Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2232/20.6T8CSC.L1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: JORGE ARCANJO
Descritores: CONTRATO DE COMPRA E VENDA
CUMPRIMENTO DEFEITUOSO
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
DEFEITOS
REDUÇÃO DO PREÇO
EQUILÍBRIO DAS PRESTAÇÕES
PRESUNÇÃO DE CULPA
CONFISSÃO JUDICIAL
AVALIAÇÃO
BEM IMÓVEL
INCIDENTE DE LIQUIDAÇÃO
EQUIDADE
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
CADUCIDADE
DUPLA CONFORME
Data do Acordão: 11/16/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :
I - As normas que regulam o cumprimento defeituoso na compra e venda (arts. 905.º e ss. e 913.º e ss. do CC) ainda que especiais em relação às regras gerais da responsabilidade contratual (arts.798.º e ss. do CC), não implicam uma total exclusão dos princípios gerais, funcionando ambas em regime de complementaridade.

II - Na venda de um prédio urbano, a construção ilegal de uma obra (uma mezannine correspondente a um andar intermédio, que não pode ser licenciado), susceptível de ser demolida, desvaloriza a casa de habitação por não ter as qualidades necessárias (exigidas por lei) para a realização do fim a que a coisa se destina.

III - A acção de redução do preço (arts. 911.º e 913.º do CC) é justificada, não pelo erro, mas pelo desequilíbrio das prestações. A redução do preço não corresponde a uma indemnização, nem ao custo da eliminação dos defeitos, e está sujeita a dois limites – deve ser proporcional à diminuição do valor e não pode exceder o preço acordado.

IV - O direito à redução do preço, previsto nos arts. 911.º e 913.º do CC, exige a culpa do devedor (culpa efectiva ou presumida).

V - A redução do preço deve, em regra, ser determinada pela diferença entre o preço acordado e o valor objectivo da coisa com defeito.

VI - Não tendo havido avaliação, nos termos do art. 884.º, n.º 2, do CC, com incidência no valor do imóvel, com e sem a parte viciada, deve relegar-se para incidente posterior (art. 609.º, n.º 2, do CPC) a quantificação da redução do preço.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

I - RELATÓRIO



1.1.- O Autor -AA -instaurou acção declarativa de condenação, com forma de processo comum, contra os Réus - BB, CC e DD

Alegou, em síntese:

O Autor, em 16.9.2019 comprou aos Réu. um bem indiviso sem determinação de parte ou direito, pelo preço de 750.000,00 correspondente ao apartamento sito no 2º andar Bloco C, fração “S” do Condomínio na Rua... 131 ....

Enquanto decorriam as negociações e sendo intenção do A. realizar obras no apartamento, o 1º R. disponibilizou ao A., a pedido deste, uma planta do “denominado duplex”, bem como um quadro que enumerava as divisões de que o apartamento se compunha e respetivas áreas, tendo o R., posteriormente, emendado a área da cozinha de 24,06 m2 para 14,80 m2 pelo que a área coberta do apartamento, no entender do 1º R, se situava nos 220m2.

Em Janeiro de 2020, e quando a obra já decorria, é o A. surpreendido com a revelação feita pela condómina EE que a área que o A julgava ser parte integrante da fração que adquiriu, pertencia, na realidade ao condomínio e ainda para mais sem utilização licenciada.

Abordado pelo A. nesse sentido, o 1º. R confirmou o que lhe havia sido transmitido, enviando-lhe cópia do Acórdão da Relação de Lisboa que condenava os RR. BB e mulher a desocuparem aquele espaço comum e a restituí-lo ao condomínio, o que estes não cumpriram continuando a afetar a si essa área, tendo feito crer ao A. que a referida área integrava o andar objeto dos autos.

Com as obras de remodelação em curso, a 4 de Maio de 2020 e em resultado de denúncia, funcionários da Câmara Municipal de ... fizeram uma inspeção à obra, onde detetaram diversas irregularidades, designadamente o “aumento de 83,6 m2 de área de construção, criando-se um 3º piso ou sótão” (piso superior) e “aumento de 31,7 m2 de área de construção, aumentando-se a superfície de pavimento do piso 2” (parte comum já referida), tendo notificado o A. do embargo da obra até à apresentação de novo projeto de licenciamento e subsequente aprovação da operação urbanística e informado o A. que o índice de construção previsto no alvará de loteamento para o condomínio de que faz parte a fração adquirida estava esgotado pelo que a área constante do piso superior e a referida parte comum, não estavam nem podiam ser licenciadas para nenhum tipo de uso.

O A. viu a área constante dos elementos fornecidos pelo 1º. R. reduzir-se em mais de 50% e passar o apartamento de T6 a T2 com as consequentes desvalorização e inadequação para casa de morada de família.

Se o A. tivesse sabido da verdadeira área da fração, tê-la-ia adquirido embora por preço inferior.

Invoca a venda de coisa alheia quanto à parte comum pertencente ao condomínio e que o 1º. R. alienou como sua e o cumprimento defeituoso da prestação quanto ao piso superior, como previsto no art.º 913 CC, defendendo a redução proporcional do preço, sem prejuízo da indemnização relativa a danos emergentes prevista nos art.º 898.º e 899.º CC a que tem direito, por estar obrigado a repor a legalidade urbanística sem o que não poderá obter o levantamento do embargo em vigor, concluir a obra e vir a utilizar o imóvel para o fim que vier a ser possível.

Em realação ao cumprimento defeituoso da prestação do 1.º R quanto ao piso superior, o apartamento que o A. adquiriu sofre de vício que o desvaloriza, pois o seu valor de mercado resulta manifestamente reduzido dada a significativa menor área que efetivamente pode ser utilizada, menos 83,6 m2 e impede a realização do fim a que estava destinado, na medida em que resulta prejudicado o aproveitamento da área não utilizável do piso superior e os quartos independentes para os filhos do A. e uma casa de banho, assistindo-lhe o direito à redução proporcional do preço conforme o disposto no art.º 911 CC ,aplicável por força do art.º 913, bem como a ser indemnizado pelos custos com as correções daquelas desconformidades nos termos dos art.ºs 908.º e 909.º do CC.

Concluiu pela nulidade parcial do contrato de compra e venda quanto à área pertencente ao condomínio, tendo direito a haver dos RR. quantia nunca inferior a € 107.000,00 a título de redução proporcional do preço, devendo ainda os RR. ser condenados ao pagamento da quantia que vier a ser determinada a título de redução proporcional do preço, nunca inferior a € 285.000,00 respeitante à venda de coisa defeituosa, tudo acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.

O Autor e a sua família sofreram danos não patrimoniais, que estimam em montante não inferior a € 30.000,00.

Pediu cumulativamente:

- A declaração de nulidade parcial do contrato de compra e venda quanto à área pertencente ao condomínio e condenando os RR a restituírem ao A. quantia nunca inferior a €107.000,00, a título de redução proporcional do preço, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação até integral pagamento;

- A condenação dos Réus no pagamento da quantia que vier a ser determinada a título de redução proporcional do preço, nunca inferior a € 285.000,00 respeitante à venda de coisa defeituosa, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento;

- A condenação dos Réus no pagamento de quantia nunca inferior a 30.000€ a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal desde a citação até integral pagamento.

1.2.- Os Réus contestaram, defendendo-se, em síntese:

Invocaram a caducidade do direito do Autor. nos termos do art.º 916 CC, que obriga o comprador a denunciar ao vendedor o vício ou a falta de qualidade da coisa, excepto se ele tiver usado de dolo, do que os Réus não são acusados, sendo que o Autor conhecia o estado do imóvel, pelo que, havendo defeitos os mesmos eram do seu conhecimento e não foram denunciados no prazo de um ano após a celebração da escritura, já que o Autor só fez na presente acção.

Da planta que o 1º R. enviou ao A. consta claramente que o imóvel vendido é um T2, a área da fração autónoma e a área comum que estava a ser aproveitada pelo Réu.

O construtor do imóvel introduziu uma mezzanine que incluía um quarto e uma casa-de-banho, tendo tal sido prática comum em toda a urbanização, o que só valorizou as frações, aumentando a sua área útil, mas tal resulta de um mero aproveitamento da área da fração e não da inclusão de qualquer área pertencente ao condomínio.

O Réu informou o Autor que o construtor não tinha procedido à legalização dessas alterações junto da Câmara Municipal.

O litígio que o Réu teve com o condomínio nada teve a ver com a mezzanine, respeitando antes a um terraço ou varanda existente na fachada do prédio com acesso exclusivamente pela fracção do Réu.

As varandas e terraços nas coberturas eram semelhantes em todos os blocos, consistindo num terraço com pequena piscina redonda e respetivo equipamento de filtragem, tendo os quartos com varandas exclusivas a que só pelos apartamentos se tem acesso. No bloco onde se situa a fração vendida, estas varandas dos quartos são cobertas, evitando ou pelo menos minimizando riscos de infiltrações para os andares de baixo.

É verdade que o Réu foi condenado a restituir ao condomínio a parte ocupada, mas não foi condenado a demolir as obras que fez.

Em virtude da decisão do Tribunal, o Réu BB e a sua mulher reconheceram perante os demais condóminos a qualificação da varanda/terraço como parte comum, tendo disso informado sempre o A. o qual ficou ciente e sempre considerou essa questão irrelevante.

Os restantes condóminos sempre consideraram que o Réu continuaria com o uso daquele espaço, que embora tenha sido considerada como área comum pertencente ao condomínio, sempre teve acesso único e exclusivo por parte da fração propriedade do Réu.

O A. sempre soube de todas as características da fração e o problema foi o mesmo ter iniciado obras que representaram uma verdadeira destruição da fracção autónoma em questão e mesmo do próprio imóvel, o que levou a que um dos condóminos apresentasse queixa.

Relativamente às alterações existentes na fração, os serviços da Câmara confirmaram que “a partir da comparação das telas finais com o estado actual do imóvel, constatou-se existirem fortes indícios que parte das irregularidades urbanísticas detetadas terem sido executadas aquando da construção do edifício” e por esse motivo propôs ao Autor, em 25 Junho de 2020, apenas a legalização da operação urbanística em questão. Pelo contrário, em relação às obras abusiva e ilegalmente feitas pelo Autor na fracção, a Câmara de ...determinou o seu embargo pelo período de dois anos, tendo inclusivamente mandado a EDP e as Águas de ... interromperem o fornecimento de água e eletricidade às obras, face à abusiva tentativa do A. em as realizar ilegalmente.

O Autor só tem que se queixar de si próprio, uma vez que foi a sua tentativa de realizar obras ilegais, ao arrepio de todas as regras urbanísticas, que provocou a reação dos condóminos e da Câmara Municipal de ... e não as alterações que foram feitas aquando da construção do prédio, não existindo qualquer cumprimento defeituoso da prestação para efeitos do art.913 CC, uma vez que os Réus não asseguraram na escritura nenhuma qualidade da fração, incluindo a sua área, diferente da que legalmente possui, não sendo a fração inidónea ao seu fim, pelo que não houve, nem nunca poderia haver qualquer erro do Autor ou desconhecimento da existência de áreas inferiores, uma vez que a situação do imóvel sempre lhe foi comunicada e a área do mesmo é efetivamente a que consta da escritura e da documentação oficial, não havendo fundamento legal para a pretendida redução do preço.

Impugnaram os danos não patrimoniais e requereram a condenação do Autor como litigante de má-fé.

1.3.- O Autor respondeu às excepções.

1.4.- Realizada audiência de julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, reduzindo em € 276.125,00 o preço pago pelo Autor pelo imóvel e condenando os Réus a restituir ao Autor tal quantia, acrescida de juros de mora a contar da citação, à taxa aplicável a juros civis, até integral pagamento, mais condenando os Réus a pagar ao Autor o montante de €10.000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescido de juros a contar do trânsito da sentença, à taxa aplicável a juros civis, até integral e efetivo pagamento, absolvendo o Autor do pedido de condenação como litigante de má fé.

1.5.- Inconformados, os Réus recorreram de apelação e a Relação por acórdão de 15/12/2022, decidiu:

Em face do exposto, julga-se o recurso interposto parcialmente procedente nos seguintes termos:

- altera-se a decisão proferida reduzindo em € 90.000,00 (noventa mil euros) o preço pago pela compra da fração, condenando os RR. a restituir tal valor ao A.;

- revoga-se a decisão de condenação dos RR. a pagar ao A. uma indemnização por danos não patrimoniais, absolvendo-se os mesmos de tal pedido;

- mantêm-se a sentença no demais decidido.

Custas da ação e do recurso por ambas as partes na proporção do decaimento. Notifique.”

1.6.- O Autor recorreu de revista, com as seguintes conclusões:

1)Baseou-se a decisão recorrida em que não se provou que os Réus tivessem atuado com dolo ou negligência, ao vender ao autor uma fração predial tal como eles próprios a adquiriram, incluindo um mezzanino edificado pelo construtor do prédio sem licença camarária, de cuja legalidade poderiam estar convictos.

2)No entanto, está provado no processo, com força probatória plena, que os réus tinham conhecimento dessa situação ilegal, por confissão por eles feita na contestação (art. 41), juntamente com a afirmação de que disso tinham dado conhecimento ao autor, facto este que se provou ser falso (facto provado n° 33).

3)O Supremo pode - e deve - tomar conhecimento do facto confessado, nos termos do art. 674-3 CPC.

4)De qualquer modo, essa prova não constitui requisito da redução do preço da venda defeituosa, só dependente da ocorrência dum defeito que se repercuta no âmbito do programa contratual; sendo a norma do art. 913 CC uma norma de garantia, não sujeita ao regime geral do cumprimento defeituoso.

5) Mesmo que assim não fosse e a venda de coisa defeituosa constituísse um caso de cumprimento defeituoso, sujeito ao regime geral deste, tal implicaria a aplicação do art. 799-1 CC, presumindo-se a culpa do vendedor, que, no caso concreto, não provou a sua falta de culpa.

6) O tribunal da Relação confundiu o regime da redução do preço pelo defeito da coisa com o da indemnização devida pela venda de coisa defeituosa, que pressupõe a verificação dos requisitos gerais da responsabilidade extracontratual, entre os quais o facto ilícito culposo do lesante - o que interessaria ao direito do lesado a ser indemnizado, mas não à redução do preço pelo desequilíbrio do esquema contratual que o defeito da coisa origina.

7) Por estes três fundamentos, principal (conclusões 1 a 3) e subsidiários (conclusão 4 e, sucessivamente, conclusão 5), deve a decisão recorrida ser parcialmente revogada, na parte em que absolveu os réus do pedido de redução do preço relativamente ao mezanino, e substituída por outra que os condene na restituição da parcela de preço pago proporcionalmente correspondente à área do mezanino (83,5m2 em 220m2), isto é, em € 275.000.

8) Pelo fundamento da culpa (conclusão 5 ) cuja presunção os réus não lograram ilidir, e que, de resto, foi dada como provada, deve a decisão recorrida ser revogada também na parte em que absolveu os réus do pedido de indemnização por danos não patrimoniais que o tribunal de 1a instância arbitrou, condenando-os dessa forma a pagar ao A. a importância de € 10.000.

9)A decisão recorrida deve igualmente ser revogada na parte em que - para utilizar a expressão da Relação – “corrige para baixo” a redução do preço pelo defeito do terraço fechado (31,7 m2), com a justificação da figura da equidade, substituindo-a por outra que condene os réus ao pagamento de 108.060 € correspondentes aos danos sofridos pelo A. pela existência daquele defeito.

1.7.- Os Réus contra-alegaram, em síntese:

Face ao disposto no artigo 915º CCvil, não haverá lugar a qualquer indemnização (ou a redução de preço), se o vendedor desconhecia, sem culpa, o vício ou falta de qualidade da coisa.

Em consonância com os factos provados nos presentes autos, o Acórdão recorrido concluiu, correctamente, que estaria provada a inexistência de culpa do vendedor.

A questão suscitada pelo Recorrente relativa a uma alegada confissão constitui alteração de matéria de facto, o que não pode ser objecto de recurso de revista, não podendo o Venerando Supremo Tribunal de Justiça apreciar a mesma.

A considerar-se que tenha existido qualquer confissão de quaisquer factos, o que não se concede, esta nunca foi expressamente aceite pelo Autor, pelo que os Réus, desde já, declaram que pretendem retirar a mesma.

1.8.- Os Réus recorreram subordinadamente, com as seguintes conclusões:

1) O acórdão recorrido violou o disposto nos artigos 342º, nº 1, 884º, nº 2, 916º e 917º, do Código Civil.

2)Face ao constante dos factos provados nºs 38 e 41, teria de se considerar que o Autor teve (ou poderia ter tido) conhecimento dos defeitos a 16 de Setembro de 2019, ou, caso assim não se entenda, a 23 de Setembro de 2019.

3)O Autor era obrigado a denunciar os defeitos da fracção aos Réus no prazo de um ano, sendo que nunca foi feita qualquer denúncia de defeitos antes da interposição da presente acção.

4)Teria de se considerar que o prazo para a denúncia dos defeitos aos Réus teve início na data da escritura (16.09.2019), ou, caso assim não se entenda, na data em que os Réus terminaram a mudança (23.09.2019).

5)No caso concreto, a 16 de Setembro de 2020 não estava ainda citado nenhum dos Réus e a 23 de Setembro de 2020 apenas tinha sido citado o Réu DD, mas na pessoa do inquilino.

6)O prazo extinguiu-se no dia 16 de Setembro de 2020, às 24 horas (artigos 279º c) e 297º do Código Civil), ou, caso assim não se entenda, no dia 23 de Setembro de 2020, às 24 horas.

7) Em qualquer dos casos, não tinham ainda todos os Réus sido citados, antes de decorrido o prazo de caducidade da acção.

8) A caducidade do direito configura uma excepção peremptória extintiva, a qual leva, nos termos do artigo 576º, nº3, do Código de Processo Civil, à absolvição do pedido, pelo que devem os Réus ser absolvidos do pedido.

9) A redução do preço decretada violou o disposto no art. 911º do Código Civil, dado que foi estabelecida sem haver qualquer prova da desvalorização do imóvel, não tendo o Autor solicitado a avaliação, nos termos do art. 884º, nº2, como lhe competia.

10) Não poderia o douto Acórdão recorrido ter recorrido à equidade para reduzir o preço do imóvel, por não estar provada a existência de qualquer desvalorização do imóvel, nunca podendo a mesma ser considerada como facto notório, tendo sido assim violado o art. 911º do Código Civil. 11) O terraço é de uso exclusivo da fracção vendida ao Autor, e sempre teve acesso único e exclusivo através dessa fracção.

12) O terraço continua a existir, podendo o Autor utilizar toda a sua área (ainda que, como espaço ao ar livre), ou vir até a fechá-lo, novamente, caso obtenha a autorização dos restantes condóminos para o efeito.

13) Cabia ao Autor fazer prova da existência de danos, pelo que deveria ter o Autor pedido a avaliação prevista no artigo 884º, nº 2, do Código Civil, o que não fez, nem foi a mesma realizada, por determinação oficiosa do Tribunal.

14) Ainda que se pudesse considerar que tivesse existido desvalorização do imóvel, o que não se concede, sempre o seu valor apenas poderia ser aferido em sede de incidente de liquidação de sentença, nos termos do artigo 609º, nº 2, do Código de Processo Civil, e não estabelecido, de forma arbitrária, com fundamento na equidade.

15) E ainda que se pudesse recorrer à equidade para fixar a desvalorização do imóvel, sempre a decisão não teria sido equitativa, considerando que o Autor continua a poder utilizar aquela área, das mais variadíssimas formas.

O Autor respondeu, preconizando a improcedência do recurso.


II – FUNDAMENTAÇÃO


2.1. – Delimitação do objecto dos recursos

As questões submetidas a revista são as seguintes:

- A venda de coisa defeituosa e a redução do preço;

- A caducidade do direito;

- A quantificação a redução do preço;

- A indemnização pelos danos não patrimoniais.

2.2.- Os factos provados

1. Mostra-se descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de ... o prédio urbano situado na Quinta ... inscrito na matriz com o n.º ...21 composto por edifício de três Blocos designados por “A” “B” “C” de 4 pisos, sendo o 1.º em cave.

2. O prédio referido em 1. foi constituído em propriedade horizontal por escritura pública lavrada no 2.º Cartório Notarial de ... no dia 14 de Abril de 1997, sendo composto pelas fracções A, B, C, D, E, F, G, H, I, J, K, L, M, N, O, P, Q, R. e S cfr. Doc. 1 junto com a contestação

3. Mostra-se descrita na 1.ª Conservatória do registo Predial de ... com o n.º ...16-Sa fracção autónoma correspondente ao BLOCO C -TERCEIRO PISO (2.º andar) um fogo designado pela letra A, com um estacionamento para carro designado pelo n.º 24 e uma arrecadação designada pelo n.º 18, localizados no 1.º piso (cave) do Bloco B" cfr certidão permanente do registo predial que os Réus juntaram como doc. nº1 com a contestação.

4. O título constitutivo da propriedade horizontal, onde se insere a fracção em causa nos autos junto como doc. nº 2 com a contestação outorgado em 14/04/1997, descreve a fracção S nos seguintes termos: "FRACÇÃO S 3º. Piso (SEGUNDO ANDAR) - um fogo designado pela letra A, com um estacionamento para carro designado pelo número vinte e quatro e uma arrecadação designada pelo número 18, localizados no 1º. Piso (cave) do Bloco B - Atribuem-lhe o valor de onze milhões trezentos e vinte e oito mil escudos, que corresponde à permilagem de cinquenta e nove".

5. As partes comuns do prédio são igualmente descritas no título constitutivo, referindo-se no mesmo "que fazem parte comum do prédio, a portaria e o logradouro" e "que ficará afecto ao uso exclusivo das fracções autónomas designadas pelas letras "A", "B", "C", "F", "G", "H", "I", "O", "P" e "Q", as partes do logradouro que lhes são contíguas, respectivamente com as áreas de cento e trinta, oitenta e quatro, duzentos e setenta e dois, cento e trinta, oitenta, cento e oitenta e cinco metros quadrados, as quais se encontram devidamente demarcadas no local".

6. No âmbito do processo n.º 440/1992 da Câmara Municipal de ...referente à construção do condomínio foi emitido o Alvará de Licença de utilização n.º ...82 de 29/04/1997 após aprovação das telas finais.

7. Consta da caderneta predial urbana, relativa ao artigo matricial nº 13721 NIP, da União das Freguesias de ..., junta como doc. nº3 com a contestação, que a fracção S, correspondente ao 2ºA do prédio sito na Rua ..., destinada a habitação tem três divisões, uma permilagem de 59,0000, 1 piso, e uma área de 117,3835 m2.

8. Aquando da inscrição do prédio na matriz em 10/04/1997 foi especialmente referido na declaração para inscrição de prédios urbanos na matriz que a fracção S possuía dois terraços (cfr. declaração que se junta como doc. nº 11 com a contestação).

9. O primeiro Réu e a sua falecida Mulher adquiriram em 1998 a referida fracção.

10. A urbanização é constituída por 3 blocos separados e respectivos apartamentos em cada cobertura, tendo os blocos sido construídos sucessivamente, e a urbanização realizada numa segunda fase.

11. Os apartamentos nas coberturas de acordo com as telas finais são todos de tipologia idêntica T2, semelhante à fracção vendida.

12. A fracção S tinha um considerável pé-direito no espaço situado entre a laje sobre o 2.º e a laje de cobertura, razão pela qual o construtor do imóvel nele introduziu uma mezanino ou mezzanine, correspondente a um andar intermédio situado entre o solo da fracção e o respectivo tecto, (3.º piso) onde construiu um quarto, uma casa-de-banho e uma sala. Espaço ao qual se acede por uma escada, construída pelo construtor a partir do chão da sala do 2.º piso, aumentando em cerca de 83,6m2 a área útil de construção da fracção (cfr. fotografias juntas como docs. nºs 5, 6, 7, 8, 9 e 10 juntas com a contestação e “planta do duplex com envolventes. Piso1 (2.º A)” junta com a PI como doc. n.º 3 fls. 3 onde é identificado o espaço como desvão da cobertura.

13. Foram executadas pelo construtor duas claraboias (tipo velux) no designado 3.º piso ou sótão referido em 12.

14. Em todos os apartamentos das coberturas dos 3 blocos o construtor o fez, tendo tal sido prática comum em toda a urbanização, o que valorizava as fracções.

15. As fracções foram assim transacionadas.

16. O 1.º R. construiu um vão de janela no alçado sul com cerca de 1,1m2 ao nível do 3.º piso ou sótão criado para fazer um pequeno escritório

17. O construtor não procedeu à legalização das alterações referidas em 12, 13 e 16. junto da Câmara Municipal, as quais não se mostram licenciadas nem previstas nas telas finais.

18. Existe um terraço na fachada do prédio, assinalado a vermelho na planta junta como doc. 1 com o requerimento ref.ª...31 previsto nas telas finais como espaço exterior aberto, que serve de cobertura ao piso inferior e que é parte comum do prédio urbano, mas com acesso exclusivamente pela fracção S..

19. No espaço situado entre a laje do terraço referido no ponto anterior sobre o 1.º piso e a cobertura foram construídos pelo R. uma divisão de sala, um espaço de closet e uma biblioteca, tendo, para o efeito, o R. alteado o telhado, fechando esse espaço, que já estava parcialmente coberto pelo construtor quando adquiriu a fracção, correspondendo esse aproveitamento a um aumento de cerca de 31,7m2 de área de construção, aumentando-se a superfície de pavimento do piso2.

20. Foram abertos pelo 1.º R. buracos na laje de cobertura para colocar três claraboias tipo velux no 2.º piso.

21. As divisões referidas em 19 e as claraboias referidas em 20. não se encontram licenciadas pela Câmara Municipal de ...nem figuram nas telas finais.

22. As varandas e terraços nas coberturas eram semelhantes em todos os três blocos.

23. No outro terraço de cobertura visível no doc. 5 e no doc. 12 ao qual se acede apenas pela fracção do A., encontrava-se licenciada uma piscina assinalada nas telas finais e respectivo equipamento de filtragem que o 1º. R. demoliu para instalar um jacuzzi com um deck de apoio, conforme consta da fotografia junta como doc. nº 30 com a contestação.

24. Os quartos da fração S têm varandas de utilização exclusiva, a que só se acede pelos quartos dessa fracção.

25. (eliminado) 26. (eliminado)

27. (eliminado)

28. No dia 16 de setembro de 2019 os RR. compareceram no Cartório Notarial de ... de FF e declararam que pela escritura de compra e venda junta como doc. 1 com a PI vendem ao Autor, que por sua vez declarou aceitar, pelo preço declarado de €750.000,00 que declararam já ter recebido, "a fracção autónoma, individualizada pela letra "S" que constitui o Bloco C - terceiro piso (2º. andar) um fogo designado pela letra A, com um estacionamento para carro designado pelo nº. 24 e uma arrecadação designada pelo nº. 18, localizados no primeiro piso (cave) do bloco B, do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, situado na Quinta ..., concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ...-1 sob o número ... da freguesia de ..., submetido ao regime da propriedade horizontal conforme Ap. 43 de 1997/04/21 e registada a aquisição a favor de BB e mulher GG pela AP. 23 de 1998/09/09; (alterado)

29. Mais declararam que o prédio se encontra inscrito na matriz da União das Freguesias de ... e ... sob o artigo ...21, sendo de 227.542,70€ o valor patrimonial da designada fracção autónoma;

30. Que sobre o identificado prédio subsiste registada uma servidão pela Ap. 11 de 1988/05/06".

31. Que o identificado bem pertence aos vendedores em comum e sem determinação de parte ou direito, em virtude de terem sido os únicos herdeiros da titular inscrita, conforme resulta do procedimento de habilitação de herdeiros n.º13/2017 da conservatória do registo comercial de ....

32. Pela Ap. 1129 de 2019/09/16 foi inscrita na 1.ª Conservatória do registo Predial de ... a aquisição da fracção por compra a favor do A..

33. O 1.º R. não disse ao A. antes da celebração da escritura que as alterações às telas finais referidas em 12, 13, 16, 19 e 20 não estavam licenciadas pela Câmara Municipal de ..., tendo o A. comprado convicto que estava tudo legal.

34. Ainda em abril de 2019, e enquanto decorriam as negociações que viriam a materializar-se na venda acima referida, o 1º R. disponibilizou ao A., a pedido deste, e por e-mail, planta do “duplex com envolventes” relativa a “fracção de habitação” e ao “desvão de cobertura” junta com Doc. 3 com a PI, bem como a licença de habitação. (alterado)

35. Disponibilizou igualmente, o R. BB ao A, a 18 de Abril de 2019 um quadro que enumerava as divisões de que o apartamento se compunha e respetivas áreas, designado de “Área do Apartamento de BB sito na Rua ... (Doc. 4 junto com a PI);

36. Tendo este R, posteriormente, emendado a área da cozinha de 24,06 m2 para 14,80 m2, passando a área coberta do apartamento a ser de cerca de 220m2.

37. Era intenção do A., após a escritura de aquisição da fracção, vir a proceder a obras de remodelação e adaptação no interior da fracção, pelo que se afigurava importante facultar aqueles elementos ao gabinete de arquitetura que iria encarregar-se do projecto de remodelações.

38. Nos meses anteriores à celebração da escritura, o A. deslocou-se em inúmeras ocasiões ao apartamento, umas vezes só, outras acompanhado da mulher e filhos, e outras ainda, acompanhado dos arquitetos que procederam às medições indispensáveis ao levantamento das áreas e elaboração das plantas sobre as quais iriam trabalhar, sempre na presença do 1º R, que aí residia.

39. O A. queria fazer melhoramentos na cozinha, casa de banho, salas, quartos, pavimentos, queria mudar a forma como se entrava para a sala, queria mudar a localização da escada de acesso ao mezanino, e fazer uma casa de banho a seguir à biblioteca referida em 19.

40. O A. não submeteu as obras que pretendia fazer a controlo prévio da Câmara Municipal de ....

41. As chaves da fração foram entregues pelo 1º R. ao A. na data da escritura a 16.09.2019, ficando a mesma na sua inteira disponibilidade a partir de 23.09.2019 data em que os RR. concluíram a mudança. (alterado)

42. No dia 22/01/2020 a administração do condomínio enviou ao A. a comunicação junta como doc, 7 com o requerimento ref.ª 40182470 onde, além do mais, comunica-lhe que “tomamos conhecimento do email e duração da obra, apesar de não termos respondido ao email, o que desde pedimos desculpa. Contudo venho informá-lo que hoje recebemos várias reclamações sobre as obras que estão a ser efetuadas, nomeadamente da condómina do RC cujo e-mail transcrevo: «Este ano é a segunda vez que chego a casa e tenho pedaços de tijolo na cozinha em cima da placa que se encontra por baixo da chaminé. Não sei o que provoca esta queda de tijolo, mas estou a ficar preocupada com a situação. Agradeço que seja analisado urgentemente o estado da chaminé da minha fracção(…)» Além desta condómina os restantes condóminos estão a colocar em causa a segurança das obras que estão a ser efetadas na fracção de V. Exa.. Perante o edifício e restantes fracções dado à maquinaria utilizada na mesma e constantes vibrações do edifício alguns condóminos tem receio das fissuras que estão a aparecer na fachada do prédio. Assim sendo solicitamos com a maior brevidade possível o envio da comunicação prévia de tais obras à Câmara Municipal de ... bem como do projecto de arquitectura das devidas alterações. Entretanto pretendemos que V. Exa. nos acesso ao apartamento a fim de verificarmos as referidas obras amanhã pelas 10h00(…)”

43. Nessa altura o A. estava a transformar o closet sito no terraço referido em 18. em casa de banho, e a abrir um buraco na Laje de betão armado situada sobre o 2.º piso para colocar uma nova escada de acesso ao mezanino e retirar a em caracol.

44. O A. autorizou a visita à sua fracção ainda em Janeiro de 2020, à administradora do condomínio e à condómina EE, e a entrada na mesma do proprietário do 1.º A do Bloco C, que tirou fotografias.

45. Na altura a condómina EE disse ao A. que o terraço referido em17., que o A julgava ser parte integrante da fracção que adquiriu, era parte comum, compropriedade de todos os condóminos e que não estava licenciada construção de divisões no mesmo, mais o informou que tinha havido uma decisão judicial nesse sentido.

46. O A. confrontou o 1º. R com o dito pela condómina e este confirmou que era verdade ter corrido o processo em causa, tendo posteriormente enviado ao A, por e-mail, datado de 06.02.2020, cópia do Acórdão da Relação de Lisboa, transitado em julgado (cfr. docs. 6 e 7 juntos com a pi).

47. Correu termos o processo 3434/04.8... no ....º juízo Cível de ... em que foi A. HH e RR o 1.º R. e a sua então mulher.

48. Nesse processo, na sequência do Acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, foi dado como provado que a fracção S era constituída por três divisões assoalhadas, uma cozinha, duas casas de banho, um vestíbulo e corredor, dois terraços e varandas e uma garagem (facto E).

49. Mais foi dado como provado que: g. o local de onde provinham os mencionados ruídos e movimentações consistia num terraço interior aberto no meio do telhado, com acesso pelo menos por um dos quartos da fração dos réus. h) os réus cobriam tal espaço, o qual era semi-coberto, com telhas e com duas janelas tipo Velux, assim fechando este espaço-vão; (…) m).o acesso aos terraços referido em E. é pela fracção dos réus, encontrando-se sobre a placa de betão”.

50. Consta da mesma decisão que “estando o terraço sobre a placa de betão vai cobrir a fracção do A., pelo que o mesmo faz parte integrante da estrutura do edifício, sendo por isso de qualificar como “parte comum”, não obstante ao mesmo ser possível o acesso pelo interior da fracção “S” pertença dos recorrentes”.

51. Nesse processo foram “os RR. condenados á restituição ao condomínio da parte por si ocupada”.

52. o Réu BB e a sua mulher reconheceram perante os demais condóminos a qualificação do terraço como parte comum.

53. O Réu continuou com o uso exclusivo daquele espaço, que embora tenha sido considerada como área comum, sempre teve acesso único e exclusivo pela fracção propriedade do Réu.

54. O A. estava convicto aquando da aquisição da fracção que o espaço fechado referido em 19 era parte integrante do andar que adquiriu aos RR, e não parte comum.

55. No dia 06/03/2020 foi enviado à ... pelo proprietário do Bloco C, 2.º A acompanhado em anexo por levantamento fotográfico, uma exposição referente a obras em curso no 2.º A da Rua ....

56. Após o levantamento do estado de emergência, ocorrido em 4 de Maio de 2020 e em resultado de denúncia, funcionários da Câmara Municipal de... – Fiscais da DFEI (Divisão de Fiscalização de Edifícios e Infraestruturas) II, JJ e KK e o Técnico Superior LL levaram a cabo a 21 de Março de 2020 uma inspeção à obra em curso.

57. Pelo técnico MM do Departamento de Polícia Municipal e Fiscalização da CM ... – Divisão de Fiscalização de Edifícios e Infraestruturas no dia 22/05/2020 -foi elaborada a informação de Serviço n.º ...3/.../DPFI/RB/2020 onde além do mais, informou que Sumário da pretensão: 1.1. No dia 06/03/2020 foi enviada à ... pelo proprietário do do 1.º A do bloco C, 2.º A, acompanhada em anexo por levantamento fotográfico, uma exposição referente às obras em curso no local acima referido nomeadamente “inúmeras alterações como por exemplo tubagens de arejamento dos apartamentos vizinhos arrancadas, placas de betão destruídas, canalizações deslocadas da prumada original, etc.” (…) ponto 2.2- a partir da comparação das telas finais com o estado actual da fracção constatou-se existirem fortes indícios que parte das irregularidades urbanísticas detectadas foram executadas aquando da construção do edifício: 3.Irregularidades urbanísticas relevantes detetadas na fracção 2.º A com base no referido ponto 2. e levantamento fotográfico enviado em 06/03/2020: 3.1demolição parcial da laje de betão armado situada sobre o 2.º piso em vários locais da fracção; 3.2 aproveitamento do espaço situado entre a laje sobre o 2.º piso e a Laje de cobertura correspondendo a um “aumento de 83,6 m2 de área de construção, criando-se um piso ou sótão” (piso superior ); 3.3 aproveitamento do espaço situado entre a Laje sobre o 1.º piso e a cobertura correspondendo a um aumento de cerca de 31,7 m2 de área de construção, aumentando-se a superfície de pavimento do piso 2”; 3.4 demolição ou alteração parcial da laje de cobertura em vários locais, executando-se 3 claraboias (tipo velux) no 2.º piso ou sótão; 3.5. demolição ou alteração parcial da laje de cobertura em vários locais, executando-se 2 claraboias (tipo velux) no 3.º piso ou sótão; 3.6. Execução de 1 vão de janela do alçado sul com cerca de 1,1m2 ao nível do 3.º piso ou sótão; (…) 4. legislação pertinente relativamente ao disposto no ponto3.: As alterações às telas finais referidas no ponto3 são sujeitas a controlo prévio nos termos do art.º 4.º do DL 555/99 de 16/12 com redacção vigente (RJUE) 5. Assim, propõe-se à consideração superior: 5.1.com base nas irregularidades referidas no ponto 3. e fundamentadas no ponto 4 desencadear os mecanismos legais aplicáveis com vista à reposição da legalidade urbanística nos termos do RJUE; 5.2.dar conhecimento do disposto da presente informação e decisões superiores resultantes à Administração do condomínio; 5.3 dar conhecimento à reclamante do disposto no presente informação e decisões superiores dai resultantes ao autor da exposição/denuncia (…)”

58. Foi determinado pelo Sr. Presidente da CM de ... em 26/05/2020, além do mais, o seguinte: Considerando que:

a) Segundo a participação elaborada em 25/05/2020 pela Divisão de Fiscalização de Obras e Infraestruturas (…) constatou-se que estão presentemente em curso na Rua ..., as obras suficientemente descritas e caracterizadas na referida participação;

b) As obras em referência foram qualificadas como obras sujeitas a controlo prévio, porque não enquadráveis na previsão dos artigos 6.º e 6.º A do Regime jurídico da Urbanização e Edificação, aprovado pelo DL 555/99 de 16 de dezembro, com as alterações introduzidas por último, pelo DL 214-G/2015 de 02 de Outubro;

c) As referidas obras estão a ser executadas sem os necessários atos administrativos de controlo prévio (art.º 102.º, n.º1, al. a) do RJUE) em violação do disposto no artigo 4.º, n.º4 da alínea c) do RJUE;

d) Compete ao Presidente da Câmara, nos termos da alínea k) do n.º2 do artigo 35.º, da lei n.º 75/2013 de 12 de Setembro, na redacção da lei n.º 25/2015 de 30 de março, conjugada com o n.º 1do artigo 102.º-B do RJUE, ordenar o embargo de obras quando estejam a ser executados sem necessária licença ou comunicação prévia, em desconformidade com o repectivo projecto ou com as condições de licenciamento ou comunicação prévia, salvo o disposto no artigo 83.º, ou em violação das normas legais e regulamentares aplicáveis;

e) No uso dos poderes que me são conferidos pelas normas citadas, Determino:

1.Ao abrigo do art.º 102.º B do RJEU se proceda ao embargo, pelo prazo de 2 anos, das obras em curso na Rua ..., propriedade de NN, devendo proceder-se, caso necessário, à selagem do respectivo estaleiro de obras.

2.notifique-se este meu despacho ao responsável pela direção técnica da obra, bem como, se possível ao proprietário do imóvel (…)

5.Mais notifique-se de que deverão ser tomadas medidas necessárias para, no prazo de 30 dias, repor a situação que existia antes da realização das obras ilegais e objecto do embargo, sob pena de o procedimento administrativo prosseguir com vista à aplicação das medidas de tutela e reposição da legalidade urbanística mais adequadas, de entre a previstas no art.º 102.º, n.º2 do RJEU, incluindo a demolição das obras ilegalmente realizadas; (…)

8.Comunique à EDP e à Águas de ... para interrupção dofornecimento às obras embargadas de eletricidade e água, respetivamente; 9. Comunique-se à Autoridade Tributária para atualização do IMI, caso das

obras realizadas tenha resultado ampliação da área habitável e à Conservatória do Registo Predial para registo do embargo”.

59. No dia 25/06/20 foi o A. notificado do início do procedimento (art. 110.º CPA), legalização de operação urbanística (art.º 102º A RJUE) Audiência de interessados (art.º 121.º, ss do CPC em cumprimento do despacho de 15/06/2020 para no prazo de 30 dias úteis promover a legalização da operação urbanística ou caso não tenha interesse na legalização ou o pedido tenha sido indeferido a apresentar no prazo de 15 dias as suas alegações escritas (…)” (doc. 8).

60. Em 21 de Março de 2020, os fiscais da Câmara quando se deslocaram ao local, confirmando que apenas em duas semanas as obras "se encontravam na presente data, numa fase mais avançada, quando comparadas com a situação existente aquando a realização do levantamento enviado a 6/3/2020. Por exemplo, as partes da laje do teto do piso demolidas foram, entretanto, executadas, não existindo, no entanto, quaisquer dúvidas que se procederam a obras de demolição parciais nesta" (cfr. o documento da Câmara Municipal de ..., junto pelo Autor como doc. nº 10).

61. Em Junho de 2020, e a pedido do A., teve lugar na Câmara Municipal de ... reunião com a presença, por um lado, de funcionários dos departamentos de urbanismo e de fiscalização de obras da autarquia, e por outro, do A. e dos arquitetos OO e PP, por este contratados.

62. Nessa reunião, o A e os referidos arquitectos foram informados de que o índice de construção previsto no alvará de loteamento para o condomínio de que faz parte a fração adquirida pelo A. estava esgotado pelo que a área constante do piso superior-mezzanine- bem como do terraço referido em 17. não estavam nem podiam ser licenciadas para nenhum tipo de uso.

63. A Arquiteta QQ, foi contratada pelo A. para submeter à Câmara Municipal de... o projeto de licenciamento indispensável à reposição da legalidade urbanística.

64. Como lhe havia sido transmitido na referida reunião camarária, e por forma a obter o levantamento do embargo e a conclusão da obra, terá o A. de submeter um processo de junto da ... a fim de corrigir as desconformidades, entre o construído / utilizado e o constante das telas finais, referidas em 57.

65. RR da administração do condomínio enviou ao A. as telas finais via whatsApp no dia 3 de Fevereiro de 2020 juntas como doc. 10 com o req.º ref.ª ...70.

66. No dia 21 de Março de 2021 o A. solicitou à CM ... informação “sobre a viabilidade de aumentar a área de construção no lote “CT3” integrado no alvará de loteamento n.º ...58 e ...46 onde está edificada a fracção por si adquirida.

67. Em resposta pela Arquitecta SS da Divisão de licenciamentos de Operações de Loteamentos, Departamento de Licenciamentos urbanísticos foi o A. informado por email de 24/03/2021 que era inviável a pretensão porque “de acordo com o Plano director Municipal de ..., publicado em ... de Junho de 2015 no Diário da República n.º 7212-B/2015 a área em causa está classificada como solo urbano abrangido em termos de qualificação por solo urbanizado inserido na categoria de espaço residencial, subcategoria de espaço residencial singular e turístico subordinar-se aos parâmetros nas respectivas licenças e alvarás pelo que não é viável promover qualquer alteração aos títulos em vigor(…)”

68. o A. está obrigado a repor a legalidade urbanística com respeito pelas telas finais sem o que não poderá obter o levantamento do embargo em vigor e concluir a obra.

69. A demolição do piso superior- mezanino, determinará a diminuição o valor de mercado da fracção do A. dada a menor área que efetivamente pode ser utilizada, menos 83,6 m2.

70. O A propunha-se, uma vez as obras concluídas, utilizar o apartamento para casa de morada de família, constituída por si, pela sua mulher e por dois filhos menores, um rapaz e uma rapariga, e afetar o piso superior da fracção, composto de dois quartos e uma casa de banho, aos dois filhos menores do casal, o que não poderá fazer.

71. O que se traduz num enorme desgosto para si, dadas as expectativas que tinham criado em relação a viver fora de ..., do largo ..., onde habitam, numa perspectiva de vida saudável que o A. pretendeu criar para si e para os seus com a aquisição da habitação objecto dos presentes autos.

72. O A e os seus familiares têm que continuar a ter residência no centro de ..., pelo menos até ao levantamento do embargo, com índices de poluição e de ruído maiores e maiores dificuldades de circulação de trânsito e de estacionamento do que no local onde se situa a fracção em causa nos autos.

73. O A. ansiava que a sua família, nomeadamente nos seus filhos menores de pudessem disfrutar mais dos espaços verdes, da praia e fazer actividades, tais como andar de bicicleta ao ar livre, o que ainda não se concretizou.

74. Todos estes factores conduziram a que o A. ficasse desgostoso e desgastado.

75. Se o A. tivesse tido consciência da verdadeira área útil de construção da fração, antes da outorga da escritura, tê-la-ia adquirido embora por preço inferior, correspondente à diferença entre a área útil construída e a área útil de construção licenciada, que só veio a verificar após a escritura.

76. Chegou a ser marcada uma reunião do condomínio, em inícios de 2020 para tratar do assunto das obras que o A. estava a realizar na fracção e nessa altura o A. disse na reunião que se os condóminos quisessem que fizessem queixa à Câmara Municipal de ....

77. O que o condómino do 1.ºA do Bloco C fez, tendo, na sequência de exposição por ele apresentada, os fiscais do Departamento de Fiscalização dos Edifícios e Infraestruturas Câmara se deslocado à fracção conforme referido em 56.

78. O Autor sempre soube da adaptação da zona da piscina a jacuzzi referidaem 23, adaptação, que valorizou a fracção.

79. Por TT perita avaliadora do Avaliador Imobiliário, R..., foi avaliada a fracção do A. sem aceder ao seu interior, mas tendo por base as áreas constantes da caderneta predial urbana (108,6m2 de área bruta privativa e 23,07m2 de área bruta dependente), concluindo que, á data de 29 de Novembro de 2021 o imóvel tinha o valor de mercado de €788.300,00, correspondendo a área habitacional ao valor de 6.800,00€/ m2 e a área dependente a 2.178,00€/m2.

2.3.- A venda de coisa defeituosa e a redução do preço

Há venda de coisa defeituosa sempre que a coisa vendida sofrer vícios ou carecer de qualidades abrangidas no art.913 do CC, quer a coisa entregue corresponda ou não à prestação a que o vendedor se encontra vinculado.

Os direitos conferidos pelos arts.913 nº1 e 914 nº1 CC pressupõem a existência de defeitos, sendo indispensável a demonstração de que resultam do cumprimento defeituoso da prestação.

Verifica-se identidade na noção de defeito no regime da compra e venda e na empreitada, podendo decompor-se em “deformidade” e “vício “. O vício apresenta-se como “deficiência ou alteração na forma, na estrutura da composição da coisa que resulta da sua concepção, execução, produção, fabrico”, e a deformidade como desvio relativamente ao acordo das partes”. No fundo, em qualquer caso, o defeito resulta de dois aspectos: desvio relativamente ao acordo das partes, nomeadamente quanto a qualidades especiais da coisa; vício que ponha em causa (ainda que parcialmente) a finalidade da coisa” (Pedro Martinez, “Compra e venda e empreitada”, Comemorações dos 35 Anos do Código Civil, vol.III, pág.246).

Noutra perspectiva, adopta-se um “conceito funcional de defeito” em que se “privilegia a idoneidade do bem para a função a que se destina”, a partir de uma concepção subjectiva de defeito (as partes determinaram no contrato as características fundamentais da coisa e o fim) ou de uma concepção objectiva (função normal das coisas da mesma categoria) (cf. Calvão da Silva, Compra e venda de Coisas Defeituosas, 4ª ed., pág.42 e segs.).

Segundo a teoria da norma, compete ao credor o ónus da prova do incumprimento (lato sensu), abrangendo o cumprimento defeituoso, embora com as especificidades no caso do regime da venda de coisa defeituosa (art.913 e segs. CC), ou seja, cabe-lhe demonstrar o defeito, mas não a sua causa, visto ser o vendedor quem está em melhores condições para o fazer.

Por isso, sempre que o bem vendido não tem a qualidade, explicita ou implicitamente assegurada, a prestação é defeituosa sendo que quanto ao regime jurídico do cumprimento inexacto na compra e venda, debatem-se duas teorias – “a teoria da garantia” e a “teoria do cumprimento”. Segundo determinado entendimento, o nosso direito consagra o compromisso entre ambas as teorias, já que, por um lado, nos termos dos arts.905 e 913 CC, o comprador tem o direito a anular o contrato por erro ou dolo, verificados os requisitos legais da anulabilidade, e, por outro, a regulamentação da venda de coisa defeituosa prevê o direito do comprador à redução do preço, reparação ou substituição da coisa, ou seja, a acção de cumprimento.

Na situação dos autos, em 16/9/2019, o 1º Réu e a sua falecida esposa venderam ao Autor a fracção do Bloco C, 3º piso ( 2º andar ), pelo preço de € 750.000,00, com área de 220 m2. Contudo, a área útil de 83,6 m2, correspondente a um 3º piso (mezanino) fora ilegalmente construída.

Não se tratando de venda de bem de consumo (Lei nº24/96 de 31/7, DL nº67/2003 de 8/4), porque o Autor não é consumidor, não tem directa aplicação o regime específico da defesa do consumidor, e o nível mais elevado de protecção. Por outro lado, não sendo os vendedores os construtores do imóvel, também não se aplica o art.1225 CC.

Estamos perante venda de coisa defeituosa porque a venda contém o vício da deformidade, pois a venda não respeitou o programa de prestação, dado que a ilegalidade da construção consubstancia um defeito, na acepção definida. Na verdade, uma construção ilegal, susceptível de ser demolida desvaloriza a casa de habitação e não tem as qualidades necessárias (exigidas por lei) para a realização do fim a que a coisa se destina.

O Autor pediu a redução do preço (art.911 CPC), e a sentença deferiu a pretensão do Autor e reduziu o preço em € 276.125,00.

Já a Relação afastou o direito à redução do preço quanto à construção da mezzanine (83,6 m2), com a seguinte argumentação:

“Relativamente à situação da mezanine não se vê que os RR. tenham tido um comportamento censurável, ocultando alguma informação ou que tivessem a obrigação de assegurar ao A. a legalidade ou licenciamento de tal construção que não foi por si realizada, sendo uma realidade que já fazia parte da fração quando o 1ºR. adquiriu o imóvel, por ter sido feita pelo construtor.

O erro do A. sobre a regularidade de tal construção não é imputável aos RR. nem pode dizer-se que foi determinado pelo seu comportamento ativo ou omissivo. Por um lado, não se vê que os RR. pudessem razoavelmente prever que o A. não poderia continuar a retirar as mesmas utilidades da referida mezanine, enquanto área útil de aproveitamento do imóvel e parte integrante deste; por outro lado, não se apurou que tivesse existido qualquer comportamento seu suscetível de enganar o A. sobre aquela construção.

Quanto a esta situação de erro do A., que estava convencido que a área da construção da mezanine estava legalizada, não podemos dizer que existe incumprimento do contrato pelos RR. nem tão pouco que aturam com dolo ou mesmo negligência, de modo a atribuir-se-lhes alguma culpa no erro em que o A. incorreu ao assim considerar”.

O Autor objecta dizendo que a norma do art.911 CC, sendo norma de garantia, não está sujeita ao regime geral do cumprimento defeituoso, de modo a exigir a culpa. Em todo o caso, a culpa é presumida (art.799 nº1 CC), para além de estar provada a culpa por confissão judicial do facto alegado no art.41 da contestação.

Sabe-se que a acção de redução do preço (arts.911 e 913 CC) é justificada, não pelo erro, mas pelo desequilíbrio das prestações, e não se fundamenta na teoria da garantia a postergar a culpa do devedor.

Contrariamente ao alegado pelo Autor, baseando-se no douto parecer junto aos autos, o direito de redução do preço, previsto no art.911 e 913 CC) exige a culpa do devedor (culpa efectiva ou presumida).

Na verdade, no nosso sistema jurídico a responsabilidade contratual fundada no cumprimento defeituoso pressupõe a culpa (responsabilidade subjectiva).

É certo que nos arts.909 e 921 CC prevê-se excepcionalmente uma situação de responsabilidade objectiva, mas a redução do preço não configura uma obrigação de indemnização, e muito menos foi dada garantia de bom funcionamento. Assim, a redução do preço, nos termos do art.911 CC, postula a culpa do devedor (cf., Pedro Martinez, O Cumprimento Defeituoso, pág.301, 310).

Porém, funciona aqui a presunção de culpa do art.799 nº1 CC, pelo que incumbia aos Réus provar que o cumprimento defeituoso da prestação não procede de culpa. Entende-se que esta presunção (juris tantum ) de culpa pode ser ilidida, pelo devedor, através da alegação e prova de que actuou com a diligência exigível, ou através da alegação e prova de que o não cumprimento se deve a uma causa estranha – seja uma causa de força maior, um facto do próprio credor (lesado) ou facto de terceiro.

Considerando a factualidade apurada, verifica-se que os Réus não ilidiram a presunção de culpa.

Está demonstrado que foi o construtor do imóvel quem introduziu uma mezanino ou mezzanine, correspondente a um andar intermédio ( cf pontos 12 13), e que o fez em todos os apartamentos das coberturas dos três blocos ( 14), que assim as vendeu ( 15) sem ter procedido à legalização das alterações ( 17). O Autor está impedido de legalizar o piso superior mezzanine, por não poder ser licenciado para nenhum tipo de uso (cf. 62), e está obrigado a repor a legalidade urbanística com respeito pelas telas finais sem o que não poderá obter o levantamento do embargo e concluir a obra (cf. 68). O 1º Réu não disse ao Autor, antes da celebração da escritura que as alterações (referidas em 12, 13, 16, 19 e 20) não estavam licenciadas pela Câmara Municipal de ... tendo o Autor comprado convicto que estava tudo legal. (cf. 33).

Para afastar a presunção de culpa não basta argumentar com o facto da construção do andar intermédio sem a devida legalização ter sida realizada pelo construtor (que vendeu o apartamento) – tópico aduzido no acórdão-, tornando-se necessária a demonstração de que os Réus, aquando da venda ao Autor, desconheciam efectivamente de que se tratava de uma obra ilegal.

A circunstância de a sentença ter dado como não provado que “O Réu informou o Autor que o construtor não tinha procedido à legalização das alterações referidas em 12, 13, 16, 19 e 20” não pode resultar a prova do contrário.

O Autor alega na revista estar provado por confissão judicial o conhecimento pelo Réu de que o construtor não tinha procedido à legalização das alterações (construção da mezzarine) junto da Câmara Municipal, para concluir pela culpa do Réu. Os Réus contra-alegaram dizendo que a confissão importa uma alteração da matéria de facto que não pode ser objecto da revista, e a considerar-se qualquer confissão, nunca a mesma foi expressamente aceite.

Os Réus alegaram no art.41 da contestação que - “O construtor não tinha efectivamente procedido à legalização dessas alterações junto da Câmara Municipal, tendo o Réu informado dessa situação o Autor que dela ficou perfeitamente ciente”.

A sentença deu como não provado que “b) o Réu informou o Autor que o construtor não tinha procedido à legalização das alterações referidas em 12, 13, 16, 19 e 20”, e a Relação manteve o facto, desatendo a alteração.

O Autor ao pretender na revista que se dê como provado este facto, invoca violação do direito probatório material, pois sustenta estar provado por confissão judicial, com força probatória plena, situação que pode fundamentar a revista (art. 674 nº3 CPC).

A declaração confessória do conhecimento pelos Réus do defeito (não legalização das obras pelo construtor) configura uma declaração tácita (art.217 CC) porque se concluiu da alegação expressa do art.41 da contestação, já que alegando-se ter informado o Autor dessa situação é manifesto (concludente) ter dela conhecimento.

A alegação do art.41 da contestação constitui uma confissão judicial espontânea complexa (arts.352, 355 nº1 e 2 e 356 nº1 do CC), visto que conjuntamente com a confissão de certo facto que lhe é desfavorável (confissão tácita do conhecimento do defeito) invocou facto impeditivo, modificativo ou extintivo do direito exercitado na acção (conhecimento pelo Autor). Ou seja, conjuntamente com a confissão de certo facto (conhecimento de que o construtor não procedeu à legalização da alteração junto da Câmara Municipal) invocaram facto impeditivo do direito exercitado na acção (o Autor teve conhecimento do defeito)).

Mas porque o regime da indivisibilidade (art.360 do CC) não é aplicável à confissão judicial complexa efectuada pelo réu na contestação, o autor continua a ter de provar os factos constitutivos do seu direito (excluídos aqueles que tiverem sido confessados) e o réu os respectivos factos impeditivos, modificativos ou extintivos (cf., neste sentido, Lebre de Freitas Confissão, pág.218 e segs; Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, pág.293).

Ao contrário da confissão, simples, a declaração complexa só faz prova depois da contraparte se pronunciar, pelo que o efeito da confissão é diferido com a aceitação da parte contrária ou do seu silêncio.

A parte contrária à confitente pode assumir uma das três posições:)(1) prescindir da confissão, não tendo a mesma a eficácia da prova plena, mas apenas como meio de prova sujeito à livre apreciação do julgador; (2) aceitar como tendo-se verificado os factos e as circunstâncias que lhe são desfavoráveis, ganhando, então, a confissão a eficácia de prova plena; (3) declarar que se quer aproveitar da confissão, mas que se reserva o direito de provar a inexactidão dos factos que lhe são desfavoráveis, caso em que a confissão adquire também a eficácia da prova plena, mas a realidade de tais factos ou circunstâncias que a ela, parte contrária, são desfavoráveis só ficará completamente estabelecida se não fizer a prova do contrário.

Verifica-se que o Autor perante a alegação do art.41 da contestação nada disse na resposta, mas, quando a parte contrária nada diz, deve entender-se o silêncio como aceitação da confissão sob reserva de prova em contrário dos factos que lhe são desfavoráveis (cf., Lebre de Freitas, loc cit., pág.203; Luís Pires de Sousa Direito Probatório Material, pág. 103).

Tendo os Réus confessado o seu conhecimento da falta de legalização das alterações por parte do construtor/vendedor, mas acrescentando que disso informaram o Autor, incumbe a este provar que os Réus não lhe deram conhecimento se quiser aproveitar-se da confissão, o que logrou obter, pois provou-se ( ponto 33 ) que “ O 1.º R. não disse ao A. antes da celebração da escritura que as alterações às telas finais referidas em 12, 13, 16, 19 e 20 não estavam licenciadas pela Câmara Municipal de ..., tendo o A. comprado convicto que estava tudo legal”.

Por conseguinte, deve dar-se como provado o facto alegado no art.41 da contestação no sentido de que - “o 1º Réu teve conhecimento de que o construtor não tinha efectivamente procedido à legalização dessas alterações junto da Câmara Municipal”.

No entanto, este facto, por si só, não comprova a culpa efectiva com vista à redução do preço, pela simples razão de que não está demonstrado em que momento é que o Réu teve conhecimento de tal facto, nomeadamente se foi antes da escritura de compra e venda com o Autor (aquando da negociação) ou só depois dela.

Neste contexto, o que é decisivo, para o efeito, é a circunstância dos Réus não haverem ilidido a presunção de culpa postulada no art.799 nº1 CC, conforme já anotado.

Afirmado o direito à redução do preço, vejamos agora a questão a caducidade, suscitada pelos Réus no recurso subordinado.

2.4.- A caducidade do direito do Autor

Não se tratando de uma venda de consumo, regulada pelo regime do DL nº 67/2003, nem se aplicando o art.1225 do CC, porque o vendedor não é o construtor, os prazos de caducidade são os previstos nos art.916 CC - o prazo de garantia (supletivo) de 5 anos, contados a partir da entrega do imóvel ao adquirente e o prazo da denúncia de 1 ano a contar do conhecimento do defeito (art.916 nº3 CC).

A sentença recorrida julgou improcedente a excepção da caducidade quanto à denúncia dos defeitos por entender que o Autor apenas teve conhecimento dos defeitos em finais de 2020 e Maio de 2020, justificando, a dado passo:

“No caso dos autos, como é evidente, não bastava o A. conhecer o imóvel com todas as suas divisões e aproveitamentos, era necessário que o A. soubesse que as operações urbanísticas em causa nos autos não estavam licenciadas pela câmara nem consagradas nas telas finais, e que fosse logo percetível para o A. que a área do terraço aproveitada fosse parte comum, o que não se provou, porquanto, encontrando-se a mesma fechada e integrada na fracção não era aparente, no confronto com a demais composição da fracção, porquanto o espaço fechado deixa de ser um terraço, por natureza, aberto, pelo menos em parte, além de que nem na descrição no registo predial nem na escritura de constituição de propriedade horizontal se faz referência aos terraços como partes comuns, sendo omissa qualquer menção a tal.

O conhecimento adveio para o A. em final de Janeiro de 2020 aquando da visita e da conserva da condómina EE e, com certeza, na data de 06.02.2020, quando lhe foi dado a conhecer o Acórdão da Relação mencionado nos factos provados.

E quanto aos defeitos referidos na alínea b), o A. tomou deles conhecimento em 22.05.2020 quando, durante a vistoria camarária efetuada ao imóvel, o Arquiteto MM informou o A. que quer o aproveitamento do terraço quer a mezzanine, não estavam licenciadas e que por isso esse aproveitamento era ilegal, o que impossibilitava a sua utilização, o que foi confirmado oficialmente através do Despacho camarário e respetiva Informação de Serviço da autoria do Arquiteto MM de que foi o A. notificado a 28.06.2020 ( Docs. 9 e 10 da p.i. ).

Assim, atenta a data em que os RR foram citados e em que deduziram contestação, não podemos deixar de considerar que não se verifica a excepção de caducidade”.

A Relação confirmou a decisão e a argumentação, explicitando o seguinte:

No caso concreto, os defeitos invocados pelo A. como fundamento para a redução do preço que reclama, resultam da circunstância do imóvel que o mesmo conhecia na sua realidade física, não se encontrar legalizado em todas as suas partes construídas, o que o impede de tirar partido de todas as divisões que nele existiam e de delas retirar todas as utilidades que tinha em vista.

É evidente, como resulta dos factos provados, que o A. tinha conhecimento da fração no estado em que ela se encontrava antes da venda, já que a visitou mais do que uma vez, sabendo da sua estrutura física, das divisões que tinha e da sua área utilizável. O que não veio a apurar-se foi que o mesmo sabia da falta de lincenciamento da mezanine que nele se integrava, nem tão pouco da falta de autorização ou legalização da obra que estava feita no terraço e que o 1º R. já havia sido condenado a restituir ao condomínio – é a irregularidade destas construções que constitui o defeito que o A. aponta no imóvel que adquiriu, sendo que estas desconformidades não são suscetíveis de ser apreendidas com a entrega do imóvel e com a disponibilidade de acesso ao mesmo.

Os factos apurados permitem dizer que o A. só teve conhecimento de que a mezanine representava uma construção ilegal por não autorizada pela ..., quando da realização da fiscalização em maio de 2020, que determinou o embargo das obras que o A. estava a levar a efeito no imóvel; e também que só teve conhecimento de que a construção que o R. havia realizado no terraço não só não estava autorizada como também existia uma decisão judicial que a visava, condenando o R. a restituir ao condomínio a parte que por si foi ocupada com tal construção, em janeiro de 2020 por informação de uma condómina, só lhe tendo sido enviada pelo R., a seu pedido, o acórdão transitado em julgado que decidiu sobre tal matéria em fevereiro de 2020.

Não pode por isso dizer-se, como pretendem os Recorrentes, que o A. teve conhecimento dos defeitos em setembro de 2019, com a escritura e entrega da fração, pelo que o prazo de um ano para a denuncia dos defeitos só começa a correr a partir de janeiro e maio de 2020, respetivamente.

Como entendeu a sentença sob recurso, improcede a exceção da caducidade suscitada, por o A. ter procedido à denúncia dos defeitos bem antes de esgotado o prazo de um ano previsto no art.º 916.º n.º 2 e 3 do C.Civil, tendo os RR. dela tomado conhecimento pelo menos através da presente ação intentada a 1 de setembro de 2020, onde o 1º R. foi citado a 14 de setembro de 2020, tendo todos os RR. apresentado contestação a 14 de outubro de 2020.”.

Os Réus, no recurso subordinado, voltam a insistir pela caducidade da denúncia dos defeitos, sem que apontem novos argumentos.

Importa referir que relativamente à caducidade ocorre dupla conforme, impedimento da revista mesmo em relação ao recurso subordinado, conforme jurisprudência fixada no AUJ de 27/11/2019 proferido no proc. n.º 1086/09.8TJVNF.G1. S1-A, com o seguinte segmento uniformizador: “O recurso subordinado de revista está sujeito ao n.º 3 do art. 671.º do CPC, a isso não obstando o n.º 5 do art. 633.º do mesmo Código.”.

Em todo o caso, a valoração feita nas instâncias não merece qualquer reparo. Em situação similar, o Ac STJ de 14/7/2016 ( proc nº 1047/12), em www dgsi – ( “Resultando da factualidade provada que os autores celebraram com a ré um contrato de compra e venda tendo por objecto um prédio urbano, correspondente a uma habitação unifamiliar, constituída por cave, rés-do-chão, mansarda e por área descoberta composta por um logradouro que, na sua totalidade, perfazia 280 m2 e que, posteriormente à compra, os autores foram instados pela Câmara Municipal a desocupar à área de 180 m2 incorporada no logradouro, tendo tal retirado aptidões ao imóvel que se repercutem não só no seu valor comercial, mas também nas potencialidades para proporcionar bem-estar e qualidade de vida aos autores e à família – que viram o espaço para as crianças brincarem reduzido substancialmente e ficaram impedidos de aí construir uma piscina e um parque infantil e de terem no local um jardim com árvores –, têm os mesmos direito à redução do preço pago na medida da desvalorização verificada e demonstrada, nos termos do disposto no art. 911.º conjugado com o art. 884.º, n.ºs 1 e 2, ambos do CC”).

2.5. A quantificação da redução do preço

O Autor pretende que a redução do preço pela mezzanine (83,5 mº2 em 220 m2) se compute em € 275.000,00, e a do terraço (21,7 m2) em € 108.060,00, no total de € 383.060,00.

Os Réus entendem que a quantificação não pode ser feita com base na equidade, por não estar provada a desvalorização do imóvel, e que devia ter sido realizada avaliação prevista no art.884 nº2 CC, ou quando muito o valor apenas poderia aferir-se em liquidação de sentença, nos termos do art.609 nº2 CC.

O Autor efectuou a redução nos seguintes termos:

Quanto ao pedido a) verificando-se que a fração inclui no piso inferior uma área de 31,7 m2, vendida como sua parte integrante, mas que, na realidade, pertence em compropriedade a todos os condóminos, o A. calcula aquela redução de acordo com a seguinte regra de 3 simples: 750 000 € X 31,7 m2 / 220m2 = 108 068 € em que: 750 000 € corresponde ao preço de aquisição da fração; 31,7 m2 corresponde à área pertencente ao condomínio; e 220 m2 corresponde à área da fração que o 1º R. indicou;

Quanto ao pedido b) o A. calcula igualmente aquela redução segundo uma regra de 3 simples: 750 000 € X 83,6 m2 / 220 m2 = 285 000 €, em que: 750 000 € correspondem ao preço pago pela fração; 83,6 m2 correspondem à área do piso superior que não pode ser utilizada; e 220m2 correspondem à área da fração que o 1º R. transmitiu.

A sentença partiu do valor declarado na escritura – € 750.000,00 para a área de 220 m2, levando em conta a possibilidade de uso (limitado – “Conquanto, não podemos deixar de considerar que em relação à parte do terraço construída e fechada o A. mantém a sua qualidade de comproprietário, além de ter acesso exclusivo a esse terraço, pelo que teremos que considerar um valor para tal que permanece na esfera jurídica do A., enquanto comproprietário, embora se trate de um minor. Quanto ao mezanino o A. continua a ter o espaço em si na sua fração, porém, embora sem qualquer uso possível demonstrado, muito menos o habitacional”.

Quanto ao terraço, em equidade fixou em 1/4 do valor pedido pelo Autor, ou seja, em € 26.750,00. Relativamente ao mezzanine considera-se justo reduzir 1/8 ao valor peticionado pelo A. o que perfaz o valor justo e equitativo de €249.375,00. O valor total da redução importa em € 276.125,00.

Importa realçar que a redução do preço não corresponde a uma indemnização, nem ao custo da eliminação dos defeitos, e está sujeita a dois limites – deve ser proporcional à diminuição do valor e não pode exceder o preço acordado.

O art.911 CC não nos diz como deve ser feita a redução, mas apenas que deve ter-se em conta a “desvalorização”, e o art.884 CC distingue consoante o preço estiver ou não discriminado por parcelas, sendo que na falta de discriminação a redução é feita por meio de avaliação.

Como elucida Pedro Martinez, na doutrina têm sido adoptados quatro métodos, devendo seguir-se o método em que a redução será determinada pela diferença entre o preço acordado e o valor objectivo da coisa com defeito (loc. cit., pág.408).

A jurisprudência segue este critério de orientação, como, por exemplo, no Ac STJ de 25/1/2005 (proc nº 04A4464), em www dgsi. – “Para determinar o montante do preço a reduzir, por via de regra, é de seguir o critério objectivo consistente na diferença entre o preço acordado e o valor objectivo da coisa, com defeito. Excepcionalmente, se se provar que há uma diferença entre o preço acordado e o valor de mercado de idêntica coisa, sem defeito, parece mais justo adoptar-se o critério que atenda a três factores: preço acordado; valor objectivo da coisa, com defeito; valor ideal do bem”.

Não tendo havido avaliação, nos termos do art.884 nº2 CC, com incidência no valor do imóvel com e sem a parte viciada, coloca-se a questão de saber se deve ser relegada para incidente posterior (art.609 nº2 CPC), como pretendem os Réus no recurso subordinado.

O acórdão recorrido, aplicando o art.566 nº3 CC sobre a obrigação de indemnização, socorreu-se da equidade. Para tanto salientou:

“No caso em presença, verifica-se que os elementos constantes dos autos nos dão algum suporte factual para que possa determinar-se o quantitativo da redução do preço, permitindo de uma forma séria e minimamente segura chegar a uma quantificação da desvalorização do imóvel adquirido pelo A. com recurso à equidade, para o que contribui decisivamente o conhecimento da área da construção que foi realizada no terraço. Além deste elemento deverá ainda levar-se em consideração que, não obstante não faça parte da fração aquela construção fechada sobre o terraço comum não integrando mais uma divisão da mesma, o A. enquanto proprietário não deixa de poder utilizar esta mesma área, por se tratar de uma parte comum do edifício de seu acesso exclusivo, podendo sempre usufruir da mesma de acordo com as suas características de terraço.

A regra de três simples que foi seguida pelo tribunal de 1ª instância, levou em conta um elemento não só importante, como determinante na fixação do valor de venda de um imóvel que é precisamente a sua área, sendo sabido que a determinação do preço de um imóvel é feita de acordo com o valor do m2 que varia de acordo com a sua localização, ainda que haja depois outros fatores que interferem com aquele.

Esta regra seguida a partir da área do imóvel, aproxima-se do critério previsto no n.º 1 do art.º 884.º n.º 1 do C.Civil, levando em consideração que foi pago o preço de €750.000,00 pela aquisição da fração que se supunha com uma área aproximada de 220m2, dele se retirando o valor correspondente à área de 31,7 m2 que dela não faz parte integrante, chegando-se à quantia de € 108.068,00.

Considera-se, no entanto, que este valor deve ser corrigido para baixo, por se constatar que o A. proprietário do imóvel continua a ter acesso exclusivo e a poder retirar utilidades desta área comum do edifício, embora diferentes daquelas que estava convencido que podia tirar, tendo-se como adequado, atentos os critérios referidos e de acordo com a equidade reduzir-se o preço da fração em € 90.000,00 (noventa mil euros), em razão de tal defeito”.

Mesmo seguindo esta lógica para o apuramento do cálculo da redução, ela não responde cabalmente à redução reportada à mezzanine, e sobretudo ao conjunto, ou seja, qual o valor objectivo do apartamento com ambos os defeitos.

A propósito da obrigação de indemnização, não é seguro que se deva proceder, desde logo, a uma quantificação com base na equidade. Não se apurando o valor exacto do dano, coloca-se a questão de saber se o tribunal pode desde logo fixar a indemnização, com base na equidade ( art.566 nº3 do CC ) ou se deveria relegar a quantificação para incidente posterior ( art.609 e 378 nº2 do CPC ) e sobre a qual existem três orientações: (1)em princípio deve ser fixada a indemnização com base na equidade, só devendo relegar-se para liquidação posterior quando houver total carência de elementos para a formulação do juízo de equidade, ou seja, “dos limites que tiver por provados”, pelo que o art.566 nº3 CC prevalece sobre o art.609 nº2 do CPC; (2), a indemnização segundo critérios de equidade só se impõe quando esgotadas as possibilidades de apuramento com base nas quais haja de ser determinado, mesmo em sede de liquidação em execução de sentença ( agora liquidação posterior ), já que a contradição entre a norma do art.566 nº3 do CC e a do art.609 nº2 ( anterior 661 nº2 ) do CPC é meramente aparente; (3)

a opção depende do juízo que, em face das circunstâncias concretas, se possa formular sobre a maior ou menor probabilidade de futura determinação, ou aquela que dê maiores garantias de se mostrar ajustada à realidade. O princípio da racionalidade para fazer face à morosidade da justiça leva a que a interpretação do art.566 nº3 do CC seja a de que se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos até à sentença e também não seja possível ou previsível determiná-lo em incidente posterior de liquidação, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados.

Acontece que na situação de redução do preço não se está propriamente a arbitrar uma indemnização, mas a restabelecer o equilíbrio das prestações, reclamado pelo princípio da justiça contratual. Assim, o apuramento da desvalorização, na situação em análise, impõe-se através da liquidação posterior (art.609 nº2 PC).

Por outro lado, não parece que a redução opere por simples operação aritmética, pois tal implicaria que a redução se faria nos termos previstos para a venda de coisas determinadas, com preço fixado à razão de tanto por unidade, prevista no artigo 887 CC (“é devido o preço proporcional ao número, peso ou medida real das coisas vendidas, sem embargo de no contrato se declarar coisa diferente.”). Ora, esta regra vale para a venda ad mesuram, em que é devido o “preço proporcional”. Para a venda ad corpus o nº2 do art.888 CC prevê a “redução ou aumento proporcional” do preço.

Neste contexto, impõe-se relegar-se para incidente posterior, através da avaliação, o apuramento da quantificação da redução do preço.

2.5. Os danos não patrimoniais

O Autor pediu a condenação dos Réus na indemnização, a título de danos não patrimoniais, computada em € 30.000,00.

A sentença condenar Réus a pagar ao Autor o montante global de €10.000,00 a título de indemnização opor danos não patrimoniais, acrescido de juros a contar do trânsito da sentença, à taxa aplicável a juros civis, até integral e efectivo pagamento.

Argumentou o seguinte:

No caso vertente, e com relevância para a apreciação desta questão, resultou provado que quando teve conhecimento de todos os problemas legais e da efectiva configuração da casa, o autor ficou surpreendido e desgostoso.

Todos sabemos, porque é facto notório, que ser confrontado, num imóvel de sua pertença, com uma situação idêntica àquela com que o autor se deparou, é fonte de incómodos e de desgosto e desgaste, sendo certo que toda esta situação não pode deixar de ter perturbado de forma sensível a vida normal do autor além de o impossibilitar de habitar a fracção mais cedo do que o previsto, sendo certo que a fracção tal qual está não satisfaz as necessidades do A. por ter dois filhos de sexo diferente e queria afectar, a cada um, um dos quartos da mezzanine, que não será possível.”.

Em contrapartida, a Relação negou ao Autor o direito de indemnização por danos não patrimoniais, com os seguintes fundamentos:

“Considera-se, tal como entendeu a sentença sob recurso que os danos não patrimoniais sofridos pelo A. que vêm essencialmente enunciados nos pontos 70 a 74 dos factos provados, têm a gravidade suficiente para merecer a tutela do direito. Os factos apurados, mostram que o A. se propunha utilizar a fração em causa como sua residência e da sua família, afetando o piso superior da fração aos seus filhos, ficando desgostoso de não o poder fazer, designadamente por não lhes permitir sair do centro de ... onde habitam numa zona com problemas de ruído, de poluição e de trânsito.

Regista-se, no entanto, que a circunstância de não o poder fazer não é imputável aos RR., na medida em que, conforme se apurou, não são os mesmos responsáveis pelo facto do A. não poder afetar o piso superior da fração, com a mezanine aos quartos dos seus filhos, inviabilizando a sua mudança de residência do centro de ... para ....

Para haver obrigação de indemnizar por parte dos RR. não basta que o A, tenha sofrido o dano, é também condição essencial que o prejuízo reclamado resulte de um facto ilícito culposo dos RR., que no que respeita à questão da mezanine não ficou demonstrado. Tem de verificar-se um nexo causal entre o facto e o dano, ou seja, um nexo de causalidade entre o facto ilícito praticado pelo agente e o dano sofrido pela vítima, de modo a poder afirmar-se, à luz do direito, que o dano é resultante da violação, nos termos previstos no art.º 562.º e 563.º do C.Civil

Na situação em presença, em razão dos factos provados e como já referido não encontramos um incumprimento contratual culposo dos RR. que em concreto tenha feito o A. incorrer em erro relativamente à obra da mezanine, suscetível de determinar a impossibilidade de o A. constituir a residência da família naquela casa, sendo que de acordo com o alegado e com os factos provados, não foi a construção no terraço comum que foi causal em relação a danos não patrimoniais sofridos”.

O Autor preconiza a indemnização fixada na sentença.

É hoje aceite a ressarcibilidade dos danos não patrimoniais no âmbito da responsabilidade contratual. O art.496 nº1 do CC postula como princípio geral da ressarcibilidade dos danos não patrimoniais aqueles que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito. O conceito de gravidade afere-se segundo um critério objectivo, implicando, todavia, o recurso ao pensamento tópico, dado o imprescindível apelo às circunstâncias peculiares do caso concreto.

O argumento invocado no acórdão sobre o incumprimento não culposo dos Réus deixa agora de fazer sentido, pois já se viu que os Réus agiram culposamente. Por isso, justifica-se a atribuição a indemnização, repondo-se, nesta parte, a sentença

2.6.- Síntese conclusiva

1. As normas que regulam o cumprimento defeituoso na compra e venda (arts.905 e segs. e 913 e segs. do Código Civil) ainda que especiais em relação às regras gerais da responsabilidade contratual (art.798 e segs. do Código Civil), não implicam uma total exclusão dos princípios gerais, funcionando ambas em regime de complementaridade.

2. Na venda de um prédio urbano, a construção ilegal de uma obra (uma mezannine correspondente a um andar intermédio, que não pode ser licenciado) susceptível de ser demolida, desvaloriza a casa de habitação por não ter as qualidades necessárias (exigidas por lei) para a realização do fim a que a coisa se destina.

3. A acção de redução do preço (arts.911 e 913 CC) é justificada, não pelo erro, mas pelo desequilíbrio das prestações. A redução do preço não corresponde a uma indemnização, nem ao custo da eliminação dos defeitos, e está sujeita a dois limites – deve ser proporcional à diminuição do valor e não pode exceder o preço acordado.

4. O direito à redução do preço, previsto no art.911 e 913 CC, exige a culpa do devedor (culpa efectiva ou presumida).

5. A redução do preço deve, em regra, ser determinada pela diferença entre o preço acordado e o valor objectivo da coisa com defeito.

6.Não tendo havido avaliação, nos termos do art.884 nº2 CC, com incidência no valor do imóvel, com e sem a parte viciada, deve relegar-se para incidente posterior (art.609 nº2 CPC) a quantificação da redução do preço.


III – DECISÃO


Pelo exposto, decidem:

1)


Julgar parcialmente procedente a revista do Autor e a dos Réus e revogar, em parte, o acórdão recorrido.

2)


Condenar os Réus a restituírem ao Autor a título de redução proporcional do preço pela venda do prédio urbano , realizada por escritura de 16 de Setembro de 2019, - fracção autónoma, individualizada pela letra "S" que constitui o Bloco C - terceiro piso (2º. andar) um fogo designado pela letra A, , em regime de propriedade horizontal, situado na Quinta ..., concelho de ..., inscrito na matriz da União das Freguesias de ... e ... sob o artigo ...21, - pela escritura de 16 de Setembro de 2019,- a quantia que se liquidar, após avaliação, em incidente posterior, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação.

3)


Condenar os Réus a pagar ao Autor, a título de danos não patrimoniais, a quantia de € 10.000,00, acrescido de juros a contar do trânsito da sentença, à taxa aplicável a juros civis, até integral e efectivo pagamento.

4)


Condenar A e Réus nas custas da revista do Autor na proporção de 20% e 80%, respectivamente.

Condenar A e Réus nas custas da revista dos Réus na proporção de 30% e 70%


Lisboa, Supremo Tribunal de Justiça, 16 de Novembro de 2023

Jorge Arcanjo (Relator)

Manuel Aguiar Pereira

Jorge Leal.