Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 4.ª SECÇÃO | ||
Relator: | MÁRIO BELO MORGADO | ||
Descritores: | RECORRIBILIDADE TRIBUNAL ARBITRAL SERVIÇOS MÍNIMOS RECURSO DE REVISTA | ||
Data do Acordão: | 11/03/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | RECLAMAÇÃO - ARTº 643 CPC | ||
Decisão: | INDEFERIDA A RECLAMAÇÃO. | ||
Sumário : |
O art. 22º, nº 1, do DL 259/2009 deve ser interpretado no sentido de que da decisão do tribunal arbitral que fixa serviços mínimos, no âmbito de uma greve, só cabe o recurso para o Tribunal da Relação, que decide definitivamente, não sendo admissível recurso de revista, salvo se for invocada alguma das situações contempladas no art. 629º, nº 2, do CPC. | ||
Decisão Texto Integral: | P. 1186/23.1YRLSB-A.S1 (reclamação - Art. 643.º, n.º 3, do CPC) MBM/RP/JG Acordam, em conferência, na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I. 1. Reclamante: Ministério da Educação. 2. Reclamados: Associação Sindical de Professores Licenciados e outras organizações sindicais do setor da educação. X X X 3. Na sequência de recurso de apelação interposto pelos ora reclamados, o Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) revogou o acórdão do Tribunal Arbitral proferido no dia 27 de Fevereiro de 2023, que deliberou, por maioria, fixar serviços mínimos. 4. Interposto recurso de revista pelo Ministério da Educação, o mesmo não foi admitido, por despacho da Senhora Desembargadora Relatora, considerando que do acórdão recorrido não cabe recurso de revista para o STJ. 5. Foi deduzida reclamação pelo recorrente, ao abrigo do art. 643º. 6. Notificado da decisão do relator que indeferiu esta reclamação, vem o mesmo reclamar para a conferência, ao abrigo dos arts. 643º, nº 4, e 652º, nº 3, dizendo essencialmente: - Considera a decisão singular que, por força do disposto no art. 22º, do DL 259/2009 de 25/11, a revista não é admissível. - Quando o recurso de revista não é admissível, o legislador di-lo em termos inequívocos (v.g. o artigo 370º, nº. 2 do C.P.C). - O sentido do artigo 22º, do DL 259/2009, é o de permitir o recurso da decisão arbitral para os tribunais judiciais. - As decisões dos tribunais arbitrais só admitem recurso quando as partes assim o tiverem convencionado (cfr. artigo 39º, nº. 4, da Lei n.º 63/2011, de 14 de dezembro), convenção por natureza inexistente na arbitragem necessária. - O artigo 22º, do DL 259/2009, visa permitir o recurso para os tribunais judiciais e assegurar a conformidade da arbitragem necessária, que regula, com o disposto no artigo 20º da Constituição. - No domínio da arbitragem voluntária, apesar do disposto no artigo 46º e nas alíneas f) e g) do artigo 59º da LAV (Lei n.º 63/2011, de 14 de dezembro), o entendimento dominante é o da admissibilidade do recurso de revista (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27.09.2018, Proc. nº 776/17.6YRLSB.S1, onde cita o Acórdão do mesmo tribunal de 10.11.2016, proferido no processo 1052/14.1 TBBCL.P1. S1). - A jurisprudência do STJ, que considera inadmissível a revista em litígios sujeitos a arbitragem necessária (cfr. o Acórdão de 26.06.2019 proferido no Proc. nº 1572/18.9YRLSB-A.S1, citado na decisão ora impugnada) surgiu em litígios emergentes de direitos de propriedade industrial, com único fundamento na urgência da decisão, pois está em causa a colocação no mercado de medicamentos de referência e medicamentos genéricos (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12.09.2019, Proc. nº 222/18.8YRLSB.S1). - No caso dos autos, este argumento não é atendível, porque os serviços mínimos são decretados para greve convocada para data que já é passado. 7. A parte contrária não respondeu. Cumpre decidir. II. 8. O art. 405°, da Lei 35/2014, de 20/06 (LGTFP), preceitua: “São subsidiariamente aplicáveis o regime da arbitragem necessária previsto na presente lei e o regime de arbitragem de serviços mínimos previsto no Decreto-Lei n.º 259/2009, de 25 de setembro”. E, nos termos do art. 22º, nº 1, deste DL 259/2009, “[d]a decisão arbitral cabe recurso, com efeito devolutivo, para o tribunal da Relação, nos termos previstos no Código de Processo Civil para o recurso de apelação”. A questão sub judice consiste em saber se a referência a “recurso (…) para o Tribunal da Relação” deve ser interpretada como estando apenas previsto um grau de recurso (sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível). 9. “Nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito” (art. 8º, nº 3, do Código Civil). Como decidiu o Ac. de 26.06.2019 desta Secção Social do STJ, Proc. nº 1572/18.9YRLSB-A.S1, a norma constante do sobredito art. 22º, nº 1, aplicável à situação em apreço, “deve ser interpretada no sentido de que da decisão do colégio arbitral só cabe o recurso para o Tribunal da Relação, que decide definitivamente, não sendo, por norma, admissível recurso de revista dos acórdãos proferidos pelo Tribunal da Relação”, salvo se for invocada alguma das situações contempladas no art. 629º, nº 2, do CPC, o que não se verifica no caso vertente. Esta interpretação – segundo a qual, neste caso, a lei faculta um único grau de recurso, para o Tribunal da Relação, excluindo-se o acesso ao STJ – está de acordo com a leitura comummente feita de normas com formulações similares ou aproximadas contidas na ordem jurídica, como é o caso, desde logo, do art. 3.º, n.º 7, da Lei n.º 62/2011, de 12 de Dezembro, que regula litígios emergentes de direitos de propriedade industrial relativos a medicamentos de referência/genéricos1, e ainda dos arts. 40º, nº 1, e 79º, do Código de Processo do Trabalho (CPT), e dos arts. 257.º, nº 2, e 559.º, nº 2, do Código de Processo Civil (CPC). Acresce que esta solução também se revela sistematicamente coerente com o regime de recorribilidade de decisões arbitrais em matéria de expropriações, dispondo o art. 66.º, n.º 5, do Código das Expropriações que, “sem prejuízo dos casos em que é sempre admissível recurso, não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão do tribunal da Relação que fixa o valor da indemnização devida”. 10. Compreende-se o regime neste âmbito instituído na lei, uma vez que, subjacente à opção pela arbitragem necessária, está o princípio da celeridade. Este princípio explica que o Decreto-Lei n.º 259/2009, de 25 de Setembro tenha estabelecido um prazo de 10 dias para a interposição do recurso, inferior até ao prazo de recurso de 15 dias previsto no CPC e no CPT para os procedimentos cautelares (até 2019, o artigo 80.º, n.º 2, do CPT, previa um prazo de 10 dias), o que deixa antever um especial imperativo de urgência/celeridade na pacificação das questões a dirimir. Tal como nos procedimentos cautelares, a admissibilidade de recurso de revista não seria compatível com a necessária celeridade. Aliás, tendo o legislador estabelecido um prazo especial de recurso para a Relação, a ter pretendido um segundo grau de recurso, não teria certamente deixado de fixar o correspondente prazo. 11. Quanto à alegação do recorrente de que a jurisprudência do STJ que considera inadmissível a revista em litígios sujeitos a arbitragem necessária “surgiu em litígios emergentes de direitos de propriedade industrial”, “com único fundamento na urgência da decisão, pois está em causa a colocação no mercado de medicamentos”, não se vê que questões de propriedade industrial envolvam matéria de segurança e saúde pública (que são acauteladas pelo INFARMED) e, por isso, especial premência. 12. Por fim refira-se que se o Legislador pretendesse que houvesse recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, bastar-lhe-ia ter dito que da decisão arbitral cabe recurso nos termos gerais ou nos termos do Código de Processo Civil/Código de Processo do Trabalho, sendo que não há uma imposição constitucional de dois graus de recurso. O Tribunal Constitucional já se pronunciou no sentido de não poder ser afastado o recurso para os tribunais, mas nada disse quanto à obrigatoriedade de um duplo grau de recurso (acórdãos 230/20132 e 781/20133, ambos relativos à Lei do Tribunal Arbitral do Desporto). Aliás, os Acórdãos do Tribunal Constitucional 123/20154 e 435/20165, a propósito do artigo 3.º, n.º 7 da Lei n.º 62/2011 (com redação idêntica ao artigo 22.º, do DL 59/2009), referem expressamente que ao tribunal da Relação cabe a “última palavra”: “Cumpre observar que o regime legal que nos ocupa contém expressa previsão da intervenção de tribunal judicial a título de recurso da decisão arbitral (de mérito). Assim dispõe o n.º 7 do artigo 3.º, da Lei n.º 62/2011: «Da decisão arbitral cabe recurso para o Tribunal da Relação competente, com efeito meramente devolutivo». Pode daqui retirar-se que o legislador instituiu um mecanismo de reexame da decisão arbitral perante um órgão judicial do Estado, permitindo ao particular discutir a decisão arbitral que se pronunciou sobre o fundo da causa ou que, sem conhecer deste, pôs termo ao processo arbitral, junto do Tribunal da Relação competente, a quem caberá a última palavra na resolução dos litígios submetidos à jurisdição arbitral necessária.”. Em suma, não é passível de recurso de revista o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação sobre decisão de tribunal arbitral, mormente em sede de serviços mínimos, improcedendo, consequentemente, a pretensão do reclamante. III. 13. Nestes termos, indeferindo a presente reclamação para a conferência, acorda-se em confirmar despacho proferido pelo relator. Custas pelo Estado (restritas às de parte). Lisboa, 03 de novembro de 2023 Mário Belo Morgado (Relator) Ramalho Pinto Júlio Manuel Vieira Gomes
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1. V.g. Acs. do STJ de 19.10.2021, Proc. n.º 225/20.2YHLSB-A.S1, http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/9fc2cdd9458b4bf480258773005308d1?OpenDocument, e de 25.05.2023, Proc. nº 2383/17.4YRLSB.S1, ambos da 7ª Secção, http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/5c8579647bfcd7e4802589ba006d279b?OpenDocument↩︎ 2. https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20130230.html↩︎ 3. https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20130781.html↩︎ 4. https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20150123.html↩︎ 5. https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20160435.html↩︎ |