Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
293/21.0BELLE.E1.S1
Nº Convencional: 4.ª SECÇÃO
Relator: DOMINGOS JOSÉ DE MORAIS
Descritores: MÉDICO
FALTAS JUSTIFICADAS
COVID-19
ASSISTÊNCIA À FAMÍLIA
FILHO MENOR
DOENÇA
Data do Acordão: 10/11/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA.
Sumário :

I - No período epidemiológico do novo Coronavírus - Covid 19, coexistiram dois regimes de faltas justificadas ao trabalho para agentes de proteção civil: o do DL n.º 10-A/2020, 13 de março, e do artigo 49.º do Código do Trabalho.


II - Nos termos do artigo 49.º n.º 1 do Código do Trabalho, o trabalhador pode faltar ao trabalho até 30 dias por ano para prestar assistência inadiável e imprescindível, em caso de doença ou acidente, a filho menor de 12 anos.


III - No exercício do seu poder paternal, os pais do menor têm o direito de escolher qual dos dois falta ao trabalho para lhe prestar a assistência.


IV - O empregador tem o direito de exigir ao trabalhador faltoso a prova e as declarações previstas no n.º 5 do artigo 49.º do CT, recaindo sobre ele o ónus de alegar e provar essa factualidade, nos termos do artigo 342.º do Código Civil.

Decisão Texto Integral:

Processo n.º 293/21.0BELLE.E1.S1


Recurso revista


Relator: Conselheiro Domingos Morais


Adjuntos: Conselheiro Azevedo Mendes


Conselheiro Mário Belo Morgado


Acordam os Juízes na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça


I.Relatório


1. - AA intentou acção com processo comum contra


Centro Hospitalar Universitário do Algarve, EPE, pedindo que seja anulada a deliberação do Conselho de Administração da Ré, de 12.11.2020, que considerou injustificadas as suas faltas relativamente ao período compreendido entre 16 e 22 de março de 2020.


2. - Por sentença de 24.05.2022, o Tribunal de 1.ª Instância decidiu:


Em face do exposto julgo parcialmente procedente a ação e, em consequência, revogo a decisão da R. na parte em que considerou injustificadas as faltas da A., AA, nos dias 16 a 20 de março de 2020, mantendo-a quanto às demais.”.


3. - A Autora e a Ré apelaram.


4. - Por acórdão de 12.01.2013, o Tribunal da Relação decidiu:


Destarte, negando provimento ao recurso interposto pela A. e concedendo provimento ao interposto pelo R., julga-se totalmente improcedente a acção.”.


5. - A autora interpôs recurso de revista, concluindo, em síntese:


O acórdão recorrido violou frontalmente a lei ao decidir considerar injustificadas as faltas da Autora no período de 16 a 21 de março de 2020; [conclusão A)]


O objeto do presente recurso assenta essencialmente em quatro questões sendo de censurar, relativamente a todas elas, a decisão proferida pelo Tribunal a quo, porquanto,


Questão 1: [conclusão B)]


O art.º 22º do DL n.º 10-A/2020, de 10/03 era aplicável à Autora pelo que cabia ao Hospital Réu ter considerado desde logo as suas faltas justificadas com este fundamento pois apesar de a mesma ser tida como “trabalhadora de um serviço essencial”, a verdade é que jamais foi individual e concretamente mobilizada para o serviço ou prontidão pelo que nada obstava a que, no caso concreto, prestasse assistência ao seu filho menor por força do encerramento das escolas (cfr. exigido no art.º 10.º/2 do DL n.º 10-A/2020). [conclusão C)];


Questão 2:


Independentemente da decisão quanto à questão anterior, tendo a Autora informado o Hospital da doença do filho logo no dia 13/03/2020, tendo reiterado tal circunstância no dia 26/03/2020 e tendo a mesma, perante a recusa do Hospital em aceitar a sua justificação inicial de ausência (com fundamento no art.º 22º do DL n.º 10-A/2020) datada de 3/04/2020, apresentado logo em seguida, a 7/04/2020, justificação alternativa para essas suas ausências (tudo conforme Factos Provados n.º 5, 9, 10 e 11), só se podia ter concluído no sentido de que faltas dadas pela Autora no período em questão se encontram justificadas, pelo que ao decidir em contrário, o Tribunal recorrido fez uma errada interpretação e aplicação do direito ao caso, nomeadamente do disposto no art.º 49º do CT e, bem assim dos invocados DL n.º 10-A/2020 e Despacho n.º 3301/2020 já que o regime legal decorrente do DL n.º 10-A/2020, de 13/03, é de natureza absolutamente excecional tendo tido como contexto e justificação a Pandemia Covid-19, pelo que se circunscreve apenas ao que dele resulta - nomeadamente, e para o que aqui releva, ao regime especial de justificação de faltas consagrado no seu art.º 22º por força da suspensão das atividades letivas e não letivas e consequente encerramento de escolas determinado no seu art.º 8º - e não se sobrepõe ao regime das faltas estabelecido no CT, maxime ao seu art.º 49º.


De resto (i) a A. não se limitou a invocar a o encerramento do estabelecimento de ensino frequentado pelo filho e a necessidade daí decorrente de lhe prestar assistência, tendo, ao invés e desde a primeira hora, informado o Hospital da doença do filho (cfr. Factos Provados n.º 5 e n.º 9) e perante a recusa do Hospital em aceitar a sua justificação inicial com fundamento no art.º 22º do DL n.º 10-A/2020, apresentado essa justificação alternativa para as suas ausências (cfr. FP n.º 11); (ii) o Despacho ministerial n.º 3301/2020 não é aplicável ao caso pois, para o ser, pressupunha que a Autora tivesse sido mobilizada para o serviço ou prontidão, o que não consta dos factos invocados/provados, pelo que não havia que proceder, com esse fundamento, a qualquer averiguação relacionada com o outro progenitor e com a atividade pelo mesmo exercida; [conclusões I) e J)];


Questão 3:


K) Atenta a factualidade provada dos n.ºs 5, 6, 9 e 11 dos FPs era de concluir no sentido de que o dever de pronta comunicação da ausência previsto no art.º 253º do CT foi, no caso dos autos, cabalmente cumprido pela Autora, assim como o dever de comprovar o motivo justificativo invocado para a ausência “em prazo razoável”, quer se considerasse, para o efeito, a data do início da situação de doença do filho (cfr. FPs n.º 5 e 11) quer se considerasse a data da recusa do Hospital em considerar a sua justificação de faltas com fundamento no encerramento das escolas (cfr. FPs n.º 10 e 11) e sempre tendo em mente que o Hospital jamais lhe solicitou fosse o que fosse, apesar da faculdade que lhe era conferida pelo art.º 254º do CT, pelo que, o Acórdão Recorrido ao considerar injustificadas as ausências da Autora com fundamento no disposto nos arts. 253º e/ou 254º do CT, padece de erro notório na interpretação e aplicação ao caso concreto destas disposições legais. [conclusão K)];


6. - O Réu contra-alegou, concluindo pela improcedência da revista.


7. - Por despacho do relator, após notificação das partes, foi admitido o recurso de revista interposto pela Autora, excepto quanto aos dias 21 e 22 de março de 2020, por dupla conforme.


8. - O Ministério Público emitiu parecer no sentido da procedência da revista, por considerar, em síntese, que “O facto do regime previsto no art. 49.º do CT coexistir com o previsto no Despacho n.º 3301/2020, de 15.03, não implicou qualquer restrição ou alteração daquele regime, por inexistência de qualquer referência legislativa nesse sentido - nomeadamente no sentido da assistência ter que caber ao progenitor que não trabalhasse em sector de atividade não abrangido pelo art. 10.º do DL n.º 10-A/2020.”.


9. - Cumprido o disposto no artigo 657.º, n.º 2, ex vi do artigo 679.º, ambos do CPC, cumpre apreciar e decidir.


II. - Fundamentação de facto

1. - O acórdão recorrido considerou provada a seguinte factualidade, que se transcreve:


“A matéria de facto provada foi assim fixada na primeira instância:


1. No dia 01 de Agosto de 2014, A. e R. celebraram acordo por força do qual aquela foi admitida ao serviço do segundo para, sob a sua autoridade e direcção, exercer as funções de assistente no âmbito da especialidade médica ..., enquanto médica hospitalar, mediante o pagamento da retribuição ilíquida mensal de € 2 746.26 acrescida de subsídio de alimentação no valor diário de € 4,27.


2. A A. exerce funções no Serviço ... do Centro Hospitalar Universitário do Algarve EPE.


3. O agregado familiar da A. é composto por esta, pelo seu companheiro e pai do seu filho, e por um filho, nascido a ... de ... de 2018.


4. O companheiro da Autora é técnico electromecânico e exerce funções em empresa que se dedica à comercialização e instalação de sistemas de climatização e de energias renováveis.


5. No dia 13/03/2020 (6.ª feira) a A. informou a Direcção do Serviço ..., via SMS, às 08H50 da manhã, que o seu filho menor se encontrava doente e que por isso não podia ir trabalhar e iria dando notícias.


6. No dia 16 de março de 2020 a A. entregou, no serviço de pessoal do CHUA, pedido de justificação de faltas no período compreendido entre 16 de março de 2020 e 09 de abril de 2020 com fundamento no encerramento do estabelecimento frequentado pelo seu filho menor.


7. No dia 23/03/2020 o Serviço de Assiduidade do CHUA enviou à A. para o respectivo e-mail institucional, a seguinte comunicação sobre o assunto ''Encerramento de estabelecimento de ensino:


“(…) No que diz respeito à declaração apresentada por V. Exa. Para efeitos de justificação da ausência ao trabalho por motivo de encerramento do estabelecimento de ensino, ao abrigo do disposto no Despacho n. o 3301/2020, de 15 de março, vimos, por este meio, considerando que V. Exa. é profissional de saúde, solicitar que informe se no V. agregado familiar existe trabalhador de outro sector de actividade que não seja profissional de saúde nem trabalhador de outro serviço essencial, nos termos previstos no art.100 do Decreto-Lei n. o 10-A/2020, de 13 de março.


Caso o outro progenitor, pertencendo ao agregado familiar, não seja profissional de saúde ou trabalhador de outro serviço essencial, é esse progenitor que deve dar assistência aos filhos menores de 12 anos e V. Exa. deverá apresentar-se ao serviço.


Mais se informa que as faltas ao abrigo do Despacho nº 3301/2020, de 15 de março, só estão justificadas até ao dia 9 de abril.


8. O CHUA não fez qualquer outro contacto concomitante.


9. No dia 26/03/2020 a autora respondeu à referida comunicação nos seguintes termos:


“(…) O pai do BB (nascido a .../.../2018) é técnico electromecânico, desempenhando funções previstas como essenciais no artigo 100 do DL n.º 10A/2020, de 13 de março, trabalhadores de "gestão e manutenção de infra-estruturas essenciais" também definidas posteriormente no Anexo II do DL n.º 2A/2020, de 20 de Março, como serviços de manutenção e reparação ao domicilio, neste caso de sistemas de água e de energia eléctrica. A empresa pertence ao grupo www.enat.pt.


Além do solicitado/ mais informo que o BB tem bronquiolites de repetição/ que agudizam nesta altura/ e tem estado doente.


Fico a aguardar a v/ resposta”.


10. No dia 3/04/2020 o CHUA comunicou à A. que se devia apresentar imediatamente ao serviço, o que fez nos seguintes termos:


Na sequência da justificação de ausências/ por encerramento de estabelecimento de ensino/ apresentado cumpre informar que:


Considerando que estamos perante um caso de encerramento de jardim de infância até ao dia 9 de abril devido à presente situação epidemiológica, e que o presente facto se subsume no conceito de suspensão de actividades /lectivas e não lectivas previsto no art. 9° nº1 do Decreto-Lei nº 10-A/2020/ de 13 de março:


Considerando que V Exa é profissional de saúde, nos termos previstos no n. ° 1 da Base 28 da Lei nº 95/2019/ de 4 de setembro;


Considerando que o Despacho n.º 3301/2020, de 15 de março, estabeleceu as regras a que obedece a mobilização para o serviço ou prontidão dos profissionais de saúde, durante a suspensão das actividades lectivas e não lectivas e formativas, determinada pelo artigo 9. o do Decreto-Lei n. o 10 -A/202D, de 13 de março necessidade de prestação de cuidados de saúde no âmbito do surto epidemiológico provocado pelo SARS -CoV-2;


Considerando que, consultada o sítio electrónico da E... . ....... .. ........ ........... a empresa onde trabalha o outro progenitor não deve ser considerado um serviço essencial, nos termos e para os efeitos da Portaria nº 82/2020, de 29 de março, que veio densificar o conceito de "serviços essenciais" previsto no art. 10.º do Decreto-Lei nº 10-A/202D, de 13 de março;


Deve apresentar-se imediatamente ao serviço, posto que as suas faltas não podem ser justificadas ao abrigo do disposto no Despacho nº 3301/2020, de 15 de março.).”


11. Face a esta comunicação, a Autora, no dia 7/04/2020, apresentou uma justificação alternativa para as suas ausências, entregando no hospital certificados de incapacidade temporária para o trabalho para os seguintes períodos de tempo e com os seguintes fundamentos:


− De 16/03/2020 a 20/03/2020, por motivo de assistência à família, emitido a 06 de abril de 2020;


− De 23/03/2020 a 3/04/2020 e de 8/04/2020 a 5/05/2020, por doença;


12. No dia 8 de abril de 2020 a A. respondeu à comunicação do CHUA de 3/04/2020, esclarecendo que:


“(…) foi entregue o pedido de justificação de faltas (de dia 16 de março a 9 de abril) dia 18 de março, no serviço de pessoal foram solicitados esclarecimentos adicionais dia 23 de março pela Dra. CC foram enviados esses esclarecimentos dia ..., incluindo de boa fé, o site electrónico geral da empresa "mãe" que não traduz a actividade especifica realizada na sede do ... (uma micro-empresa com apenas 5 funcionários) foi dado como recusado o pedido dia 3 de abril segundo a v/ interpretação do referido site (que, como disse, é geral) e dos D.L., 16 dias após ter sido entregue o pedido e a 6 dias do término do período solicitado (incluindo 2 dias de fim de semana) não fui contactada telefonicamente, por ninguém associado ao CHUA, durante todo este período.


Ficando a ressalva que o trabalhador não deveria ser prejudicado por morosidade da V/ resposta, com faltas injustificadas, com a referida decisão tão próxima do térmico do período solicitado, cabe-me informar que o referido período foi concomitante, infelizmente, a doenças naturais devidamente atestadas. Neste contexto, foram entregues as respectivas justificações/documentos/ ontem/ no Serviço de Pessoal. (…)


13. No dia 10/09/2020 a autora foi notificada, por e-mail, do projecto de deliberação do CA do CHUA EPE de 2/07/2020 - no sentido de poderem vir a ser consideradas injustificadas as ausências da mesma ao trabalho no período compreendido entre 16/03/2020 e 22/03/2020 - para, querendo, exercer o seu direito de audiência prévia.


14. Mediante requerimento remetido ao CHUA EPE, a 25/09/2020, a autora exerceu o seu direito de audiência prévia, pugnando pela alteração do sentido e teor do referido projecto de decisão e, no essencial, pela justificação das referidas faltas.


15. Mediante deliberação do Conselho de Administração do CHUA EPE de 12/11/2020 - notificada à autora por e-mail de 26/02/2021 - foi decidido, com fundamento no parecer jurídico de 26/10/2020 à mesma anexo, considerar injustificadas as suas faltas relativamente ao período compreendido entre 16 e 22/03/2020.


16. Do mencionado parecer jurídico de 26/10/2020, resulta que:


DOS FACTOS


O DL 10-A/2020 no seu artº 9º determinou a suspensão de actividades lectivas e não lectivas de estabelecimentos de ensino de educação pré-escolar e de equipamentos de apoio à primeira infância a partir de 16.03.2020 a reavaliar em 9.04.2020;


O Anexo à Portaria 82/2020 que estabeleceu os serviços essenciais para efeitos de acolhimento nos estabelecimentos de ensino dos filhos ou dependentes a cargo dos profissionais desses serviços;


O Despacho 3301/2020 do Gabinete da Ministra da Saúde determinou que durante a suspensão de actividades lectivas nos agregados familiares em que um dos membros seja profissional de saúde e o outro não exerça actividade abrangida pelo art. 10.º do DL 10-A/2020, a assistência a filho menor de 12 anos é prestada pelo progenitor que não é profissional de saúde;


A Dra. AA apresentou declaração de encerramento de estabelecimento de ensino frequentado pelo seu filho menor para o per/ado de 16.03.2020 a 9.04.2020;


A Dra. AA deixou de se apresentar ao trabalho a 16.03.2020;


Por e-mail de 23.03.2020 foram pedidos esclarecimentos pela entidade patronal sobre a actividade do outro progenitor do menor;


Em 26.03.2020 a Dra. AA informou a sua entidade patronal que o outro progenitor do menor é técnico electromecânico;


Os serviços da entidade patronal informaram a Dra. AA que a actividade do outro membro do agregado familiar não era abrangida pela determinação dos serviços essenciais, pelo que deveria apresentar-se imediatamente ao serviço de acordo com as obrigações impostas pelo Despacho nº 3301/2020 de 15.03 e de que as suas ausências não eram justificadas ao abrigo do disposto no DL n. ° 10-A/2020.


A Dra. AA apresentou em 7.04.2020 atestados de incapacidade temporária para o trabalho para os per/adas de 16.03.2020 a 20.03.2020 para assistência à família e de 23.03.2020 a 3.04.2020 e de 6.04.2020 a 5.05.2020 por doença.


DO DIREITO


Da análise do elenco das actividades constantes do Anexo à Portaria 82/2020 por referência à al. b) do n.º 1 do seu artigo 2° verifica-se que a actividade do outro membro do agregado familiar da Dra. AA não é considerado serviço essência.


Por outro lado, o certificado de incapacidade temporária é um acto médico através do qual o clínico se responsabiliza pela verificação do estado clínico da pessoa;


Nos termos do disposto no art.254º do C Trabalho o trabalhador tem um prazo razoável para apresentar a justificação das suas faltas.


A Dra. AA apresentou o atestado médico por assistência à família, para justificar as suas faltas entre os dias 16 e 20 de marco, catorze d/as após o início dessa assistência à família, muito depois de ter sido informada que deveria apresentar-se ao serviço imediatamente.


Pelo que podemos concluir que a Dra. AA excedeu qualquer prazo que se possa entender como razoável para apresentação de justificação.


Por outro lado, tendo em conta as informações prestadas pela Ora. AA, relativamente à actividade profissional do progenitor do seu filho podemos concluir que era este e não ela quem deveria ter assegurado o acompanhamento do menor quer por encerramento do estabelecimento de ensino quer por assistência na doença no período entre 16 e 20 de Março.


Estava em vigor o Estado de Emergência no âmbito do qual foi determinado que, caso o agregado familiar seja constituído por um profissional de saúde e um trabalhador de outro sector de actividade, a assistência a filho ou outro dependente menor de 12 anos ou com deficiência ou doença crónica, é prestada pelo membro do agregado familiar que não seja profissional de saúde - Despacho 3301/2020 do Gabinete da Ministra da Saúde.


O desconhecimento da lei não aproveita à trabalhadora pelo que, nem o eventual desconhecimento destes normativos teriam como efeito a justificação de faltas ao trabalho.


De outro lado, o certificado de incapacidade temporária para o trabalho por assistência à família apenas atesta a doença do menor/dependente, mas relativamente a pessoa que presta assistência apenas nomeia o cuidador/a que é indicado ao médico pelo que a indicação da Ora. AA como cuidadora do menor é uma indicação que apenas a ela vincula não se podendo inferir que só e/a poderia prestar cuidados ao menor.


Assim, ponderados os factos com o enquadramento legal aplicável propõe-se que sejam consideradas injustificadas as faltas dadas ao trabalho pela Sra. Ora. AA entre 16.03.2020 e 22.03.2020. (…)”.


17. Sobre este parecer acabou por recair a Deliberação do CA do CHUA EPE, aqui Réu, de 12/11/2020 com o seguinte teor: “Injustificam-se as faltas como proposto”.


18. A Autora não pediu nem promoveu a alternância com o companheiro.


19. O filho da A. no período compreendido entre 16 de março e 20 de março de2020 esteve doente.


III. – Fundamentação de direito


1. - Do objeto do recurso de revista.


- As faltas (in)justificadas no período de 16 a 20 de março de 2020.


- Regime jurídico aplicável.


2. – Quanto à 1.ª questão suscitada na revista, o Tribunal de 1.ª instância entendeu que a Autora não podia beneficiar do regime excecional de justificação de faltas estabelecido no artigo 22º do DL n.º 10-A/2020, de 13/03, por, sendo médica, era um “agente de proteção civil”, atento o disposto no artigo 46º da Lei n.º 27/2006 de 3 de julho; por essa razão, e na sequência do Despacho conjunto n.º 3298-B/2020 de 13/03 dos Ministros da Administração Interna e Saúde, que declarou a situação de alerta em todo o território nacional, a Autora encontrava-se em permanente “estado de prontidão”, o que obstava a que, nos termos previstos no art.º 10º/1 in fine do DL n.º 10-A/2020 de 13 de março, prestasse assistência ao filho na sequência do encerramento das escolas previsto no art.º 9.º desse mesmo diploma e, nesse sentido, impedia-a de fazer uso da justificação excecional de faltas prevista no art.º 22 do mesmo diploma.


Em relação à 2.ª questão, a 1.ª instância aplicou o artigo 49.º do Código do Trabalho (CT) e considerou justificadas as faltas dadas pela Autora entre 16 e 20 de março de 2020, por entender, que o regime de faltas instituído pelo DL n.º 10-A/2020 de 13 de março apenas diz respeito às faltas motivadas pela suspensão das actividades lectivas por força da Pandemia de SARS COV2, não resultando do referido diploma, nem de qualquer outro com igual força, a suspensão do direito consagrado no artigo 49.º do CT relativamente a qualquer progenitor de prestar assistência a filho menor de 12 anos em caso de doença ou acidente.


Sobre a questão da aplicação dos artigos 253.º e 254.º do CT, o Tribunal de 1ª instância entendeu que a Autora, ao informar o Réu da doença do filho, a 13 de março de 2020 e ao reiterar tal informação, a 26 de março de 2020, cumpriu o dever previsto no artigo 253º/2 do CT.


E concluiu:


Não provou a R. que, na senda do que o art.º 254º do Código de Trabalho lhe permitia, exigiu à A., num prazo razoável que lhe conferiu, prova da doença do filho e, por isso, porque as normas supra citadas não exigem que a comunicação da ausência e seu motivo seja acompanhada de prova - deixando-se ao critério da entidade patronal o poder ou não exigir-se a mesma – não pode a R., sem mais, julgar injustificadas as faltas com fundamento de que o comprovativo do motivo da ausência foi junto fora de prazo razoável que, na verdade, não impôs à A..”.


3. - No acórdão recorrido pode ler-se:


Acresce que o dever de assistência a filho menor de 12 anos, previsto no art. 49.º do Código do Trabalho, não cabe preferencialmente a um dos progenitores, maxime, à mãe, nem pode ser exercido simultaneamente pelo pai e pela mãe - dito art. 49.º, n.º 4.


No caso, não desempenhando o pai qualquer actividade essencial que impusesse a sua mobilização, no âmbito da situação de alerta, podia e devia prestar a devida assistência ao seu filho.


Ora, a justificação das faltas dadas por este motivo depende da verificação cumulativa de dois requisitos: inadiabilidade e imprescindibilidade. E “não é imprescindível a falta do trabalhador quando o outro progenitor possa prestar assistência ao menor ou quando este tenha outro acompanhante (…)”.


Ponderando que nada nos autos nos demonstra que apenas a mãe podia prestar assistência ao filho menor de 12 anos, e não demonstrado que o pai estivesse impossibilitado de a prestar, devemos concluir que as faltas ocorridas entre 16 e 22.03.2020 não estão justificadas.


Note-se que cabe ao trabalhador faltoso o ónus da prova dos pressupostos de justificação da sua ausência ao trabalho.


Tendo o R. cumprido o disposto no art. 254.º n.º 1 do Código do Trabalho logo a 23.03.2020, não se pode afirmar que tenha sido excedido o prazo de 15 dias exigido por essa norma.”.


4.Apreciando


4.1. – O artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 10-A/2020 de 13 de março - Suspensão de atividade letivas e não letivas e formativas, dispunha:


1 - Ficam suspensas as atividades letivas e não letivas e formativas com presença de estudantes em estabelecimentos de ensino públicos, particulares e cooperativos e do setor social e solidário de educação pré-escolar, básica, secundária e superior e em equipamentos sociais de apoio à primeira infância ou deficiência, bem como nos centros de formação de gestão direta ou participada da rede do Instituto do Emprego e Formação Profissional, I. P..


2 - Ficam igualmente suspensas as atividades de apoio social desenvolvidas em Centro de Atividades Ocupacionais, Centro de Dia e Centro de Atividades de Tempos Livres.


3 - A suspensão prevista nos números anteriores inicia-se no dia 16 de março de 2020 e é reavaliada no dia 9 de abril de 2020, podendo ser prorrogada após reavaliação.”.


E o artigo 10.º - Trabalhadores de serviços essenciais - prescrevia:


1 - É identificado em cada agrupamento de escolas um estabelecimento de ensino que promove o acolhimento dos filhos ou outros dependentes a cargo dos profissionais de saúde, das forças e serviços de segurança e de socorro, incluindo os bombeiros voluntários, e das forças armadas, os trabalhadores dos serviços públicos essenciais, de gestão e manutenção de infraestruturas essenciais, bem como outros serviços essenciais, cuja mobilização para o serviço ou prontidão obste a que prestem assistência aos mesmos, na sequência da suspensão prevista no artigo anterior.


2 - Os trabalhadores das atividades enunciadas no artigo anterior são mobilizados pela entidade empregadora ou pela autoridade pública.”.


Por Despacho n.º 3301/2020, de 15.03, foi ainda determinado que:


1– Durante a suspensão das actividades lectivas e não lectivas e formativas, determinada pelo artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de Março, a mobilização para o serviço ou prontidão dos profissionais de saúde, por necessidade de prestação de cuidados de saúde no âmbito do surto epidemiológico provocado pelo SARS-CoV-2, obedece ao seguinte:


a) Nos casos em que o agregado familiar seja constituído por um profissional de saúde e, pelo menos, um trabalhador de outro sector de actividade não abrangido pelo artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de Março, a assistência a filho ou outros dependentes a cargo, menores de 12 anos, ou, independentemente da idade, com deficiência ou doença crónica, é prestada por membro do agregado familiar, ou pessoa com quem viva.


(…).”.


Ora, estando provado no ponto 4. que o pai do filho da Autora era técnico electromecânico e exercia funções em empresa que se dedicava à comercialização e instalação de sistemas de climatização e de energias renováveis - actividade não considerada como essencial -, era a ele que cabia o dever de prestar assistência ao filho, por força do disposto no citado n.º 1, alínea a), do Despacho 3301/2020, de 13 de março.


Assim sendo, a justificação de faltas apresentada pela Autora, com o fundamento da suspensão de atividade do estabelecimento de ensino, não podia ser aceite pela Ré.


No entanto, quando, a 23 de março de 2020, a Autora teve conhecimento dessa falta de fundamento, no dia 07 de abril de 2020, entregou para justificação dessas ausências ao serviço, a necessidade de assistência a filho menor de 12 anos, por doença deste - cfr. pontos 6. a 11. dos factos provados.


A segunda justificação apresentada pela Autora está prevista no artigo 49.º, n.º 1, do Código do Trabalho (CT).


4.2. - Decorre, assim, da fundamentação da sentença da 1.ª instância e do acórdão da Relação que a divergência das Instâncias reside, no essencial, na aplicação e interpretação do disposto no artigo 49.º do CT, no que se refere às faltas dadas pela Autora no período de 16 a 20 de março de 2020.


4.3. - Da aplicação do artigo 49.º do CT.


O artigo 49.º integra o Código do Trabalho, aprovado pela Lei ordinária n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, que regula as faltas para assistência a filho menor de 12 anos, em caso de doença ou acidente, ou, independentemente da idade, a filho com deficiência ou doença crónica.


O DL n.º 10-A/2020, 13 de março, tinha como objecto estabelecer medidas excecionais e temporárias de resposta à epidemia SARS-CoV-2, cujos artigos 9.º, 10.º e 22.º regulavam o regime de faltas, mas apenas as motivadas pela suspensão das actividades lectivas e não lectivas em decorrência da Pandemia de SARS-Cov-2.


Além disso, não resultava do DL n.º 10-A/2020, 13 de março, nem de qualquer outro com igual força legislativa (e por maioria de razão, do simples despacho nº 3301/2020, de 15 de março), a suspensão do direito que assiste a qualquer progenitor, previsto e regulado no artigo 49.º do CT.


Daí a sua aplicação ao caso dos autos.


4.4. - Da interpretação do artigo 49.º do CT.


4.4.1. - Na sentença da 1.ª instância foi escrito:


O princípio da igualdade no exercício dos poderes/deveres parentais, obviamente, impede que se estabeleçam prioridades assentes na qualidade do progenitor o que não obsta a que, por força do nº 5 al. b) da mesma norma, para efeitos de justificação da falta, o empregador possa exigir ao trabalhador declaração de que o outro progenitor tem atividade profissional e não falta pelo mesmo motivo ou está impossibilitado de prestar a assistência.”.


Por sua vez, o acórdão recorrido consignou:


No caso, não desempenhando o pai qualquer actividade essencial que impusesse a sua mobilização, no âmbito da situação de alerta, podia e devia prestar a devida assistência ao seu filho.


Ora, a justificação das faltas dadas por este motivo depende da verificação cumulativa de dois requisitos: inadiabilidade e imprescindibilidade. E “não é imprescindível a falta do trabalhador quando o outro progenitor possa prestar assistência ao menor ou quando este tenha outro acompanhante (…)”.


4.3.2. - Sobre os Tipos de falta o artigo 249.º do CT dispõe:


1 - A falta pode ser justificada ou injustificada.


2 - São consideradas faltas justificadas:


a), b), c), d), (…);


e) A motivada pela prestação de assistência inadiável e imprescindível a filho, a neto ou a membro do agregado familiar de trabalhador, nos termos dos artigos 49.º, 50.º ou 252.º, respectivamente;


f), g), h), i), j), k), l), (…).


3 – (…).”.


E o artigo 49.º estatui:


1 - O trabalhador pode faltar ao trabalho para prestar assistência inadiável e imprescindível, em caso de doença ou acidente, a filho menor de 12 anos ou, independentemente da idade, a filho com deficiência ou doença crónica, até 30 dias por ano ou durante todo o período de eventual hospitalização.


2 - O trabalhador pode faltar ao trabalho até 15 dias por ano para prestar assistência inadiável e imprescindível em caso de doença ou acidente a filho com 12 ou mais anos de idade que, no caso de ser maior, faça parte do seu agregado familiar.


3 - Aos períodos de ausência previstos nos números anteriores acresce um dia por cada filho além do primeiro.


4 - A possibilidade de faltar prevista nos números anteriores não pode ser exercida simultaneamente pelo pai e pela mãe.


5 - Para efeitos de justificação da falta, o empregador pode exigir ao trabalhador:


a) Prova do carácter inadiável e imprescindível da assistência;


b) Declaração de que o outro progenitor tem actividade profissional e não falta pelo mesmo motivo ou está impossibilitado de prestar a assistência;


c) Em caso de hospitalização, declaração comprovativa passada pelo estabelecimento hospitalar.


6 - (…).


7 - (…).”. (negritos nossos)


Em síntese, a alínea e) do n.º 2 do artigo 249.º prevê serem justificadas as faltas dadas para prestação de assistência inadiável e imprescindível, a filho menor de 12 anos, em caso de doença ou acidente, sendo que essa possibilidade de faltar não pode ser exercida simultaneamente pelo pai e pela mãe, como determina o n.º 4 do artigo 49.º; ou seja, no exercício do seu poder paternal, a lei reconhece aos pais o direito de decidir qual dos dois falta ao trabalho para prestar a assistência a filho menor de 12 anos.


No entanto, a lei também estabelece para o empregador a possibilidade de exigir, isto é, o direito de pedir ao trabalhador faltoso a prova e as declarações previstas no citado n.º 5 do artigo 49.º do CT, o que significa que recai sobre ele - empregador - o ónus de provar essa factualidade (facto positivo), atento o disposto no artigo 342.º do Código Civil.


Decorre da matéria de facto provada que a Ré não provou que tenha exercido tal direito, isto é, que tenha exigido à Autora a prova do carácter inadiável e imprescindível da assistência ao filho menor de 2 anos, e a declaração sobre a actividade profissional do pai do menor e a sua impossibilidade de lhe prestar a assistência, no período de 16 a 20 de março de 2020.


Assim, nada a censurar quanto à decisão dos pais na escolha da mãe para assistir o filho menor de 12 anos na sua doença.


Por último, como resulta dos pontos 5., 9., 11. da matéria de facto provada, a Autora informou a Ré da doença do filho, a 13 de março de 2020; reiterou tal informação a 26 de março de 2020; e, no dia 07 de abril de 2020, entregou no hospital certificados de incapacidade temporária para o trabalho para o período de 16 a 20 de março de 2020, por motivo de assistência à família, emitido a 06 de abril de 2020, após o Réu lhe ter comunicado, no dia 03 de abril de 2020, que se devia apresentar “imediatamente ao serviço, posto que as suas faltas não podem ser justificadas ao abrigo do disposto no Despacho nº 3301/2020, de 15 de Março.


A Autora cumpriu, assim, o dever previsto no artigo 253.º, n.ºs 1 e 2 do CT.


IV. - Decisão


Atento o exposto, acordam os Juízes que compõem a Secção Social julgar procedente o recurso de revista apresentado pela Autora, revogar o acórdão recorrido e repristinar a sentença da 1.ª instância na parte que julgou justificadas as faltas da Autora, no período de 16 a 20 de março de 2020.


Custas a cargo da Ré.


Lisboa 11 de outubro de 2023


Domingos José de Morais (Relator)


Azevedo Mendes


Mário Belo Morgado