Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2209/14.0TBBRG-C.G1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: MARIA DA GRAÇA TRIGO
Descritores: CONTA DE CUSTAS
RECLAMAÇÃO DA CONTA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
RECURSO DE REVISTA
OPOSIÇÃO DE JULGADOS
SUCUMBÊNCIA
DETERMINAÇÃO DO VALOR
REMANESCENTE DA TAXA DE JUSTIÇA
Data do Acordão: 03/02/2023
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE
Sumário :
I. Apesar de, no âmbito da reclamação à conta de custas, a regra ser a não admissibilidade do recurso de revista (art. 31.º, n.º 6, do RCP), é admissível o presente recurso com fundamento em contradição de julgados (cfr. o art. 629.º, n.º 2, al. d)), conjugado com o art. 671.º, n.º 2, al. a), do CPC).

II. De acordo com entendimento anterior da jurisprudência do STJ, o art. 12.º, n.º 2, do RCP deve ser interpretado no sentido de que, na falta de indicação do valor da sucumbência pelo recorrente, sendo tal valor determinável, deve este ser tido em consideração na elaboração da conta de custas.

III. Quanto à interpretação do n.º 9 do art. 14.º do RCP, na redacção introduzida pela Lei n.º 27/2019, acompanha-se o entendimento de que a dispensa prevista em tal norma tem lugar apenas em caso de vencimento total.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



I - Relatório

1. Nos presentes autos, em sede de 1.ª instância, foi proferida decisão, datada de 03-02-2022, no âmbito de um incidente de reclamação à conta de custas, que julgou improcedente a reclamação apresentada à conta de custas elaborada em 23-02-2021, por falta de fundamento legal.

Por Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 02-06-2022, foi decidido julgar improcedente o recurso de apelação, sendo confirmada a decisão recorrida.

É deste acórdão que a A. apresenta recurso de revista, por via excepcional, invocando existir contradição de julgados, ao abrigo dos arts. 629.º, n.º 2, alínea d), e 672.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil, e formulando as seguintes conclusões:

«1. Em sede de recurso de Revista Excepcional interposto de acórdão da Relação, confirmativo da decisão da 1ª instância, mesmo que sem voto de vencido e mesmo que sem fundamentação essencialmente diferente, é actualmente jurisprudência consolidada do STJ conforme o primeiro supra acórdão, que quando é invocada pelo Recorrente a oposição de acórdãos, o Recurso Extraordinário de Revista terá de ser sempre admitido nos termos do disposto no art.629º nº2 al. d) do C.P.C..

Isto Posto,

2. O aqui recorrido acórdão, por um lado, e no que concerne à questão de direito consistente na apreciação e decisão dos “EFEITOS DA FALTA DE INDICAÇÃO DO VALOR DA SUCUMBÊNCIA NO RECURSO”, que no acórdão recorrido foi decidida em sentido desfavorável ao propugnado pelo Recorrente que peticionou a reforma da conta de custas, por forma a que fosse atendido, quer no seu recurso de Apelação, quer no seu recurso de Revista, quer até nas contra-alegações do recurso de Apelação interposto pela R./Reconvinte, tal como nas contra-alegações do recurso de Revista interposta pela mesma R./Reconvinte, O VALOR DA SUCUMBÊNCIA DE CADA UMA DAS PARTES, DESIGNADAMENTE O VALOR DA SUCUMBÊNCIA DA A./RECONVIDA, aqui Recorrida, na medida em que decretou que mau grado o estipulado no art.12º nº2 do RCP, na sua actual redacção, ser obrigatória a indicação do valor da sucumbência, ainda que determinável, por parte do Recorrente, sob pena de ser considerado, para efeitos de custas, o valor da acção (no caso, a soma do valor peticionado pela A. contra a R., com o valor peticionada pela R. contra a A.), dizendo:

“Nos recursos, à luz do nº2 do art.12º do RCP, a indicação do valor da sucumbência, ainda que determinável, caberá ao recorrente, sob pena de ser considerado o valor da acção.” in Acórdão recorrido, n.º VI do Sumário.

Está em manifesta oposição contra jurisprudência consolidada no STJ – tal como em outros acórdãos dos Tribunais da Relação – e no que importa para efeitos de identificação do acórdão fundamento está em flagrante oposição com o acórdão proferido pelo STJ aos 28/03/2019, no Proc. 413/14.0TBOAZ.P2.S2, 7ª Secção, já transitado em julgado.

3. E, por outro lado, e no que concerne à questão de direito consistente na apreciação e decisão reportada ao “ÂMBITO DE APLICAÇÃO DO Nº9 DO ART.14º DO RCP, DECORRENTE DA LEI N.º27/2019, DE 28 DE MARÇO”, que no acórdão recorrido foi decidida em sentido desfavorável ao propugnado pelo Recorrente, que também a tal propósito peticionou a reforma da conta de custas por a mesma lhe estar a imputar, quer no que diz respeito à taxa de justiça reportada à acção principal – em que obteve parcial vencimento, na medida em que foi absolvida da maior parte do valor do pedido reconvencional contra si dirigido pela R./Reconvinte –, tal como, quer no que diz respeito às contra-alegações de Apelação, em que obteve total vencimento – pois que, o recurso de Apelação interposto pela R./Reconvinte foi julgado totalmente improcedente pelo Tribunal da Relação de Guimarães – e, ainda, no que diz respeito às contra-alegações de Revista, em que também obteve total vencimento – já que o recurso de Revista interposto pela R./Reconvinte foi também julgado totalmente improcedente pelo Supremo Tribunal de Justiça –, na medida em que decretou que mau grado o estipulado no art.14º nº9 do RCP:

- “nas situações em que deva ser pago o remanescente da taxa de justiça nos termos do nº7 do art.6º do RCP não havendo vencimento total, o autor assume o pagamento da taxa de justiça devida, independentemente da medida do vencimento ou decaimento da causa.” in Acórdão recorrido, n.º IV do Sumário.

- “a alteração da redacção do nº9 do art.14º do RCP, pela Lei nº27/20119, de 28 de Março, não veio desonerar a parte que obteve vencimento parcial da sua obrigação de pagamento da taxa de justiça” (no caso, será remanescente) in Acórdão recorrido, n.º V do Sumário.

Está também por essa via e linha decisória, com reflexo directo na decisão proferida, em manifesta oposição do decidido e decretado no Acórdão, que se identifica como sendo o acórdão fundamento, proferido pelo TRC aos 14/12/2020, no proc. nº4016/08.0TBLRA-A.C1, já transitado em julgado, o qual em oposição decretou:

“assim ao invés do regime de pretérito, o atual normativo rege sobre a própria responsabilidade pelo pagamento do remanescente da taxa de justiça da parte vencedora da causa, na medida em que a dispensa da obrigação do seu pagamento.

(…)

Donde, na medida em que essa nova versão do art. 14º, nº 9 do R.C.P. passou a dispensar a parte vencedora do pagamento do remanescente da taxa de justiça, aplicando tal critério e orientação ao caso vertente – sendo certo que aderimos ao entendimento de que tal se aplica quer às hipóteses de vencimento total, quer parcial – temos então que deve ser refletido na conta a elaborar o grau de responsabilidade fixado na decisão – que no caso concreto da Ré/reclamante/recorrente será apenas de 20,26% do valor da causa (que é de € 3.786.917,33), já que a mesma decaiu apenas em € 767.121,33 (que é o valor do pedido reconvencional).

Procede, assim, este argumento recursivo subsidiariamente deduzido, pelo que, importa revogar a contagem anteriormente elaborada e, consequentemente, determinar que na 1ª instância se proceda a nova contagem de acordo com o vindo de expor.”,

4. Ou seja, o Acórdão recorrido está, naquelas suas duas descritas vertentes decisórias, quer uma, quer outra absolutamente fundamentais para o resultado da decisão proferida, em oposição com cada um dos supra citados dois acórdãos fundamento, proferidos no domínio da mesma legislação, sobre as mesmas questões fundamentais de direito e já transitados em julgado.

5. Não existe, quer num, quer noutro caso, Acórdão de uniformização de jurisprudência sobre as duas referidas questões de direito.

6. Pelo que, no domínio da mesma legislação e sobre cada uma dessas 1ª e 2ª questões fundamentais de direito, o Acórdão recorrido contraria a corrente jurisprudencial dominante nos Tribunais Superiores, máxime a orientação jurisprudencial sufragada no primeiro (1º) acórdão fundamento proferido na 7ª Secção do STJ aos 28/03/2019 no processo n.º 413/14.0TBOAZ.P2.S2 (doc. n.º1), acima citado, tal como está em oposição no que à segunda questão de direito concerne com a orientação jurisprudencial sufragada no segundo (2º) acórdão fundamento proferido pelo TRC, aos 14/12/2020, no processo n.º 4016/08.0TBLRA-A.C1, 2ª Secção Cível (doc. n.º2).

7. Também não restam dúvidas que todos os Acórdãos foram proferidos no âmbito da mesma da mesma legislação.

8. E ainda não restam dúvidas de que, quer nos dois supra citados e doutos acórdãos fundamento, quer no douto acórdão recorrido, se discutem aquelas mesmas questões fundamentais de direito supra bem identificadas e escalpelizadas.

9. No que tange à noção de “no domínio da mesma legislação”, continua actual a lição do Prof. Alberto dos Reis: “não é forçoso que os textos legais que se interpretaram e aplicaram sejam precisamente os mesmos; desde que consagrem as mesmas regras de Direito e a estas se atribua, nos julgados alcance diferente, o conflito existe” in Código de Processo Civil Anotado, Vol. 6º, 3ª Edição, Coimbra Editora, p. 269.

10. No que concerne ao requisito da “mesma questão fundamental de Direito, ele “ deve considerar-se como verificado quando o núcleo da situação de facto, à luz da norma aplicável seja idêntico”, ou seja, o conflito jurisprudencial verifica-se “quando os mesmos preceitos são interpretados e aplicados diversamente a factos idênticos” – vide gratiae Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª Edição, Almedina, p.122 e no mesmo sentido, acórdão deste STJ, proferido aos 12/05/2010, Proc. 1096/08.2TVPRT.P1.S1.

11. Impõe-se assim as questões “sub judice” sejam apreciadas, atenta a sua relevância geral em sede de realização da justiça e particularmente em sede de eficaz realização dos direitos subjectivos de modo a assegurar uma melhor aplicação do direito.

12. Devendo, no que à 1ª questão da oposição de acórdãos invocada ser integralmente acolhida a interpretação normativa expressa no 1º acórdão fundamento – acórdão do STJ -, qual seja:

“VI. Na interpretação das leis o julgador não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi 52 elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada, não podendo ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso, presumindo que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados - art.º 9º, nºs. 1, 2 e 3 do Código Civil -.

VII. Com vista à exegese do art.º 12º do regulamento das Custas processuais, interessando saber qual o sentido da aludida norma em assacar ao recorrente o dever de indicar, no requerimento de interposição do recurso o valor da sucumbência, e, na sua falta, colher a respectiva consequência, temos que, interpretando o art.º 12º n.º 2 do Regulamento das Custas Judiciais, reconstituindo-o a partir do art.º 11º do Código das Custas Judiciais, resulta, desde logo, inequívoca dissemelhança de redacção, sendo meridiano concluir que, se no art.º 11.º n.º 2 do Código das Custas Judiciais, se prevenia, indubitavelmente, que na falta de indicação do valor da sucumbência, o valor do recurso seria igual ao valor da acção (2 - Se o valor da sucumbência não for determinável ou na falta da sua indicação, o valor do recurso é igual ao valor da acção), o actual diploma que estatui sobre custas judiciais, conquanto mantenha a obrigação de indicação, por parte do recorrente (Nos recursos, o valor é o da sucumbência quando esta for determinável, devendo o recorrente indicar o respectivo valor no requerimento de interposição do recurso), assume diversa redacção, querendo significar que a sanção cominatória, para o respectivo incumprimento (inequívoca, no anterior diploma [art.º 11º do Código das Custas Judiciais]), foi deixada cair, no actual art.º 12º do Regulamento das Custas Judiciais.

VIII. Se, cotejado o requerimento de interposição de recurso, resultar manifesto que a utilidade económica do pedido recursório é perfeitamente balizada, é razoável que o recorrente só suporte os custos processuais na respectiva dimensão.

IX. Se o valor da sucumbência era determinável, pese embora se aceite a obrigação de indicar o valor da sucumbência, por razões de boa técnica processual, reconhecemos que, em prol da justiça processual, a falta de indicação pelo recorrente, do valor da sucumbência, no caso, determinável, deve ser colmatada pelo Tribunal, sem que este procedimento imponha gravosos desequilíbrios, ou ponha em causa a facilitação das tarefas dos Tribunais.” - “vide gratiae” supra citado acórdão do doc. nº 1

E, em consequência, revogado o acórdão recorrido.

13. No que à 2ª questão da oposição invocada deve ser integralmente acolhida a interpretação normativa expressa no 2º Acórdão – acórdão do TRC – fundamento:

“assim ao invés do regime de pretérito, o atual normativo rege sobre a própria responsabilidade pelo pagamento do remanescente da taxa de justiça da parte vencedora da causa, na medida em que a dispensa da obrigação do seu pagamento.

(…)

Donde, na medida em que essa nova versão do art. 14º, nº 9 do R.C.P. passou a dispensar a parte vencedora do pagamento do remanescente da taxa de justiça, aplicando tal critério e orientação ao caso vertente – sendo certo que aderimos ao entendimento de que tal se aplica quer às hipóteses de vencimento total, quer parcial – temos então que deve ser refletido na conta a elaborar o grau de responsabilidade fixado na decisão – que no caso concreto da Ré/reclamante/recorrente será apenas de 20,26% do valor da causa (que é de € 3.786.917,33), já que a mesma decaiu apenas em € 767.121,33 (que é o valor do pedido reconvencional).

Procede, assim, este argumento recursivo subsidiariamente deduzido, pelo que, importa revogar a contagem anteriormente elaborada e, consequentemente, determinar que na 1ª instância se proceda a nova contagem de acordo com o vindo de expor.”, “vide gratiae”, o supra citado acórdão do doc. n.º2

E, em consequência, também por aqui, revogado o acórdão recorrido.

Acresce dizer ainda,

14. Em razão do valor fixado ao processo, por força da soma do pedido principal e do pedido reconvencional foi: €.3.055.102,69 (€.1.544.919,14 + €.1.510.183,55) na Sentença proferida,

a) O decaimento da A. ficou ali fixado em €.1.883.624,28 (€.1.544.919,14 + €.338.705,14= €.1.883.624,28);

b) O decaimento da R./Reconvinte ficou fixado em €.1.171.478,41 (€.1.510.183,55 - €.338.705,14 = €.1.171.478,41)

15. Motivo pelo qual, o valor do remanescente da Taxa de Justiça devida na 1ª instância pela A./Reconvinda, deverá respeitar quer os 20% de redução determinados pelo Tribunal da relação de Guimarães, quer o valor do decaimento da A. e da R. – correspondente este àquele valor de €.1.171.478,41 -, por forma a que a A./Apelante não seja compelida a pagar remanescente de taxa de justiça, na parte do decaimento da R., o qual deve na conta final ser imputado à parte vencida – art. 14º nº 9 do RCP na sua actual redacção.

16. Correcção ou rectificação esta que, respeitando a própria proporção do decaimento fixado na Sentença: “Custas da acção a cargo da autora e da reconvenção a cargo da autora e da ré, na proporção do decaimento.” – “vide gratiae” Sentença de 7/06/2019 – refª: ...57-, deve ser integralmente respeitada na elaboração dessa parte da conta de custas - aplicação conjugada do disposto nos arts. 2º e 20º da Constituição e nos arts. 607º nº 6, 619º e 620º do CPC e arts. 14º nº 9 e 31º nº 2 do RCP.

17. Pois, a alteração da redacção desse nº 9 do art. 14º do RCP, decorrente da lei 27/2019 de 28 de Março, com entrada em vigor em 27 de Abril de 2019, impõe que na elaboração da conta de custas e no que ao remanescente da taxa de justiça directamente concerne, seja respeitado que o responsável pelo impulso processual que não seja condenado a final - como é o caso da A. no que diz respeito ao valor de €.1.171.498,41, em que venceu por ter sido absolvida do pagamento desse montante e em que decaiu a R. por ter visto a A. ser absolvida do pagamento dessa mesma quantia – fica dispensado do referido pagamento, o qual é imputado à parte vencida e considerado na conta final.

18. Os fundamentos que levaram o legislador a alterar, em Março de 2019, a redacção do nº 9 do art. 14º do RCP são válidos quer para os casos em que o vencimento na acção seja total, quer para os casos em que o vencimento na acção seja parcial.

19. Somente assim se respeita a regra da bilateralidade e da correspectividade relativamente à obrigação do pagamento do remanescente da taxa de justiça, e, evitando-se a duplicação de cobrança do mesmo tipo de remanescente de taxa de justiça aos diferentes recursos que os vencidos, reciprocamente, interpuseram.

20. E também somente assim se respeita o Princípio Constitucional da Proporcionalidade que deve também ser atendido na exigência do pagamento do remanescente da taxa de justiça a quem foi absolvido do pedido, vencendo, nessa parte, parcial ou totalmente, a acção cível que contra si foi interposta – no caso pedido reconvencional – e que, por isso, não foi condenado, nessa parte em que venceu, em custas.

21. Daí que, tendo sido a Recorrente absolvida do pedido reconvencional, no caso, e pelo menos em grande parte, é certamente desproporcionado obrigá-la, na dimensão em que o remanescente da taxa de justiça excede a taxa de justiça inicialmente paga, a suportar o enorme encargo de pagar um acréscimo de cerca de €.14.000,00, para depois ir recuperar esse valor à “autora da reconvenção”/R./Reconvinte em circunstâncias e condições que poderá mesmo não conseguir vir a concretizar.

22. O Tribunal Constitucional, “mutatis mutandis”, já deixou expresso e esclarecido que esse entendimento normativo violava, quer o direito fundamental de acesso à justiça, na medida em que o comprimia de forma exasperada, consagrado no art.º 20º nº 1 da Constituição, tal como o próprio Princípio da Proporcionalidade decorrente do art. 18º nº 2 da Constituição – Ac. TC de 21/11/2018, nº 615/2018 da 1ª Secção, publicado em www.dgsi.pt.

23. Por tudo isto, também aqui, “mutatis mutandis”, se afirma e invoca que a norma resultante do disposto no art. 14º nº 9 do RCP, que impõe e obriga a Reconvinda a proceder ao pagamento do remanescente da taxa de justiça correspondente à parte em que foi absolvida, obrigando-a, depois, a pedir à Reconvinte, em sede de custas de parte, o montante que pagou a título de remanescente de taxa de justiça, é inconstitucional por violação do disposto quer no art. 2º, quer no art. 18º nº 2 e 20º nº 1 da Constituição.

Por outro lado ainda,

24. Por isso, e atento o que ficou escrito logo nos requerimentos de interposição de recurso de Apelação e de Revista da A./Reconvinda somente foi interposto recurso para o tribunal Superior – TRGMR e STJ - na parte e no valor em que lhe foi desfavorável, o que, devidamente contabilizado, significa que o valor dos seus recursos de Apelação e de Revista se resumiu a: €.1.883.624,28 (€.1.544.919,14 + €.338.705,14=1.883.624,28).

25. Na economia do nº 2 do artigo 12º do Regulamento das Custas Processuais, o valor da sucumbência (quando determinável ou quantificável) no requerimento de interposição do recurso é condição essencial da redução do valor do recurso para efeito de custas, incluindo a taxa de justiça.

26. Nos citados recursos de Apelação e de Revista apresentados nos autos pela A./Reconvinda a sucumbência é determinável, devendo ser fixado, para efeito de custas, o valor da sucumbência e não o da acção.

27. Daí que, e em obediência ao art.12º nº2 do RCP, o valor da taxa de justiça remanescente da conta de custas elaborada terá de se conter dentro desse valor reportado à concreta sucumbência da Apelante e Recorrente, quer no que diz respeito ao recurso de Apelação, quer no que diz respeito ao recurso de Revista, interpostos pela A./Reconvinda, e isto, depois de deduzido o valor da redução de 20% fixado no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães.

28. Deste modo, muito embora a Recorrente no recurso de Apelação e Recorrente no recurso de Revista, não tenha indicado em “número” ou “unidade” o valor atribuído ao recurso, indicou as decisões de que pretendia recorrer tendo estas um valor preciso e autónomo do valor da causa que dúvidas não poderia suscitar à secretaria quanto ao valor de cada um dos recursos para fins tributários, o qual ficou inequivocamente, circunscrito à utilidade económica que dele se pretendia retirar,

29. Daí que, a conta de custas elaborada pela secção respeitante a essas rubricas, quais seja, rubrica 4 e 6, viola a lei ordinária, designadamente, a aplicação conjugada do disposto nos arts. 631º nº1 e 633º nº 1 do CPC e o art. 12º nº 2 do RCP, tal como viola os supra citados princípios Constitucionais consagrados no art. 2º, 18º nº2 e 20ª nº 1 da Constituição, quando, em vez de se atender ao valor do recurso definido pela A./Apelante no seu requerimento de interposição de recurso e também nas Alegações, que foi de €.1.883.624,28, se atende ao valor de €.3.055.102,69 que foi o inicialmente fixado à acção em razão da soma do pedido deduzido pela A. com o pedido reconvencional deduzido pela R..

30. Importa, por isso, revogar também a decisão proferida no tribunal “a quo”, substituindo-a por outra que determine à secção que o valor do recurso de Apelação da A./Apelante foi fixado naquela quantia total de €.1.883.624,28.

Por outro lado ainda,

31. O acórdão do TRGMR proferido em 30/04/2020, no que directamente concerne ao recurso de Apelação interposto pela R./Reconvinte foi muito claro na sua decisão relativa à Apelação interposta por esta, qual seja: Julgou totalmente improcedente a Apelação da R./Reconvinte relativo à questão do pedido reconvencional que então se cifrava em €.1.171.478,41, dele – deste pedido – absolvendo totalmente a A./Reconvinda.

32. É manifesto que a A./Reconvinda, aqui Apelante, foi totalmente absolvida, obtendo por isso e nesse recurso de Apelação interposto pela R./Reconvinte, total ganho de causa.

33. O que significa que a A./Reconvinda está dispensada de proceder ao pagamento de qualquer remanescente de taxa de justiça no que directamente concerne ao seu impulso processual decorrente das contra Alegações de Apelação apresentadas nos autos.

34. Ora, percute-se, esta pretensão de exigir à Reconvinda e demandada naquele pedido reconvencional deduzido pela R. o pagamento do remanescente da taxa de justiça quando a mesma foi integralmente absolvida nesse mesmo recurso de Apelação é totalmente ilegal por contrário a norma expressa do nº 9 do art. 14º e é, novamente, violentamente violador dos supra citados preceitos e princípios Constitucionais já supra citados e que também aqui se percutem, quais sejam, o art. 2º, 18º nº 2 e 20º nº 1 da Constituição – “vide gratiae” o supra citado Ac. do TC nº 615/2018 de 21/11/2018, in www.dgsi.pt.

35. Está a A./Reconvinda confrontada com a circunstância, desgraça e clamoroso erro de, perante um recurso de Apelação e contra-Alegações de Apelação, pagar o dobro ou em repetição remanescente de taxa de justiça cuja soma se duplica passando para €.17.952,00x2=€.35.904,00.

36. O que até conduz a que o remanescente de taxa de justiça pelo recurso de Apelação, que nos termos da tabela I-B deveria ser de metade do remanescente de taxa de justiça previsto na tabela I-A (€.34.272,00), acabe por ser superior a este mesmo valor…!!!

37. É assim manifesto e obviamente chocante que se pretenda ser adequado cobrar 2 e até 4 taxas de justiça remanescentes (!!!) pelo mesmo recurso interposto quer por uma parte, quer pela outra, inconformadas com as respectivas sucumbências, quer para a 2ª instância, quer para a 3ª instância. 

Por outro lado ainda,

38. Também tendo o recurso de Revista interposto pela R./Reconvinte sido julgado integralmente improcedente por não provado, é manifesto que a A./Reconvinda foi integralmente absolvida no mesmo e do que aí era contra si peticionado.

39. O que, com os mesmos e exactos fundamentos invocados naqueles capítulos V e VI dessas Alegações de recurso e que aqui se devem ter por integralmente reproduzidas para todos os devidos e legais efeitos, terá de significar que, à A./Reconvinda em razão das contra-Alegações apresentadas no Recurso de Revista interposto pela R./Reconvinte e que foi julgado integralmente improcedente, não pode ser cobrado qualquer valor a título de taxa de justiça remanescente em razão dessa apresentação de contra-alegações de Revista – art. 14º n.º 9 do RCP.

40. Aliás, na própria decisão do Supremo Tribunal de Justiça, muito acertadamente se mostra a esse respeito escrito: “Custas dos recursos pelos respectivos recorrentes”.

41. Decisão esta, quanto a custas, que também transitou em julgado e que terá de ser respeitada, na íntegra, na elaboração da respectiva conta final de custas.

42. O que significa que a A./Reconvinda está dispensada de proceder ao pagamento de qualquer remanescente de taxa de justiça no que directamente concerne ao seu impulso processual decorrente das contra-Alegações de Revista apresentadas nos autos.

43. Ora, percute-se, esta pretensão de exigir à Reconvinda e demandada naquele pedido reconvencional deduzido pela R. o pagamento do remanescente da taxa de justiça quando a mesma foi integralmente absolvida nesse mesmo recurso de Revista é totalmente ilegal por contrário a norma expressa do nº 9 do art. 14º e é, novamente, violentamente violador dos supra citados preceitos e princípios Constitucionais já supra citados e que também aqui se percutem, quais sejam, o art. 2º, 18º nº 2 e 20º nº 1 da Constituição – “vide gratiae” o supra citado Ac. do TC nº 615/2018 de 21/11/2018, in www.dgsi.pt.

Sem prescindir e por mera cautela de patrocínio,

44. Padece do vicio de inconstitucionalidade a norma que impõe a obrigatoriedade de o Recorrente escrever no requerimento de interposição de recurso ou no final das Alegações o valor da sucumbência, para que na conta de custas seja atendida a regra da sucumbência e seja atendido a esse mesmo valor da sucumbência na fixação da base tributária para encontrar a taxa de justiça a pagar pelo Recorrente e, ou, pelo Recorrido resultante do estipulado no art. 12º nº 2 do RCP.

45. Tal como, padece do vício de inconstitucionalidade a norma que impõe a obrigatoriedade de pagamento do remanescente da taxa de justiça à A./Reconvinda que foi absolvida, parcial ou totalmente, do pedido reconvencional contra si deduzido, obrigando-a a pedir o montante que pagou em sede de custas de parte, resultante do art. 14º nº 9 do RCP na redacção actualmente em vigor.

Pelo que,

46. Salvo o devido respeito por melhor entendimento, a razão, quanto às questões subjacentes à invocada oposições de acórdãos, está, quer na 1ª, quer na 2ª questão de direito, do lado de cada um dos acórdãos fundamento.

47. Por conseguinte em obediência a tal entendimento, e sempre salvo o devido e merecido respeito, quer no que diz respeito à 1ª questão de direito, quer no que diz respeito à 2ª questão de direito, o douto acórdão recorrido violou e, ou, interpretou erradamente, entre outros, o conjugadamente disposto nos arts. 2º, 18º nºs 2 e 3 e 20º da Constituição e os arts. 527º n.º 1 e 2, 529º, 607º, 619º, 620º e 663º do C.P. Civil e os arts. 12º, n.º 2, 14º n.º 9 e 31º n.º 2 do RCP.».

Termina pedindo a revogação do acórdão recorrido com a prolação de acórdão em conformidade com o alegado.


II – Admissibilidade do recurso

1. Cumpre começar por apreciar da admissibilidade do recurso, na medida em que, apesar de, no âmbito da reclamação à conta de custas, a regra ser a não admissibilidade do recurso de revista, conforme previsto no n.º 6 do art. 31.º do Regulamento das Custas Processuais (RCP), invoca a recorrente, como fundamento de admissibilidade, a contradição de acórdãos prevista no art. 629.º, n.º 2, alínea d), e no art. 672.º, n.º 1, alínea c), do CPC.


2. Importa esclarecer que, não sendo o recurso admissível em termos gerais – precisamente em razão do referido impedimento consagrado no art. 31.º, n.º 6, do RCP –, não há lugar à interposição de revista por via excepcional, uma vez que, de acordo com a orientação constante da jurisprudência deste Supremo Tribunal, sendo o recurso de revista unitário, a admissibilidade da revista por via excepcional depende do preenchimento dos pressupostos gerais de recorribilidade da revista, salvo no que se refere ao obstáculo da dupla conforme (cfr. art. 671.º, n.º 3, in fine, do CPC).

Falta, porém, apurar se estamos perante alguma hipótese em que a revista seja admissível, por via normal, com fundamento em contradição de julgados.


3. O acórdão recorrido incide sobre decisão interlocutória que recai unicamente sobre questão processual. Nos termos do n.º 2 do art. 671.º do CPC, as decisões desta natureza apenas podem ser objecto de recurso em duas situações:

- Nos casos em que o recurso é sempre admissível, isto é, quando as questões processuais suscitadas sejam subsumíveis em alguma das previsões constantes do art. 629.º, n.º 2, do CPC, incluindo, portanto, a previsão da alínea d) que se reporta à contradição de julgados (cfr. art. 671.º, n.º 2, alínea a));

- Quando o acórdão recorrido esteja em contradição com outro acórdão, transitado em julgado, proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme (cfr. art. 671.º, n.º 2, alínea b)).

A recorrente apresenta dois acórdãos-fundamento, um para cada uma das questões jurídicas que invoca, sendo um do Supremo Tribunal de Justiça e outro do Tribunal da Relação de Coimbra.

4. De acordo com a jurisprudência reiterada deste Supremo Tribunal, os pressupostos legais da contradição de julgados são a identidade normativa, a divergência na resolução da mesma questão fundamental de direito e a essencialidade dessa divergência para o desfecho das decisões em confronto.

A recorrente identifica as seguintes questões de direito:

- Interpretação do art. 12.º, n.º 2, do RCP: apurar os efeitos da falta de indicação do valor da sucumbência pelo recorrente nos recursos interpostos (indicando como acórdão-fundamento o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28-03-2019, proferido no processo n.º 413/14.0TBOAZ.P2.S2);

- Inconstitucionalidade da interpretação normativa do art. 12.º, n.º 2, do RCP, adoptada no acórdão recorrido;

- Interpretação do art. 14.º, n.º 9, do RCP, na redacção dada pela Lei n.º 27/2019, de 28 de Março: saber se o pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos do art. 6.º, n.º 7, do RCP, a final, deverá ou não ter em consideração o decaimento de cada parte (indicando como acórdão-fundamento o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 14-12-2020, proferido no processo n.º 4016/08.0TBLRA-A.C1);

- Inconstitucionalidade da interpretação normativa do art. 14.º, n.º 9, do RCP, adoptada no acórdão recorrido.

Vejamos.


5. O acórdão recorrido analisa, efectivamente, como questões principais, as duas questões supra identificadas.

Consideremos a primeira questão: efeitos da falta de indicação do valor da sucumbência pelo recorrente no recurso.

No acórdão recorrido entendeu-se que:

«[T]al como acontece com relação ao valor da causa que ao autor cabe indicar na petição inicial, também competirá ao recorrente que queira prevalecer-se do disposto no artigo 12º, nº 2, do RCP, em virtude do interesse concretamente prosseguido no recurso ser inferior ao valor tributário da causa, indicar o valor da sucumbência. Doutro modo, será tido em conta o valor da ação.

Por outro lado, a circunstância de o valor da sucumbência ser determinável não implica que essa determinação seja sempre evidente e não competirá ao tribunal estimar um valor diverso para efeitos do recurso através da análise das alegações de recurso.

Como impressivamente se escreveu no acórdão da Relação de Coimbra de 15.01.2019, ninguém melhor que o recorrente sabe qual a utilidade económica que pretende retirar do recurso, não impondo o n.º 2 do citado art.º 12.º nem o sentido do mesmo implica deferir ao tribunal o cálculo dessa efetiva utilidade económica, antes cumprindo aos interessados, máxime ao recorrente, indicar o valor para efeitos de recurso.

Assim, somos a concluir que a lei estabelece no nº 2 do artigo 12º do RCP, que a indicação do valor da sucumbência ainda que determinável, caberá ao recorrente, sob pena de ser considerado o valor da ação.». [negrito nosso]

No acórdão-fundamento (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28-03-2019, processo n.º 413/14.0TBOAZ.P2.S2) considerou-se que:

«[A] melhor interpretação do pensamento legislativo que conduziu à redacção do art.º 12º do Regulamento das Custas Processuais (…) vai no sentido de que, caso falte a indicação do valor da sucumbência, mas uma vez que o valor da sucumbência é determinável, não há razão para que não seja esse o valor do recurso a ter, por referência, para efeitos da elaboração da respectiva conta.

Se, cotejado o requerimento de interposição de recurso, resultar manifesto que a utilidade económica do pedido recursório é perfeitamente balizada, é razoável que o recorrente só suporte os custos processuais na respectiva dimensão.

(…) Ora se o valor da sucumbência era determinável, pese embora se aceite a obrigação de indicar o valor da sucumbência, por razões de boa técnica processual, reconhecemos que, em prol da justiça processual, a falta de indicação pelo recorrente, do valor da sucumbência, no caso, determinável, deve ser colmatada pelo Tribunal, sem que este procedimento imponha gravosos desequilíbrios, ou ponha em causa a facilitação das tarefas dos Tribunais.». [negritos nossos]

Temos, pois, que ambos os acórdãos dizem respeito a situações de reclamação à conta de custas em que o recorrente não indicou o valor da sucumbência, sendo, porém, esse valor determinável.

Numa situação factualmente idêntica, os acórdãos em confronto interpretaram o art. 12.º, n.º 2, do RCP em sentidos divergentes:

- O acórdão recorrido no sentido de que a falta de indicação pelo recorrente do valor da sucumbência no recurso, ainda que determinável, leva a que, na elaboração da conta de custas, seja tido em consideração o valor da acção;

- O acórdão-fundamento no sentido de que, na falta de indicação do valor da sucumbência pelo recorrente, sendo tal valor determinável, deve este último ser tido em consideração na elaboração da conta de custas.

Encontrando-se preenchidos os pressupostos da identidade normativa, da divergência na resolução da mesma questão fundamental de direito e da essencialidade dessa divergência para o desfecho das decisões em confronto, o recurso é, nesta parte, admissível.


6. Passemos a considerar a segunda questão relativamente à qual é invocada a contradição de julgados:  o pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos do art. 6.º, n.º 7, do RCP, a final, deverá ou não ter em consideração o decaimento de cada parte.

Em ambos os acórdãos em confronto se apreciam situações de reclamação à conta de custas, para efeitos de aplicação do art. 14.º, n.º 9, do RCP.

O acórdão recorrido considerou ser imediatamente aplicável ao caso dos autos a norma do n.º 9 do art. 14.º do RCP, introduzida pela Lei n.º 27/2019, de 28 de Março, escudando-se no seguinte argumento para considerar improcedente a pretensão do recorrente: a referida alteração da redacção do n.º 9 do art. 14.º, do RCP não veio desonerar a parte que obteve vencimento parcial da sua obrigação de pagamento da taxa de justiça.

Por sua vez, o acórdão-fundamento (Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 14-12-2020, proferido no processo n.º 4016/08.0TBLRA-A.C1), partindo também do pressuposto da imediata aplicabilidade daquela norma, entendeu que:

«[A] nova versão daquele normativo passou a dispensar a parte vencedora do pagamento do remanescente da taxa de justiça, aplicando tal critério e orientação ao caso vertente –sendo certo que aderimos ao entendimento de que tal se aplica quer às hipóteses de vencimento total, quer parcial – temos então que deve ser refletido na conta a elaborar o grau de responsabilidade fixado na decisão – que no caso concreto da Ré/reclamante/recorrente será apenas de 20,26% do valor da causa (que é de € 3.786.917,33), já que a mesma decaiu apenas em € 767.121,33 (que é o valor do pedido reconvencional).

Procede, assim, este argumento recursivo subsidiariamente deduzido, pelo que, importa revogar a contagem anteriormente elaborada e, consequentemente, determinar que na 1ª instância se proceda a nova contagem de acordo com o vindo de expor.».

Os acórdãos em confronto alcançam diferentes soluções jurídicas, partindo de um mesmo quadro factual e jurídico: enquanto o acórdão-fundamento entende que a norma do art. 14.º, n.º 9, do RCP, que permite que se beneficie do não pagamento do remanescente da taxa de justiça, tem aplicação tanto às situações de vencimento total como às situações de vencimento parcial, o acórdão recorrido adopta uma posição mais restritiva e defende que aquela norma só contempla as situações de vencimento total da parte.

Encontram-se preenchidos, também aqui, os pressupostos da identidade normativa, da divergência na resolução da mesma questão fundamental de direito e da essencialidade dessa divergência para o desfecho das decisões em confronto, pelo que o recurso é, também nesta parte, admissível.


III - Fundamentação

1. Apreciemos a questão da relevância da falta de indicação do valor da sucumbência pelo recorrente, sendo o valor determinável.

O art. 12.º do RCP, sob a epígrafe Fixação do valor em casos especiais, preceitua no n.º 2 o seguinte:

«Nos recursos, o valor é o da sucumbência quando esta for determinável, devendo o recorrente indicar o respectivo valor no requerimento de interposição do recurso; nos restantes casos, prevalece o valor da acção.».

Acerca da interpretação deste regime, na sua redacção actual, o acórdão-fundamento, proferido em 28-03-2019, no processo n.º 413/14.0TBOAZ.P2.S2 (o qual constitui, tanto quanto foi possível apurar, o único acórdão deste Supremo Tribunal que apreciou expressamente a questão), pronunciou-se desenvolvidamente nos seguintes termos:

«[A]dmitido o recurso de revista, apreciada que foi a questão preliminar, impõe-se reavivar a questão já enunciada, e que cumpre conhecer:

“Deixando os Recorrentes de indicar, no requerimento de interposição de recurso, o respectivo valor, deve prevalecer o valor da acção e não o valor da sucumbência para efeitos da elaboração da conta?”

(...)

Assim, a propósito da elaboração da conta de custas, estando em causa o valor do recurso interposto, o art.º 12º n.º 2 do Regulamento das Custas Judiciais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, aplicável ao caso sub iudice, com sucessivas alterações, mantendo-se, no entanto, inalterado o consignado incisivo legal, estatui “Nos recursos, o valor é o da sucumbência quando esta for determinável, devendo o recorrente indicar o respectivo valor no requerimento de interposição do recurso; nos restantes casos, prevalece o valor da acção.”.

Com vista à exegese do enunciado normativo que nos permitirá uma ajustada aplicação ao caso dos autos, interessando saber qual o sentido da aludida norma em assacar ao recorrente o dever de indicar, no requerimento de interposição do recurso o valor da sucumbência, e, na sua falta, colher a respectiva consequência, temos por avisado que, na interpretação da mesma, não nos cinjamos à letra da lei, mas, sublinhamos, reconstituir, a partir dos textos, o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada, não podendo ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.

Impõe-se, assim, cotejar a norma que prescrevia acerca do valor da causa nos recursos, ínsita no diploma que regulamentava a incidência de custas, entretanto revogado pelo presente Regulamento das Custas Processuais, qual seja, o revogado Código das Custas Judiciais, prevenido no Decreto-Lei n.º 224-A/96 de 26 de Novembro, com sucessivas alterações, o qual, no respectivo art.º 11º, acerca do valor da causa nos recursos, consignava, no que aqui interessa, “1 - Nos recursos, o valor é o da sucumbência quando esta for determinável, devendo o recorrente indicar o seu valor no requerimento de interposição do recurso. 2 - Se o valor da sucumbência não for determinável ou na falta da sua indicação, o valor do recurso é igual ao valor da acção”, importando os enunciados normativos, diversa redacção do actual art.º 12º n.º 2 do Regulamento das Custas Judiciais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro que, como adiantamos, estabelece sobre a mesma questão, atinente ao valor da causa nos recursos.

Interpretando o art.º 12º n.º 2 do Regulamento das Custas Judiciais, reconstituindo-o a partir daquele art.º 11º do Código das Custas Judiciais, resulta, desde logo, inequívoca dissemelhança de redacção, sendo meridiano concluir que, se no art.º 11.º n.º 2 do Código das Custas Judiciais, se prevenia, indubitavelmente, que na falta de indicação do valor da sucumbência, o valor do recurso seria igual ao valor da acção (2 - Se o valor da sucumbência não for determinável ou na falta da sua indicação, o valor do recurso é igual ao valor da acção), o actual diploma que estatui sobre custas judiciais, conquanto mantenha a obrigação de indicação, por parte do recorrente (Nos recursos, o valor é o da sucumbência quando esta for determinável, devendo o recorrente indicar o respectivo valor no requerimento de interposição do recurso), assume diversa redacção, querendo significar, em nossa opinião, e salvo o devido respeito por opinião contrária, que a sanção cominatória, para o respectivo incumprimento (inequívoca, no anterior diploma [art.º 11º do Código das Custas Judiciais], foi deixada cair, no actual art.º 12º do Regulamento das Custas Judiciais.

A alteração assumida pelo legislador, nos normativos atinentes às custas, tem, necessariamente, de ser entendida, como manifestação clara e inequívoca do legislador, em alterar a cominação que recaía sobre o recorrente, no dispositivo revogado (art.º 11º do Código das Custas Judiciais), verificada a falta de indicação do valor da sucumbência no requerimento e interposição do recurso, quando esta for determinável, a qual deixou de ser imposta, enquanto comportamento imprescindível, e, nesta medida, cominatório, para que na conta a elaborar, fosse considerado valor diverso do valor da demanda, estando em causa valor da sucumbência determinável, salvaguardando, assim, a justiça processual que o Tribunal não poderá tolher, conforme decorre do preceito legal vertido no Regulamento das Custas Processuais (art. 12º), conquanto se mantenha, sublinhamos, a obrigação de indicar o valor da sucumbência, agora, por razões de boa técnica processual, de simplicidade e clareza.

Temos de convir que a melhor interpretação do pensamento legislativo que conduziu à redacção do art.º 12º do Regulamento das Custas Processuais, reconstituído a partir dos textos que o precederam, assumindo uma lógica que reconhece a unidade do sistema jurídico, a par das circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada, e sem esquecer que o mesmo tem, na letra da lei, um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso, vai no sentido de que, caso falte a indicação do valor da sucumbência, mas uma vez que o valor da sucumbência é determinável, não há razão para que não seja esse o valor do recurso a ter, por referência, para efeitos da elaboração da respectiva conta.

Se, cotejado o requerimento de interposição de recurso, resultar manifesto que a utilidade económica do pedido recursório é perfeitamente balizada, é razoável que o recorrente só suporte os custos processuais na respectiva dimensão.

Não podemos esquecer que o preceito legal teve em vista deixar de sobrecarregar o recorrente no pagamento de custas, aferidas pelo valor inicial do processo, quando está em causa objecto do recurso que não se identifica, por completo, com o objecto da demanda, importando, neste casos, salvaguardar a elaboração da conta que afirme o justo pagamento das custas, o que, a não ser assim, importaria enveredar por um caminho ao arrepio de qualquer verdade processual, impondo ao recorrente pagar valores que, de todo, são condizentes com o valor real do recurso.

Revertendo ao caso dos autos temos que os Recorrentes, notificados da conta, vieram reclamar da mesma, demonstrando que na conta foi considerado, para efeito dos valores dos recursos, o valor da acção, deixando de atender-se aos valores da sucumbência que era determinável.

Ora se o valor da sucumbência era determinável, pese embora se aceite a obrigação de indicar o valor da sucumbência, por razões de boa técnica processual, reconhecemos que, em prol da justiça processual, a falta de indicação pelo recorrente, do valor da sucumbência, no caso, determinável, deve ser colmatada pelo Tribunal, sem que este procedimento imponha gravosos desequilíbrios, ou ponha em causa a facilitação das tarefas dos Tribunais.

E não se diga, como se retira do acórdão a quo que o facto de a conta ser elaborada por funcionário judicial, não cabe a este descortinar qual o valor da sucumbência, que é um conceito de direito, sendo certo que, apesar da sua determinabilidade, situações existem que são complexas e dadas a dúvidas, cuja solução não pode ficar a cargo do contador, a quem nada mais cabe do que a elaboração da conta do processo, partindo dos pressupostos que claramente terão de resultar do mesmo, o que, de resto, se reconhece, acrescentando, porém, que os casos de dúvidas sempre poderão ser colocados ao Tribunal, o qual, de acordo com os elementos retirados dos autos, não deixará de providenciar pela indicação dos elementos necessários à elaboração da conta, que se quer certa e justa.

Estando em causa o cometimento de injustiça processual, na elaboração da conta, por falta de indicação do valor da sucumbência, sempre determinável, por parte do recorrente, omissão que, em todo o caso, pode ser suprida pelo Tribunal, não hesitaremos em validar este último procedimento, pois, de outro modo, seria evidente o constrangimento ao direito, por parte dos utentes da justiça.». [negritos nossos]

Não se vislumbrando razões para nos afastarmos desta orientação, e tendo presente o princípio segundo o qual «[n]as decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito» (art. 8.º, n.º 3, do Código Civil), entende-se que o art. 12.º, n.º 2, do RCP deve ser interpretado no sentido de que, por motivos de justiça processual, conforme se refere no acórdão-fundamento, e também em nome do princípio da cooperação previsto no art. 7.º do CPC, na falta de indicação do valor da sucumbência pelo recorrente, sendo tal valor determinável, deve esse mesmo valor determinável ser tido em consideração na elaboração da conta de custas.

Conclui-se, assim, pela procedência do recurso, nesta parte, ficando prejudicada a apreciação da questão da invocada inconstitucionalidade da interpretação da norma do art. 12.º, n.º 2, do RCP, adoptada pelo acórdão recorrido.


2. Passemos a apreciar a questão de saber se o pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos do art. 6.º, n.º 7, do RCP, a final, deverá ou não ter em consideração o decaimento parcial da parte.

O art. 14.º, n.º 9, do RCP, na redacção introduzida pela Lei n.º 27/2019, prescreve o seguinte:

«Nas situações em que deva ser pago o remanescente nos termos do n.º 7 do artigo 6.º, o responsável pelo impulso processual que não seja condenado a final fica dispensado do referido pagamento, o qual é imputado à parte vencida e considerado na conta a final.».

Esta norma surgiu no seguimento do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 615/2018, de 21-11-2018[1], que julgou inconstitucional a norma anterior do art. 14.º, n.º 9, do RCP, que prescrevia o seguinte:

«Nas situações em que deva ser pago o remanescente nos termos do n.º 7 do artigo 6.º e o responsável pelo impulso processual não seja condenado a final, o mesmo deve ser notificado para efectuar o referido pagamento, no prazo de 10 dias a contar da notificação da decisão que ponha termo ao processo.».

Quer no acórdão recorrido, quer no acórdão-fundamento, entendeu-se que a nova versão da norma é de imediata aplicação aos respectivos autos, apesar de estarem em causa acções instauradas antes da sua entrada em vigor.

Quanto ao sentido da norma inovadora, socorremo-nos das palavras de Salvador da Costa (As Custas Processuais, Análise e Comentário, 8.ª ed., Almedina, Coimbra, 2021, págs. 138 e seg.):

«A expressão normativa “o qual é imputado à parte vencida e considerado na conta final” significa que a parte vencida é responsável pelo pagamento do remanescente da taxa de justiça, de cujo pagamento a parte vencedora é dispensada, e que o respetivo valor é inserido na conta final do processo a débito da primeira.

Esta nova solução legal conforma-se com o princípio tendencial da justiça gratuita para a parte vencedora, na medida em que a dispensa de exigir o referido remanescente à parte vencida, a título de custas de partes, evitando-lhe o risco da impossibilidade ou da dificuldade da sua cobrança.

Mas é seu pressuposto que se trate de vencimento e decaimento integral. Se assim não for, ou seja, tratando-se de vencimento e decaimento parcial, o remanescente da taxa de justiça é incluído na conta de custas de uma e de outra das partes, o mesmo é dizer que este normativo só se aplica no caso de o responsável pelo impulso processual não ser condenado a final.». [negrito nosso]

Na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça não foi encontrada decisão que directamente se pronuncie sobre a questão sub judice. Ainda assim, dos acórdãos deste Supremo de 24-10-2019 (proc. n.º 1712/11.9TVLSB-B.L1.S2), de 01-10-2019 (proc. n.º 2741/16.1T8PTM.L1.S1) e de 07-03-2019 (proc. n.º 21112/16.3T8LSB-A.L1.S2), nos quais foram apreciadas questões conexas, afigura-se resultar o entendimento de que a dispensa prevista no n.º 9 do art. 14.º do RCP, na redacção introduzida pela Lei n.º 27/2019, apenas tem lugar em caso de vencimento total.

Quanto à questão da invocada inconstitucionalidade desta interpretação normativa, pronunciou-se o Tribunal Constitucional pela Decisão Sumária n.º 432/2021[2], de 28-06-2021, confirmada em conferência pelo Acórdão n.º 812/2021[3], de 26-10-2021, decidindo:

«Não julgar inconstitucional a norma extraída do artigo 14.º, n.º 9, do RCP, na interpretação segundo a qual, nas situações em que deva ser pago o remanescente nos termos do n.º 7 do artigo 6.º, o autor deve assumir o pagamento da taxa de justiça devida, independentemente da medida do vencimento ou decaimento da causa.».

No caso subjacente a tal decisão, a autora não obtivera vencimento total da sua pretensão e pretendia valer-se do disposto no art. 14.º, n.º 9, do RCP, na redacção actual, tendo o Tribunal Constitucional entendido que a jurisprudência do supra referido Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 615/2018, de 21-11-2018, não lhe era aplicável por não ter obtido vencimento total da acção.

Pelo exposto, e não se vislumbrando razões para nos afastarmos da orientação seguida no acórdão recorrido, conclui-se, nesta parte, pela improcedência do recurso.


IV – Decisão

Pelo exposto, julga-se o recurso parcialmente procedente, decidindo-se:

a) Revogar a decisão do acórdão recorrido, na parte em que, confirmando a decisão da 1.ª instância, entendeu que a falta de indicação pelo recorrente do valor da sucumbência no recurso, ainda que determinável, leva a que, na elaboração da conta de custas, seja tido em consideração o valor da acção; devendo antes entender-se que, na falta de indicação do valor da sucumbência pelo recorrente, sendo esse valor determinável, na elaboração da conta de custas deve tal valor determinável ser tido em consideração;

b) No mais, manter a decisão do acórdão recorrido.


Custas no recurso e no incidente de reclamação pelo recorrente na proporção de 1/2.


Lisboa, 2 de Março de 2023


Maria da Graça Trigo (Relatora)

Catarina Serra

Paulo Rijo Ferreira



***



DECLARAÇÃO DE VOTO


Votei o acórdão na parte em que interpreta o nº 9 do artigo 14º do RCP no sentido de ser apenas aplicável no caso de vencimento total por entender ser essa interpretação a que melhor se adequa à lógica do sistema de custas judiciais (dando primordial importância à satisfação dos interesses patrimoniais do Estado por   quem impulsiona o sistema de justiça, sobre quem recai em primeira linha o ónus de suportar os respectivos custos, e relegando para plano secundário – e privado – as compensações das despesas das partes em função do ganho de causa; prioridade que apenas cede no caso de ganho integral) e ter sido já respaldada pelo Tribunal Constitucional (cf. acórdão 812/2021, pontos 16 e 17).


-*-



Fiquei vencido quanto à problemática do nº 2 do artigo 12º do RCP.


Em primeiro lugar porquanto entendo que a reclamação da consta não é meio processual adequado para fixar o valor da causa.

O valor (processual e tributário) da causa tem de ser fixado pelo juiz (artigo 306º do CPC e 11º do RCP), excepcionando-se apenas desta regra os casos previstos nas alíneas a) a e) do nº 1 do artigo 12º do RCP (em que o valor tributário é legalmente fixado em 2.000 €).

E, regra geral, deve ser fixado até à sentença de 1ª instância (artigo 306º do CPC, directamente e por remissão do artigo 11º do RCP), excepcionando-se a essa regra, parcialmente (porquanto apenas se permite a correcção de um valor já, legal ou judicialmente, fixado), os casos previstos nos artigos 299º, nº 4, do CPC e 12º, nº 1, als. e) e f), do RCP.

A possibilidade de divergência entre o valor tributário e o valor processual nos recursos, erigindo-se como factor de referência a sucumbência (artigo 12º, nº 2, do RCP), não afasta a regra geral do artigo 306º do CPC que faz impender sobre o juiz o dever de fixar o valor da causa. O que significa que no caso de recurso deve a respectiva decisão (quanto ao mérito ou quanto à admissibilidade) pronunciar-se sobre o valor do recurso.

Não o fazendo a decisão incorre em vício de omissão de pronúncia (artigo 615º, nº 1, al. d), do CPC) a arguir no prazo legalmente estabelecido para a arguição de nulidades.

Não sendo arguida a nulidade a mesma convalida-se com o trânsito em julgado da decisão e haverá de entender-se que ao não fazer funcionar a excepção à regra geral a decisão do recurso implicitamente aceitou o funcionamento dessa mesma regra geral, segundo a qual o valor do recurso é o valor da causa.

E estando dessa forma fixado o valor tributário do recurso com trânsito em julgado está precludida a possibilidade da sua discussão, designadamente em sede de reclamação da conta.


Em segundo lugar porquanto entendo que concluindo-se dever o valor do recurso corresponder ao valor da sucumbência então devia fixar-se o valor tributário do recurso em causa e não remeter-se para a Relação essa fixação, criando uma situação de ‘decidir sem decidir’ dado que não se resolve definitivamente a questão mas apenas se reabre a discussão, agora sobre outro prisma, sobrecarregando desnecessária e ineficientemente o sistema de administração da justiça

Ao Supremo só é lícito devolver a resolução da questão às instâncias se não tiver base suficiente para aplicar em concreto o regime jurídico que julga adequado (artigo 682º, nº 3, do CPC); o que não é manifestamente o caso porquanto o Supremo tem à sua disposição (directamente ou por possibilidade de consulta do processo no CITIUS) todos os elementos para determinar a sucumbência.


Em terceiro lugar porquanto discordo da interpretação do nº 2 do artigo 12º do RCP, entendendo por erróneos os argumentos invocados no acórdão do STJ de 28/03/2019 (processo n.º 413/14.0TBOAZ.P2.S2) a que se aderiu : a nova redacção do preceito deixou cair a sanção cominatória, tal entendimento tem a virtualidade de salvaguardar a justiça processual e corresponde a uma boa técnica processual de simplicidade e clareza.

A sanção cominatória está presente em ambas a versões do artigo 12º do RCP em confronto pois em ambas se determina claramente a irrelevância da sucumbência, prevalecendo o valor da acção, e a precisão dessa estatuição é idêntica em ambas as versões, embora com expressão linguística diferenciada: nem se vislumbra como ‘tenha sido deixada cair’ uma sanção cominatória ao incumprimento de um dever que a nova versão da lei continua a estabelecer expressamente.

Com efeito, e como se refere no acórdão da Relação de Lisboa de 13SET2016 (proc.  3136/12.1TBVFX-A.L1) de que fui relator,

« a diferente redacção mais não é que uma diferente forma de dizer a mesma coisa: embora a fórmula anterior fosse bem mais directa ao indicar expressamente as duas condições em que o valor do recurso seria o da sucumbência e não o da causa (ser a sucumbência determinável e, mesmo neste caso, tendo tal valor sido indicado no requerimento de interposição do recurso) a fórmula actual manda aplicar a mesma regra ´nos restantes casos’ (ou seja naqueles casos não referidos na primeira parte do preceito e que são a determinabilidade da sucumbência e o dever de indicação do respectivo valor) e que são todos aqueles em que a sucumbência não é determinável ou sendo-o não foi cumprido o dever de indicação do respectivo valor.

Por outro lado não se me afigura respeitador dos cânones do art.º 9º do CCiv, em particular a disposição constante do seu nº 2 segundo a qual não é lícita uma interpretação que “não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal”, o desconsiderar completamente o incumprimento de um dever claramente estabelecido na lei; não faz sentido afirmar-se que existe a obrigação de indicação do valor mas que o incumprimento dessa obrigação é absolutamente irrelevante, como se, afinal, tal obrigação não existisse».

No mesmo sentido se pronuncia SALVADOR DA COSTA em Regulamento das Custas Processuais Anotado e Comentado, 4ª ed., 2012, páginas 303 e 304.

Por outro lado, assentando o actual sistema de liquidação e pagamento da taxa de justiça na autoliquidação (artigos 530º do CPC, 6º e 14º, do RCP e 9º da Portaria 280/2013), ele apela à extensão à matéria de custas do princípio da auto-responsabilização das partes (melhor, dos profissionais especialmente habilitados que as representam, as mais das vezes por imposição legal) cabendo-lhes, em primeira e principal mão, o ónus da iniciativa relativamente aos seus interesses de natureza tributária, segundo uma cultura de responsabilidade e rejeitando a cultura laxista que subjaz ao entendimento expresso naquela jurisprudência, segundo a qual às partes  não é exigido qualquer esforço, rigor ou seriedade na forma como deduzem as suas pretensões, cabendo ao tribunal o papel de tudo corrigir, de indicar os meios e formas adequadas e, até, de adivinhar o conteúdo da alegação ou pretensão deduzida.

Sendo que a realização da ‘justiça processual’ consistente na adequação do valor da taxa de justiça decorrente do valor da acção ao valor do serviço prestado no recurso, ou seja, a sua proporcionalidade, não se efectiva na fixação do valor do recurso mas sim, na aferição da proporcionalidade da taxa de justiça; ou seja, na quase totalidade dos casos, na aferição (que tenho por oficiosa) da necessidade de dispensa, total ou parcial, do pagamento do remanescente da taxa de justiça.

De uma outra forma, ainda, a posição que obteve vencimento não se me afigura assegurar simplicidade e clareza, uma vez que deixa para o juiz o interpretar os termos do recurso e indagar e calcular o valor da sucumbência.

Com efeito, a circunstância de o valor da sucumbência ser determinável não implica que essa determinação seja sempre evidente pelo que, a seguir-se a posição que obteve vencimento, sempre ficará para o juiz a tarefa de levar a cabo as operações de determinação do valor da sucumbência, trazendo para este um acrescido dispêndio de esforço e abrindo caminho à possibilidade de controvérsia sobre a questão, quando ninguém melhor que o recorrente sabe qual a utilidade económica que pretende retirar do recurso. Ou seja, simples e clara, e sem trazer maior complexidade ao processo, é antes a solução contrária à que fez vencimento: por regra o valor do recurso é o da causa salvo se, o recorrente, determinando a sucumbência, indicar o seu valor.

O que não me parece razoável é que se imponha ao juiz o acrescido esforço de oficiosamente determinar a sucumbência sem que haja a mínima indicação do recorrente de que pretende fazer valer-se do menor valor dessa sucumbência. Pelo contrário, essa determinação só se justifica a partir do momento em que o recorrente manifesta a sua intenção de fazer valer como valor do recurso o valor da sucumbência.


-*-


Uma última observação para deixar expresso que a meu modo de ver, se a obtenção de uma interpretação e aplicação uniformes do direito é um desiderato a prosseguir na actividade jurisdicional (artigo 8º, nº 3, do Código Civil), ele  não pode, por um lado, ser dissociado da ponderação, prudência e sapiência que é (deve ser) inerente à uniformização jurisprudencial, nem, por outro lado, se deve esquecer a sua relatividade, pois que, sendo a incerteza inerente à aplicação do Direito, pode tentar-se reduzi-la a níveis aceitáveis mas nunca eliminá-la (se assim não fosse facilmente se dispensava a intervenção humana na administração da justiça substituída por algoritmos de Inteligência Artificial). Dessa forma a interpretação e aplicação uniformes do direito deve obter-se em função da ponderação de uma multiplicidade de casos e de uma multiplicidade de decisores, não tendo como boa prática uma propensão, que se me afigura latente, de imediatismo da uniformização em função de uma primordial (e até única) apreciação da questão.


Rijo Ferreira)

______

[1] Texto integral disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20180615.html?impressao=1.
[2] Texto integral disponível em https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/decsumarias/20210432.html.
[3] Texto integral disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20210812.html.