Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 2.ª SECÇÃO | ||
Relator: | MARIA DA GRAÇA TRIGO | ||
Descritores: | QUESTÃO NOVA PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DOAÇÃO DOCUMENTO ESCRITO ASSINATURA NULIDADE POR FALTA DE FORMA LEGAL REQUISITOS | ||
Data do Acordão: | 12/15/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA | ||
Sumário : | I. A alegada incapacidade acidental da doadora no momento da celebração do contrato de doação é uma questão nova, constituindo jurisprudência consolidada do STJ que os recursos apenas visam a reapreciação da decisão de questões oportunamente suscitadas, salvo quando se trate de questões de conhecimento oficioso. II. Quanto à questão da alegada invalidade formal do contrato de doação, no caso dos autos, resultou provado ter sido a doadora que apôs a sua assinatura no documento contratual, apondo o seu nome próprio, resultando também provado que a mesma doadora estava debilitada fisicamente e, por isso, já só assinava com o primeiro nome. III. Por outro lado, foi também provado que, do mesmo documento, consta a identificação completa da doadora, com indicação do seu nome completo, do seu NIF, do seu estado civil, da sua naturalidade e da sua morada. IV. Deste modo, verifica-se que a assinatura cumpre os requisitos legais previstos no art. 373.º, n.º 1, do CC, pelo que a doação foi feita por documento escrito nos termos exigidos pelo art. 947.º, n.º 2, do CC, sendo o contrato formalmente válido como entendeu o acórdão recorrido. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1. Nos autos de inventário para partilha de bens da herança de AA, em que são interessados BB (requerente), CC (cabeça-de-casal) e DD, esta reclamou contra a relação de bens referindo a omissão de relacionamento de créditos (da reclamante), de bens móveis e de um imóvel, e a exclusão da “verba n.º 1” (quantia de € 159.000,00 existente em depósito a prazo), ou, se assim não se entender, que se relacione como crédito da reclamante o montante de €13.753,50, relativo a imposto de selo que pagou pela participação dos montantes em numerário existentes nas contas bancárias. A cabeça-de-casal respondeu à reclamação: refutou a omissão de créditos, opôs-se à exclusão da “verba n.º 1” e aceitou o relacionamento dos restantes bens (móveis e imóvel). Foi proferida decisão que julgou parcialmente procedente a reclamação, pelo que: A) Reconheceu os créditos da reclamante sobre a herança relativos a despesas de funeral (€1.660); B) Reconheceu o crédito da reclamante sobre a herança relativo à devolução do montante indevidamente pago a título de reforma à inventariada (€408,58); C) Reconheceu os créditos da reclamante, sobre a herança, referentes às despesas em vida com a reclamante (€152,57); D) Reconheceu o crédito da reclamante, sobre a herança, no montante de € 13.753,50, relativo a imposto de selo, pago pela reclamante, devido pela herança; E) Determinou que os créditos em causa sejam relacionados; F) Indeferiu o pedido de exclusão da “verba n.º 1” (quantia de € 159.000,00 existente em depósito a prazo). Inconformados, a cabeça-de-casal CC e o interessado BB interpuseram recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra. Apelou também a reclamante. Por acórdão de 12 de Julho de 2022 foi proferida a seguinte decisão: «Pelo exposto, decide-se alterar a decisão sobre a matéria de facto como se indica em II. 4., supra, e revoga-se a decisão recorrida quanto ao reconhecimento do «crédito da reclamante, sobre a herança, no montante de € 13 753,50, relativo a imposto de selo» e sua «relacionação» e quanto ao indeferimento do «pedido de exclusão da verba n.º 1 (quantia de € 159 000 existente em depósito a prazo)», mantendo-se o demais decidido; declara-se a validade da doação efetuada à recorrente DD, em 09.01.2020, com a consequente transmissão da propriedade da coisa ou da titularidade do direito, pelo que a dita “verba n.º 1”, por lhe pertencer, fica excluída da relação de bens.». 2. A cabeça-de-casal CC e o interessado BB interpuseram recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, formulando as seguintes conclusões: «1. O douto acórdão recorrido deve ser revogado, pois nele se fez errada interpretação dos factos e inadequada aplicação do Direito, na parte em que revogou a sentença da primeira instância quanto ao indeferimento do «pedido de exclusão da verba n.º 1 (quantia de € 159.000 existente em depósito a prazo)», declarando válida a “doação efetuada à recorrente DD, em 09.01.2020, com a consequente transmissão da propriedade da coisa ou da titularidade do direito”. 2. José Ferreira Borges, no seu “Diccionario Jurídico-Commercial” afirma que “Assignar um acto é subscrevê-lo com todas as letras, que compõem o nome de família, que cada um tem”. 3. Tendo o douto tribunal dado como provado o facto de a falecida se encontrar debilitada fisicamente e por esse motivo só ter aposto o nome “AA” no documento particular datado de 09/01/2020, levaria só por si a decisão diversa da alcançada por parte do referido tribunal. 4. Além da prova testemunhal em que o douto Acórdão alicerçou a fundamentação atinente à fragilidade da falecida para apor a sua assinatura consta dos autos, junto pela Recorrida em sede de reclamação à relação de bens, o documento 6 (Nota da Alta) onde se pode verificar que a falecida no dia .../.../2020, foi submetida a “confeção de dolostomia ilíaca terminal por neoplasia do colon sigmoide estenosante obstrutiva”, a qual apesar de ter sido realizada sem intercorrências obviamente debilitou a falecida/inventariada fisicamente. 5. Pois que, no próprio dia em que fora intervencionada foi o dia em que a Recorrida efectuou o documento particular de doação aqui em discussão, no qual veio alegar a fragilidade física da inventariada para apor o seu nome completo, o que de resto, não faria outro sentido, atento o evento cirúrgico sofrido pela mesma (tal foi a pressa para a alegada assinatura). 6. Tal, no entanto, evidencia igualmente a má-fé do circunstancialismo em que o documento foi assinado, algo que não pode ser posto de lado na verificação da sua validade e preenchimento dos requisitos patentes no art.º 373 CC. 7. Além disso, podemos estar perante uma incapacidade acidental, pois apesar de eventualmente ter havido declaração e vontade, esta apresenta-se, no momento da prática do acto viciada. 8. Assim, a doação em causa, alem de anulável, mostra-se também nula por sofrer de vício de forma, na medida em que tendo sido realizada por documento particular, este carecia, por razões de forma (cfr. art 947º CC, na redacção do DL 116/2008, de 4/7), e de conteúdo (arts 373º/1, 3 e 4 CC, visto que a doadora não podia assinar), de ser autenticado não o tendo sido. 9. O art 46º/1 do Código do Notariado, nas respectivas alíneas a) a n) dispõe a respeito do que o instrumento notarial deve conter, relevando para a situação dos autos o disposto nas suas al c), d), h), l), m) e n), respectivamente do seguinte conteúdo: «(…) c) O nome completo (…) 10. Ao permitir que se considere válido juridicamente um documento particular em que se encontra aposto unicamente o prenome estamos a desjudicializar o reconhecimento e formalidades atinentes aos documentos particulares, sendo o referido acórdão um elemento facilitador do surgimento de situações totalmente ilícitas, o que desvirtua a função do direito e seus intervenientes. 11. Assim, conclui-se como o Sr. Adjunto Dr. EE, “um documento particular simples, referente a contrato de doação, sem o nome completo da doadora, o mesmo é dizer sem a sua assinatura, em contravenção ao mencionado art. 373º, nº 1, do CC. Por isso, a referida doação não é válida por não satisfazer a exigência legal de forma ad substantiam, nos termos do art. 364º, nº 1, do CC (neste sentido A. Varela, CC Anotado, Vol. I, 3ª Ed., nota 1. ao art. 366º, pág. 323) sendo a declaração negocial no documento inserida nula (art. 220º do CC).”». Terminam pedindo a revogação do acórdão recorrido e a prolação de decisão, mantendo a “verba n.º 1” na relação de bens para posterior partilha entre todos os interessados. A Recorrida contra-alegou, concluindo nos termos seguintes: «1. A doação de 09.01.2020 fls. 42 dos autos deve ser considerada válida conforme tão bem fundamentado se encontra no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, porquanto, 2. Com o devido respeito que é muito a posição aposta no voto de vencido, não pode colher provimento, considerando que, qualquer cidadão tem a liberdade de escolher a sua assinatura, em momento algum na lei se exige que um reconhecimento de assinaturas seja efetuado com assinatura completa do nome, mas antes que o Notário, Advogado ou Solicitador certifique-se de que quem está a assinar é a pessoa identificada – 3. E tanto assim é que, mais de 90% da população não assina com o seu nome completo e muitos há que até fazem apenas um mero “rabisco”/rubricas, e até que, por incompatibilidades familiares nem sequer utilize o nome da família da mãe e do pai. 4. Na doação de 09.01.2022 consta claramente o nome completo e toda a identificação da Doadora - O artigo 155 refere “que os reconhecimentos simples devem mencionar o nome completo do signatário e referir a forma por que se verificou a sua identidade, com indicação de esta ser do conhecimento pessoal do notário, ou do número, data e serviço emitente do documento que lhe serviu de base.” Ora tal artigo não exige que conste na assinatura o nome completo nem tal faria qualquer sentido. 5. Certo é que o artigo 947 C.C. não exige reconhecimento de assinatura. 6. Ora, da matéria dada por provada ponto ee) consta claramente que a D. AA só assinava com o primeiro nome – daí que em qualquer reconhecimento de assinatura a notária apenas se certifica que é a pessoa que está a assinar o documento, por isso nem se compreende como se refere que o documento não seria reconhecido, quando nunca e em algum momento foi posto em causa pelos recorrentes que a doadora assinou o documento. 7. Com tal entendimento está a defender-se algo diverso no plasmado na nossa legislação impondo que quase todos os documentos outorgados deixem de ter validade por não terem sido assinados com nome completo – o que contraria toda a essência e requisitos do disposto 155 nº. 1 que remete apenas para a al. a) do artigo 46 do Cod. Notariado. 8. Conforme consta do artigo 155 do código de notariado há a remessa apenas para o 46 nº.1 a) daí que exige-se que se confirme que é a pessoa que está identificada no documento que o assina e não outra. 9. Acresce ainda referir que como consta da matéria de facto dada por provada, nunca foi a recorrida que entendeu que existisse alguma fragilidade no documento, foi sim a D. AA quem pediu para chamar a funcionária do Banco da sua confiança a qual decidiu que colhia a assinatura a rogo. 10. Assim, a dita fragilidade que não existe surge de uma ilação e não da prova produzida e dada por provada, pois como se disse e consta dos factos provados ff) Doação que foi também corroborada pela bancária do BPI que se deslocou ao Hospital e devido às dificuldades da D.ª AA em assinar a mesma limitou-se a colocar a sua impressão digital, tendo a funcionária lido o documento e explicado e a D.ª AA assinado tal doação e atestado a manifestação de vontade em doar todos os dinheiros que tinha no BPI para a reclamante no montante total de € 159 000. 11. Foi pois a D. AA quem queria certificar-se ao ver a funcionária do Banco que o dinheiro estava e era todo para a sobrinha que tinha como filha e os filhos desta como netos, ao contrário dos recorrentes que não falavam com a mesma há longos anos como também consta dos factos provados. 12. Acresce que, referem os recorrentes a definição de assinatura, omitindo e confundindo nome com assinatura, ora dúvidas não restam que o nome da doadora no documento está completo quer com a sua naturalidade, quer com a sua identificação e está o mesmo também assinado. No dicionário de língua portuguesa https://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa/assinatura consta que assinatura é: 1. aposição do nome individual em qualquer documento; firma 2. nome escrito de uma forma própria num documento, para assumir a responsabilidade pelo seu conteúdo ou para provar a sua autenticidade; firma 13. Acresce que, o facto de estar debilitada fisicamente não retira a autoria da sua assinatura, pois que como está provado nos últimos tempos só assinava com o primeiro nome. 14. Acresce que, a decisão proferida no procedimento cautelar não faz caso julgado na ação principal correlativa, pois que, o acórdão a fls. 133, Processo nº 125/20.6T8TND-A.C1, para o qual o Tribunal “a quo” remete, apenas, se pronuncia quanto à doação de 12.01.2020, documento assinado a rogo – atendendo que no arrolamento foi apenas ouvida a testemunha FF funcionária do Banco, 15. Acresce que, considerou a recorrida quanto à sentença da primeira Instância que existe uma contradição com a matéria de facto dada por provada e a matéria de direito. Atendendo que já da sentença da primeira Instância constava expressamente que a inventariada: “De tal forma que, a D. AA doou à reclamante DD sua sobrinha e única pessoa que sempre lhe deu amor e carinho, todo o dinheiro de que era titular no banco BPI – o que foi aceite pela sua sobrinha. Tendo aliás, a tia AA e mal assinou o referido documento dito que já estava mais em paz. A D. AA estava debilitada fisicamente e por isso nos últimos tempos já só assinava com o primeiro Nome. Doação que foi também corroborada pela bancária do BPI que se deslocou ao Hospital e devido às dificuldades da D. AA em assinar a mesma limitou-se a colocar a sua impressão digital, tendo a funcionária lido o documento e explicado e a D. AA assinado tal doação e atestado a manifestação de vontade em doar todos os dinheiros que tinha no BPI para a reclamante no montante total de 159.000,00€.” 16. Porquanto, alicerça o Meritíssimo Juiz a fundamentação da matéria de facto dada por provada o documento junto a fls.42, ou seja, a doação do dia 09.01.2020 17. Ademais, e ainda antes de ser proferido Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra no arrolamento, foram os interessados notificados para responder da reclamação da relação de bens e não impugnaram a mesma, pelo que aceitaram todos os factos alegados e documentos juntos. 18. Na resposta à reclamação da relação de bens a cabeça de casal limita-se apenas e tão só a mencionar que: veja-se ponto 21. “…deve para já continuar a constar da relação de bens uma vez que aguarda decisão do recurso interposto da sentença final do processo de arrolamento apenso a este processo, bem como se impugna em acção de nulidade relativamente ao documento particular apresentado.” 19. Os recorrentes confundem o apenso de arrolamento com os presentes autos de inventário, pois que, a decisão no apenso não produz quaisquer efeitos nestes autos, sendo certo que se impunha a tomada de posição quanto à matéria alegada na reclamação da relação de bens e não o fazendo existe uma aceitação dos factos alegados na mencionada reclamação. 20. Sendo certo que, a invocada acção que apregoaram nunca a recorrente foi citada para a mesma. 21. Nos termos do disposto no artigo 1105 e 427º do CPC os documentos juntos devem ser impugnados com o articulado, in caso com a resposta à reclamação da relação de bens. 22. Nunca os interessados impugnaram as doações juntas aos presentes autos docs 7 e 8 juntos com a reclamação da relação de bens. 23. Ora, a falta de impugnação dos documentos deve ter-se como aceitação. 24. Como os interessados foram notificados através da sua mandatária com procuração junta aos autos e a mesma nada disse em relação aos doc.s 25.7 e 8 juntos com a reclamação da relação de bens, por isso aceitaram a assinatura neles aposta mormente da doação de 09 de janeiro de 2020 – doc. nº.7. Nos termos do disposto no artigo 374 do Código Civil: A letra e a assinatura, ou só a assinatura, de um documento particular consideram-se verdadeiras, quando reconhecidas ou não impugnadas pela parte contra quem o documento é apresentado, ou quando esta declare não saber se lhe pertencem, apesar de lhe serem atribuídas, ou quando sejam havidas legal ou judicialmente como verdadeiras. 26. Assim, nos termos do disposto no artigo 947 do C.C. está cumprida a formalidade que a lei exige para a doação de bens móveis, considerando que feita por documento escrito e estando o mesmo assinado pela doadora e aceite pela donatária. 27. "Tratando-se de um incidente do processo de inventário, a norma própria deste (art.1349 CPC) não proíbe ou posterga a cominação derivada da falta de resposta; 28. Sendo assim, é aplicável o disposto no art. 293 n°3 do CPC, por aplicação subsidiária do art.° 567 n°1 CPC, pelo que "a falta de impugnação no prazo legal, determina, quanto à matéria do incidente, a produção do efeito cominatório que vigore na causa em que o incidente se insere; 29. Não prevendo nas normas próprias do inventário em que se insere o incidente, qualquer efeito cominatório, impõe-se aplicar as regras próprias do processo ordinário, ou seja, os arts. 567 n.° I e 574 n.° 2, CPC, por aplicação do art.° 549 n°1 (in fine) CPC". Mas mesmo que até assim não se entendesse e face à reapreciação das mencionadas provas, impõem, decisão diversa, como infra se demonstrará. 30. A doação datada de 9 de Janeiro de 2020 não foi impugnada, a assinatura nela aposta foi aceite, e nos termos em que se encontra aposta, pois que, como resulta dos factos provados, a falecida “(…) nos últimos tempos já só assinava com o primeiro nome (…).” – depoimento da testemunha GG - minutos [00:08:16] a [00:10:23] E ainda, o depoimento da testemunha HH – minutos [00:04:20] a [00:11:39] 31. E assim, nos termos do disposto no artigo 374º do Código Civil, a letra e a assinatura, ou só a assinatura, de um documento particular consideram-se verdadeiras, quando reconhecidas ou não impugnadas pela parte contra quem o documento é apresentado, ou quando esta declare não saber se lhe pertencem, apesar de lhe serem atribuídas, ou quando sejam havidas legal ou judicialmente como verdadeiras. 32. Assim, nos termos do disposto no artigo 947º do C.C. encontra-se cumprida a formalidade que a lei exige para a doação de bens móveis, considerando que feita por documento escrito e estando o mesmo assinado pela doadora e aceite pela donatária, considerando que nas doações de bens móveis a lei não menciona qualquer obrigação quanto à assinatura do doador, não sendo acompanhada de tradição da coisa, só pode ser feita por escrito, facto este corroborado por documento particular e pelas testemunhas: HH – minutos [00:04:20] a [00:11:39] E ainda, pelo depoimento da testemunha GG - [00:04:41] a [00.05:23] 33. Não há dúvidas de que a intenção da D. AA foi doar a dita importância à ora recorrente face às relações de proximidade afetiva que entre elas existiam, como aliás resulta dos factos provados e dos próprios depoimentos das testemunhas GG – minuto [00:04:41] a [00.05:23] Minutos [00:06:32] a [00:06:34] E da testemunha HH – minutos [00:01:12] a [00:04:19] 34. A doação assumiu a forma escrita, como se estatui no artigo 947º nº2, e por isso, quanto à doação datada de 09.1.2020. Assim, o valor de 159.000,00€ existente na conta bancária do BPI, já não pertencia ao acervo hereditário por ter sido doado em vida da falecida AA à ora recorrente. 35. Considerando que por não ter a D. AA herdeiros legitimários, podia a mesma dispor de todos os seus bens (2156º e 2157º do Código Civil).». Termina pugnando pela improcedência do recurso e pela manutenção do acórdão recorrido. Cumpre apreciar e decidir. 3. Vem provado o seguinte (mantêm-se a numeração e a redacção do acórdão da Relação): a) A reclamante DD pagou à Agência Funerária e referente ao funeral da inventariada o montante de € 1 410. b) A reclamante pagou ainda referente ao funeral da inventariada as seguintes quantias: Junta - € 60; Coveiro - € 100; Igreja - € 70 e Vigas - € 20. c) Com receio de gerar mais despesas e juros, a reclamante pagou a quantia de € 408,58 referente à devolução do valor da reforma da inventariada transferido indevidamente para a conta da inventariada do BPI. d) A reclamante pagou € 51,10 e € 47,58 referente a despesas com a inventariada e que foram suportadas pela reclamante nos últimos dias de vida daquela, no total de € 152,57. e) A reclamante é sobrinha da falecida AA. f) A falecida sempre teve uma relação muito próxima com a mãe da reclamante e com esta. g) A falecida AA era madrinha de batismo da reclamante DD. h) A falecida era solteira e nunca teve filhos, pelo que sempre tratou esta sua sobrinha e afilhada como sua filha e os filhos desta como netos. i) A falecida AA pôde, durante toda a sua vida, contar apenas com o apoio da sua sobrinha/reclamante e família desta. j) Era a sua sobrinha e filho II quem a ajudava nas compras, nas idas aos médicos e em tudo o que aquela precisasse. k) Nas suas folgas a reclamante e o marido iam a casa da tia AA ou iam buscá-la para passar o dia na casa da requerida. l) Há longos anos estava de relações cortadas com os seus irmãos, a cabeça-de-casal e o interessado BB. m) Que não visitaram a inventariada no hospital, ou sequer ligavam para saber como a mesma estava, e nem sequer o requerente BB se deslocou ao funeral, sendo que a requerente CC apareceu no funeral criando um grande espanto para todos os ali presentes que bem sabiam que a D.ª AA tinha até pedido à sobrinha para nunca os deixar ir ao seu funeral. n) A reclamante no dia 06.01.2020 deslocou-se a casa da sua tia AA, considerando que foi alertada por uma vizinha que já há quatro dias não via a D.ª AA, pois que era habitual a mesma estar no exterior da sua casa sentada. o) Apesar da falecida ter referido que estava bem, a sua sobrinha/reclamante chamou logo o INEM e bombeiros pois que a D.ª AA assim que abriu a porta de casa desmaiou. p) A reclamante acompanhou a tia até ao Hospital ..., onde a mesma foi observada e pretendiam dar-lhe alta. q) A reclamante não aceitou que lhe dessem alta considerando que a sua tia ainda se queixava de muitas dores no abdómen. r) Por tal facto e após a interessada DD ter reclamado, foi a tia AA levada para o Hospital .... s) No qual, no dia 07.01.2020, lhe foi descoberto um cancro no intestino. t) Já no hospital e mesmo antes da cirurgia a tia dizia insistentemente que queria dar todos os bens à requerida, pois que se assim não fosse “nem a terra do cemitério a comia” pois não queria “deixar nada para aqueles comilões”, referindo-se aos irmãos; contudo, a requerida disse-lhe “está bem, tenha calma”. u) Nos dias que se seguiram a reclamante disse à tia que não podia voltar para casa, pelo que, logo que tivesse alta iria primeiro para um Lar enquanto aquela iria criar-lhe um quarto no rés-do-chão. v) Porque a reclamante não tinha as condições para receber a sua tia em casa, pretendeu que a mesma fosse para um Lar provisoriamente o que aquela concordou. w) Assim, a falecida AA pediu à reclamante para falar com a Dr.ª FF do BPI. x) A reclamante falou com a mesma para se deslocar ao hospital, considerando que a tia queria falar-lhe, informando-a ainda da necessidade de tratar de alguma forma de poder pagar as despesas no futuro com o Lar. y) A reclamante reservou uma vaga para a tia AA no lar da ... em .... z) Durante os dias que se seguiram a tia AA manifestou à sua sobrinha DD que lhe dava todos os bens. aa) Contudo e porque a sua sobrinha gostava mesmo da tia nem quis acreditar que o fim desta estava para breve e referia-lhe que tivesse calma. bb) A D.ª AA era clara ao manifestar a sua oposição a que os irmãos viessem a receber um cêntimo das suas poupanças e dos seus bens e por isso insistia para que a requerida ficasse com todos os seus bens, dizendo-lhe que lhos dava. cc) De tal forma que a D.ª AA doou no dia 09.01.2020, através do documento de fls. 42, no qual apôs apenas o nome “AA”, à reclamante DD, sua sobrinha e única pessoa que sempre lhe deu amor e carinho, todo o dinheiro de que era titular no banco BPI, no valor de € 159 000, o que foi aceite pela sua sobrinha. [alterado pela Relação] dd) Tendo, aliás, a tia AA e mal assinou o referido documento dito que já estava mais em paz. ee) A D.ª AA estava debilitada fisicamente e por isso, nos últimos tempos, já só assinava com o primeiro nome. ff) Doação que foi também corroborada pela bancária do BPI que se deslocou ao Hospital e devido às dificuldades da D.ª AA em assinar a mesma limitou-se a colocar a sua impressão digital, tendo a funcionária lido o documento e explicado e a D.ª AA assinado tal doação e atestado a manifestação de vontade em doar todos os dinheiros que tinha no BPI para a reclamante no montante total de € 159 000. gg) A falecida AA esteve sempre lúcida até à sua morte. hh) Tudo indicava que iria ter alta, pois que só piorou no dia 15.01.2020, como consta do relatório médico de internamento. ii) Contudo, veio a falecer, no dia 23.01.2020 (com a idade de 89 anos), não do mal de que padecia, mas por motivo decorrente da expiração de vómito. jj) A D.ª AA declarou perante o Banco BPI (respetiva Bancária que o representa) que pretendia doar para a Recorrida o montante da conta bancária. kk) Assim, e porque era vontade da D.ª AA em fazer todos os bens à sua sobrinha esta porque não estava preocupada em se apoderar dos dinheiros, mas apenas e só do bem-estar da tia aguardou que a mesma tivesse alta para dar cumprimento integral à sua vontade de lhe fazer todos os demais bens a si, enquanto sobrinha. ll) Os depósitos só não foram transferidos para a conta da requerida, porque os mesmos opuseram-se junto do Banco. mm) A reclamante participou o óbito às Finanças relacionando os referidos depósitos e liquidando imposto do selo devido por doação à própria no montante de € 13 753,50. [alterado pela Relação] Ao abrigo do disposto no art. 607.º, n.º 4, aplicável por via da sucessiva remissão dos arts. 663.º, n.º 2 e 679.º, todos do CPC, adita-se o seguinte facto: Do documento denominado Contrato de Doação, indicado no facto cc) (e conforme págs. 74-75 da certidão extraída do procedimento cautelar de arrolamento apenso ao processo de inventário, junta aos autos em 29.04.2022), consta ainda a identificação completa da referida D.ª AA, com indicação do seu nome completo, do seu NIF, do seu estado civil, da sua naturalidade e da sua morada. 4. Tendo em conta o disposto no n.º 4 do art. 635.º do Código de Processo Civil, o objecto do recurso delimita-se pelas respectivas conclusões, sem prejuízo da apreciação das questões de conhecimento oficioso. Assim, o presente recurso tem como objecto as seguintes questões: - Eventual incapacidade acidental da inventariada para apor a sua assinatura no contrato de doação datado de 09.01.2020; - Validade formal do mesmo contrato de doação, discutindo-se se a assinatura da doadora aposta em tal contrato respeita os requisitos legais para tenha sido respeitada a forma escrita exigida pelo n.º 2 do art. 947.º do Código Civil. 5. Alegada incapacidade acidental da doadora Referindo-se ao contrato de doação datado de 09.01.2020, que se encontra assinado pela inventariada, na qualidade de doadora, apenas com o nome próprio “AA”, invocam os Recorrentes que se pode estar perante uma incapacidade acidental da doadora no momento da celebração do contrato, pois «apesar de eventualmente ter havido declaração de vontade, esta apresenta-se, no momento da prática do acto viciada». Alegam os Recorrentes que foi dado como provado que a inventariada se encontrava debilitada fisicamente e foi por esse motivo que só apôs o nome “AA” no documento particular datado de 09.01.2020, sendo que, nessa mesma data, segundo documento junto aos autos, aquela foi submetida a uma «confeção de dolostomia ilíaca terminal por neoplasia do colon sigmoide estenosante obstrutiva», a qual, naturalmente, e apesar de ter sido realizada sem intercorrências, debilitou fisicamente a falecida/inventariada. Vejamos. Em primeiro lugar, a questão referente à alegada incapacidade acidental da inventariada no momento da celebração do contrato de doação foi suscitada pela primeira vez em sede de recurso de revista, não tendo sido objecto de pronúncia pelas instâncias. Desde logo, tratando-se de matéria de excepção, deveria ter sido invocada na resposta à reclamação à relação de bens, nos termos previstos no art. 573.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, aplicável ex vi arts. 549.º, n.º 1, 293.º, n.º 3 e 1091.º, n.º 1, todos do CPC, ficando precludida a sua invocação em momento posterior. Por outro lado, trata-se de questão nova, constituindo jurisprudência consolidada deste Supremo Tribunal que os recursos apenas visam a reapreciação ou reponderação da decisão de questões oportunamente suscitadas, salvo quando se trate de questões de conhecimento oficioso, o que não sucede no caso em apreço, antes carecendo a incapacidade acidental de ser invocada. Cfr., a título exemplificativo, e tendo em conta apenas decisões mais recentes, os acórdãos de 17.06.2021 (proc. n.º 4456/16.1T8VCT.G2.S1), de 22.06.2021 (proc. n.º 4158/17.1T8CBR.C1.S1), de 22.06.2021 (proc. n.º 6886/17.2T8VNG-E.P1-A.S1 ), de 06.10.2021 (proc. n.º 209/18.0T8ACB-B.C1.S1), de 12.01.2021 (proc. n.º 379/13.4TBGMR-B.G1.S1), de 23.02.2021 (proc. n.º 2442/19.9T8GMR-B.G1.S1) e de 18.03.2021 (proc. n.º 214/18.7T8RMZ.E1.S1), todos consultáveis em www.dgsi.pt. Acresce que a invocação da eventual incapacidade acidental da doadora também carece de sentido face à factualidade dada como provada. Com efeito, os próprios Recorrentes assumem que não ocorreu qualquer vício na declaração de vontade da doadora que estava plenamente capaz de entender e querer no momento da doação. Segundo os Recorrentes, a alegada incapacidade reporta-se à impossibilidade de escrever e de apor a sua assinatura em documentos, mas dos factos provados resulta que a inventariada apôs pelo seu punho a sua assinatura no contrato em causa nos autos, ainda que escrevendo apenas o seu nome próprio “AA”, pelo que não se verifica a invocada incapacidade. Questão distinta é a saber se é ou não suficiente a aposição daquele nome próprio como assinatura do documento, ou seja, se tal “assinatura” cumpre os requisitos legais, o que não se confunde com a alegada incapacidade acidental da doadora. Passamos, em seguida, a conhecer dessa questão. 6. Alegada invalidade formal do contrato de doação Invocam os Recorrentes que o contrato de doação junto aos autos, que serve de base à alegada exclusão da “verba n.º 1” da relação de bens, é nulo por vício de forma, uma vez que a lei (art. 947.º, n.º 2, segunda parte, do CC) exige a forma escrita e o documento junto aos autos não se encontra devidamente assinado com o nome completo da doadora. A favor da sua posição, invocam os Recorrentes o teor do voto de vencido do acórdão recorrido, no qual se declara que, no presente caso, temos «um documento particular simples, referente a contrato de doação, sem o nome completo da doadora, o mesmo é dizer sem a sua assinatura, em contravenção ao mencionado art. 373º, nº 1, do CC. Por isso, a referida doação não é válida por não satisfazer a exigência legal de forma ad substantiam, nos termos do art. 364º, nº 1, do CC (neste sentido A. Varela, CC Anotado, Vol. I, 3ª Ed., nota 1. ao art. 366º, pág. 323) sendo a declaração negocial no documento inserida nula (art. 220º do CC).». Alegam ainda os Recorrentes que: - «[O] art 46º/1 do Código do Notariado, nas respectivas alíneas a) a n) dispõe a respeito do que o instrumento notarial deve conter, relevando para a situação dos autos o disposto nas suas al c), d), h), l), m) e n), respectivamente do seguinte conteúdo: «(…) c) O nome completo (…).»; - «[A]o permitir que se considere válido juridicamente um documento particular em que se encontra aposto unicamente o prenome estamos a desjudicializar o reconhecimento e formalidades atinentes aos documentos particulares, sendo o referido acórdão um elemento facilitador do surgimento de situações totalmente ilícitas, o que desvirtua a função do direito e seus intervenientes.». Quid iuris? 6.1. Estando em causa, nos presentes autos, a doação de um bem móvel em que não houve a tradição da coisa, exigindo o art. 947.º, n.º 2, segunda parte, do Código Civil, que a doação conste de documento escrito, e o art. 373.º, n.º 1, do mesmo Código, que tal documento seja assinado pelos seus autores, importa aferir se a assinatura da doadora, aposta no contrato, respeita os requisitos legais para que se considere existente um contrato escrito. Ficou provado o seguinte: cc) (...) a D.ª AA doou no dia 09.01.2020, através do documento de fls. 42, no qual apôs apenas o nome “AA”, à reclamante DD, sua sobrinha e única pessoa que sempre lhe deu amor e carinho, todo o dinheiro de que era titular no banco BPI, no valor de € 159 000, o que foi aceite pela sua sobrinha. ff) Doação que foi também corroborada pela bancária do BPI que se deslocou ao Hospital e devido às dificuldades da D.ª AA em assinar a mesma limitou-se a colocar a sua impressão digital, tendo a funcionária lido o documento e explicado e a D.ª AA assinado tal doação e atestado a manifestação de vontade em doar todos os dinheiros que tinha no BPI para a reclamante no montante total de € 159.000. Foi ainda provado que, do documento denominado Contrato de Doação indicado no facto cc) (conforme págs. 74-75 da certidão extraída do procedimento cautelar de arrolamento apenso ao processo de inventário, junta aos autos em 29.04.2022), consta ainda a identificação completa da referida D.ª AA, com indicação do seu nome completo, do seu NIF, do seu estado civil, da sua naturalidade e da sua morada. Vejamos. Nas palavras do acórdão deste Supremo Tribunal de 26.02.2015 (proc. n.º 3194/08.3TBPTM.E1.S1), disponível em www.dgsi.pt, «o nº 1 do artigo 373º exige a assinatura do documento como condição da força probatória especial que se prescreve nos artigos seguintes, reconhecendo que assinar um documento significa assumir o respectivo conteúdo.». Importa, porém, apurar qual a forma e o conteúdo da assinatura exigidos por lei para que se possa ter por assumido o teor do documento por parte de quem assina. Sendo que, tanto quanto foi possível apurar, este Supremo Tribunal não foi anteriormente chamado a pronunciar-se sobre situação equivalente àquela que ocorre no caso sub judice. Consideremos, antes de mais, no âmbito dos trabalhos preparatórios do Código Civil de 1966, o texto de Vaz Serra (“Provas (Direito Probatório Material)”, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 112, Jan. 1962, págs. 160-161), citado no acórdão recorrido, no qual o autor conclui que: «[A] assinatura é o acto pelo qual o autor do documento faz seu o conteúdo deste, o acto, portanto, com que lhe confere a sua autoria e que justifica a força probatória do mesmo documento. Deve, pois, ser feita, em princípio, pela própria mão do autor do documento e com a sua letra. Não parece haver razão para exigir que escreva o nome completo (isto é, para que não baste o nome ou o prenome) ou para que se não admita o uso de pseudónimo ou alcunha: o que importa é que a subscrição seja suficientemente clara para não deixar dúvidas acerca da identidade do subscritor. Se o for, não interessa que seja legível, pois mesmo que seja ilegível, se for suficiente para identificar o subscritor, não parece de exigir mais». Tal como se afirma no acórdão recorrido, no mesmo texto (págs. 155 a 160), Vaz Serra analisa as soluções dos sistemas jurídicos francês, italiano e alemão, concluindo que, nesta matéria, «salvo algumas divergências, as soluções são sensivelmente idênticas em todos estes direitos». No plano nacional, Antunes Varela/Miguel Bezerra/Sampaio Nora (Manual de Processo Civil, 2.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 1985, págs. 513 e 514, nota 1), defendem que «a assinatura consiste, como é sabido, na aposição do nome da pessoa feita pelo seu titular. Não é assim verdadeira assinatura a aposição do simples decalque mecânico da assinatura feita num outro documento». Os mesmos autores parecem defender a possibilidade de assinar com pseudónimo, escrevendo, na mesma nota, que se aplica aqui o art. 74.º do CC, segundo o qual «o pseudónimo, quando tenha notoriedade, goza da protecção conferida ao próprio nome». Também Gonçalves Sampaio (A prova por documentos particulares, 3.ª ed., Almedina, Coimbra, 2010, pág. 95), fazendo referência ao direito italiano, e citando Ferrucci, escreve que «o que é essencial é a autografia da subscrição, não importando o modo como é feita, ou a sua proveniência daquele que não saiba ler nem escrever, mas só escrever». Por sua vez, Fernando Pereira Rodrigues (A prova em direito civil, Coimbra Editora, Coimbra, 2011, pág. 66), dando o exemplo de pessoas que «estando privadas dos membros superiores, conseguem, todavia, fazer a sua assinatura com a boca, com o pé ou através de qualquer instrumento mecânico«, defende que «não se vê motivo para não aceitar a assinatura efectuada por quaisquer destes processos, desde que a mesma reúna um mínimo de qualidade, tornando-se distintiva e não consista numa mera cruz ou sarrabisco, porque estes qualquer pessoa que não sabe assinar poderia fazer». Luís Filipe Pires de Sousa (Direito probatório material: comentado, 2ª ed., Coimbra, Almedina, 2021, págs. 157 a 161), citando o autor italiano Andrea Graziozi (“Premese ad una Teoria Probatoria del Documento Informatico”, in Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile, 1998, pág. 503), escreve que, «no plano substancial, a subscrição pode ser qualificada como uma autónoma declaração convencional, mediante a qual um determinado sujeito assume a paternidade a declaração representada no documento apondo ao fundo deste o seu próprio nome». Quanto à finalidade dessa subscrição, o mesmo autor refere: «[A] subscrição assume quatro funções, a saber: indicativa, que permite distinguir o autor do documento dos demais (“sou eu que escrevo”); identificativa, que permite imputar aquela concreta assinatura àquele sujeito (“demonstro-te que sou eu”); declarativa, que consiste na assunção da paternidade do documento pelo seu autor, apropriação do conteúdo da declaração (“confirmo que o texto corresponde àquilo que penso e quero”); finalmente, a função presuntiva, nos termos da qual da assinatura emergem uma série de situações subjetivas: a afirmação da completude do texto (“afirmo que o texto é definitivo e não necessita de modificações”) e o conhecimento do seu teor, assente este na máxima de experiência segundo a qual ninguém subscreve um documento sem inteirar-se - previamente - do seu conteúdo». Conclui, citando Salvo Leuzzi (I mezzi di prova nel processo. Formazione, acquisizione, integrazione, Giuffrrè Editore, 2013, pág.174) que «a assinatura não tem de ser completa, podendo ser abreviada ou mesmo com recurso a rubrica, desde que esta seja idónea a designar com certeza a pessoa do subscritor.». Acrescenta ainda: «O requisito mínimo da assinatura é o de que a mesma satisfaça a função indicativa, mostrando-se suficiente para identificar, com razoável certeza, a pessoa que a apôs. Já se o signo gráfico for indecifrável, no sentido de que é impossível de reportar a subscrição a uma pessoa determinada e, muito menos, à pessoa contra quem o documento é produzido, entende-se que o documento particular não chega a aperfeiçoar-se porquanto se trata de uma situação equivalente à falta de assinatura.». De acordo com a doutrina que vimos citando, não se encontra razão para censurar o acórdão recorrido ao ter este entendido que a assinatura do documento descrito no facto provado cc) cumpre os requisitos legais. 6.2. Vejamos, porém, mais detidamente, se algum dos regimes legais referenciados na declaração de voto de vencido, que os Recorrentes invocam a favor da sua posição, conduzirá a diferente solução. Afirma-se na dita declaração de voto que, «se por acaso houvesse que fazer um reconhecimento notarial simples ou por semelhança da sua assinatura nem seria possível fazê-lo, por não conter o documento referido o seu nome integral, como decorre, conjugadamente, dos arts. 46º, nº 1, n), 48º, nº 1, b), 153º, nºs 1 a 3, 5 e 6, e 155º, nº 2 e 5, do Cód. Notariado.». Quid iuris? Antes de mais, confirma-se que nem o art. 947.º, n.º 2, segunda parte, do Código Civil, nem o art. 373.º, n.º 1, do mesmo Código, exigem qualquer reconhecimento notarial. De todo o modo, sempre se dirá, para a eventualidade de se se pretender estender a aplicação das normas notariais à assinatura (cfr. art. 373.º, n.º 1, do CC) do contrato previsto no art. 947.º, n.º 2, do CC, sempre se dirá que, em lado algum do Código do Notariado se exige que a assinatura dos outorgantes seja feita com o nome completo dos mesmos. O art. 46.º, n.º 1, alínea n), do Código do Notariado dispõe que os instrumentos notariais devem conter «[a]s assinaturas, em seguida ao contexto, dos outorgantes que possam e saibam assinar, bem como de todos os outros intervenientes, e a assinatura do funcionário, que será a última do instrumento», mas não regula como deve ser feita essa assinatura. Exige a alínea c) do mesmo preceito legal que o instrumento notarial deve conter: «c) O nome completo, estado, naturalidade e residência habitual dos outorgantes, bem como das pessoas singulares por estes representadas, a identificação das sociedades, nos termos da lei comercial, e das demais pessoas colectivas que os outorgantes representem, com menção, quanto a estas últimas, das suas denominações, sedes e números de identificação de pessoa colectiva». Ou seja, não se exige que a assinatura reconhecida tenha o nome completo do signatário, mas sim que o documento onde conste o reconhecimento notarial contenha o nome completo do signatário e restantes requisitos previstos naquela disposição legal. Do mesmo modo, no que respeita aos reconhecimentos notariais, dispõe o art. 155.º, n.º 2, do Código do Notariado que «[o]s reconhecimentos simples devem mencionar o nome completo do signatário e referir a forma por que se verificou a sua identidade, com indicação de esta ser do conhecimento pessoal do notário, ou do número, data e serviço emitente do documento que lhe serviu de base.». Também aqui não se exige que a assinatura reconhecida tenha o nome completo do signatário, mas antes que o documento do qual conste o reconhecimento notarial contenha o nome completo do signatário e demais requisitos previstos na mesma disposição normativa. 6.3. Acresce que o regime instituído pelo Código do Notariado deve ser conjugado com o restante sistema jurídico. Ora. dispõe o art. 12.º, n.º 1, da Lei n.º 33/99, de 18 de Maio, que regula a identificação civil e a emissão do BI que «[p]or assinatura entende-se o nome civil, escrito pelo respectivo titular, completa ou abreviadamente, de modo habitual e característico e com liberdade de ortografia». Ou seja, não exige a lei que a assinatura contenha o nome completo do titular, podendo tal assinatura conter o nome abreviado o que pode corresponder apenas ao nome próprio, desde que essa seja a assinatura habitual e característica do titular, prevendo-se a liberdade de ortografia, pelo que pode nem sequer a assinatura ser legível, desde que seja aquela que habitualmente o titular use para assumir a autoria ou o conteúdo dos documentos que assine. No caso concreto dos autos, resultou provado (factos que cc) e ff)) que foi, efectivamente, a D.ª AA que, em 09.01.2020, apôs a sua assinatura no documento contratual, apondo o seu nome próprio “AA”, resultando também provado que a D.ª AA estava debilitada fisicamente e por isso, nos últimos tempos, já só assinava com o primeiro nome. Por outro lado, foi também provado que, do mesmo documento, consta a identificação completa da referida D.ª AA, com indicação do seu nome completo, do seu NIF, do seu estado civil, da sua naturalidade e da sua morada. Deste modo, não subsistem quaisquer dúvidas de que a assinatura com o nome próprio “AA” corresponde à assinatura da referida AA, plenamente identificada naquele documento, estando provado nos autos que foi a própria que apôs pelo seu punho aquela assinatura. A assinatura em causa é, assim, idónea a designar com certeza a pessoa do subscritor, satisfazendo plenamente, nas palavras de Luís Filipe Pires de Sousa, a sua função indicativa, ou seja, «mostra-se suficiente para identificar, com razoável certeza, a pessoa que a apôs». 6.4. Conclui-se, assim, que a assinatura em causa cumpre os requisitos legais previstos no art. 373.º, n.º 1, do CC, pelo que a doação foi feita por documento escrito nos termos exigidos pelo art. 947.º, n.º 2, do mesmo Código, estando provada a autoria da assinatura como sendo da doadora, sendo o contrato formalmente válido como entendeu o acórdão recorrido. 7. Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente, confirmando-se a decisão do acórdão recorrido. Custas pelos Recorrentes. Lisboa, 15 de Dezembro de 2022 Maria da Graça Trigo (Relatora) Catarina Serra João Cura Mariano |