conhecer a autoria do(s) respectivo(s) e-mail(s) - está a assiná-los. 8.º - Mesmo que se entendesse que não lhes foi aposta assinatura, no que não se concede, nos termos quer do nº 5 do art.º 3º do DL 290-D/99, quer do 366º do CC, a sua força probatória pode ser apreciada livremente pelo tribunal, conforme o foi. 9.º - Em suma: 1. Um e-mail, enquanto documento eletrónico, integra-se no conceito de prova documental. 2. Foi aposta assinatura electrónica simples, ainda que não qualificada/certificada, ao e-mail. 3. Enquanto aos documentos eletrónicos com assinatura é atribuída a força probatória plena de documento particular assinado nos termos do art. 376º do Código Civil, os demais documentos aos quais não seja aposta uma assinatura qualificada são apreciados “nos termos gerais de direito” (art. 3.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 290-D/99); 4. Do acórdão de que a A. recorre, resulta evidente que este e-mail foi livremente apreciado pelo Tribunal de 1ª Instância, o qual, atenta, entre outros, a restante prova produzida, concluiu que o mesmo é da autoria da R. [e constitui um reconhecimento de dívida por parte da R.]. 5. O nº 4 do artigo 3.º, do DL 290-D/99, de 2/8 igualmente refere que quando não seja aposta ao documento electrónico assinatura electrónica qualificada certificada por uma entidade certificadora credenciada, a comprovação da autoria e integridade do referido documento electrónico pode ser efectuda desde logo se o documento for aceite pela pessoa a quem for oposto, o que sucedeu neste caso; 6. Para mais, nos termos dos números 1 e 2 do artigo 444.º do Código de Processo Civil, a impugnação da assinatura e genuinidade de documento particular junto com articulado que não seja o último, devem ser feitas no articulado seguinte; 7. Ora, o e-mail em questão foi junto aos autos em 15/04/2021 com a petição aperfeiçoada da A., como doc. 13 (ref.ª Citius ...19); 8. Na resposta da R. à petição aperfeiçoada da A., a R. não só não pôs em causa a assinatura/autoria ou o teor daquele e-mail, como ainda se serviu dele para provar, supostamente, que existiam montantes indevidamente debitados (cfr. art. 63.º e 64.º da resposta da R. de 08/05/2021, com a ref.ª Citius ...21); 10.º - Como tal, e salvo o devido respeito, a Relação do Porto interpretou e aplicou mal a lei, ao concluir que o e-mail não não constitui negócio unilateral da Ré de reconhecimento de dívida (cfr. art. 3º, nº2 e 5, do DL 290-D/99, de 2/8, na redação que lhe foi dada pelo DL 88/2009, de 9/4 e art. 458º nº 1 e 2 e 373º, ambos do CC). 11.º - Quanto ao 2º fundamento do acórdão e salvo o devido respeito, a Relação do Porto interpreta e aplica mal a lei (art.º 458º do CC e 615º, nº 1 c) do CPC) quando conclui que não se pode extrair do teor do e-mail, transcrito no ponto 18 dos factos provados, “qualquer reconhecimento de qualquer divida ou promessa de pagamento”, nos termos do artigo 458.º do Código Civil – desde logo porque a matéria de facto dada como assente impõe outra conclusão. 12.º - Sem prejuízo do reconhecimento de dívida não ter resultado só do referido e-mail, o teor e conteúdo do referido e-mail é inequívoco no sentido de constituir reconhecimento de dívida uma vez que neste a Ré reconhece dever um montante, esclarece os cálculos efectuados para apuramento desse montante e compromete-se a liquidá-lo. 13.º - Para além disso, a 1ª Instância atendeu ao teor da demais correspondência trocada, à confissão da parte (art.ºs 63.º e 64.º da resposta da Ré de 8/5/2021, com a ref.ª Citius ...21) e à prova testemunhal na interpretação e valoração do teor do referido e-mail, datado de 30 de Agosto de 2017. 14.º - Para enquadramento do referido e-mail, relembra-se que: I. As partes tinham encetado conversações para resolução das diferenças quanto à determinação do preço pelos serviços prestados (ponto 11 dos factos provados), do que resultou a emissão da Nota de Crédito ...49, a qual foi remetida à R. acompanhada de ficheiro com detalhe dos cálculos efectuados (ponto 12 dos factos provados); II. Em 22/06/2017 o Legal Representante da A. dirige interpelação para o legal representante da R. para o pagamento do valor de 27.689,07 (o qual se reporta aos serviços peticionados nestes autos) e reenvia o ficheiro com os cálculos que determinaram a emissão da Nota de Crédito nº ...49; III. Em resposta a esta interpelação do legal representante da A., o legal representante da R., nos termos do e-mail transcrito no ponto 17 (enviado em 13/07/2017): a. Assume ter recebido a Nota de Crédito ...49 acompanhada da respectiva análise; b. Declara ainda não ter tido tempo para verificar as diferenças; c. Assume ter efectuado o pagamento de 10.000€, dado como provado no ponto 16. Dos factos provados, por conta dos valores que deve à A. e “para não deixar acumular”; d. Reconhece que uma grande parte do valor que o legal representante da A. pede é devido e que a Carrola transportes vai ter que fazer pagamentos faseados, o que irá fazer assim que possível; IV. No referido e-mail de 30/08/2017, ainda em resposta à interpelação do legal representante da A., o legal representante da R.: a. Afirma que analisou a situação, incluindo o documento remetido pelo legal representante da A. que explicava o cálculo que originou a emissão da Nota de Crédito nº ...49; b. Tendo analisado a situação, apurou que, ainda por conta de diferença na fórmula de cálculo do preço pelos serviços prestados, deveria ser emitida outra Nota de crédito, no valor de 2.136,44 €; c. Esclarece os cálculos realizados para apuramento dessa diferença; d. Ou seja, resulta que a R. se deu ao trabalho de fazer a conferência entre os valores faturados e as informações constantes dos seus registos, e concluiu que ainda existia uma divergência de 2.136,44 €; e. Reconhece [portanto] que a R. é devedora do pagamento do preço pelos serviços prestados pela A., calculado então apenas nos termos por si aceites, do valor de 25.425,00 €, o qual está em aberto, ou seja, por liquidar; f. Refere que este valor se trata de um valor avultado para pagar de uma só vez – do que decorre reconhecer a obrigatoriedade do seu pagamento; g. Apresenta proposta com vista à liquidação do valor que reconhece dever – propõe fazer o pagamento em 10 meses com início imediato. 15.º - A R. não está a colocar à consideração da A. o valor que considera estar em aberto. Não - a R. está a declarar que analisou a situação, fez os seus cálculos e apurou o valor que se encontra ainda por pagar. E na sequência de declarar que estão em aberto os referidos cerca de € 25.425,00, a R. imediatamente apresenta proposta de cumprimento – propõe prestar o pagamento dos referidos € 25.425,00 em 10 meses, com início imediato: “se aceitarem proponho fazer o pagamento em 10 meses a partir de hoje” 16.º - Assim, conforme diz, e bem, o Tribunal da 1ª Instância, a Ré reconhece dever pelo menos € 25.425,00 e apresenta proposta relativamente tão só à sua liquidação e não proposta tendente à celebração de eventual acordo – o único acordo que a R. propõe é relativo apenas ao pagamento faseado da dívida de que se reconhece devedora. Esta é a única conclusão consentânea com os factos dados como provados. 17.º - O 2º fundamento do acórdão improcede igualmente uma vez que o Tribunal da Relação do Porto interpreta e aplica mal a lei (art.ºs 552º nº 1, d) e e), 608.º, n.º 2 e 615º nº 1 d) e e) do CPC, quando conclui que ainda que o referido e-mail configurasse um reconhecimento de dívida válido e eficaz, o Tribunal de 1ª Instância não podia ter decidido com base neste reconhecimento de dívida porque a A. não teria convocado qualquer declaração unilateral de dívida e o consagrado no art, 458º, do CC. 18.º - Vale dizer que a Relação entende que, por a A. não ter, pretensamente, invocado o reconhecimento de dívida nos termos e para os efeitos do art.º 458º do CC, não podia a 1ª Instância dar como provada a dívida reconhecida!! 19.º - No entanto, a A. invocou expressamente, na sua petição inicial o reconhecimento de dívida – apenas não fez depender a sua causa de pedir exclusivamente nesta declaração unilateral de dívida. 20.º - O pedido e causa de pedir da A. decorre do complexo de factos jurídicos concretos que concretamente alegou [e provou], e que muito sumariamente se elencam: 1. A celebração de contrato de prestação de serviços de transporte de mercadorias; 2. A prestação de serviços de transporte de mercadorias à R. 3. As facturas que titulam o preço devido pelos serviços de transporte de mercadorias prestados; 4. A dívida, decorrente do não pagamento pela R. das facturas peticionadas; 5. Que a R. reconheceu ser devedora da Autora por conta dos serviços (e facturas) prestados da quantia de € 25.425,00, citando o conteúdo do e-mail, o qual deu por integralmente reproduzido. 21.º - Ou seja, a A. fundamenta a sua causa de pedir também no referido reconhecimento de dívida - a A. não convocou o reconhecimento de dívida em abstracto, mas em conjunto com a alegação da relação subjacente que lhe deu causa. 22.º - A causa de pedir consiste no complexo de factos jurídicos concretos, realmente ocorridos, participantes, portanto, da relação material controvertida invocada pelo autor na petição inicial, dos quais procede o efeito jurídico pretendido, ou seja, a pretensão por si deduzida em juízo. 23.º - Estabelecem, por seu turno, os arts. 608.º, n.º 2 e 615.º, n.º 1 al. d) do C.P.C., que o juiz deve resolver todas as questões (todas as questões, e não todos os argumentos utilizados para as fundamentar) que as partes tenham submetido à sua apreciação, sob pena de, não o fazendo, a sentença ser nula. 24.º - Sem prescindir, conforme diz Vaz Serra: «Mas pode bem suceder que a causa de pedir invocada expressamente pelo autor não exclua uma outra que, por integração da petição, possa considerar-se compreendida naquela. Em causa deste género, a indicação feita pelo autor, da causa de pedir tem de ser entendida de modo a corresponder ao sentido que ele quis atribuir a essa indicação, desde que tal sentido possa valer nos termos gerais da interpretação das declarações de vontade.». 25.º - Assim, temos que a A. invocou, na sua causa de pedir não só a relação contratual, mas também o reconhecimento de dívida por parte da R. e que se reporta a essa mesma relação contratual! 26.º - Portanto, o Tribunal de 1ª Instância não alterou a causa de pedir na sentença, nem condenou ultra petitum, ao condenar a R. por ter dado como provado este reconhecimento de dívida. 27.º - Decorrente do supra exposto, a Relação do Porto procede a erro de direito quando conclui que a A. não procedeu à alegação da relação causal ao acto de reconhecimento unilateral de débito – pelo que, com o devido respeito, igualmente não procede o 3º fundamento do acórdão. 28.º - A A. alegou a relação causal que levou ao acto de reconhecimento unilateral de dívida quando expôs os factos essenciais que constituem a sua causa de pedir e que já foram supra elencados. 29.º - Por fim, e quanto ao 4º fundamento do acórdão recorrido, o mesmo enferma dos vícios previstos no art.º 615.º, n.º 1, al. c) e e) ex vi art.º 666.º do CPC, quando conclui que o pedido formulado pela Autora tem como fundamento um contrato que foi celebrado para vigorar excecionalmente, e ainda que não logrou a Autora provar a existência do direito de crédito de que se arroga, pois que sequer provou ter prestado concretos serviços a enquadrarem-se no acordo excecional que invoca ter celebrado. 30.º - Antes de mais se dirá que esta afirmação é inconciliável com a afirmação, igualmente da Relação, de que: Em causa nos autos está, apenas, a determinação da importância do preço em dívida pelos serviços concretamente prestados pela Autora à Ré (confirmando, portanto, que em discussão não está a prestação (ou não) dos serviços). 31.º - Desta contradição lógica decorre, desde logo, que também aqui o acórdão recorrido padece do vício previsto na alínea c) do n.º 1 do art.º 615.º, ex vi art. 666.º do CPC. 32.º - De igual modo, não se consegue conciliar a afirmação do Tribunal da Relação de que a A. não provou ter prestado os serviços, quando é a R. que confessa a prestação dos mesmos – o que resulta dos factos provados. 33.º - A ambiguidade que resulta desta afirmação do Tribunal da Relação, quando confrontada com a matéria de facto dada como assente também por esse mesmo Tribunal (que manteve inalterada a factualidade assente pelo Tribunal de 1.ª Instância), torna o acórdão, neste segmento, ininteligível, o que configura também o vício previsto na alínea c) do n.º 1 do art.º 615.º, ex vi art. 666.º do CPC 34.º - O “contrato que foi celebrado para vigorar excecionalmente” invocado pelo Tribunal da Relação é, salvo o devido respeito, que é muito, pura ficção. Existia apenas um único contrato de prestação de serviços de transporte de mercadorias, sendo que, durante a sua execução, se reviu, por acordo, o critério de determinação do preço de alguns dos serviços prestados. 35.º - A Relação do Porto leva a tese de que a causa de pedir da A. é apenas a celebração de um “contrato para vigorar excepcionalmente” ao extremo e conclui, contradizendo a matéria assente, que a A. nem sequer provou ter prestado serviços pelos quais emitiu as facturas cujo pagamento reclama. 36.º - Não existia um contrato para a prestação de serviços “comuns” de transporte de mercadorias e um contrato para a prestação de serviços “excepcionais” de transporte de mercadorias. Apenas existiam serviços de transporte de mercadorias, que no final do mês davam lugar à emissão de facturas, cujo preço era calculado da seguinte forma, conforme decorre do facto provado nº 9: - O preço de parte das mercadorias era calculado tendo por base o peso real; - O preço de parte das mercadorias (quando eram leves, mas volumosas) era calculado tendo por base o peso cubicado (critério subsidiário de determinação do preço); 37.º - A Relação do Porto interpretou incorretamente a matéria de facto dada como provada e alterou, por sua iniciativa, no acórdão recorrido, a causa de pedir A., passando esta a ser apenas a celebração de um “contrato para vigorar excepcionalmente”. 38.º - Destarte, ao alterar a causa de pedir da A., o Tribunal da Relação do Porto violou o princípio da estabilidade da instância, previsto nos artigos 260.º e seguintes do CPC. 39.º - Repristinando, uma vez mais, a cronologia dos factos: • A partir de Agosto de 2016 a R. contestou o preço dos serviços de transporte prestados pela Autora, por não aceitar a fixação do preço em função da volumetria. • A A. atendeu a esta reclamação e emitiu em Janeiro de 2017, já finda a prestação de serviços, a Nota de Crédito nº ...49 – para tal, analisou todos os consignamentos (constantes dos detalhes relativo a pedidos, cargas, mercadorias e rotas relativas aos transportes que acompanhavam as facturas) e corrigiu as facturas de forma a que se atendesse apenas ao peso real das mercadorias. • A R., entre Julho e Agosto de 2017, procedeu por sua vez também a este confronto e apurou haver ainda uma divergência de 2.136,44 € (detalhada ao cêntimo!) quanto à determinação do preço pelos serviços prestados – resulta do teor do e-mail transcrito no ponto 18 dos factos provados. 40.º - Resulta claro então que a A. logrou provar que prestou serviços de transporte e qual o preço que, por acordo da R., era devido pelos mesmos. 41.º - Sempre caberia à R. provar inexistirem pagamentos em falta relativamente a cada uma das faturas peticionadas. 42.º - Haverá ainda que lembrar ao douto Tribunal que: – Não está em causa os serviços terem ou não sido prestados – é matéria assente; – As facturas referidas no ponto 6 dos factos provados titulam o preço pelos serviços prestados nos termos acordados pelas partes (atendendo quer ao peso real, quer, em alguns casos, ao critério subsidiário de determinação do preço por conta do peso “cubicado”); – A A. emitiu Nota de Crédito nos termos da qual, pelo menos quanto às facturas ...30, ...41, ...48 e ...99, o valor destas fosse corrigido de forma a que o preço atendesse apenas ao peso real; – Quanto ao remanescente, a R. é clara a afirmar que, analisou a situação e entende que falta ainda corrigir uma diferença de 2.136,44 €; e que – Como tal, o preço ainda em aberto pelos serviços prestados, deduzidos os pagamentos e as compensações efectuadas, era de 25.425,00 Euros. 43.º - Destarte, a R. não foi condenada ao pagamento de nenhum montante ao abrigo de um contrato celebrado para vigorar excecionalmente (que nunca existiu) – mas sim no preço dos serviços prestados e tão só nos termos por si aceites. 44.º - Com efeito, a Relação do Porto não pode ignorar por completo o teor do e-mail transcrito no ponto 18 dos factos provados, donde resulta clara a determinação do preço que a Ré reconhece ser devido pelos serviços prestados, nos termos por si aceites. 45.º - Isto porque, o valor de que a Ré se reconhece devedora corresponde ao preço pelos serviços prestados tendo por base apenas os termos convencionados e aceites por ambas as partes, em particular, pela Ré. 46.º - Motivo pelo qual é totalmente inútil para a boa decisão da causa e justa composição do litígio, apurar quais os serviços, se alguns, é que concretamente teriam sido facturados nos termos do critério subsidiário de determinação de preço (volumetria). 47.º - Sem prescindir, ainda que assim não fosse, tendo-se como provado que os serviços foram concretamente prestados, e que as facturas peticionadas incluem o preço pelo transporte de mercadorias calculado também tendo por base apenas o peso real das mercadorias (facto provado n.º9), não tendo a R. provado que pagou, sempre teria a R. de ser condenada no pagamento do preço pelos serviços de transporte realizados, de acordo com o critério “principal”/”original” de determinação do preço, isto é, por referência ao peso real das mercadorias – a apurar em liquidação de sentença. Termos em que, deve, por isso, o douto acórdão recorrido ser integralmente revogado – por violação dos artigos 458.º, 376.º, 366.º, 233.º, e 342.º do Código Civil, os art.os 2.º e 3.º Decreto-Lei n.º 290-D/99 de 02/08, na redação que lhe foi conferida pelo Decreto-Lei n.º 88/2009 de 09/04 (e entretanto revogado pelo Decreto-Lei n.º 12/2021) bem como os artigos 260.º, 413.º, 607.º/4 e 5, art. 608.º/2, art. 609.º, 615.º, n.º 1, al. c) e 662.º do Código do Processo Civil – e substituído por outro que confirme a douta sentença proferida em primeira instância.
Por contra-alegações, a Ré/Recorrida pugna pela improcedência do recurso.
Factos Apurados 1. A Autora e a Ré são ambas sociedades comerciais que se dedicam, entre outros, ao transporte rodoviário de mercadorias. 2. No exercício dessas actividades iniciaram e mantiveram uma relação comercial nos termos da qual prestavam-se, mutuamente, serviços de transporte. 3. Ficou acordado que, a pedido da Ré, a Autora transportava mercadorias, na região ibérica. 4. Sendo que a Ré, a pedido da Autora, transporta mercadoria nos distritos da Guarda (com exclusão dos concelhos de Gouveia e Seia) e Castelo Branco. 5. Ficou acordado que o preço era pago em função do peso da mercadoria. 6. Por conta dos serviços prestados, a autora emitiu e entregou à ré as seguintes faturas (que se encontram juntas aos autos e cujo teor se dá por integralmente reproduzido):
8. Ficou acordado que, excepcionalmente, quando as cargas se revelassem volumosas, a Autora aplicaria uma fórmula diferente de cálculo, tendo por base não só o peso mas também o volume. 9. O preço pelo menos de parte da mercadoria discriminada nas faturas referidas em 6 foi calculado tendo por base não só o peso, mas também o seu volume. 10. Em Agosto de 2016, a Ré contestou o preço dos serviços de transporte prestados pela Autora, por não aceitar a fixação do preço em função da volumetria. 11. Nesse seguimento, a Autora encetou conversações com esta, no sentido de esclarecer e resolver as reclamações. 12. Assim, a autora emitiu a Nota de Crédito ...49, com data de 20/01/17, no valor de EUR 4.972,30, acompanhada da análise efetuada, a qual incidiu sobre as facturas ...30, ...41, ...48 e ...99. 13. Nessa nota de crédito, o preço dos serviços foi cobrado tendo por referência apenas o peso da mercadoria. 14. A Autora emitiu igualmente Abono a favor da Ré, com data de 01/06/17, no valor de EUR 1.036,20. 15. Por conta das faturas referidas em 6 autora efetuou ainda acerto de contas com as faturas emitidas pela Ré e que se imputam às faturas mais antigas da Autora: • FACT 354, de 09/11/2016, no valor de EUR 1 036,20; • FACTS 232/233/234/235/254, de 31/07/2016, totalizam EUR 5.564,31; • FACTS 262/263/280/283/285, de 31/08/2016, no valor de EUR 5.740,20; • FACTS 319/311/315, de 30/09/2016, no valor de EUR 4.963,21; • FACTS 353/350/351/333/323, de 31/10/2016, no valor de EUR 4.269,37; • FACTS 386/387/371/370 + NC15, de 30/11/2016, totalizam EUR 4.917,95; • FACTS 419/421/407/406 + NC16, de 30/12/2016, totalizam EUR 2.985,85; • FACT 372, de 29/11/2016, no valor de EUR 20,25. 16. Por conta das faturas referidas em 6 a Ré pagou à Autora € 10.243,00 através de duas transferências: • TRANSF 10...15, de 10/09/15, no valor de EUR 243,00; • TRANSF 02...17, de 02/02/17 02/02/17, no valor de EUR 10.000,00. 17. No dia 13 de julho de 2017, AA, legal representante da Ré, enviou à autora um email com o seguinte teor: “Como sabe neste momento não estou em Portugal, como tal não tenho acesso a algumas informações para verificar as diferenças e tenho que estar sujeito a terceiros e nem tempo. Mas se bem se lembra após a reunião da decisão de verificarem o valor debitado a mais (penso que em Setembro) , insisti por diversas vezes consigo , para saber do apuramento da diferença, até que em Janeiro sem ainda ter obtido resposta e para não deixar acumular lhe fiz um pagamento de 10000,00€, todos sabemos que uma grande parte do valor que pede é devido e que a Carrola transportes vai ter que fazer pagamentos faseados e que assim que possivel o vai fazer, mas se não se importa tenha um pouco de calma e esteja tranquilo que não vai esperar tanto tempo como eu esperei pela nota de crédito”; 18. Em 30 de Agosto de 2017, o legal representante da Ré enviou à autora um email com o seguinte teor: “Boa tarde, Após análise da situação concluímos que existe ainda uma diferença de 2136,44 que terão que passar uma nc rolos enviados e debitados com cubicagem - 16010,80 debito que deveria ter sido feito - 8902,06 Ficando em aberto um total de cerca de 25425,00 Como compreende é um valor elevado para pagar de uma só vez, se aceitarem proponho fazer o pagamento em 10 meses a partir de hoje fico a aguardar a vossa confirmação para a minha proposta.” 19. Em 17.11.2017, a Autora enviou à Ré um email solicitando o pagamento do valor em aberto (que já havia comunicado por email de 22.06.2017 ser de € 27.689,07), concedendo-lhe para o efeito o prazo de oito dias.
Factos Não Provados a. A mercadoria referida em 7. ocupava grande parte do reboque. b. Aquando da emissão das faturas a Autora comunicou à Ré a aplicação dos critérios de cálculo subsidiários (peso e volumetria) que haviam sido acordados. c. O valor de € 25.425,00 corresponde a serviços prestados pela Autora por valores e critérios não convencionados.
Conhecendo:
I O fundamento essencial da decisão condenatória de 1.ª instância proveio do disposto no art.º 458.º n.º1 do CCiv, que prevê: “Se alguém, por simples declaração unilateral, prometer uma prestação ou reconhecer uma dívida, sem indicação da respectiva causa, fica o credor dispensado de provar a relação fundamental, cuja existência se presume, até prova em contrário”. Constatou-se que a Ré, através do seu legal representante, reconheceu que o valor em dívida pelos serviços prestados era de, pelo menos, € 25.425,00, tendo-se proposto pagar esse valor em prestações. Esse invocado reconhecimento decorreu da interpretação do conteúdo do “email”, enviado pelo legal representante da Ré à Autora, “email” cujo texto conta do facto provado n.º 18. Segundo o acórdão recorrido, porém, cabendo tal conclusão na livre apreciação do julgador, não assinado pelo seu autor, não podia esse citado documento (“email”) constituir um reconhecimento de dívida. Isto porque, diz o acórdão, o reconhecimento de dívida deve constar de documento escrito (art.º 458.º n.º2 do CCiv), e o documento particular (escrito) só vale se tiver a assinatura do seu autor – art.º 373.º n.º 1 do CCiv. Nenhuma dúvida, diremos agora, sobre a necessidade de o reconhecimento de dívida constar de documento escrito – é, de facto, o que resulta da norma legal do art.º 458.º n.º2 cit. Quanto à natureza escrita do “email” em causa, dir-se-á que é reconhecida aos documentos electrónicos aptidão para satisfazer o requisito legal da forma escrita, nos termos do art.º 3.º n.º1 do Regime Jurídico dos Documentos Electrónicos e da Assinatura Digital (D-L n.º 290-D/99, de 2/8, na redacção resultante do D-L n.º 88/2009, de 9/4, em vigor à data da produção do documento) – a estes documentos é acordada força probatória de documento particular assinado, quando lhes seja aposta uma assinatura qualificada emitida por uma entidade certificadora credenciada (art.º 3.º n.º2 do RJDEAD). Tal, porém, “não obsta à utilização de outro meio de comprovação da autoria e integridade de documentos electrónicos, incluindo outras modalidades de assinatura electrónica, desde que tal meio seja adoptado pelas partes ao abrigo de válida convenção sobre prova ou seja aceite pela pessoa a quem for oposto o documento”, conforme art.º 3.º n.º4 do RJDEAD. O valor probatório dos documentos electrónicos aos quais não seja aposta uma assinatura electrónica qualificada e certificada é apreciado nos termos gerais de direito (art.º 3.º n.º5 do RJDEAD), o que significa que será livremente apreciado pelo tribunal – art.º 366.º do CCiv. Ora, em primeira nota, há que constatar que o “email” a que se reporta o facto 17.º foi aceite pela Ré, na respectiva oposição, nos termos em que foi enviado o dito “email”, não aceitando, todavia, a Ré a interpretação confessória que lhe é dada pela Autora (“65 – da redacção impressa a esse mail não resulta um valor certo, definido e concreto, assumido e/ou confessado pela ré mas apenas uma avaliação por ela feita da existência de cerca de € 25425,00, podendo tal valor variar para mais ou para menos”; “66º - Ora as confissões reportam-se a factos concretos, perfeitamente definidos e actuais, o que não sucedeu com aquele mail, impugnando-se por isso tudo o que em contrário vem referido na douta PI aperfeiçoada”). Portanto, a matéria em causa não era a da exigência legal de forma, para a prova tarifada do documento, à semelhança do disposto nos art.ºs 373.º n.º1 e 376.º n.º1 do CCiv, mas antes a do valor que o tribunal tivesse atribuído aos documentos escritos em causa, sendo inquestionável que a 1.ª instância considerou a autoria dos “emails” a cargo do legal representante da Ré (cf. factos provados n.ºs 17 e 18).
II A 1.ª instância considerou que o teor escrito de determinado “email”, constante do facto provado n.º18, teria de ser qualificado como um reconhecimento de dívida à Autora, pelo menos no montante de € 25 425,00, nos termos do disposto no art.º 458.º n.º1 do CCiv. A Relação afastou esse reconhecimento. Sucede que, estabelecida a autoria do “email”, enquanto documento escrito, a declaração dele constante pode integrar uma verdadeira e própria confissão extrajudicial, tal como definida no art.º 352.º do CCiv – o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária. A força probatória da declaração confessória resulta do art.º 358.º n.º2 do CCiv: considera-se provada nos termos aplicáveis ao documento de que consta (força probatória formal); tendo sido feita à parte contrária, possui força probatória plena contra o confitente (força probatória material). O teor do “email” a que se reporta o facto provado n.º18 é, portanto, um teor confessório, de reconhecimento de dívida, nos termos desse “email” resultantes, cujo valor é de força probatória plena, posto que feito à parte contrária, como se aludiu. A força probatória plena da declaração é um mais, relativamente ao reconhecimento ilidível de uma dívida, nos termos do art.º 458.º do CCiv. A confissão reportou-se ao valor em dívida, no âmbito da prestação de serviços acordada entre as partes, que ascendia a € 25 425,00. Apenas se solicitava a concessão de um prazo para a Ré efectuar um pagamento faseado, matéria que não resultou suscitada nos presentes autos. É claro que o disposto no art.º 357.º n.º1 do CCiv exige a inequivocidade da declaração confessória – algo que o acórdão recorrido implicitamente discute, posto que alude a que o “email” enviado sugere apenas um valor “em aberto” e um “total de cerca de”. Acontece que a declaração vem na sequência de vários anteriores “emails” da Autora em que se exigiam € 27 689,07 (o valor do pedido, excluindo juros moratórios). O valor de € 25 425,00 é dito “em aberto”, o que, na sequência de toda a correspondência, não pode deixar de significar que se trata do valor que se entende em débito à Autora, o que mais se compreende com a disponibilidade imediata, no parágrafo seguinte, para efectuar o pagamento dessa referida quantia (ainda que faseadamente). Trata-se de uma proposta séria, independentemente das contas feitas ou por fazer, a cargo da Ré – uma eventual precipitação da declaração, apenas se pode imputar ao comportamento do legal representante (cf. Menezes Cordeiro, CC Comentado, I, 2020, pg. 1034). Assim, não poderia deixar de se considerar provado o crédito reclamado pela Autora, na medida do reconhecido em 1.ª instância, e assim também cabe ser considerado na revista, à luz do disposto no art.º 674.º n.º3 parte final do CPCiv. Note-se ainda, relativamente a uma invocada declaração posterior em contrário, por parte do legal representante da Ré, que o confitente não pode impugnar a confissão, a não ser invocando falta ou vícios da vontade, em acção de declaração de nulidade ou de anulação da confissão (art.º 359.º n.º1 do CCiv). Sublinhe-se que o acórdão não agiu em contradição de fundamentos com a decisão (art.º 615.º, n.º1, al.c), do CPCiv), posto que a apreciação dos factos (qualquer um deles, designadamente o facto não provado c), não colide com a apreciação de direito, que se cingiu à não concepção do teor do “email” (facto 18) como declaração unilateral de dívida. Os presentes fundamentos enquadram a concessão da revista.
Em resumo: I - O valor probatório dos documentos electrónicos aos quais não seja aposta uma assinatura electrónica qualificada e certificada é apreciado nos termos gerais de direito (art.º 3.º n.º5 do RJDEAD), o que significa que pode ser livremente apreciado pelo tribunal – art.º 366.º do CCiv. II – Se o “email” a que se reporta determinado facto provado foi aceite pela Ré, na respectiva oposição, nos termos em que foi enviado o dito “email”, não aceitando, todavia, a Ré a interpretação confessória que lhe é dada pela Autora, a matéria em causa não era a da exigência legal de forma, para a prova tarifada do documento, à semelhança do disposto nos art.ºs 373.º n.º1 e 376.º n.º1 do CCiv, mas antes a do valor que o tribunal tivesse atribuído aos documentos escritos em causa. III - Estabelecida a autoria do “email”, enquanto documento escrito, a declaração dele constante pode integrar uma verdadeira e própria confissão extrajudicial, tal como definida no art.º 352.º do CCiv. IV - O art.º 357.º n.º1 do CCiv exige a inequivocidade da declaração confessória, que se verifica no caso de ocorrer uma proposta séria, independentemente das contas feitas ou por fazer, a cargo do devedor – uma eventual precipitação da declaração, apenas se pode imputar ao comportamento próprio. Concede-se a revista, repristinando-se a decisão de 1.ª instância, ainda que por fundamento diverso. |