Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
52/18.7GBSLV.E2.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: MARIA DO CARMO SILVA DIAS
Descritores: RECURSO DE ACÓRDÃO DA RELAÇÃO
ERRO DE DIREITO
ERRO DE JULGAMENTO
PODERES DE COGNIÇÃO
HOMICÍDIO QUALIFICADO
QUALIFICAÇÃO JURÍDICA
ROUBO AGRAVADO
AGRAVAÇÃO PELO RESULTADO
DOLO
COAUTORIA
MEDIDA DA PENA
PENA PARCELAR
PENA ÚNICA
DUPLA CONFORME
REJEIÇÃO PARCIAL
Data do Acordão: 11/08/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário :
I. Os recorrentes não devem confundir o erro na subsunção dos factos ao direito com o erro de julgamento, nem tão pouco esquecer os poderes de cognição do STJ, definidos no art. 434.º do CPP, que visam exclusivamente o reexame da matéria de direito, sem prejuízo do disposto nas alíneas a) e c) do n.º 1 do art. 432.º, o que significa que o recurso para o STJ é um recurso de revista, ainda que ampliado, ao contrário do que sucede com o recurso para a Relação que é um recurso de apelação, que conhece de facto e de direito (art. 428.º CPP).

II. Ou seja, é à Relação que incumbe, atentos os seus poderes de cognição (e não ao Supremo Tribunal de Justiça), conhecer do chamado erro de julgamento previsto no art. 412.º, n.º 3 e n.º 4, do CPP.

III. Quanto à pena individual aplicada (de 3 anos de prisão) pelo crime de roubo há dupla conforme, isto é, houve um duplo juízo condenatório quanto a essa questão (uma vez que a Relação de Évora, quando conheceu do recurso que a recorrente apresentou da decisão da 1ª instância, em que questionou as penas individuais e a pena única que lhe foram aplicadas, manteve aquela pena aplicada pela 1ª instância).

IV. Esse juízo confirmativo garante o duplo grau de jurisdição consagrado pelo art. 32.º, n.º 1 da CRP, não havendo, assim, violação do direito ao recurso, nem tão pouco dos direitos de defesa do arguido (arts. 32.º, n.º 1 e 20.º, n.º 1, da CRP), o que significa que, face ao disposto nos arts. 400.º, n.º 1, al. f) e 432.º, n.º 1, al. b), do CPP, o acórdão do Tribunal da Relação é irrecorrível nessa parte (quanto à pena aplicada pelo crime de roubo) em que confirmou a condenação da 1ª Instância (princípios da dupla conforme condenatória e da legalidade), tendo-se tornado definitivo.

V. Considerando o disposto no art. 400.º n.º 1, als. e) e f) do CPP, a não admissibilidade do recurso vale separadamente para as penas parcelares e para a pena conjunta, podendo acontecer que não sejam recorríveis algumas das penas individuais (como aqui sucede), mas já o sejam outras (como aqui acontece com a pena do homicídio qualificado) e mesmo com a pena única.

Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça


I - Relatório

1. No processo comum (tribunal coletivo) nº 52/18.7GBSLV do Juízo Central Criminal de ..., Juiz 2, da comarca de Faro, por acórdão de 27.02.2023, foram os a seguir indicados arguidos condenados, além do mais e no que aqui interessa, nos seguintes termos:

- o arguido AA pela prática, em coautoria material, sob a forma consumada, de um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210º, nº 1, do Código Penal, na pena de 5 anos de prisão e pela prática, em coautoria material, sob a forma consumada, de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artigos 131º e 132º, nº s 1 e 2, alínea g), do Código Penal, na pena de 19 anos de prisão e, em cúmulo jurídico, foi condenado na pena única de 22 anos de prisão;

- a arguida BB pela prática, em coautoria material, sob a forma consumada, de um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210º, nº 1, do Código Penal, na pena de 3 anos de prisão e pela prática, em coautoria material, sob a forma consumada, de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artigos 131º e 132º, nº s 1 e 2, alínea g), do Código Penal, na pena de 17 anos de prisão e, em cúmulo jurídico, foi condenada na pena única de 19 anos de prisão;

- a arguida CC, pela prática, em coautoria material, sob a forma consumada, de um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210º, nº 1, do Código Penal, na pena de 3 anos de prisão e pela prática, em coautoria material, sob a forma consumada, de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artigos 131º e 132º, nº s 1 e 2, alínea g), do Código Penal, na pena de 17 anos de prisão e, em cúmulo jurídico, foi condenada na pena única de 19 anos de prisão.

2. Os arguidos não se conformaram com o teor dessa decisão e dela interpuseram recurso para a Relação de Évora, a qual por acórdão de 20.06.2023 decidiu:

A) Proceder à rectificação do acórdão recorrido, ao abrigo do estabelecido no artigo 380º, nºs 1, alínea b) e 2, do CPP, passando a ler-se no “Relatório” do mesmo BB (…) natural da ..., de nacionalidade ..., onde consta natural de “..., ...”;

B) Negar provimento ao recurso interposto pelo arguido AA e confirmar a decisão recorrida;

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 5 (cinco) UC.

C) Conceder parcial provimento ao recurso interposto pela arguida BB e condená-la agora na pena de 14 (catorze) anos de prisão pela prática, em coautoria e na forma consumada, de um crime homicídio qualificado, p. e p. pelos artigos 131º e 132º, nº s 1 e 2, alínea g), do Código Penal;

Efectuado o cúmulo jurídico desta pena com a pena de três anos de prisão, em que foi condenada pela prática de um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210º, nº 1, do Código Penal, imposto pelo artigo 77º, do Código Penal, vai a arguida BB condenada na pena única de 15 (quinze) anos de prisão;

No mais, confirmam a decisão recorrida.

Sem tributação.

D) Conceder parcial provimento ao recurso interposto pela arguida CC e condená-la agora na pena de 12 (doze) anos de prisão pela prática, em coautoria e na forma consumada, de um crime homicídio qualificado, p. e p. pelos artigos 131º e 132º, nº s 1 e 2, alínea g), do Código Penal;

- Efectuado o cúmulo jurídico desta pena com a pena de três anos de prisão, em que foi condenada pela prática de um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210º, nº 1, do Código Penal, imposto pelo artigo 77º, do Código Penal, vai a arguida CC condenada na pena única de 13 (treze) anos de prisão;

No mais, confirmam a decisão recorrida.

Sem tributação.

3. Inconformados com esse acórdão recorreram os arguidos para o STJ, sendo que:

3.1. O arguido AA apresentou motivação, mas não apresentou conclusões.

Por isso, neste STJ, por despacho de 22.09.2023, a relatora, verificando a falta de conclusões e que também não foi formulado o convite a que se refere o art. 414.º, n.º 2, do CPP, nos termos do art. 417.º, n.º 3, 2ª parte, do CPP, convidou o mesmo recorrente a, no prazo de 10 dias, apresentar as respetivas conclusões em falta, sob pena do seu recurso ser rejeitado. Todavia, o mesmo arguido/recorrente, apesar de notificado desse despacho, não apresentou as conclusões em falta.

3.2. A arguida BB no seu recurso, apresentou as seguintes conclusões:

A - Visa o recurso o reexame de matéria de Direito, quanto à qualificação jurídica dos factos provados de acordo com os dispositivos legais do artº. 131º, 132º nº 1 e 2, al. g) do Código Penal, de que a Recorrente discorda, e considera violados, e a determinação concreta das medidas das penas de prisão parcelares aplicadas e pena única aplicada a final, entendendo-se dever ser reduzida a medida das penas parcelares e da pena conjunta;

B – Por acórdão de 20 de Julho de 2023, o Tribunal da Relação de Évora reduziu a pena de prisão aplicada em sede 1ª instância à arguida, e condenou-a nas penas parcelares de:

a - pena de 14 (catorze) anos de prisão pela prática, em coautoria e na forma consumada, de um crime homicídio qualificado, p. e p. pelos artigos 131º e 132º, nº s 1 e 2, alínea g), do Código Penal;

b - Manteve a pena de 3 (três) anos de prisão, em que foi condenada pela prática de um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210º, nº 1, do Código Penal;

c - Operando o respectivo cúmulo jurídico foi a arguida condenada na pena única de15 (quinze) anos de prisão;

C -O Tribunal da Relação de Évora reduziu a pena da Recorrente, mantendo a condenação pelo crime de homicídio qualificado, pela prática deste com dolo directo e intenso, do que a Recorrente discorda, entendendo ao invés que deste crime deveria ter sido absolvida, o que se requer a este Supremo Tribunal revogando o acordão recorrido;

D – Quanto ao crime de homicídio, houve violação do princípio da igualdade contido no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa, e do disposto pelo Artigo 29.º do Código Penal, porquanto segundo este último dispositivo legal: “…Culpa na comparticipação

Cada comparticipante é punido segundo a sua culpa, independentemente da punição ou do grau de culpa dos outros comparticipantes.”

E - A co-arguida nos presentes autos CC, foi condenada a 13 (três) anos de prisão pela prática como co-autora, de um crime de crime homicídio qualificado, p. e p. pelos artigos 131º e 132º, nº s 1 e 2, alínea g), do Código Penal.

F - Conforme se encontra plasmado no acórdão condenatório, os factos são que a arguida CC teve um papel preponderante e fundamental, teve a ideia de roubar a vítima, era ela quem tinha o contacto da vítima e que a conhecia, e quem levou a vítima a qual nem sabia onde era o local que tinha combinado consigo e que mesmo assim persistiu em levar a vítima para o local onde estavam os outros arguidos para concretizar os seus intentos de a roubar, que sob ameaça de fazer mal ao pai da arguida BB a levou a dar uma facada na vítima, e que levou o cheque e contactou seu amigo DD para o depositar e se apoderar da quantia monetária da vítima,

G - O Tribunal Colectivo entendeu punir a ora recorrente numa pena de prisão superior à da arguida CC, de 15 anos de prisão, e a co-arguida CC numa pena de 13 anos, de que se discorda, pois tal discrepância viola nitidamente o normativo da CRP referido e do Código Penal, E PORQUANTO:

H - A arguida CC é que conhecia a vítima, que teve a ideia de o roubar e que atraiu a vítima para um local que desconhecia, pois até andou perdido e ligou para a mesma para o ir buscar para levar ao tal local, para um encontro sexual.

I - A arguida BB só iria servir de vigia para a prática do roubo pela arguida CC e AA;

J - Não houve intenção de matar o ofendido/vítima por parte da arguida BB.

K - A arguida BB não tinha uma faca consigo, era o arguido AA, e só a usou por ter sido levada a fazê-lo pelos arguidos, com medo de represálias contra seu pai por parte da arguida CC, e deu uma facada, não tendo dado a 2ª que foi declarado por si em audiência de julgamento ter sido dada pela arguida CC.

L - Ambas as arguidas não tinham antecedentes criminais.

M - A arguida BB sempre trabalhou, sem irregularidades ao contrário da arguida CC que chegou a desistir de empregos, e foi sob ameaça de a arguida CC fazer mal ao pai da arguida BB que deu uma facada superficial na vítima, mas não era para matar;

N -A arguida BB sempre esteve inserida sócio-profissionalmente na sociedade, trabalhou em vários locais e ramos, bem mais que a arguida CC que na fase de inquérito do processo andou sem ser localizada pelos Srs. Inspectores da Polícia Judiciária, em virtude de não se encontrar a trabalhar e por isso dificilmente localizável, como também declarou a Sra. Inspectora em audiência de julgamento.

O - Tendo a pena parcelar e única aplicada à ora recorrida sido desadequada e excessiva e violadora do princípio da igualdade, devendo ser reduzida e inferior à aplicada à arguida CC.

P - O tribunal recorrido não aplicou devidamente os preceitos legais a observar aquando da fixação das penas e as mesmas mostram-se fixadas com violação das regras da experiência e desproporcionadas na sua quantificação

Q - Deu-se por provado, no p. 5. do acordão recorrido, que:

“5. Em momento anterior ao encontro com EE no dia ... de Fevereiro de 2018, os Arguidos elaboraram um plano para subtraírem os pertences daquele.”

R - Ou seja, a qualificação jurídica adoptada pelo tribunal a quo porque foi condenada a arguida, está incorrecta. O acordo era roubar, não era para matar o ofendido!

- Não se mostram preenchidos os requisitos objectivos e subjectivos do crime de homicídio. Na medida em que os factos subsumíveis a este tipo de ilícito não podem ser imputados à arguida, deve a mesma ser absolvida.

Aliás a arguida BB não conhecia o ofendido, não tinha o número de telefone dele, nem nunca lhe ligou.

Não tinha motivos para querer fazer mal ao ofendido.

Sendo que a arguida BB é primária, bem inserida social, familiar e profissionalmente, e uma pessoa pacífica, e amiga do seu amigo, não tendo historial escolar ou de qualquer outro tipo, de ser pessoa violenta. Tanto que quis ajudar a amiga CC até lhe arranjando emprego, e para poder trazer o filho que aquela tinha em ... para Portugal, por se compadecer com a sua situação, até porque sabia o que era crescer sem uma progenitora presente.

Tendo o seu acto sido isolado, não programado, e irreflectido, no contexto referido nesta motivação do recurso.

Quem conhecia o ofendido era a arguida CC, e tinha o contacto telefónico deste, por o mesmo ter avançado para consigo com propostas sexuais.

E foi esta arguida que teve a ideia de roubar a vítima que conhecia, e propôs à arguida BB e arguido AA o roubo da vítima.

S – Discorda o recorrente da escolha e medida parcelares e única da pena de prisão que lhe foi aplicada, pelo que a final pugna pela sua redução,

T - Impondo-se também, a suspensão da execução da pena por constituir princípio fundamental do sistema punitivo do Código Penal - artigo 40º- o da preferência estribada pela aplicação das penas não privativas da liberdade, consideradas mais eficazes para promover a integração do delinquente na sociedade e dar resposta às necessidades de prevenção geral e especial.

U - Não resulta falta de preparação da arguida BB para manter uma conduta lícita, tudo indicando que os factos foram praticados num contexto de medo da arguida CC e do arguido AA.

V -A sua actuação com a faca, não indicia, só por si, uma tendência «acentuada» para a prática de crimes, de modo a que se lhe deva atribuir insensibilidade e avidez, e conferir dolo intenso a sua actuação.

X - E a ponderação das condições pessoais da arguida, da sua personalidade e conduta anterior e posterior aos factos, bem como as circunstâncias em que estes foram praticados, estão directamente associadas a finalidades de prevenção especial e não a quaisquer factores relacionados com o grau de culpa do agente, cuja sede própria de apreciação é a escolha e determinação concreta da pena, constituindo o limite máximo e inultrapassável desta.

Z - Assim, entende a recorrente que a pena única deverá ser reduzida para pena inferior, e pelos fundamentos acima elencados deve ser suspensa a sua execução, nos termos do disposto no artigo 50.º do Código Penal.

ZA - O Tribunal a quo, ao não ter decidido neste sentido violou o disposto nos artigos 50.º, 53.º, 70.º, 71.º, 72.º e 77.º, nº 1 e 2 todos do Código Penal.

ZB - Não visa o presente recurso tentar eximir as responsabilidades da arguida face às condutas delituosas que praticou, deverá sim ser a mesma condenada, de modo proporcional e adequado às circunstâncias concretas do caso, tendo sempre presente o fim último da pena que é a ressocialização do agente e a sua reintegração na sociedade,

ZC - Nos termos do artigo 40.º do CP, que dispõe sobre as finalidades das penas, “a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade” e “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”, devendo a sua determinação ser feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, de acordo com o disposto no artigo 71.º, do mesmo diploma.

ZD - Encontra este regime os seus fundamentos no artigo 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa (CRP), segundo o qual “a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos”. A restrição do direito à liberdade, por aplicação de uma pena (artigo 27.º, n.º 2, da CRP), submete-se, assim, tal como a sua previsão legal, ao princípio da proporcionalidade ou da proibição do excesso, que se desdobra nos subprincípios da necessidade ou indispensabilidade – segundo o qual a pena privativa da liberdade se há-de revelar necessária aos fins visados, que não podem ser realizados por outros meios menos onerosos – adequação – que implica que a pena deva ser o meio idóneo e adequado para a obtenção desses fins – e da proporcionalidade em sentido estrito – de acordo com o qual a pena deve ser encontrada na “justa medida”, impedindo-se, deste modo, que possa ser desproporcionada ou excessiva.

ZE - A determinação da pena, realizada em função da culpa e das exigências de prevenção geral de integração e da prevenção especial de socialização, de harmonia com o disposto com os artigos citados - 40.º e 71.º - , deve, no caso concreto, corresponder às necessidades de tutela do bem jurídico em causa e às exigências sociais decorrentes daquela lesão, sem esquecer que deve ser preservada a dignidade humana do delinquente.

ZF - Entre tais limites, determinam-se as penas, ponderando, de acordo com o critério estabelecido no artigo 71º do Código Penal, por referência ao estabelecido no artigo 40º do mesmo Código, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, “todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele”.

ZG - Entende-se que a decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Évora é exagerada e desproporcional nas medidas das penas de prisão parcelares aplicadas e pena de prisão única aplicada à arguida BB.

ZH - Atendendo ao disposto pelo art. 412º, nº 2, alínea a ) do C.P.P. o acórdão recorrido violou o disposto nos artºs. 13 CRP, e artºs. 29º, 40º, 70º e 71º nºs 1 e 2 e 50º e 53º, todos do Código Penal,

ZI - E padece o acordão recorrido de erro na determinação da norma jurídica aplicável, susceptível de apreciação, cfr. artº. 412º nº 2 alínea c) do C.P.P., porquanto foi a arguida BB condenada pelo Tribunal a quo, pelo crime de roubo, artº. 210º do C. Penal, e pelo crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artºs. 131º, 132º n.º 1 e 132º, nº 1 e 2, alínea g), do C. Penal, e ao invés deveria a arguida ser absolvida do crime de homicídio e condenada por um crime de roubo agravado cfr. artº. 210º, n.º 2, al. a) e b) e artº. 204º n.º 2, alínea f) do C. Penal, na pena de 3 anos de prisão suspensa na sua execução;

ZJ - Entendendo-se que tal acórdão violou, por erro nos seus pressupostos de facto, o disposto no artº. 131º, 132º nº 1 e 2, al. g) do Código Penal, deve a arguida ser absolvida do crime de homicídio qualificado.

ZQ - Caso V. Exªs. entendam que a arguida BB com a facada quis provocar com a sua conduta a morte do ofendido, por dever de patrocínio sempre caberia a sua actuação com negligência, ainda que grave ou grosseira, representando como possível o resultado, mas confiando que ele não se verificaria, no crime de roubo agravado com resultado morte, cfr. disposto pelo artº. 210 n.º 3 do C. Penal. devendo ser condenada em pena de prisão a fixar dentro dos limites mínimos da moldura abstracta de 8 a 16 anos, em pena não superior a 8 anos de prisão.

ZR - Subsidiariamente, admitindo-se o enquadramento jurídico penal efectuado pelo tribunal a quo, na determinação da medida concreta da pena violou-se o disposto nos artºs. 40º, 71º nºs 1 e 2, todos do Código Penal, porquanto a pena de prisão deveria situar-se nos limites mínimos, ou seja quanto ao crime de roubo, artigo 210, nº 1 do C.Penal, em 1 ano de prisão, e quanto ao crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artºs. 131º, 132º n.º 1 e 132º, nº 1 e 2, alínea g), do C. Penal , em 12 anos de prisão, e, em cúmulo, dever a arguida ser condenada em pena única de prisão não superior a 12 anos de prisão.

Termina pedindo que o acórdão seja revogado.

3.2. A arguida CC no seu recurso, apresentou as seguintes conclusões:

1º A recorrente foi condenada pelo crime de homicídio pp 132º n.º 2 do CP alíneas G) qualifica o crime por Ter em vista preparar/facilitar, executar ou encobrir um outro crime, facilitar a fuga ou assegurar a impunidade do agente de um crime; e J ) qualifica o crime por Agir com frieza de ânimo, com reflexão sobre os meios empregados ou ter persistido na intenção de matar por mais de vinte e quatro horas;

2º Ora, efetivamente a aqui Recorrente não nega que, no caso em apreço, ela e os outros Arguidos elaboraram um plano para subtraírem os pertences de EE. Para o efeito, a Arguida CC contactou telefonicamente EE, tendo combinado encontrar-se com o mesmo no Parque Industrial ... em .... Uma vez que este teve dificuldades em encontrar o local acordado, CC encontrou-se com EE no Mini Preço ... e dali ambos se deslocaram para o Parque Industrial ..., onde já se encontravam a aguardá-los os Arguidos BB e AA.

3º No entanto, não ficou provado que a Recorrente tivesse intenção de matar a Vitima , o único objetivo da Recorrente era roubar a vítima, jamais de causar a morte desta

4º Em momento algum se prova que a aqui Recorrente e arguida CC teve qualquer participação na execução das agressões da vítima que culminaram na sua morte

5º Nada prova que a Recorrente soubesse que no local existiam extintores de incendio e que estes iriam ser usados pelo Arguido como meio de agressão da vítima.

6.º A Recorrente nunca planeou ou previu que o Arguido AA atuasse com tal nível de violência, servindo-se de um extintor para desferir fortes golpes na cabeça da vitima a ponto de serem estas a causa da sua morte, tal como confirma o relatório da autopsia (lesões crânio-meningo-encefálicas)

7º Não se encontra provada qualquer premeditação ou plano da Recorrente para matar a vítima, ou sequer equacionar que isso fosse acontecer, mas unicamente a de roubar

8º Assim sendo, o objetivo da Recorrente era apenas o de facilitar o roubo da vítima, mas nunca o desfecho dos acontecimentos tal como sucederam

Mas mais,

9º A Recorrente foi condenada pelo crime de homicídio qualificado previsto e punível pelo referido artigo 132º CP que constitui uma forma agravada do crime de homicídio simples previsto e punível no artigo 131 ° CP

10º O agravamento do tipo legal de homicídio qualificado produz-se não através da previsão de circunstâncias típicas fundadas em maior ilicitude do facto, mas antes em função de uma culpa agravada, isto é, de uma "especial censurabilidade ou perversidade" da conduta (cláusula geral enunciada no nº 1 do art. 132º cp), revelada pelas circunstâncias indicadas no n° 2.

11º Ora, a recorrente entende que o tribunal a quo não a poderia ter condenado pela prática de um crime de homicídio qualificado art.132º n.º 2, alíneas g) e J) tal como os outros arguidos uma vez que, face ao artigo 29º do Cód. Penal, cada comparticipante é punido segundo a sua culpa, independentemente da punição ou do grau de culpa dos outros comparticipantes e neste caso concreto, duvidas não há que a sua culpa é totalmente diferente da dos outros arguidos

12º A qualificação do homicídio passa por uma “afirmação genérica de um especial tipo de culpa, uma culpa agravada que o agente revela com a sua atuação. O tipo de culpa do art. 132.º do Código Penal integra elementos de culpa traduzidos na maior censurabilidade ou perversidade reveladas pelo agente, correspondendo a um grau de censura agravado, Comentário Conimbricense do Código Penal – Parte Especial, 2ª edição, Coimbra Editora, 2012, Tomo I, p. 51.

13º O Homicídio qualificado art. 132º do cp, prevê assim um tipo agravado de culpa

14º A Recorrente entende que as qualificativas que se consideram verificadas no art. 132.º, alíneas g) e j) do cp, pelo qual todos os arguidos foram condenados, não se transmitem a si,

15ºAo invés, por força do artigo 29º do Cód. Penal, cada comparticipante num determinado homicídio é punido com as circunstâncias qualificativas que se verifiquem em relação a ele - cfr. Pinto Albuquerque, ibidem, p. 518, nota 31.

16º As situações dos exemplos - padrão referidos no n.º 2 do artigo 132º do Cód. Penal, são relevantes por via da culpa, e não da ilicitude e, por isso, não são comunicáveis, mas autónoma em relação a cada comparticipante, aplicando-se o disposto no art. 29.º do Código Penal

17º Está excluída em relação à Recorrente a especial censurabilidade ou perversidade que traduz o juízo de culpa agravada e a que se refere o n.1 do artigo 132 do Código Penal.

18º Daqui resulta necessariamente que os exemplos-padrão que o tribunal a quo considerou verificados foram-no exclusivamente pela atuação do arguido (constante das al. J) e G)), pelo que não se transmitem à arguida/Recorrente, que assim deverá ser absolvida da prática do crime de homicídio qualificado.

19º O Tribunal “a quo” ao ignorar por completo a aplicação do art. 29 do código penal bem como dos requisitos do art. 132 n.º 1 e 2 do cpenal, violou a lei, decidiu mal e errou na condenação das Recorrente

20º Na verdade, dos factos provados não resulta que a Recorrente tenha agido com persistência de intenção, pois que esta não teve qualquer participação na execução dos factos de homicídio, praticados exclusivamente com intenção, modo e intensidade pelo arguido AA e arguida BB, a mando deste.

21º Neste caso concreto, não se pode retirar que a Recorrente tivesse qualquer premeditação, intenção ou dolo de cometer homicídio contra a vitima, art. 14º n.º 1 e 2CP- Age com dolo quem, representando um facto que preenche um tipo de crime, atuar com intenção de o realizar ,

22º E, nem com dolo eventual se pode dizer que a Recorrente praticou o crime de homicídio qualificado uma vez que, nunca houve da parte da Recorrente “ a realização de um facto que preenche um tipo de crime como representação ou consequência possível da conduta, art. 14º n.º 3 do cp. Pois a Recorrente nunca pretendeu ou imaginou que do Roubo resultasse a morte da vítima causada pelo arguido AA, conduta essa da sua única iniciativa e vontade da qual a recorrente jamais poderá ser culpada, não podendo assim ser responsabilizada por este crime tal como os outros arguidos, art. 29º do CP

Mais,

23º Jamais a Recorrente poderia ter sido condenada com uma pena exatamente igual à da arguida BB, ao entender assim, também o Tribunal “ a quo” violou a lei, concretamente o art. 71º do CP pois a determinação da medida da pena é feita em função da culpa do agente, por isso,

24º Entende a Recorrente que, face ao grau de participação que teve nos factos em comparação com a do arguido AA e da arguida BB, terá necessariamente de haver diferenciação na pena aplicável, tanto mais que a Recorrente foi condenada exatamente com a mesma pena da arguida BB que usou a faca na vítima, sendo que, a sua participação (da recorrente) na execução da agressão foi nula

25º A Recorrente aceita que a sua conduta tenha sido essencial para que o crime de roubo se concretizasse, mas nunca para que o crime de homicídio tivesse lugar

26º Não é a Recorrente que descobre e utiliza os instrumentos de agressão que o Arguido AA usou, nem tem conhecimento prévio dessa descoberta e utilização.

27º O crime de homicídio qualificado a que a Recorrente foi condenada, resultou claramente de uma única vontade, a do arguido AA, vontade essa de que a Recorrente não pode ser culpabilizada

28º A Recorrente nunca teve a intenção de matar, esta viu-se enredada numa situação de homicídio que não estava nos seus planos, devido à motivação anómala determinada pelos outros arguidos

29º Assim, a Recorrente é coautora apenas do crime de Roubo art. 210º do CP devendo ser absolvida do crime de homicídio qualificado pois , de acordo com o principio da culpabilidade do direito penal não há crime sem culpa e é a culpa que decide a medida da pena

30º Por outro lado, o homicídio qualificado é a forma mais grave de condenação por homicídio, pelo que a condenação por este tipo legal de crime em concreto nunca se poderia aplicar à Recorrente

Assim,

31º Ao condenar como fez, o tribunal a quo decidiu com completa violação das regras penais do art. 29º do CPenal e ainda das regras penais do art. 71.º do CP, porquanto a determinação da medida da pena é feita em função da culpa do agente O ar. 71.º do C.P. estabelece no seu n.º 1 a orientação base para a medida da pena a aplicar: “ A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente…”

32º Houve assim uma participação diferente na prática dos factos, com graus de culpa totalmente distintos face aos factos dados como provados, não esquecer que nos termos do art. 40.º/2 do Cpenal a medida da culpa limita a medida da pena, e também aqui o Coletivo violou a lei pois, enquanto a Recorrente facilitou a prática do roubo, veja-se os factos 4, 6 e 7 da matéria de facto dada como provada, as agressões que resultaram na morte foram praticadas unicamente pelos outros dois arguidos, veja-se factos 8, 9, 10

33º Foi o arguido AA, pessoa agressiva e violenta e com longo cadastro criminal, que decidiu/ escolheu atuar como o fez, com excesso de violência e a arguida BB que agrediu a vítima com a faca

34º É aliás o próprio tribunal “ a quo “ que reconhece e Fundamenta ainda no acórdão que : “ independentemente de quem deu o mote, o certo é que os três Arguidos se deslocaram ao local com a intenção de, pelo menos, assaltar o Ofendido” , pelo que Recorrente não nega a sua participação no roubo, mas nunca no homicídio qualificado

E, fundamenta ainda o acórdão que;

35º “as agressões que provocaram as lesões mais graves foram levadas a cabo pelo Arguido AA que desferiu, pelo menos, dois golpes na cabeça daquele com um extintor;

36º Ora, aqui a atuação do arguido AA foi completamente individual e independente da vontade da Recorrente

37º Assim, por tudo o supramencionado o Tribunal “ a quo” não poderá condenar a Recorrente por um crime de homicídio qualificado art. 132º do cp em que não está provada qualquer intenção ou participação desta, devendo por isso ser absolvida do crime de Homicídio qualificado.

DA VIOLAÇÃO DO ART. 71º N.º 2 do Código penal

38º Na determinação da pena aplicável à Recorrente, o tribunal não teve devidamente atenção às exigências a que a lei, art. 71º do código penal, quando estipula que “na determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”

39º Por outro lado, determina ainda o art. 71º n.º 2 do Cpenal que na determinação da medida da pena se deve ter em conta todas as circunstâncias que depuseram a favor do agente, e a verdade é que, para além da ausência de antecedentes criminais, estar inserida social, laboral e familiarmente, pois sempre trabalhou e pagou sozinha as suas despesas e do seu filho menor de idade,

40º O Tribunal “ a quo” não teve em conta o fato da conduta da Recorrente ser uma atuação ocasional e não de tendência criminosa

41º O Tribunal “ a quo” ignorou a atitude da Recorrente de colaboração, ao contar os factos à Policia criminal e Ministério Publico que foi essencial para a descoberta da verdade, tanto mais que a lei lhe permitia remeter-se ao silencio e nada ficaria provado., mas não foi isso que fez.

42º Foi unicamente devido à colaboração da Recorrente que se apurou quem eram os outros arguidos e bem como a sequencia e prática dos factos, algo que o Tribunal em momento algum valorizou

43º O Tribunal da Relação de Évora reduziu a pena da Recorrente, no entanto, entende ser de manter a condenação pelo crime de homicídio qualificado e a existência de dolo eventual, o que a Recorrente discorda tendo em conta o supra exposto

Termina pedindo a revogação do acórdão recorrido, com a sua absolvição do tipo legal de crime homicídio qualificado art. 132º CP, sendo condenada com aplicação dos princípios penais previstos nos art.º. 29º do Cpenal, art. 71º n.º 1 e 2 do código penal e art 40 n.º 2 do código penal.

4.1. Na Relação, o Ministério Público respondeu aos recursos, apresentando as seguintes conclusões:

1. Sem prejuízo das questões atinentes aos limites dos poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça e à falta de apresentação de conclusões pelo recorrente AA, o douto acórdão recorrido do Tribunal da Relação de Évora encontra-se devidamente fundamentado e não omite pronúncia relativamente a cada uma das questões suscitadas pelos arguidos nos recursos que interpuseram do acórdão do tribunal coletivo do Juízo Central Criminal de ....

2. À vista da realidade factual, objetiva e subjetiva, definitivamente assente, a conduta dos recorrentes foi corretamente subsumida aos crimes pelos quais vieram a ser condenados.

3. As penas aplicadas pelo douto acórdão recorrido não são exageradas e ajustam-se aos critérios e finalidades emergentes dos artigos 40.º, n.ºs 1 e 2, e 71.º do Código Penal.

4.2. Também o assistente DD veio em articulado próprio aderir à resposta do Ministério Público aos recursos dos arguidos.

5. Subiram os autos a este Tribunal e, o Sr. PGA emitiu parecer no sentido de acompanhar a Resposta do MP na Relação e, para além de promover a formulação de convite quanto ao recurso do arguido AA por não ter apresentado conclusões, no mais concluiu que não merece censura o acórdão do TRE sob recurso.

6. No exame preliminar a Relatora ordenou que fossem colhidos os vistos legais, tendo-se realizado depois a conferência e, dos respetivos trabalhos, resultou o presente acórdão.

II. Fundamentação

7. Consta do acórdão sob recurso, na parte relativa à decisão sobre a matéria de facto, o seguinte1:

O Tribunal a quo deu como provados os seguintes factos (transcrição):

1. Em data não concretamente apurada, mas entre Janeiro de 2018 e 12 de Fevereiro de 2018, a Arguida CC conheceu EE no supermercado Intermarché ... em ..., onde a Arguida trabalhava.

2. EE por diversas vezes abordou a Arguida CC, fazendo-lhe propostas de cariz sexual e, apesar da Arguida não aceitar tais propostas, guardou o número de telemóvel daquele dizendo-lhe que iria falar com uma amiga que talvez estivesse interessada.

3. No dia 11 de Fevereiro de 2018, após conversar com a Arguida CC sobre a proposta de EE, a Arguida BB deslocou-se ao ... acompanhada pelo seu namorado, o Arguido AA, tendo ambos pernoitado em casa da Arguida CC.

4. Ainda no mesmo dia, a Arguida CC contactou telefonicamente EE para o n.º .......55, utilizando para tal o seu n.º .......75, tendo agendado com o mesmo encontrar-se no dia seguinte de manhã no Parque Industrial ... em ....

5. Em momento anterior ao encontro com EE no dia ... de Fevereiro de 2018, os Arguidos elaboraram um plano para subtraírem os pertences daquele.

6. Ainda nessa manhã, por EE ter dificuldades em encontrar o local acordado, encontrou-se com a Arguida CC no Mini Preço ... em ....

7. Dali, ambos se deslocaram para o Parque Industrial ..., onde já se encontravam a aguardá-los os Arguidos BB e AA.

8. Chegados ao local, a Arguida CC e EE deslocaram-se, por indicação daquela, para o interior do edifício, para a zona das casas de banho, onde se encontravam, escondidos, os Arguidos BB e AA.

9. Já no interior do edifício, enquanto a Arguida CC falava com EE, o Arguido AA surgiu pelas costas do Ofendido e procurou manietá-lo, agarrando-o pelo braço e, depois, pelo pescoço e, com um extintor de incêndio na mão, usando luvas de látex, foi-lhe desferindo-lhe pelo menos dois fortes golpes na cabeça.

10. Apesar de atordoado com as pancadas e já caído no chão, EE tentava soltar-se, remexendo-se, tendo um dos Arguidos pedido ajuda à Arguida BB, dizendo-lhe “espeta-lhe a faca”.

11. A Arguida BB, com luvas calçadas e munida de uma faca, desferiu pelo menos um golpe na zona abdominal de EE.

12. Os Arguidos retiram, então, do bolso de EE, 60 € (sessenta euros) em numerário, um cheque no valor de 2.788,11 € (dois mil setecentos e oitenta e oito euros e onze cêntimos), com n.º ........60 do Banco Santander Totta, o cartão de cidadão e um telemóvel pertencentes ao Ofendido.

13. Já no exterior, os Arguidos comentaram que “o homem devia morrer” e seguiram os três a pé até à estação de autocarros de ....

14. No percurso até à estação de autocarros de ..., um dos Arguidos atirou o referido telemóvel e o cartão de cidadão do Ofendido EE para o meio da vegetação.

15. Na estação de autocarros de ..., os Arguidos CC, BB e AA, com os 60€ que haviam retirado ao Ofendido EE, compraram três bilhetes com destino a ...- Lisboa.

16. Ainda durante a viagem até ..., a Arguida CC telefonou a FF, tendo marcado encontro com o mesmo no ....

17. Ainda no mesmo dia, já no ..., a Arguida CC apresentou FF aos Arguidos BB e AA.

18. Os Arguidos pediram então a FF para que procedesse ao depósito do referido cheque no valor de 2.788,11 € (dois mil setecentos e oitenta e oito euros e onze cêntimos) na sua conta, para posteriormente lhes entregar o respetivo montante em numerário.

19. FF concordou e deslocou-se ao multibanco da agência do Banco Santander Totta, sito na Avenida ..., no ..., onde depositou o referido cheque.

20. Apesar de gravemente ferido, o Ofendido EE ainda conduziu a carrinha de matrícula ..-..-JO, até às instalações da empresa P......., onde, após ter tido paragem cardiorrespiratória, foi socorrido e transportado para o Hospital de ....

21. Em consequência directa das pancadas na cabeça e facadas desferidas pelos Arguidos BB e AA, o Ofendido EE sofreu:

- Hematoma subdural agudo adjacente a tenda, junção falcotentorial e à foice, hematoma no sobreolho esquerdo, hematoma volumoso epidural agudo convexidade cerebral dta. (38mm), lesões isquémicas agudas secundárias nas cabeças dos núcleos caudados e palidocapsulotalâmicos bilaterais, bem como lesão isquémica córtico-subcortical temporo-occipito mesial e basal direita e hemorragia de Duret no tronco cerebral;

- Coleção hemática extra-axial, subdural ou mista (componente epidural), na convexidade temporoparietal direita de 17mm de espessura, focos de pneumocefalia extra-axial nas convexidades frontais anteriores bilaterais e no hematoma extra-axial, fina lâmina hemática e pequenos focos de pneumocefalia subdurais agudos na convexidade frontotemporal esquerda. Escoriação médio-frontal com 21x15mm; equimose arroxeada com halo esverdeado na região ocular direita com 5,5x2cm e esquerda com 1x0,6cm;

- Duas feridas inciso perfurantes na zona da base lateral posterior do hemitórax esquerdo e direito que atingiram os tecidos moles e o fígado, com 1,5 cm de largura, sofreu hemorragia subaracnoideia aguda em sulcos da convexidade temporal homolateral, em fase de internamento e resultante das lesões sofreu um enfarte.

22. O Ofendido EE foi submetido a cirurgia e permaneceu em coma, vindo a falecer pelas 08h45m do dia ... de Fevereiro de 2018.

23. Em consequência direta das condutas dos Arguidos CC, BB e AA, o Ofendido EE sofreu lesões crânio-meningo-encefálicas, complicações de pulmão e enfarte do miocárdio que lhe causaram a morte.

24. Os Arguidos CC, BB e AA, em conjugação de esforços, na concretização de um plano previamente traçado, usaram como meio para a plena concretização dos seus intentos apropriativos, violência física e psíquica contra o Ofendido EE, colocando-o na impossibilidade de resistir o que lhes permitiu apoderarem-se dos bens àquele pertencentes.

25. Ao assenhorearem-se da quantia monetária de 60€, do cheque no valor de 2.788,11 € (dois mil setecentos e oitenta e oito euros e onze cêntimos), do telemóvel e do cartão de cidadão do Ofendido, levando-os em seu poder, os Arguidos tiveram o propósito de os integrar no seu património, fazendo-os coisas suas, bem sabendo que estes não lhes pertenciam e que actuavam, sem o consentimento, contra a vontade e em prejuízo do seu legítimo proprietário, EE.

26. Os Arguidos CC, BB e AA sabiam que BB tinha na sua posse uma faca, que utilizou, desferindo pelo menos um golpe na zona abdominal do Ofendido EE.

27. O Arguido AA, ao desferir várias pancadas na cabeça, zona vital de EE, utilizando para tal um extintor de incêndio, com este já prostrado no chão, esvaído em sangue, quis provocar a morte do Ofendido.

28. O Arguido AA conformou-se com os actos praticados por BB, aos quais aderiu.

29. A Arguida BB ao desferir pelo menos uma facada na zona abdominal, zona vital de EE, com este já prostrado no chão, quis provocar a morte do Ofendido.

30. A Arguida BB conformou-se com os actos praticados pelo Arguido AA, aos quais aderiu.

31. A Arguida CC tomou parte na execução do crime, tendo desempenhado um papel essencial, ao atrair de forma astuta o Ofendido EE para o local do crime.

32. A Arguida CC conformou-se com os actos praticados pelos Arguidos AA e BB, aos quais aderiu, representou como possível a morte do Ofendido EE e conformou-se com tal resultado.

33. Os Arguidos agiram de forma livre, consciente e deliberada, pois bem sabiam que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

Do Pedido de Indemnização Civil de DD

34. Muito embora tenha sido submetido a uma cirurgia, EE acabou por permanecer em coma, acabando por falecer sete dias depois, no dia ... de Fevereiro de 2018.

35. A Vítima era uma pessoa muito trabalhadora que demonstrava grande dinamismo e alegria de viver, cultivava amizade com os colegas e familiares e gozava de uma boa reputação no meio social onde estava inserido.

36. A sua morte impediu-o de envelhecer e ver a sua família crescer, de conhecer os eventuais netos e brincar com eles e de conhecer ainda melhor o seu filho, ora Demandante, cuja relação tinha crescido no ano de 2016.

37. Desde o momento em que se iniciaram os confrontos físicos entre a Vítima e os Demandados, a primeira sofreu lesões que lhe causaram dores físicas intensas e agonia.

38. EE foi deixada ao abandono para morrer.

39. Foi-lhe levado o seu telemóvel para que não conseguisse pedir socorro.

40. A Vítima, quer no momento dos factos, quer no momento em que ficou ao abandono a esvair em sangue, quer no momento em que arranjou forças para conduzir a sua carrinha de forma a pedir ajuda, sofreu dores com consciência da probabilidade escassa de sobreviver.

41. O Demandante é filho de EE.

42. À altura em que o seu pai faleceu, o Demandante ficou sem seu apoio, quer monetário, quer emocional.

43. O Demandante residia apenas com a mãe há largos anos, fazendo a sua vida entre ... e ....

44. Quando a mãe decidiu emigrar definitivamente para ..., aproximadamente no ano de 2016, o Demandante decidiu ir viver com o pai.

45. Queria recuperar o tempo perdido relativamente ao tempo em que não tinham residido juntos.

46. Mudou-se para ..., na qualidade de estudante e foi residir com o pai para um apartamento arrendado.

47. Era o pai que pagava todas as despesas de ambos, não tendo o Demandante ainda iniciado a sua vida laboral.

48. Tinham uma vida estável financeiramente, fruto do trabalho de EE.

49. Nos dois anos em que residiu com o seu pai, o ora Demandante ficou extremamente grato por ter tomado tal decisão.

50. Pai e filho passaram a ter momentos importantes de lazer, de conhecimento mútuo, de conexão e de afecto.

51. Após a prática dos factos pelos Demandados que resultou na morte de EE, o Demandante sentiu-se desamparado.

52. Para além disso, não tinha qualquer forma de rendimento, não tinha como pagar a renda da casa nem a comida que precisava para sobreviver.

53. Ficou na iminência de perder o único teto que tinha.

54. Teve que iniciar a sua vida laboral para conseguir viver.

55. Viveu durante algum tempo em condições incertas.

56. Para além de se encontrar num estado psicológico angustiante, depressivo e sem qualquer alento, o Demandante teve que arranjar forças para conseguir combater a situação de carência económica em que se encontrava.

57. Após perder todo o apoio que tinha por parte do seu pai, o Demandante ficou em estado de stress constante, angústia, inquietação, sofrimento e desespero.

58. Após a morte do seu pai, o Demandante teve de recomeçar a sua vida noutro lugar, não conseguindo suportar a ideia de continuar a residir na casa que partilhava com o pai, nem em ....

59. Em consequência, passou a residir em ..., mas mantém o seu emprego na cidade de ..., por necessidade, fazendo uma viagem de aproximadamente 70 Km por dia.

60. Ainda hoje o Demandante apresenta marcas psicológicas como consequência dos factos praticados pelos Arguidos.

61. Toda a brutalidade dos factos tirou muitas noites de sono ao Demandante, bem como tirou a vontade de viver durante muito tempo.

62. O Demandante deve que passar a pagar a renda da casa arrendada onde residia com o pai até à data dos factos.

63. Teve que suportar as despesas de alimentação, saúde, entre outros, que antes não suportava.

Do Pedido de Indemnização Civil do Centro Hospitalar Universitário ...:

64. Em consequência dos factos descritos em 9. a 11. foram prestados a EE, na Unidade Hospitalar de ..., tratamentos médicos/hospitalares urgentes e internamento entre 12.02.2018 e 19.02.2018, tudo no valor total de € 26.407,52 (vinte e seis mil, quatrocentos e sete euros e cinquenta e dois cêntimos).

Da Defesa da Arguida BB

65. Consta da “Informação Psicologia”, datada de 02.02.2022, o seguinte:

“A reclusa BB, iniciou o seu acompanhamento psicológico a 1 de Julho de 2021, por encaminhamento de Psiquiatria, pois à altura verbalizava ideação Suicida.

Em atendimento apresentava um pensamento e discurso organizado com humor de tonalidade depressiva e labilidade, tendo sido possível apurar culpabilidade e desesperança. Verbalizava Ideação Suicida estruturada.

Perante esta alteração emocional e comportamental, foi encaminhada para consulta de Psiquiatria de urgência no Hospital Prisional .... À data não apresentava critérios de internamento.

Manteve acompanhamento psicológico quinzenal, tendo o seu quadro psicológico estabilizado muito embora mantivesse humor depressivo e comportamentos, a espaço, impulsivos, tornando a sua conduta pouco previsível.

Em Novembro de 2021, é novamente encaminhada para o Hospital Prisional por descompensação do seu quadro emocional, onde ficou internada por uma semana.

Regressada, continuou a ter acompanhamento psicológico, tendo o seu quadro voltado a estabilizar.”

66. Consta da “Informação Médica”, datada de 04.02.2022, o seguinte:

“A reclusa acima indicada foi observada em Consulta de Psiquiatria neste Estabelecimento Prisional (EP) nos dias 30 de Junho, 21 de Julho, 4 de Agosto, 1 de Setembro, 20 de Outubro, 5 e 10 de Novembro e 9 de Dezembro de 2021. Manteve também acompanhamento regular em Consulta de Psicologia.

Logo após a sua chegada ao EP em Julho, e novamente no mês de Novembro, foi necessário encaminhar a reclusa ao Hospital Prisional de ..., para observação em Consulta de Psiquiatria de Urgência – dias 2 de Julho e 11 de Novembro – em virtude do quadro clínico apresentado, que incluía humor deprimido, desesperança, verbalização de arrependimento e culpabilização em relação ao crime cometido, ideação e intencionalidade suicidas. Da primeira vez, na sequência de se ter apercebido que escondeu um fio no cabelo para tentar o método de enforcamento, sendo que depois negou esta intenção ao médico da Urgência. Da segunda vez, os sintomas ocorrem na sequência de alguma deterioração da sua relação com o pai, e teve mesmo indicação de internamento, onde ficou durante 7 dias. De referir contudo que, no intervalo de tempo entre as suas idas ao Hospital, apresentou melhoria do quadro descrito, sendo que a 4 de Agosto foi registada melhoria subjectiva e objectiva em termos de humor, e a reclusa negava ideação suicida. Na última consulta relatou maior ansiedade, possivelmente reactiva à aproximação da data do seu Julgamento.”

Mais se apurou

Quanto ao Arguido AA

67. Fruto de um breve relacionamento afectivo entre os seus pais que viria a terminar ainda antes do seu nascimento, o Arguido foi entregue ainda bébé aos cuidados dos avós maternos, mantendo contactos regulares com a mãe, residente na mesma zona, mas que teve mais 4 filhos. O processo de crescimento de AA decorreu de forma gratificante com os seus avós mas em zona residencial problemática, mascada pela delinquência e criminalidade no quadro de uma dinâmica familiar proteccionista e permissiva.

68. AA registou um trajecto escolar de reduzido aproveitamento e elevado absentismo, abandonado os estudos no 5º ano de escolaridade, apenas com 14 anos de idade. A fase de inactividade que se seguiu não foi contrariada pela família e o Arguido, enquadrado em grupo de pares com condutas desviantes assumiu o mesmo tipo de comportamentos, situação que o levou aos primeiros contactos com o sistema de justiça, tendo sido alvo de medida tutelar de internamento em centro educativo durante cerca de 2 anos e meio, onde fez formação na área da carpintaria e jardinagem, mas sem completar nessa altura o 7º ano de escolaridade.

69. Findo o internamento, o Arguido reintegrou o agregado dos avós maternos e voltou aos anteriores comportamentos criminais, resumindo-se a sua experiência laboral a trabalhos pontuais como servente de ..., sendo a sua subsistência assegurada pelos familiares. Esta persistência em condutas delituosas conduziu AA a condenação em prisão efectiva pela prática de vários crimes de roubo, tendo estado preso entre 2009 e 2016, pena marcada por problemas disciplinares, embora tenha conseguido terminar na prisão o 3º ciclo do ensino básico.

70. Saído em liberdade condicional, reintegrou a habitação do avô materno, mas a falta de oportunidades de trabalho levou-o, no princípio de 2017, para o concelho da ... para tarefas na construção civil, actividade onde se manteve cerca de 5 meses. Voltou depois para junto do avô mas a persistência de uma situação de desemprego motivou a sua vinda para casa de amigos no ..., ocupando-se em part-time a trabalhar em festas (raves). A partir de Janeiro de 2018, deixou definitivamente a habitação da família e passou a viver em ... com a namorada BB, coarguida nos presentes autos, relação terminada ainda nesse ano.

71. Depois de ter cumprido a medida de liberdade condicional, voltou a ser preso em Julho de 2018 para cumprir uma pena de 6 meses de prisão, tendo sido colocado em liberdade em Janeiro de 21019, mas novamente detido em Fevereiro de 2019, permanecendo no sistema prisional até Abril de 2020, quando foi libertado ao abrigo da Lei nº 9/2020.

72. Desde meados de 2020 que AA mantem uma união de facto estável com GG, 27 anos, incluindo-se neste agregado a filha da companheira, HH, de 5 anos. A residência do agregado situa-se em bairro camarário na Rua Marechal ..., nº 12, 1º esquerdo, ..., .... O casal paga 10 euros de renda de casa pelo apartamento T2 e GG trabalha na Pr... onde aufere cerca de 700 euros, enquanto o Arguido trabalhou vários meses na construção civil até ser detido à ordem dos presentes autos em Junho de 2021, estando agora no Estabelecimento Prisional de ... onde aguarda julgamento.

73. Desde a sua prisão, AA tem continuado a contar com todo o apoio por parte da companheira, que o visita semanalmente no estabelecimento prisional. Frequenta, na cadeia, o curso ‘Formar para Integrar’, mas não exerce qualquer função laboral, embora também não regista problemas disciplinares até ao momento.

74. AA foi também condenado no processo nº 32/19.5... - Juízo Central Criminal de .../J3 a uma pena de 2 anos e 9 meses de prisão por tráfico, estando ligado a estes autos desde 22.11.2021 para cumprimento da pena aplicada.

75. Do seu Certificado de Registo Criminal constam as seguintes condenações:

- no Processo Abreviado nº 91/09.9..., por decisão de 09.12.2009, transitada em julgado em 08.01.2010, pela prática, em 28.04.2009, de um crime de Roubo, na pena de 4 anos de prisão suspensa na sua execução com Regime de Prova;

- no Processo Comum Singular nº 247/09.4..., por decisão de 29.04.2010, transitada em julgado em 19.05.2010, pela prática, em 23.04.2009, de um crime de Roubo, na pena de 2 anos de prisão suspensa na sua execução;

- no Processo Comum Colectivo nº 716/07.0..., por decisão de 21.12.2009, transitada em julgado em 26.07.2010, pela prática, em 10.10.2007, de cinco crimes de Roubo e, em 10.09.2007, de três crimes de Roubo na forma tentada, na pena de 4 anos e 2 meses de prisão;

- no Processo Comum Singular nº 690/08.6..., por decisão de 07.07.2010, transitada em julgado em 29.09.2010, pela prática, em 19.04.2008, de um crime de Roubo, na pena de 2 anos e 9 meses de prisão;

- no Processo Sumário nº 483/20.0..., por decisão de 13.07.2020, transitada em julgado em 28.09.2020, pela prática, em 10.07.2020, de um crime de Condução Sem Habilitação Legal, na pena de 80 dias de multa;

- no Processo Comum Singular nº 4/11.8GBSNT, por decisão de 14.01.2013, transitada em julgado em 04.02.2013, pela prática, em 04.08.2011, de um crime de Tráfico de Menor Gravidade e, em 04.09.2011, de um crime de Consumo de Estupefacientes, na pena de 7 meses de prisão;

- no Processo Comum Singular nº 4107/12.3..., por decisão de 11.03.2014, transitada em julgado em 10.04.2014, pela prática, em 25.09.2012, de um crime de Injúria Agravada e de um crime de Ofensa à Integridade Física Qualificada, na pena de 9 meses de prisão;

- no Processo Comum Colectivo nº 22/08.3..., por decisão de 18.09.2017, transitada em julgado em 18.10.2017, pela prática, em 07.01.2008, de um crime de Roubo, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão suspensa na sua execução com Regime de Prova;

- no Processo Sumário nº 956/17.4..., por decisão de 19.09.2017, transitada em julgado em 13.04.2018, pela prática, em 28.08.2017, de um crime de Detenção de Arma Proibida, na pena de 6 meses de prisão;

- no Processo Comum Colectivo nº 32/19.5..., por decisão de 18.01.2021, transitada em julgado em 06.09.2021, pela prática, em 11.02.2019, de um crime de Tráfico de Estupefacientes, na pena de 2 anos e 9 meses de prisão.

No que se refere à Arguida BB

76. BB é natural da ..., município de ..., de nacionalidade Cabo-verdiana. A Arguida é a mais nova de uma fratria de três membros, com irmãos uterinos, respetivamente uma irmã de 32 anos e um irmão de 29 anos de idade.

77. Na sequência da separação dos progenitores, quando a Arguida contava dois anos de idade, passou a integrar o agregado familiar do seu pai, na freguesia da ..., do concelho de ..., em casa deste localizada em meio rural, numa zona campestre povoada por grande extensão de hectares de vinhas.

78. O núcleo familiar era constituído pela própria Arguida, o seu pai e uma prima, II (filha de uma tia paterna), sendo que habitava uma casa tipo vivenda de dois pisos, cujo piso de cima era ocupado pelo referido agregado familiar e o piso debaixo era ocupado por amigos conterrâneos de seu pai.

79. O seu crescimento decorreu num ambiente familiar caracterizado como tranquilo e funcional, com manifestações afectivas entre os elementos da família, com particular destaque, no período da sua adolescência.

80. A sua mãe residia no concelho da ..., na freguesia da ..., sendo que, após a separação com o pai, não chegou a manter o relacionamento. A progenitora vivia do produto do seu trabalho, como empresária por conta própria, na área da restauração, proprietária de ..., ..., havendo ainda a referência a prestação de cuidado a idosos. Dos 2 aos 12 anos de idade, o relacionamento que BB estabelecia com sua mãe, circunscrevia-se às suas visitas pontuais, na casa de seu pai, na freguesia de ..., no concelho de ....

81. Pese embora o clima familiar tenha sido descrito pela Arguida como afável e cordial, há a menção de seu crescimento ter sido bastante traumático, com repercussões psicossomáticas, designadamente ter sofrido de uma crise de cegueira, na altura em que frequentava o ensino básico, entre os 7-8 anos de idade. Da observação médica no Hospital de ..., o diagnóstico médico apontava para ter sido uma reacção psicossomática à separação dos pais. Nessas condições, dos 7 aos 9 anos de idade, foi sujeita a um acompanhamento psicoterapêutico.

82. Em termos da sua inserção escolar, aos 9 anos de idade, foi para a Escola Básica ..., sendo que, no decorrer da actividade escolar, teve uma retenção no 5º ano de escolaridade, alegadamente por ter sido mudança drástica relativamente ao ensino básico. Prosseguiu a actividade escolar e veio a concluir o 3º ciclo do ensino básico, aos 15 anos de idade. Prosseguiu os estudos no ensino secundário, na Escola Secundária de ..., onde estudou dos 15 anos em diante, vindo a concluir o 11º ano, aos 18 anos de idade.

83. O período da sua vida que mais prazeroso se lhe apresentou que melhor se recorda com afecto foi dos 15 anos em diante. A subsistência da família dependia do produto do trabalho de seu pai, como ... e sua prima como empregada na área da restauração.

84. A Arguida recorda o sentimento de protecção e sentido de família, na pessoa de sua prima, a que reporta como tendo sido um membro da família fulcral no

desenvolvimento do seu processo de crescimento e na maturação para o estado adulto. Foi nessa fase da sua vida que BB beneficiou do apoio familiar nos diversos subsistemas, designadamente financeiros e escolar, assim como do apoio emocional-afectivo, por parte de seu pai e sua prima.

85. A educação de BB foi sustentada em padrões normativos e preconizando o respeito por terceiros.

86. A figura da progenitora é descrita como uma pessoa ausente, desvinculando-se de todo o seu processo educativo. Apenas tendo se cingindo a visitas pontuais, ainda no período da sua infância.

87. Em termos laborais e do reportado pela Arguida, no seu percurso laboral iniciou-se por volta dos 17 anos de idade, ainda quando estava a estudar, no ensino secundário. Nesse período, em tempo das férias escolares teve a sua primeira experiência de trabalho, como empregada de balcão numa gelataria. Após as férias escolares, retomou a escola no ensino secundário, no 11º ano, na área de línguas e humanidades, na Escola Secundária de .... Ainda com 17 anos de idade, o seu pai pagou-lhe um curso no âmbito das artes preformativas, nomeadamente ..., teatro e televisão, com duração 8 meses, que concluiu próximo de fazer os 18 anos de idade. Nesse âmbito e numa fase adiante, já a trabalhar num restaurante, como empregada de mesa, no município de ..., no ..., foi-lhe apresentada uma proposta de trabalho para exercer actividade para empresa de ... (rede de agências, líder de mercado na gestão de modelos e actores), em .... Para essa empresa apenas teve oportunidade de trabalhar, por dois momentos, cerca de um mês e meio.

88. Não chegou a concluir o 12º ano, entre diversos factores, alegadamente, por ter começado a trabalhar, no mês de ..., como empregada de balcão em cadeia de restaurante de “fast food” de hambúrguer, na ..., no Centro Comercial, em ..., onde trabalhou durante 1 ano e 5 meses.

89. Da falta de trabalho para poder prosseguir na empresa de modelos fotográficos, aos 21 anos de idade, BB procurou outra saída profissional. Trabalhou ainda na cidade de ..., como empregada de ..., em estabelecimento comercial - café, de um Franchising. Trabalhou pelo período de 5 meses, ao fim dos quais apresentou a carta de despedimento, alegadamente pela necessidade de viajar para Cabo-Verde,..., por motivos de ordem familiar, designadamente cerimónia de baptismo da afilhada da prima.

90. Entre os 23 e os 24 anos de idade (2017–2018), regressou ao ... e prosseguiu a actividade laboral, em Centro Comercial como empregada de balcão no atendimento ao público, em cadeia de restaurante de “fast food” de hambúrguer e ainda numa loja de roupa interior de senhora, tendo, no cômputo geral, trabalhado cerca de 6 meses. Por volta dos 25 anos de novo volta a ... e uma vez, na capital, trabalhou num restaurante em ..., num restaurante, pelo período de 3 meses. Posteriormente foi trabalhar para estabelecimento comercial da área da ..., aonde ficou a trabalhar cerca de 2 anos.

91. Do ponto de vista sócio, afectivo e emocional, BB teve um relacionamento com AA, co-Arguido no presente processo, contava a Arguida 24 anos de idade, vivendo então no concelho de ..., freguesia do .... A Arguida refere que este relacionamento foi atravessado por uma grande instabilidade e inquietação, em resultado dos maus tratos a que alega ter sido submetida, num clima de violência doméstica. A relação marital teve a duração de cerca de um ano e são referidos disrupção e ocultação dos maus tratos, pelo receio do seu agravamento.

92. À data da sua detenção, a Arguida encontrava-se a trabalhar num restaurante, na freguesia de ..., do município de ..., onde exercia a função de empregada de mesa, há 2 anos e 6 meses, auferindo o salário de 713€; encontrava-se a viver em casa arrendada, na morada indicada nos autos, Sítio do ... – ..., 2º ....

93. BB deu entrada no E.P. de Tires em 25.06.2021 à ordem dos presentes autos. Apresenta uma atitude correcta, face aos serviços e um comportamento adequado às normas prisionais.

94. Em meio prisional tem sabido responder às solicitações institucionais e tem mantido um comportamento globalmente adequada, não apresentando registos disciplinares.

95. No decurso da actual situação de prisão, tem mantido contactos telefónicos com seu pai, prima, padrinho e amiga. Relativamente às vinculações afectivas, a Arguida destacou os laços coesos mantidos com seu pai, padrinho e prima. Com estes familiares, expressa grande pesar face à sua situação de recluída e de todas as consequências que daí advêm.

96. BB equaciona o futuro de modo a prosseguir com a sua reinserção social, com a sua actividade profissional, de modo a encontrar meios financeiros de subsistência.

97. Relativamente à sua actual situação jurídico-penal, a Arguida apresenta competências do ponto de vista cognitivo e social, que lhe permitem interpretar a realidade e tomar decisões em função das circunstâncias que se lhe deparam e nessa medida consegue relacionar-se de forma adequada com os serviços e com os pares.

98. Os familiares contactos, designadamente seu pai e padrinho, são consentâneos em lhe prestar todo o apoio necessário, dentro das suas possibilidades, aquando da fase de reinserção da arguida.

99. Do seu Certificado de Registo Criminal nada consta.

Relativamente à Arguida CC

100. O processo de socialização de CC decorreu na ...– ..., no agregado familiar de origem, composto pelos pais e três irmãos, sendo a dinâmica familiar referenciada como tendo sido funcional e gratificante. Mantém contacto com os elementos familiares que aí se encontram, nomeadamente irmãos e avó materna, bem como, com os progenitores que se encontram emigrados nos Estados Unidos da América há vários anos. A Arguida demonstrou interesse em se manter a residir em Portugal e visitar a família assim que a situação jurídica penal o permita.

101. Aos 12 anos de idade veio para Portugal, para casa de umas primas em ..., com a finalidade de dar continuidade aos estudos, situação que encarou como uma oportunidade de vir a obter melhores qualificações. Inicialmente terá apresentado algumas dificuldades de adaptação, uma vez que se viu privada do convívio com os familiares directos, referindo que a situação foi ultrapassada com o apoio das primas e com as ocupações lectivas.

102. Em ..., frequentou um curso profissional de “Comunicação, relações públicas, marketing e publicidade”, que lhe deu equivalência ao 12º ano de escolaridade, subsistindo durante esse período com cerca de 300€, correspondente ao valor que recebia de bolsa, juntamente com alguma ajuda enviada pelos seus pais.

103. Após conclusão do curso, em 2013 e com 19 anos de idade, foi viver para o ... para casa de uma prima e começou a trabalhar no M........ .. ........ da ..., onde se manteve durante dois anos, tendo posteriormente exercido diversos tipos de funções, nomeadamente na área da restauração e pastelaria, limpeza em hotéis e na reposição e caixa de um supermercado. Durante este período, manteve-se activa laboralmente e financeiramente independente, situação que lhe terá dado alguma tranquilidade.

104. No plano afectivo, a Arguida refere ter mantido algumas relações de namoro não muito significativas. Tem um filho com seis anos de idade de uma relação de namoro que terá durado cerca de um ano e terá terminado logo após o nascimento do filho. Coube à Arguida assumir-se como a figura privilegiada na condução do processo educativo do filho, uma vez que não há contacto com a figura paterna, o qual não tem prestado qualquer apoio ao longo do seu processo de desenvolvimento.

105. Na altura da emergência do presente processo, CC residia sozinha, num anexo arrendado no ..., encontrando-se a exercer actividade laboral na reposição e caixa do supermercado I.......... ... – ..., subsistindo com o rendimento que auferia que seria o correspondente ao ordenado mínimo. Ocupava o seu tempo na actividade laboral e no convívio com colegas de trabalho.

106. No presente, e desde o início de 2021, CC vive com o filho em quarto arrendado em ... – ..., pagando 250€ com despesas incluídas. Após os acontecimentos pelos quais se encontra acusada, passou a residir no concelho de ..., tendo passado por diversas moradas e alguns empregos na área das limpezas e restauração.

107. Desde Julho de 2021, trabalha no restaurante “G..... .. ......”, em regime de part-time, sem contrato de trabalho, auferindo 5€/hora, totalizando cerca de 500€/mês. Em simultâneo, faz ainda algumas limpezas em casas particulares de pessoas indicadas pela dona do restaurante. Assim, caracteriza a sua situação económica como estável, apesar de alguma contenção, baseando-se o seu sustento no rendimento auferido no âmbito da sua actividade laboral, bem como, alguma ajuda enviada pelos seus progenitores.

108. Em Portugal tem alguns familiares, nomeadamente tias e primas, com as quais não mantém contacto próximo, referindo manter apenas contacto com o amigo JJ e a dona do restaurante onde actualmente exerce funções. O seu quotidiano circunscreve-se essencialmente ao desempenho da sua actividade laboral e o convívio com o filho.

109. Ao nível pessoal, a Arguida apresenta um discurso organizado, fluído, sendo referenciada como pessoa sociável, de trato fácil, empenhada nas tarefas que executa. Os seus projectos futuros, a curto ou médio prazo, dependendo do desfecho do presente processo, centram-se essencialmente na sua autonomia e estabilidade, em casa própria, juntamente com o filho.

110. Do Certificado de Registo Criminal desta Arguida nada consta.

Quanto aos factos não provados, considerou como tal (transcrição):

a) Apesar de atordoado com a pancada, EE agarrou o Arguido AA por trás com o braço no pescoço, vulgo “mata-leão”.

b) Ato contínuo, o Arguido AA desferiu várias cotoveladas no Ofendido EE.

c) Nas circunstâncias acima referidas em 11. a Arguida BB tinha calçadas luvas de látex.

d) Nas circunstâncias referidas em 10. e 11., EE disse aos Arguidos que se o problema era dinheiro que ele dava e o Arguido AA pegou novamente no extintor e desferiu pelo menos mais três fortes pancadas na cabeça do Ofendido.

Da Contestação da Arguida CC

e) A Arguida/Demandada CC nunca soube que os Arguidos AA e BB iriam praticar tais actos tendentes ao homicídio.

f) A Arguida/Demandada CC não teve outra alternativa se não a de conformação, uma vez que a sua própria vida também estava em risco e, caso tentasse impedir o acontecimento e os actos praticados, passaria esta a ser a vítima.

Da Defesa da Arguida BB

g) A Arguida BB praticou os factos por ser pessoa influenciável, por ter receio do Arguido AA da qual era vítima de violência doméstica e por ter medo da Arguida CC.

Fundamentou a formação da sua convicção nos seguintes termos (transcrição):

A convicção do tribunal quanto à matéria dada como provada e não provada assenta no conjunto de prova produzida, apreciada criticamente, e com recurso às regras da experiência,

E, no presente acórdão,

com os limites impostos pela douta decisão do V. Tribunal da Relação de Évora, TRE,

que ordenou o reenvio total dos autos, para novo juízo sobre toda a matéria de facto, com exclusão do que foi declarado nulo, a saber:

- as declarações da arguida CC vertidas para o auto de reconstituição a fls. 920 e 921,

- todas as informações das operadoras de telecomunicações relativamente a todos os arguidos.

Assim,

Quanto ao primeiro dos limites impostos indicados supra,

remete-se para o que consta infra, nos seus precisos termos, a propósito da impossibilidade de valoração das declarações da arguida CC incluídas no auto de reconstituição, concretamente, quanto às declarações incluídas a fls. 920 e 921, que não serão consideradas, mas, sem prejuízo da validade desse auto nos termos constantes de fls. 923 a 938, quanto à reconstituição do facto, ou seja, “o determinar se um facto poderia ter ocorrido de certa forma”, tudo nos precisos termos do que foi decidido e ordenado pelo TRE.

Quanto ao segundo dos limites impostos indicados supra,

se que apenas poderia relevar para a descoberta da verdade quanto à proveniência e validade processual dos meios de prova através dos quais se chegou, durante a investigação, ao conhecimento da identificação e paradeiro dos autores dos factos,

importa esclarecer que tal conhecimento foi obtido pelos investigadores, exclusivamente, mediante a conjugação da informação bancária - do Banco Santander - com o depoimento da testemunha KK em inquérito, e com as declarações da arguida CC prestadas no inquérito, e subsequentes pesquisas e diligências levadas a cabo pela Polícia Judiciária, designadamente, relatórios de diligência externa, (RDE´s), que se encontram devidamente documentadas, tudo sem nenhum contributo ou ingerência das informações que, pontualmente, em fase de inquérito foram sendo solicitadas e fornecidas pelas operadoras de telecomunicações.

Com efeito,

Quanto à arguida CC,

Como se encontra plasmado na cota de fls. 42, logo a 14 de Fevereiro de 2018, dois dias depois dos factos sob investigação, chegou ao conhecimento da PJ, trazida pelo gerente da P....... (LL, id. a fls. 28) a notícia do depósito do cheque ........60 no valor de 2.788,11€, traçado (vd. cópia de fls. 165), na máquina de depósitos do Banco Santander, no ..., no dia 12 anterior – o dia dos factos.

Tal cheque fora emitido por aquela empresa, P......., a favor de EE, a vítima.

Na sequência desta informação, posteriormente, por lhe ter sido solicitado pelos investigadores, veio o Banco Santander informar os autos que o aludido cheque fora depositado na conta de 0003...........20, de que era titular FF, pessoa sobre cujos números de identificação e fiscal também informou – vd. fls. 163 a 168.

Foi, pois, a partir desta informação, subsequentes pesquisas (vd. pesquisas no cartão de cidadão, facebook e ficha da PJ, a fls. 207 a 212) e diligências (vd. fls. 212, 221 a 225, 464 e 465) que a PJ chegou ao conhecimento da identidade daquele depositante e respectiva morada, e, através do depoimento daquele FF, à indicação da arguida CC, como sendo a pessoa de quem recebeu o cheque e a pedido de quem o depositou, pessoa cujo número de telefone e página de facebook facultou, elementos com base nos quais o gabinete de perícia criminalística da PJ chegou à identificação da arguida CC (vd. fls. 468 a 476), e, subsequentemente, após diligências várias (vd. RDE´s de fls. 482, 485, 489) e, com a colaboração do SEF (a fls. 547) e novas diligências (RDE´s de fls. 561, 564, 566, 578) informação da Segurança Social (fls. 587) versando moradas de residência e de locais de trabalho, e novas diligências e vigilâncias (vd. RDE´s de fls. 677, 678, 679, 680) consultas de bases de dados (vd. fls. fls. 759 a 764, 778) e novas RDE´s (vd. fls. 786, 788), que a PJ, sob a supervisão do Ministério Público, a 18/3/2021, localizou finalmente a arguida Débora e a constituiu arguida – vd. fls. 789 - e lhe tomou declarações – vd. fls. 791 e ss, e a 27/5/2021 - com a advertência do art. 141º nº4-b) do CPP- tendo a arguida prestado declarações em interrogatório perante Magistrado do Ministério Público a fls. 917.

Quanto aos arguidos BB e AA

O conhecimento pela PJ das respectivas identificações e paradeiros foi adquirido na sequência das pesquisas e diligências que se seguiram às declarações da arguida CC - reconhecimento fotográfico do cliché 83008 da PJ, respeitante ao então suspeito, AA (vd. fls. 798), pesquisas nas bases de dados da PJ e de reclusos, relativas ao mesmo (vd. fls. 799, 800, 825) diligência externa (vd. RDE´s de fls. 823) informação entidade patronal da, então suspeita, BB ( vd. fls. 826 e 827), informação do SEF (vd. fls. 868, 869 a 873) informação do Instituto da Segurança Social, ISS (vd. fls. 874) pesquisas do registo automóvel na base de dados da PJ (a fls. 877) diligências externas para vigilância e seguimento (vd. fls. 878), Diligências a que se seguiram os mandados de detenção fora de flagrante detido emitidos pelo Ministério Público do DIAP junto deste Tribunal de ... para os então suspeitos BB e AA, e os mandados de busca domiciliária do Sr. JIC (vd. fls. 969 a 984 vº),

A 24/6/2021 tendo sido detidos e constituídos arguidos BB e AA (vd. fls. 976 e 985) e presentes a 1º interrogatório judicial, com a advertência do art. 141º nº4-b) do CPP, tendo ambos prestado declarações (vd. fls. 1029).

No mais, que se seguiu,

Desde logo, os Arguidos AA e CC, no exercício do direito que lhes cabe, não prestaram declarações em audiência de julgamento.

Por seu turno, a Arguida BB opta por se defender, vestindo as vestes de vítima dos co-Arguidos, justificando a sua participação nos factos com um alegado medo, primeiro, da Arguida CC para depois, também referir ter medo do Arguido AA por ter sido vítima de violência doméstica por parte deste.

Assim e, no essencial, conta que, uns tempos antes dos factos, a Arguida CC tinha ido passar uns tempos na sua casa, no ..., tendo-lhe então proposto assaltarem um senhor que tinha conhecido quando trabalhava no I.......... que andava sempre com muito dinheiro e que lhe fazia propostas de cariz sexual. Tendo BB respondido que não, CC foi falar com o AA (com quem BB namorava na altura) que já tinha praticado este tipo de factos, que era mais manipulável e que acabou por anuir.

Deste modo, veio para o ... juntamente com o AA um dia antes dos factos, sendo que a CC já cá se encontrava, tendo os três ido, nesse mesmo dia, à casa de um amigo desta Arguida que se situava no mesmo edifício onde os mesmos vieram a ser praticados.

Após, BB e AA pernoitaram na casa de CC, sendo que esta esteve ausente durante a noite até os acordar na manhã seguinte, para irem para o local, onde chegaram entre as 8 horas e as 9 horas. De seguida, esta Arguida ligou a EE e foi ter com o mesmo para o trazer ao local, onde os Arguidos BB e AA permaneceram escondidos.

Descreve que, uma vez no local dos factos, a Arguida CC puxou o Ofendido pelo braço para a casa-de-banho onde a ora Arguida BB se encontrava escondida e que o AA desferiu-lhe uma pancada com o extintor, pelo que ficou chocada e saiu daquele compartimento.

Após, percorreu o corredor do local para a frente e para trás até que CC lhe disse para tirar a faca do bolso do AA e dar uma facada no Ofendido que continuava a oferecer resistência.

Refere que apenas lhe cabia fazer de vigia e que o AA seguraria o Ofendido enquanto a CC lhe retiraria os pertences.

Contudo, o AA desferiu, pelo menos, duas pancadas com o extintor na cabeça de EE que continuou de pé, com aquele Arguido a agarrá-lo por trás, pelo pescoço, tendo BB apenas desferido um golpe com a faca porquanto a co-Arguida CC “obrigou-a”, tendo gritado consigo duas vezes “dá-lhe uma facada”, recordando-se então da ameaça que esta tinha feito contra o seu pai.

Acrescenta que depois da facada que desferiu, o Ofendido permaneceu de pé, tendo BB largado a faca que CC agarrou e desferiu um segundo golpe e apenas nesta altura é que aquele caiu ao chão.

De seguida, a Arguida CC retirou os pertences de EE (carteira, cheque, dinheiro e telefone) e ainda foi revistar a viatura deste, tendo AA levado um saco com roupa do Ofendido.

A caminho da estação rodoviária, a Arguida CC remexeu nas coisas e o Arguido AA revistou o saco que haviam retirado ao Ofendido, tendo o referido saco sido largado no mato e o telemóvel foi partido. Refere também que foi a Arguida CC quem pagou os bilhetes para a BB e o AA se deslocarem ao ..., quem comprou os bilhetes para Lisboa, no dia dos factos, e ligou a um amigo que se deslocou a casa da BB no ... para depositar o cheque subtraído a EE. Afirma igualmente que o mencionado amigo (DD) da CC foi, então, depositar o cheque acompanhado do AA, não tendo, porém, sido possível levantar qualquer quantia, pois havia sido cancelado.

Mais responde, por várias vezes ao longo do seu depoimento, que, uma vez no local, viu luvas e “capuz”, explicitando que, com excepção da CC, usaram luvas e “capuz”, sendo as suas de pano e as do AA de látex, as quais este jogou posteriormente no lixo.

Confrontada com as fotografias de fls. 842 a 850, reconhece nelas o local onde os factos ocorreram, nomeadamente, o hall de entrada, a casa-de-banho onde se escondeu antes de CC entrar com EE e a zona onde as agressões foram levadas a cabo.

De resto, vai dizendo que era a CC que dava ordem e dizia o que fazer, sendo pessoa com muita influência sobre as demais e justifica vir apenas agora contar que a segunda facada foi desferida por esta porquanto falou com o seu pai contando-lhe das ameaças daquela e este disse-lhe que se sabia defender, sossegando-a.

Este esforço de BB em jogar a responsabilidade para a co-Arguida CC e minimizar a sua é por demais óbvia das hipérboles usadas por BB e das contradições detectadas. Com efeito e após aventar que somente anuiu participar nos factos por estar “cheia de medo” porquanto aquela co-Arguida a ameaçou que faria mal ao seu pai que vive no mato, procura sustentar a seriedade de tal receio, dizendo que aquela tinha amigos traficantes. Não consegue, todavia, responder porque é que, tendo este tipo de amigos, CC foi pedir-lhe a si (que nem queria participar) e ao seu namorado que se deslocassem de ... para levarem a cabo o assalto.

Seja como for, mesmo sem essa alegada “chantagem”, o certo é que BB deslocou-se previamente ao ... já com a intenção de assaltar o Ofendido (conforme admite), embora, mais uma vez, justifique tal facto com a pressão a que foi sujeita, apesar de não ter sido obrigada como também reconhece.

E, ao mesmo tempo que diaboliza a co-ArguidaCC, diz que aceitou participar nos factos para a ajudar, pois esta queria trazer o seu filho que estava em ... e BB sabe como é crescer sem mãe, pelo que sentiu pena daquela. Acrescenta que é pessoa influenciável, que se deixou levar e que não ia receber nada do assalto combinado, cujo produto seria dividido entre a CC e o AA.

Na mesma senda, afirma que também tinha medo do seu então namorado, o co-Arguido AA, pois já tinha sido vítima de violência doméstica por parte deste. E, no entanto, mantém que este não a obrigou a nada.

Mais adiante, vai mais longe e diz que CC disse-lhe para dar uma facada na barriga, que desconhecia que o AA tinha uma faca, a qual nunca tinha visto e que, tendo-se apercebido que EE estaria vivo, tentou ligar ao 112, no que foi impedida por aquela co-Arguida que lhe disse, depois, que a vítima devia morrer, caso contrário a iria reconhecer e “cairiam” todos.

O Assistente DD e a testemunha MM (irmão do Assistente e que foi criado como se fosse filho de EE) contam como tomaram conhecimento das agressões de que o Ofendido havia sido vítima e o seu estado grave, bem como o estado de choque em que se encontrava DD que precisou de ser assistido por psicóloga.

Mais atestam que EE comprava e vendia sucata, pelo que costumava trazer consigo muito dinheiro, o que gostava de exibir.

Ainda de forma consentânea, referem que, no dia em que os factos ocorreram, o Ofendido planeava viajar até ao Norte do país para comprar um carro para o Assistente e explicam que, desde a separação dos seus pais, este foi criado pela sua mãe, até que decidiu vir de ... para viver com o seu pai no ano de 2016 e, desde então, passaram a conhecer-se melhor, sendo EE quem custeava todas as despesas, inclusivamente, de formação.

Com o falecimento do seu pai, DD sentiu-se perdido, não dormia bem, sentiu receio por desconhecer quem foram os autores dos factos e se os mesmos estariam por perto, pelo que se mudou para ... e teve que deixar os planos de estudar para trabalhar de forma a poder sustentar-se.

DD refere, por fim, que o seu pai era pessoa saudável e activa e as suas declarações foram prestadas de forma sentida, manifestando mágoa por não ter tido mais tempo com aquele.

MM refere igualmente que EE era pessoa pacata e brincalhona.

Por seu turno, a testemunha NN certifica a entrega do cheque referido em 12. a EE como pagamento da sucata fornecida (cfr. “Nota de compra” de fls. 60) e que, no dia dos factos, recebeu deste uma chamada a pedir para cancelar o mesmo. Atesta ainda o mau estado em que se encontrava o Ofendido quando, algum tempo depois, apareceu nas instalações onde a testemunha trabalha, sem que se lembrasse sequer que havia telefonado a esta momentos antes, perdendo sucessivamente os sentidos, tendo sido necessário ajuda para o tirar da carrinha.

Os contactos encetados entre a referida testemunha e EE, bem como a deslocação deste às instalações da empresa P....... resultam certificadas pelos registos das chamadas efectuadas do telemóvel deste (cfr. fls. 22 e Perícia Informática Forense do Apenso I) e pelo Auto de Visionamento de Imagem de fls. 194 a 200.

NN refere também, de forma que se afigurou verdadeira, ter visto um pouco de sangue na testa de EE, mas que, aos poucos, a sua cabeça começou a inchar o que é consentâneo com as lesões descritas no Relatório de Autópsia Médico-Legal de fls. 289 a 291.

Afasta-se, assim, qualquer estranheza quanto ao facto da Vítima ter optado por ligar a pedir para cancelarem o cheque em vez de pedir ajuda, sendo do conhecimento comum que a confusão, as alterações da memória e as dificuldades da fala ou da linguagem são sintomas das lesões sofridas, designadamente, do hematoma subdural agudo e hematoma volumoso epidural agudo.

Também não causa estranheza que EE ainda tenha conseguido fazer uma chamada, entrar na sua viatura e conduzir até às instalações da empresa P......., pois que a morte provocada nem sempre é instantânea, podendo verificar-se posteriormente. Agora, dúvidas não subsistem de que a morte do Ofendido foi provocada pelas lesões traumáticas sofridas.

A testemunha OO trabalhava no edifício onde ocorreram os factos em Fevereiro de 2018, esclarece as circunstâncias e as condições em que encontrou as instalações sanitárias, delas tirando as fotografias que se encontram juntas a fls. 850 e 858 a 862, as quais, de acordo com os dados do seu telemóvel, foram tiradas no dia 15.02.2018. Mais confirma a existência de um extintor com pigmentos de sangue e reconhece nas fotografias de fls. 840 e ss. o local em causa, descrevendo-o com pormenor.

Já FF declara conhecer a Arguida CC, do qual era amigo, contando que a mesma lhe pediu para depositar um cheque na sua conta de forma a poder levantar o respectivo valor, o que fez, sem que, todavia, o dinheiro chegasse a estar disponível, o que é corroborado pelas Informações bancárias de fls. 163 a 168 e 234 e Auto de Visionamento de Imagem de fls. 227 a 231.

PP, Inspectora da Polícia Judiciária, relata os actos de investigação levadas a cabo, mormente o Auto de Reconstituição de fls. 923 a 939, explicando o modo como o mesmo foi realizado.

Cumprirá, neste momento, analisar a validade da reconstituição do facto, a respeito da qual dispõe o artigo 150º do Código de Processo Penal que

“1 - Quando houver necessidade de determinar se um facto poderia ter ocorrido de certa forma, é admissível a sua reconstituição. Esta consiste na reprodução, tão fiel quanto possível, das condições em que se afirma ou se supõe ter ocorrido o facto e na repetição do modo de realização do mesmo.

2 - O despacho que ordenar a reconstituição do facto deve conter uma indicação sucinta do seu objecto, do dia, hora e local em que ocorrerão as diligências e da forma da sua efectivação, eventualmente com recurso a meios audiovisuais. No mesmo despacho pode ser designado perito para execução de operações determinadas.

(…)”

A reconstituição do facto é uma experiência provocada artificialmente e visa reproduzir, tão fielmente quanto possível, as condições em que se afirma ou se supõe ter ocorrido o facto criminoso e repetir o modo de realização do mesmo, constituindo uma encenação de uma versão provável do facto (vide Paulo Pinto Albuquerque, in Comentário do Código de Processo Penal, Universidade Católica Editora, 3ª ed., p. 416).

E, desde logo se dirá que, não obstante o disposto no n.º 2 do referido artigo 150.º, os órgãos de polícia criminal podem proceder à “reconstituição” quando o Ministério Público nos termos do artigo 270.º do mesmo diploma legal, ou o Juiz de Instrução, face à previsão do artigo 290.º, deleguem competência para a realização daquele meio de prova, o que no caso sub judice se verifica – cfr. fls. 12.

Temos também por assente que a reconstituição do facto, constitui prova autónoma, valendo por si própria em relação às contribuições individuais de quem nela haja participado e das informações e esclarecimentos que tenham co-determinado os seus termos e resultado, mas não se confunde com prova por declarações.

Autonomizando-se das contribuições individuais de quem tenha participado na reconstituição e das informações e declarações naquele domínio prestadas, mesmo que o arguido se remeta ao silêncio, nada obsta a que o depoimento em audiência de julgamento dos órgãos de polícia criminal incidam também sobre os termos e o modo como aquela decorreu. Porém, só podem ser valoradas as declarações do arguido necessárias à reconstituição - vide, entre outros, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 17.05.2017 (Relatora: Isabel Valongo, disponível na Internet, in www.dgsi.pt).

O depoimento da testemunha PP será, pois, considerado nessa medida, dele decorrendo a certificação da diligência em que acompanhou a Arguida CC enquanto esta indicou o percurso feito no dia, o local onde se encontrou com EE e o local onde ocorreram os factos.

No que tange à forma e documentação de tal acto, temos que a Arguida CC foi acompanhada no mesmo por Defensora que assinou o “Auto de Reconstituição” a fls. 920 e 921, exceptuando a respectiva Reportagem Fotográfica, o que bem se compreende dada a necessidade de elaborar informaticamente esta peça e imprimi-la, o que terá sido feito posteriormente.

Ainda que assim não fosse e não obstante o disposto no artigo 95º do Código de Processo Penal que dispõe quanto à necessidade de assinatura, a sua falta não é cominada com nulidade insanável, cujo elenco é taxativo – cfr. artigo 119º do Código de Processo Penal.

Quanto muito, estaríamos perante uma mera irregularidade a ser arguida nos termos do disposto no artigo 123º do Código de Processo Penal, o que não sucedeu no caso dos presentes autos.

E mesmo que assim não se entendesse, o acto em causa sempre valeria como auto de diligência levada a cabo pela testemunha PP e por ela confirmada e descrita em audiência de julgamento.

Quanto à alegada falsidade do Auto de Reconstituição, nada há que aponte nesse sentido. Com efeito, considerando o depoimento da testemunha PP e as declarações prestadas pela Arguida CC perante magistrado do Ministério Público (a fls. 917 a 919 e a considerar nos termos que adiante analisaremos) e as fotografias que dele fazem parte (onde se visualiza, entre o mais, a referida Arguida a indicar os locais), temos por certo que a mesma teve lugar nos termos aí descritos.

Julga-se, pois, improcedente a invocada falsidade daquele meio de prova, o qual se terá em conta nos termos do artigo 127º do Código de Processo Penal.

Por seu turno, QQ depôs quanto ao pedido de indemnização civil deduzido por DD atestando o estado em que este ficou após ter tido conhecimento das agressões sofridas pelo seu pai e o seu estado grave e, depois, o seu falecimento.

Confirma igualmente que DD veio para Portugal de propósito viver com o seu pai, que o sustentava, que planeava continuar os estudos, que passou a ter dificuldades em dormir e sentiu receio porquanto desconhecia os autores dos factos e que foi assistido em consultas de psicologia. Ainda como consequência dos factos, o Demandante veio viver para ..., deslocando-se todos os dias para o seu local de trabalho.

As testemunhas supra referidas depuseram de forma objectiva, não se denotando qualquer animosidade contra os Arguidos ou esforço em implicá-los nos factos em discussão ou em agravar a sua participação nos mesmos.

A testemunha de Defesa do Arguido AA, GG, companheira daquele desde o Verão de 2020, refere a boa imagem que tem do mesmo e, conhecendo o seu passado criminal, conta que aquele tem trabalhado e tem objectivos de vida.

Quanto às testemunhas de Defesa da Arguida BB, temos que:

- BB, amiga e ex-colega de trabalho daquela, refere que BB apareceu no trabalho a chorar e contou-lhe que o seu namorado era agressivo. Porém e ao contrário do que esta Arguida quer fazer crer, é peremptória ao responder que a mesma não é influenciável e que tem uma personalidade forte;

- RR e SS, respectivamente pai e tio/padrinho de BB, nada sabendo sobre os factos, limitam-se a relatar como esta foi criada somente pelo pai e o episódio em que a mesma o deixou de contactar. No que tange aos alegados maus tratos, estas testemunhas não conheceram o AA, referindo apenas RR que o avô deste lhe mencionou que o mesmo a maltratava verbalmente. Naturalmente e dado o manifesto afecto que nutrem por esta Arguida, dizem não crer que fosse capaz de praticar os factos de que vem acusada. No mesmo espírito, o seu pai afirma que BB não tinha necessidade de roubar e que foi influenciada. Contudo e ao contrário do afirmado por esta Arguida, responde que esta não lhe falou de ameaças;

- TT, para quem a Arguida BB trabalhou desde Janeiro de 2019 até ao dia em que foi detida, descreve-a como sendo uma trabalhadora exemplar, simpática e prestável, desconhecendo a sua vida fora do contexto laboral;

- UU, que se intitula de melhor amiga de BB, refere o dia em que esta foi à sua casa (onde a ora testemunha morava com o pai dos seus filhos) acompanhada da CC e do AA, tendo ficado aí a conviver. De forma coordenada com BB, procura apresentá-la como uma vítima inocente e traçar uma imagem desfavorável de CC. De resto, descreve a Arguida BB como pessoa responsável, mas contrariando a imagem que a própria procura transmitir, responde que a mesma não é uma pessoa influenciável.

Por outro lado, tendo sido feita aos Arguidos BB e AA a comunicação prevista no artigo 141º, nº 4, al. b) do Código de Processo Penal e encontrando-se os mesmos assistidos por Defensoras, encontra-se legitimada a livre apreciação das declarações por si prestadas em sede de 1º Interrogatório Judicial nos termos do artigo 127º do mesmo diploma legal (sendo certo que a sua reprodução/leitura em sede de julgamento foi dispensada, sem prejuízo da sua valoração e considerando ainda o sentido da jurisprudência fixada no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 8/2017, de 21 de Novembro).

No que se refere à validade das declarações prestadas por co-arguidos, a jurisprudência é pacífica no sentido de que nada proíbe a valoração como meio de prova das declarações de co-arguido sobre factos desfavoráveis a outro.

Porém, também de forma uniforme, a jurisprudência dos Tribunais Superiores ensina-nos que tal valoração deve revestir-se de especiais cautelas.

Por todos, citaremos o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03.09.2008 (Relator: Santos Cabral, disponível na Internet in www.dgsi.pt) onde se sumaria o seguinte:

«I - Relativamente ao valor das declarações do arguido como meio de prova, subscrevemos o que tem sido o posicionamento jurisprudencial do STJ, cujo eixo radica na ideia de que, fundamentalmente, o que está em causa é a posição interessada do arguido que, assumido o seu impedimento para depor como testemunha, não obsta a que preste declarações, nomeadamente para esclarecer o tribunal sobre a sua responsabilidade criminal, numa postura de colaboração na procura da verdade material. Sendo um meio de prova legal, cuja admissibilidade se inscreve no art. 125.º do CPP, as declarações do co-arguido podem, e devem, ser valoradas no processo.

II - No que respeita à questão de saber se é processualmente válido o depoimento do arguido que incrimina os restantes arguidos, a resposta é frontalmente afirmativa e dimana desde logo da regra do art. 125.º do CPP, que dispõe que são admitidas as provas que não forem proibidas por lei. Por outro lado, não se sente qualquer apoio numa interpretação rebuscada da Constituição que aponte a inconstitucionalidade de tal interpretação: pelo contrário, a consideração de que o depoimento do arguido – que é, antes do mais, um cidadão no pleno uso dos seus direitos – se reveste à partida de uma capitis diminutio só pelo facto de ser arguido ofende o princípio da igualdade dos cidadãos. Portanto, a questão que se coloca neste caso é, como em relação a todos os meios de prova, a da credibilidade do depoimento do co-arguido.

III - Esta credibilidade só pode ser apreciada em concreto, face às circunstâncias em que é produzida. O que não é admissível é a criação de regras abstractas para essa apreciação, retornando ao sistema da prova tarifada: assim, dizer em abstracto e genericamente que o depoimento do co-arguido só é válido se for acompanhado de outro meio de prova é uma subversão das regras da produção de prova sem qualquer apoio na letra ou no espírito da lei.

IV - A admissibilidade do depoimento do arguido como meio de prova em relação aos demais co-arguidos não colide minimamente com o catálogo de direitos que integram o estatuto inerente àquela situação, mostrando-se adequada à prossecução de legítimos e relevantes objectivos de política criminal, nomeadamente no que toca à luta contra a criminalidade organizada.

V - A proibição de valoração, contra o arguido, do exercício do direito ao silêncio incide apenas sobre o silêncio que aquele adoptou como estratégia processual, não podendo repercutir-se na prova produzida por qualquer meio legal, designadamente a que venha a precisar e demonstrar a responsabilidade criminal do arguido, revelando a falência daquela estratégia.

VI - O depoimento incriminatório de co-arguido está sujeito às mesmas regras de outro e qualquer meio de prova, ou seja, aos princípios da investigação, da livre apreciação e do in dubio pro reo. Assegurado o funcionamento destes e o exercício do contraditório, nos termos preconizados pelo art. 32.º da CRP, nenhum argumento subsiste contra a validade de tal meio de prova.

VII - Aliás, a partir do momento em que o arguido depõe no exercício do seu direito de defesa, é evidente que as suas palavras têm uma dupla conotação: sendo emergentes de um inviolável direito de defesa, elas são também um meio de prova. Não é possível, em termos práticos, separar aquela realidade concreta que é o depoimento arguido, considerando-o ora como um exercício legítimo de um direito ora como meio de prova. Tal visão, para além de um inequívoco maniqueísmo, esquece que o processo penal visa a descoberta da verdade material e não de tantas realidades quantas as que interessam aos diversos sujeitos processuais.

VIII - Inexiste no nosso ordenamento jurídico um direito a mentir; a lei entende, simplesmente, ser inexigível ao arguido o cumprimento do dever de verdade. Porém, uma coisa é a inexigibilidade do cumprimento do dever de verdade – reconduzindo-o a um mero dever moral – e outra é a inscrição de um direito do arguido a mentir, inadmissível num Estado de Direito.

IX - É evidente que, tal como em relação ao depoimento da vítima, é preciso ser muito cauteloso no momento de pronunciar uma condenação baseada somente nas declarações do co-arguido, porque este pode ser impulsionado por razões aparentemente suspeitas, tal como o anseio de obter um trato policial ou judicial favorável, o ânimo de vingança, o ódio ou ressentimento, ou o interesse em auto-exculpar-se mediante a incriminação de outro ou outros acusados.

X - Por isso, para dissipar qualquer dessas suspeitas objectivas, é razoável que o co-arguido transmita algum dado externo que corrobore objectivamente a sua manifestação incriminatória, com o que deixará de ser uma imputação meramente verbal para se converter numa declaração objectivada e superadora de uma eventual suspeita inicial. Não se trata de criar, à partida e em termos abstractos, uma exigência adicional ao depoimento do co-arguido quando este incrimine os restantes, mas sim de uma questão de credibilidade daquele depoimento em concreto.

XI - A credibilidade do depoimento incriminatório do co-arguido está na razão directa da ausência de motivos de incredibilidade subjectiva, o que, na maioria dos casos, se reconduz à inexistência de motivos espúrios e à existência de uma auto-inculpação, assumindo igualmente uma real importância a concorrência de corroborações periféricas objectivas que demonstrem a verosimilhança da incriminação.

XII - Objecto do processo penal é a matéria da acusação, sendo esta que, por sua vez, delimita e fixa os poderes de cognição do tribunal e a extensão do caso julgado. É a este efeito que se chama a vinculação temática do tribunal e é nele que se consubstanciam os princípios da identidade, da unidade ou indivisibilidade e da consunção do objecto do processo penal, segundo os quais este deve manter-se o mesmo da acusação ao trânsito em julgado da sentença, deve ser conhecido e julgado na sua totalidade (unitária e indivisivelmente) e – mesmo quando o não tenha sido – deve considerar-se decidido.

XIII - A vinculação temática do tribunal constitui a pedra angular de um efectivo e consistente direito de defesa do arguido – sem o qual o fim do processo penal é inalcançável –, que assim se vê protegido contra arbitrários alargamentos da actividade cognitiva e decisória do tribunal e assegura os seus direitos de contraditoriedade e audiência.»

Ainda a respeito da valoração das declarações do co-arguido, explicita-nos igualmente aquele Supremo Tribunal no seu acórdão de 16.12.2020 (Relator: Nuno Gonçalves, disponível na Internet no mesmo sítio) que

«Condição incontornável – sine qua non – é, pois, que o coarguido visado possa – naturalmente através da respetiva defesa – exercer, efetiva e plenamente, o contraditório. Cada coarguido no processo organiza e leva à prática a defesa que entender mais conveniente aos seus interesses, mas não tem o direito de exigir aos restantes coarguidos que adiram e respeitem essa estratégia, nem o direito de obstar a que, no exercício do respetivo direito de defesa, decidam prestar declarações, designadamente confessando os factos próprios e incriminando outros comparticipantes na mesma atividade criminosa. Tem, isso sim, o direito de os interrogar, não podendo os declarantes acolher-se então ao direito ao silêncio. Recusando-se a responder ao contraditório do incriminado, as declarações prestadas não podem valorar-se – art. 345º n.º 4 do CPP.»

Em súmula, pode-se dizer que não há qualquer impedimento do co-arguido a, nessa qualidade, prestar declarações contra os co-arguidos no mesmo processo e, consequentemente, de valoração da prova feita por um co-arguido contra os seus co-arguidos.

Porém, tal possibilidade sofre a limitação fixada no n.º 4 do artigo 345.º do Código de Processo Penal, que dispõe que não podem valer como meio de prova as declarações de um co-arguido em prejuízo de outro co-arguido quando, a instâncias deste outro co-arguido (incriminado), o primeiro se recusar a responder no exercício do direito ao silêncio. Do que se trata, aqui, é de retirar valor probatório a declarações totalmente subtraídas ao contraditório.

Decisivo é, pois, que o arguido contra quem tais declarações sejam feitas não tenha sido impedido de submetê-las ao contraditório.

Assim e para os efeitos do disposto no artigo 345º, nº 4, do Código de Processo Penal, “o silêncio que releva aqui é a do próprio arguido que tendo prestado declarações em sede de inquérito se recusa a prestá-las em sede de julgamento, ou tendo prestado declarações em sede de julgamento se recusa a responder a perguntas que visem obter esclarecimentos sobre aquilo que disse.” – cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 09.03.2022 (Relatora: Florbela Sebastião e Silva, disponível na Internet no mesmo sítio).

No caso sub judice, os Arguidos AA e BB, em sede de 1º Interrogatório Judicial prestaram declarações e encontravam-se devidamente assistidos por Defensoras que assistiram igualmente às declarações dos respectivos co-Arguidos aí declarantes.

Assim e sendo certo que tais declarações foram, então, sujeitas ao contraditório pelas Ilustres Advogadas dos referidos Arguidos AA e BB, as mesmas podem ser apreciadas à luz da livre apreciação da prova, mesmo na parte em que sejam incriminatórias do co-Arguido presente/representado nesse 1º Interrogatório Judicial.

Contudo, já não poderão valer as declarações do Arguido AA na parte que seja incriminatória da co-Arguida que não esteve presente nem representada em tal acto, ou seja, contra a Arguida CC, uma vez que esta não pôde exercer o contraditório relativamente às mesmas atento o silêncio a que aquele Arguido se remeteu em audiência de julgamento.

O mesmo se diga quanto às declarações prestadas pela Arguida CC perante Magistrado do Ministério Público, cuja valoração é admissível uma vez que se verificam os pressupostos legais previstos no artigo 357º, nº 1, al. b) do Código de Processo Penal. Todavia e uma vez que esta Arguida também exerceu o seu direito ao silêncio em sede de audiência de julgamento, não puderam os demais co-Arguidos exercer o seu direito ao contraditório, o que impossibilita a valoração de tais declarações na parte em que os incrimine.

Nessa medida, temos que nessa sede e no essencial, CC relata as circunstâncias em que conheceu EE que, por várias vezes, a abordou com propostas sexuais a troco de dinheiro. Mais admite ter ligado ao Ofendido no dia anterior aos factos, combinando o encontro (confirmando utilizar, na altura, o nº de telemóvel ... ... .75); antes do encontro, tomou conhecimento da intenção de assaltá-lo; encontrou-se com o mesmo no dia dos factos, levando-o para o local que indicou na Reconstituição do Facto, uma vez que este não estava a localizar o sítio; e abandonou o local, deixando EE inconsciente e ensanguentado.

Por sua vez, o Arguido AA certifica a sua deslocação ao ..., acompanhando a sua namorada de então, a co-Arguida BB, no início do ano de 2018. Refere cá terem pernoitado apenas uma noite, tendo pegado nas malas e regressado a ... logo na manhã do dia seguinte. Admite que algo terá acontecido, mas nega qualquer envolvimento nos factos que lhe foram comunicados e que trouxesse consigo uma faca.

Reconhece ter estado no local retratado na fotografia de fls. 841, mas apenas na casa de umas conhecidas da BB e ter visto o cheque quando chegou ao ..., nada tendo a ver com o seu depósito.

Tendo referido que gastou o último dinheiro que tinha na compra dos bilhetes para o ..., não consegue responder como pensava regressar a ....

Já BB, em sede de 1º Interrogatório Judicial, também reconheceu ter-se deslocado ao ... para assaltar um indivíduo, à semelhança do que relatou em julgamento. Porém, com as seguintes diferenças:

- tendo-lhe sido perguntado várias vezes, foi, então, peremptória ao responder que o AA não a pressionou a nada, que não foi obrigada a participar e que ninguém a ameaçou;

- ao lhe ser perguntado porque não se veio embora, limita-se a dizer “é verdade…”, nada mais respondendo;

- quando o Ofendido entrou no recinto, o Arguido AA agarrou-o pelo braço e depois, pelo pescoço enquanto a Arguida CC o apalpava à procura dos seus pertences, encontrando-se a declarante presente, entrando e saindo da casa-de-banho onde os factos estavam a ocorrer;

- foi o Arguido AA que lhe disse para dar a facada na zona da barriga que “aqui não mata”;

- descreve, com pormenor, que o Arguido AA estava a agarrar no Ofendido já no chão quando pegou no extintor que estava próximo e desferiu-lhe as pancadas na cabeça deste;

- respondeu, então, que desferiu o golpe com a faca quando EE já estava no chão e mesmo após insistência, não desdiz tal afirmação e acrescenta que a referida facada “contribuiu” para a morte daquele, o que demonstra a consciência do seu acto e das suas consequências;

- tendo tido consciência que o Ofendido ainda não estava morto, não chamou o INEM porque estavam a fazer muita pressão;

- refere que “toda a gente sabe que o AA tem sempre uma faca”, que não viu mais ninguém a dar outra facada e que aquele Arguido tirou-lhe da mão a faca que havia utilizado, fechou-a e guardou-a;

- o dinheiro subtraído ao Ofendido foi utilizado para comprar os bilhetes de autocarro para ...;

- o AA foi com o amigo da CC ao banco para depositar o cheque subtraído a EE;

- declara que aceitou participar nos factos, mas sempre com muito receio porque, “como se está a ver agora, todo o crime tem uma pontinha solta” e que “se soubesse que ia desencadear isto jamais se teria metido nisto”, revelando, não repulsa pelos actos praticados, mas sim receio por ter sido descoberta.

Ora, do confronto das declarações que esta Arguida vem prestar em audiência de julgamento com aquelas que prestou perante Juiz de Instrução Criminal, estas últimas surgem-nos como mais espontâneas e mais próximas da verdade, sem que se verifique de forma tão acentuada uma fuga à sua responsabilidade. Não olvidemos que até à audiência de julgamento teve mais tempo para reflectir e refinar a sua Defesa.

Note-se que, à data em que prestou declarações perante Juiz de Instrução Criminal, já haviam decorrido mais de três anos após a prática dos factos, não fazendo qualquer sentido que não tenha então mencionado o profundo receio que tinha de AA (pela alegada violência doméstica) e de CC (pela alegada ameaça contra o seu pai e contactos com traficantes), apenas referindo, após insistência, que tinha “um bocado de medo” desta.

Assim e não obstante a documentação clínica que junta a fls. 1823 a 1826, não fica demonstrado que a sua actuação na altura dos factos se deveu a forte receio que a compeliu a agir do modo que descreve.

De sublinhar ainda que, em 1º Interrogatório Judicial, a Arguida BB demonstrou respeito e carinho pelo Arguido AA (do qual se encontrava já separada), não de denotando, aí, qualquer esforço em incriminá-lo.

Assim e em súmula, CC reconhece a sua presença no local, tendo sido por seu intermédio que a Vítima aí se deslocou e que, nessa manhã, foi-lhe comunicada a intenção de “roubar o homem”; o Arguido AA admite ter-se deslocado ao ... na altura dos factos, tendo aqui pernoitado apenas uma noite e teve conhecimento do local e da existência do cheque; a Arguida BB descreve, quer em sede de audiência de julgamento quer em sede de 1º Interrogatório Judicial, a participação dos três nos factos.

E a versão da CC de que a sua intenção era apenas levar uma amiga para ter sexo com o Ofendido também não procede, sendo ilógico que convidasse uma amiga para se deslocar de ... para o efeito, neutralizando qualquer ganho que esta pudesse ter (dado os gastos com a viagem) e sem que daí retirasse qualquer ganho para si também.

Deste modo e independentemente de quem deu o mote, o certo é que os três Arguidos se deslocaram ao local com a intenção de, pelo menos, assaltar o Ofendido.

Sabemos que nem sempre a prova é directa, sendo possível o Tribunal recorrer a prova indirecta. Porém, a este respeito, explica-se no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 25.06.2015 disponível in www.dgsi.pt que «Sob a epígrafe “Presunções”, diz o Artigo 349.º (Noção) do Código Civil: Presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido.

E nas anotações ao Código Civil, de Abílio Neto refere-se:

3. As presunções pressupõem a existência de um facto conhecido (base das presunções) cuja prova incumbe à parte que a presunção favorece e pode ser feita por meios probatórios gerais; provado esse facto, intervém a Lei (no caso de presunções legais) ou o julgador (no caso de presunções judiciais) a concluir dele a existência de outro facto (presumido), servindo-se o julgador, para esse fim, de regras deduzidas da experiência da vida (RLJ, 108.0-352).(…)

6."Estas presunções são afinal o produto de regras de experiência: o juiz, valendo-se de certo facto e de regras de experiência conclui que aquele denúncia a existência doutro facto. Ao procurar formar a sua convicção acerca dos factos relevantes para a decisão, pode utilizar o juiz a experiência da vida, da qual resulta que um facto é a consequência típica de outro; procede então mediante uma presunção ou regra da experiência ou, se se quiser, vale-se de uma prova de primeira aparência" (A. Lopes Cardoso, RT, 86.0-112).

E ainda o Acórdão do S.T.J. de 11 de Outubro de 2007, proc.º 07P3240 , Relator: SIMAS SANTOS in www.dgsi.pt:

“4 - Como tem sido jurisprudência deste Tribunal, é admissível a prova por presunção, o sistema probatório alicerça-se em grande parte no raciocínio indutivo de um facto desconhecido para um facto conhecido; toda a prova indirecta se faz valer através desta espécie de presunções.”

Conforme se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 17 de Março de 2004, in www.dgsi.pt, “os meios de prova directos não são os únicos a poderem ser utilizados pelo julgador. Existem os meios de prova indirecta, que são os procedimentos lógicos, para prova indirecta, de conhecimento ou dedução de um facto desconhecido a partir de um (ou vários) factos conhecidos, ou seja as presunções. As presunções, cuja definição se encontra no artigo 349º do Código Civil, são também válidas em processo penal, importando, neste domínio as presunções naturais que são, não mais que o produto das regras de experiência: o juiz valendo-se de um certo facto e das regras da experiência, conclui que esse facto denuncia a existência de outro facto. O juiz utiliza a experiência da vida, da qual resulta que um facto é consequência de outro, ou seja, procede mediante uma presunção natural. Na passagem do facto conhecido para a aquisição do facto desconhecidos, têm de intervir procedimentos lógicos e intelectuais que permitam, com fundamento, segundo as regras da experiência que determinado facto anteriormente desconhecido, é a natural consequência, ou resulta com probabilidade próxima da certeza de outro facto conhecido.

A propósito de provas indirectas, é imperioso citar o Exmo. Conselheiro Santos Cabral:

“Na prova indiciária, mais do que em qualquer outra, intervêm a inteligência e a lógica do juiz. A prova indiciária pressupõe um facto, demonstrado através de uma prova directa, ao qual se associa uma regra de ciência, uma máxima de experiência ou uma regra de sentido comum. Este facto indiciante permite a elaboração de um facto-consequência em virtude de uma ligação racional e lógica (…).

Aliás é importante que se refira que a prova indiciária, ou o funcionamento da lógica e das presunções, bem como das máximas da experiência, é transversal a toda a teoria da prova, começando pela averiguação do elemento subjectivo de crime, que só deste modo pode ser alcançado, até à própria creditação da prova directa constante do testemunho (…)” p. 1 de “Prova indiciária e as novas formas de criminalidade”, in www.cej.pt.

Não faz a nossa lei processual penal qualquer referência a requisitos especiais em sede de demonstração dos requisitos da prova indiciária. P. 16, cap. III

Verificados os respectivos requisitos pode-se afirmar que o desenrolar da prova indiciária pressupõe três momentos distintos: a demonstração do facto base ou indício que, num segundo momento, faz despoletar no raciocínio do julgador uma regra da experiência, ou da ciência, que permite, num terceiro momento, inferir outro facto que será o facto sob julgamento.” Fls. 23, cap. V.

(…)

Sobre a intenção criminosa dos arguidos chamamos á colação que a prova sobre o elemento subjectivo de um crime nem sempre é de apreensão directa.

No que diz respeito à intenção criminosa terá de atender-se que: “ os actos interiores (ou “factos internos” como lhes chama Cavaleiro de Ferreira ), que respeitam à vida psíquica, a maior parte das vezes não se provam directamente, mas por ilação de indícios ou factos exteriores (Germano Marques da Silva, Curso de Proc. Penal,II, pag101)”.

De facto, conforme jurisprudência do STJ “os elementos subjectivos do crime pertencem à vida íntima e interior do agente. Contudo, é possível captar a sua existência através e mediante a factualidade material que os possa inferir ou permitir divisar, ainda que por meio de presunções ligadas ao princípio da normalidade ou às regras da experiência comum” (Ac. STJ de 25/09/97 no Processo nº 479/97, citado por Leal Henriques e Simas Santos in Código Penal Anotado I Vol. 2002 p. 224).

Como refere o Acórdão do S.T.J. de 17-03-2004, proc.º 03P2612, Relator: HENRIQUES GASPAR in www.dgsi.pt :

“Para avaliar da racionalidade e da não arbitrariedade (ou impressionismo) da convicção sobre os factos, há que apreciar, de um lado, a fundamentação da decisão quanto à matéria de facto (os fundamentos da convicção), e de outro, a natureza das provas produzidas e dos meios, modos ou processos intelectuais, utilizados e inferidos das regras da experiência comum para a obtenção de determinada conclusão.

Relevantes neste ponto, para além dos meios de prova directos, são os procedimentos lógicos para prova indirecta, de conhecimento ou dedução de um facto desconhecido a partir de um facto conhecido: as presunções.

A noção de presunção (noção geral, prestável como definição do meio ou processo lógico de aquisição de factos, e por isso válida também, no processo penal) consta do artigo 349º do Código Civil: «presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido».

Importam, neste âmbito, as chamadas presunções naturais ou hominis, que permitem ao juiz retirar de um facto conhecido ilações para adquirir um facto desconhecido.

As presunções naturais são, afinal, o produto das regras de experiência; o juiz, valendo-se de um certo facto e das regras da experiência, conclui que esse facto denuncia a existência de outro facto. «Ao procurar formar a sua convicção acerca dos factos relevantes para a decisão, pode o juiz utilizar a experiência da vida, da qual resulta que um facto é a consequência típica de outro; procede então mediante uma presunção ou regra da experiência [...] ou de uma prova de primeira aparência». (cfr, v. g., Vaz Serra, "Direito Probatório Material", BMJ, nº 112, pág, 190).

(…)

A presunção permite, deste modo, que perante os factos (ou um facto preciso) conhecidos, se adquira ou se admita a realidade de um facto não demonstrado, na convicção, determinada pelas regras da experiência, de que normal e tipicamente (id quod plerumque accidit) certos factos são a consequência de outros. No valor da credibilidade do id quod, e na força da conexão causal entre dois acontecimentos, está o fundamento racional da presunção, e na medida desse valor está o rigor da presunção.

A consequência tem de ser credível; se o facto base ou pressuposto não é seguro, ou a relação entre o indício e o facto adquirido é demasiado longínqua, existe um vício de raciocínio que inutiliza a presunção (cfr. Vaz Serra, ibidem).

Deste modo, na passagem do facto conhecido para a aquisição (ou para a prova) do facto desconhecido, têm de intervir, pois, juízos de avaliação através de procedimentos lógicos e intelectuais, que permitam fundadamente afirmar, segundo as regras da experiência, que determinado facto, não anteriormente conhecido nem directamente provado, é a natural consequência, ou resulta com toda a probabilidade próxima da certeza, ou para além de toda a dúvida razoável, de um facto conhecido.

A presunção intervém, assim, quando as máximas da experiência da vida e das coisas, baseadas também nos conhecimentos retirados da observação empírica dos factos, permitem afirmar que certo facto é a consequência típica de outro ou outros.

A ilação derivada de uma presunção natural não pode, porém, formular-se sem exigências de relativa segurança, especialmente em matéria de prova em processo penal em que é necessária a comprovação da existência dos factos para além de toda a dúvida razoável.

Há-de, pois, existir e ser revelado um percurso intelectual, lógico, sem soluções de continuidade, e sem uma relação demasiado longínqua entre o facto conhecido e o facto adquirido. A existência de espaços vazios no percurso lógico de congruência segundo as regras de experiência, determina um corte na continuidade do raciocínio, e retira o juízo do domínio da presunção, remetendo-o para o campo já da mera possibilidade física mais ou menos arbitrária ou dominada pelas impressões.

A compreensão e a possibilidade de acompanhamento do percurso lógico e intelectual seguido na fundamentação de uma decisão sobre a matéria de facto, quando respeite a factos que só podem ter sido deduzidos ou adquiridos segundo as regras próprias das presunções naturais, constitui um elemento relevante para o exercício da competência de verificação da (in)existência dos vícios do artigo 410º, nº 2, do CPP, especialmente do erro notório na apreciação da prova, referido na alínea c). - cfr., v. g., o acórdão deste STJ, de 7 de Janeiro de 2004, proc.3213/03.

(…)

A prova de determinados factos que não são directamente apreensíveis in natura, no plano da observação imediata, física e sensorial, só pode ser obtida por aproximações empíricas, permitidas pelas deduções decorrentes de factos ou comportamentos individuais, aceitáveis ou pressupostos pela normalidade de consequências que está suposta pelas regras da experiência e do fluir normal dos acontecimentos e relações.

Sem estes elementos metodológicos de construção e apreciação, o estabelecimento de um facto não directamente apreensível (mas apenas deduzido de referências comportamentais concretas), mais do que uma conclusão não sustentada, pode ser produto, como se referiu, de uma apreciação dominada pelas impressões.”»

No caso em apreço, socorrendo-nos de tais raciocínios dedutivos e partindo dos factos conhecidos que decorrem da concatenação das declarações dos Arguidos (apreciados criticamente e devidamente expurgados das suas tentativas de se desresponsabilizarem conforme acima assinalado) com os demais elementos juntos aos autos (designadamente, o depoimento da testemunha FF, o Relatório de Autópsia e o Auto de Reconstituição) e as regras da experiência comum, evola, de forma segura, que:

- após falarem com CC, BB e AA deslocaram-se de ... ao ... com a intenção de assaltar o Ofendido;

- as agressões que provocaram as lesões mais graves foram levadas a cabo pelo Arguido AA que desferiu, pelo menos, dois golpes na cabeça daquele com um extintor;

- BB também se encontrava no local, muniu-se de uma faca e desferiu, pelo menos, um golpe com a mesma, sendo que o Ofendido sofreu dois golpes, tendo forçosamente que o segundo ter sido desferido por um dos três Arguidos;

- CC também estava presente e tinha conhecimento da intenção de assaltar EE, tendo-o atraído até ao local;

- EE veio a falecer devido às lesões traumáticas crânio-meningo-encefálicas, na sequência das quais veio a sofrer de complicações médicas inerentes a esse estado;

- se é certo que as lesões corto-perfurantes não provocaram a morte, também é certo que contribuíram para fragilizar a posição da Vítima. E se as mesmas não se mostram profundas, tal não significa a falta de intenção de matar, mas sim, a inexperiência e a hesitação de quem as desferiu ao que acresce o facto de EE ter oferecido muita resistência, não permanecendo imóvel. Embora a Arguida BB refira apenas ter desferido uma facada (quando EE já se encontrava no chão), resulta certo que a Vítima sofreu duas facadas que ajudaram forçosamente a manietá-la, colocando-a em posição de não mais resistir, conferindo aos Arguidos, de forma determinante, superioridade face à mesma e contribuindo para que lhe fosse tirada a vida. Note-se que, ao dar entrada no Centro Hospitalar ..., este já apresentava, entre o mais, extenso e volumoso hematoma epidural agudo ao nível da convexidade cerebral direita; hemorragia subaracnoideia aguda; hematoma subdural agudo milimétrico adjacente à tenda; hemorragia recente no tronco cerebral e colecção extra-axial ao nível da convexidade cerebelosa direita; hematomas epicranianos frontoparietal temporais bilateralmente; fracturas recentes cominutivas na escama temporal direita, mantendo febre constantemente superior a 38,5ºC – cfr. fls. 34 a 36;

- nem CC nem BB procuraram impedir a prática dos factos por parte dos co-Arguidos, nem procuraram pedir ajuda ou auxiliar por qualquer forma a Vítima;

- os três Arguidos abandonaram, juntos, o local, levando os pertences do Ofendido, entre os quais, dinheiro, um telemóvel e um cheque;

- CC contactou FF, pedindo-lhe que procedesse ao depósito do cheque de forma a poder ter acesso à respectiva quantia monetária.

Oferece-se, assim, como incontornável a responsabilidade de todos os Arguidos, os quais contribuíram para a execução do plano traçado e aderiram aos actos que se foram desenrolando, aceitando-os. Negar tais evidências significaria dissociar-nos da realidade, sendo certo que não se verificam outras hipóteses consistentes que permitam pô-las em causa.

De referir ainda que as opções tomadas em sede de inquérito de apresentar os Arguidos AA e BB a 1º Interrogatório Judicial, não o fazendo quanto à Arguida CC, em nada influi no processo decisório deste Tribunal.

Assim e da conjugação das declarações dos Arguidos e do Assistente e dos depoimentos das supra indicadas testemunhas (apreciados do modo acima referido), com o Exame Preliminar ao telemóvel de fls. 22, a Nota de Admissão no Hospital de fls. 34 a 36, a Nota de Compras de fls. 60, a Certidão de Óbito de fls. 133, o Relatório de Perícia Criminalística de fls. 84 a 121, as Informações bancárias de fls. 168, 207 e 234, os Autos de Diligência de fls. 183 e 189/190, os Autos de Visionamento de Imagens de fls. 194 a 200 e 227 a 231, o Relatório de Autópsia Médico-Legal de fls. 289 a 291, a Reportagem Fotográfica de fls. 412 a 423, o Relatório de fls. 440 a 447, o Relatório e Reportagem Fotográfica de fls. 833 a 854, Reportagem Fotográfica de fls. 879 a 897, o Auto de Reconstituição e respectiva Reportagem Fotográfica de fls. 920 a 939, os Autos de Reconhecimento de fls. 988 a 991, bem como com as regras da experiência comum, não subsistem a este Tribunal quaisquer dúvidas quanto à verificação dos factos descritos em 1. a 24..

Por outro lado, resulta igualmente claro que a extensão qualitativa e quantitativa das agressões levadas a cabo pelos Arguidos AA e BB (pelo menos dois golpes com um extintor e dois golpes com uma faca), nas zonas em que o foram (na cabeça e zona abdominal), com os objectos que utilizaram e a força que aplicaram (demonstradas pelas extensas lesões que apresentava), são bem demonstrativos da intenção dos mesmos atingir órgãos essenciais à vida e, desse modo, provocar a morte do Ofendido, o que lograram.

Cumpre aqui dar nota que, não obstante os relatórios psicológicos e médico juntos a fls. 1936 e 1940 a requerimento da Defesa da Arguida BB, os mesmos apenas de pronunciam sobre o estado desta Arguida nas datas aí indicadas e não à data dos factos ou logo após os mesmos.

Não olvidemos que a mesma viveu com os factos por si praticados por mais de três anos até ser identificada e detida. Ensinam-nos as regras da normalidade da vida que o seu estado depressivo e as ideações suicidas podem bem decorrer da sua situação de reclusão, da circunstância de ter sido finalmente “apanhada” e ante a possibilidade de condenação em largos anos de prisão, não se tratando de uma condição prévia aos factos ou deles decorrente e relativamente à qual nenhuma prova foi produzida.

Menos resulta ainda desses relatórios qualquer ausência ou diminuição de capacidade de avaliar a ilicitude dos seus actos e as consequências dos mesmos e de se auto-determinar de acordo com essa avaliação.

Também resulta com a necessária segurança que, tendo atraído o Ofendido até ao local dos factos, sabendo da intenção de o assaltarem e assistindo aos mesmos, a Arguida CC compactuou com a actuação dos co-Arguidos, prevendo como possível que da mesma resultasse a morte da vítima, conformando-se com tal possibilidade. Aqui, dá-se nota ao facto desta Arguida ter consigo o telemóvel através do qual ligou quatro vezes ao Ofendido nessa manhã (vide fls. 22 e Perícia Informática Forense do Apenso I) e que na viatura deste encontrava-se outro telemóvel (cfr. 100), pelo teve meios ao seu dispor para pedir ajuda e não o fez.

Atendendo, pois, à forma de actuar dada como provada, à postura adoptada pelos Arguidos em audiência de julgamento, em sede de 1º Interrogatório Judicial e de Interrogatório perante Ministério Público, não resultando que padeçam de incapacidade que os impeça de avaliar a ilicitude dos factos e de se autodeterminarem de acordo com essa avaliação, resultam das regras da normalidade da vida a intenção com que os mesmos actuaram e o seu conhecimento quanto à proibição das suas condutas (factos provados 25. a 33.).

Quanto aos factos que se dão como não provados em a), b) e d), não se produziu prova que se pudesse validamente considerar.

Já o facto que se dá como não provado em c) resulta das declarações da Arguida BB em sede de julgamento que descreve as luvas que tinha calçadas como sendo de pano.

Conforme a fundamentação que mais acima se deixou exposta, produziu-se prova em sentido contrário aos demais factos dados como não provados em e) a g).

Os factos relativos aos pedidos de indemnização civis deduzidos resultaram do conjunto de prova acima referida quanto à prática dos factos pelos Arguidos, conjugados com as declarações do Assistente/Demandante DD e os depoimentos das testemunhas que indicou (os quais depuseram de forma sincera e emotiva), concatenados com a Factura de fls. 1132, o Assento de Nascimento de fls. 1237/1238, com a Certidão da Habilitação de Herdeiros de fls. 1354/1355 e com as regras da normalidade da vida.

Os factos relativos à situação pessoal dos Arguidos assentaram nos Relatórios Sociais junto aos autos apreciados com sentido crítico, corroborados, naquilo que não contradiz o teor dos referidos documentos, pelos depoimentos das testemunhas de Defesa.

O Tribunal atentou, por fim, nos demais documentos juntos aos autos, designadamente, nos Certificados de Registo Criminal dos Arguidos.

*

Feita esta transcrição da decisão sobre a matéria de facto, vejamos estão cada um dos recursos.

1. Quanto ao recurso do arguido AA, como acima já se referiu, o mesmo apresentou motivação, mas não apresentou conclusões.

Apesar da Relação nada ter feito e, ter admitido o seu recurso, sem o ter convidado a apresentar as conclusões (o que, de qualquer forma, não vincula este tribunal- cf. art. 414.º, n.º 3, do CPP), neste STJ, por despacho de 22.09.2023, a relatora, tendo em atenção que no recurso do arguido AA não constavam as conclusões e, também não foi formulado o convite a que se refere o art. 414.º, n.º 2, do CPP, nos termos do art. 417.º, n.º 3, 2ª parte, do CPP, convidou o mesmo recorrente a, no prazo de 10 dias, apresentar as respetivas conclusões em falta, sob pena do seu recurso ser rejeitado.

Notificado o mesmo recorrente e, decorrido o prazo, não veio dizer nada, nem apresentar as conclusões em falta.

Assim, mais não resta do que, nos termos dos arts. 417.º, n.º 3, 2ª parte, 414.º, n.º 2 e 420.º, n.º 1, b), do CPP, rejeitar o recurso do arguido AA.

*

2. Quanto ao recurso da arguida BB, analisadas as conclusões que apresentou, verifica-se que apresenta as seguintes questões:

1ª- erro na subsunção dos factos ao direito (quanto ao crime de homicídio qualificado pelo qual foi condenada, pois, na sua perspetiva, não se provou que tivesse agido com dolo ou com culpa, tendo sido violado o disposto no art. 13.º da CRP e no art. 29.º do CP, apenas tendo atuado com medo de represálias sobre o seu pai, sendo o acordo para roubar e não para matar o ofendido;

subsidiariamente, caso se entenda que quis com a sua conduta provocar a morte do ofendido, sempre deveria entender-se que a sua atuação foi negligente e ser antes punida por um crime de roubo agravado pelo resultado morte p. e p. no art. 210.º, n.º 3, do CP);

2ª- medida da pena, por na sua perspetiva, serem as penas individuais e única desadequadas e excessivas, além de violadoras do princípio da igualdade, devendo ser reduzidas e inferiores à aplicadas à arguida CC, atento o circunstancialismo atenuativo apurado, de modo a lhe ser suspensa na sua execução, para promover a sua integração social e satisfazer as razões de prevenção geral e especial; subsidiariamente, no caso de ser alterada a qualificação jurídica por um crime de roubo agravado pelo resultado morte p. e p. no art. 210.º, n.º 3, do CP, então (considerando a moldura abstrata de 8 a 16 anos de prisão) não deveria ser condenada em pena superior a 8 anos de prisão; e, subsidiariamente, no caso de ser mantida a qualificação jurídico-penal efetuada pelo tribunal, então pelo crime de roubo não deveria ser aplicada pena superior a 1 ano de prisão e pelo crime de homicídio qualificado não deveria ser aplicada pena superior a 12 anos de prisão e, em cúmulo jurídico, não deveria ser aplicada pena única de prisão superior a 12 anos de prisão.

1ª Questão

Quanto à primeira questão a recorrente faz alguma confusão entre o erro na subsunção dos factos ao direito e o erro de julgamento, esquecendo que está a recorrer para o STJ e que os poderes de cognição deste tribunal, nos termos do art. 434.º do CPP, visam exclusivamente o reexame da matéria de direito, sem prejuízo do disposto nas alíneas a) e c) do n.º 1 do art. 432.º, o que significa que o recurso para o STJ é um recurso de revista, ainda que ampliado, ao contrário do que sucede com o recurso para a Relação que é um recurso de apelação, que conhece de facto e de direito (art. 428.º CPP).

Ou seja, incumbe à Relação, atentos os seus poderes de cognição (e não ao Supremo Tribunal de Justiça) conhecer do chamado erro de julgamento previsto no art. 412.º, n.º 3 e n.º 4, do CPP.

Aliás, analisada a decisão impugnada, verifica-se que a Relação conheceu da matéria de facto, não só dos vícios do art. 410.º, n.º 2 do CPP, como também do invocado erro de julgamento, tal como lhe competia.

No recurso para o STJ, a recorrente nem sequer aponta ao texto da decisão sobre a matéria de facto, vícios previstos no art. 410.º, n.º 2, do CPP.

Também nós, lendo e relendo a decisão impugnada, não os detetamos.

Assim, vejamos o que foi decidido na Relação relativamente ao enquadramento jurídico-penal dos factos dados como provados quanto à recorrente BB, uma vez que, não se verificando os vícios aludidos no art. 410.º, n.º 2, do CPP e não havendo nulidades de conhecimento oficioso, está definitivamente fixada a decisão proferida sobre a matéria de facto.

Enquadramento jurídico-penal da conduta da recorrente

A recorrente foi condenada pela prática, em coautoria, de um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210º, nº 1, do Código Penal e de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artigos 131º e 132º, nº s 1 e 2, alínea g), do mesmo.

Com respaldo na alteração da matéria de facto dada como assente pelo tribunal recorrido que propunha, sustenta que deveria ter sido absolvida desse crime de homicídio e condenada pela prática de um crime de roubo agravado, p. e p. pelos artigos 210º, nº 2, alíneas a) e b) e 204º, nº 2, alínea f), do Código Penal, ou subsidiariamente, pelo previsto no artigo 210º, nº 3, do mesmo, sendo a actuação por negligência, ainda que grave ou grosseira, representando como possível o resultado, mas confiando que ele não se verificaria.

Mas, já vimos que a sua pretensão impugnatória da factualidade provada não merece acolhimento.

Pois bem.

De acordo com o artigo 26º, do Código Penal, “é punível como autor quem tomar parte directa na sua execução, por acordo ou juntamente com outro ou outros”.

E, constitui jurisprudência consolidada do nosso Supremo Tribunal de Justiça que “são autores do crime aqueles que tomam parte directa, na execução do crime, não sendo necessário que cada um dos agentes cometa integralmente o facto punível, que execute todos os factos correspondentes ao preceito incriminador; aquele que, mediante acordo prévio com outros agentes, pratica acto de execução destinado a executá-la é co-autor material dessa mesma infracção, não sendo necessário que tome parte na execução de todos esses actos, desde que seja incriminada a actuação total dos agentes”, sendo que “verifica-se a co-autoria quando cada comparticipante quer o resultado como próprio com base numa decisão conjunta e com forças conjugadas, bastando um acordo tácito assente na existência da consciência e vontade de colaboração, aferidas aquelas à luz das regras de experiência comum”, como se salienta no Ac. de 10/01/2008, Proc. nº 07P4277, na esteira já, entre outros, do Ac. de 07/12/2006, Proc. nº 06P3137 e seguido, também a título exemplificativo, nos Acs. de 27/05/2009, Proc. nº 58/07.1PRLSB.S1 e 23/09/2009, Proc. nº 27/04.3GBTMC.S1, consultáveis em www.dgsi.pt, bem como de Hans Jescheck. Tratado de Derecho Penal - Parte General, II vol., Bosh, Casa Editorial, S.A., págs. 941/942.

Ou seja, a coautoria envolve “um acordo prévio com vista à realização do facto, acordo esse que pode ser expresso ou implícito, a inferir razoavelmente dos factos materiais comprovados, ao qual se pode aderir inicial ou sucessivamente, não sendo imprescindível que o co-autor tome parte na execução de todos os actos” – cfr. Ac. STJ de 05/06/2012, Proc. nº 148/10.3SCLSB.L1.S1, que pode ser lido no referenciado sítio.

No caso em apreço, provado se encontra que, quanto ao crime de homicídio, o arguido AA desferiu, pelo menos, duas pancadas fortes na cabeça de EE com um extintor de incêndio, visando provocar a sua morte, o que veio a acontecer e que a arguida/recorrente aderiu a este desiderato, tendo até desferido um golpe com uma faca na zona abdominal da vítima, o que confirma este seu intuito.

Mais se retira dos factos assentes que agiu deliberada, livre e conscientemente, em comunhão de esforços e desígnios com os demais arguidos.

Ou seja, a recorrente BB actuou em conjunto com AA (e CC), existindo um acordo tácito entre si para alcançar o dito objectivo comum (e “a comparticipação criminosa basta-se com a existência de um acordo tácito, ainda que tomado no momento da execução, assente na existência da consciência e vontade de colaboração”, conforme também elucida o nosso STJ no Ac. de 08/07/2003, Proc. nº 03P1227, que pode ser lido em www.dgsi.pt), sendo que, tendo em atenção a jurisprudência e doutrina mencionadas, a circunstância de apenas AA ter perpetrado materialmente a agressão física de que veio a resultar a morte não afasta a coautoria, porquanto, como se deixou expresso, é autor do crime aquele que toma parte directa, na execução do crime, não sendo necessário que cada um dos agentes cometa integralmente o facto punível, que execute todos os factos correspondentes ao preceito incriminador; aquele que, mediante acordo com outros agentes, pratica acto de execução destinado a executá-la é coautor material dessa mesma infracção, não sendo necessário que tome parte na execução de todos esses actos, desde que seja incriminada a actuação total dos agentes.

Porque assim é comprovada está também a actuação em coautoria quanto ao crime de homicídio qualificado.

Vejamos agora se estão preenchidos os elementos objectivos do tipo qualificado.

Como deixámos já explicitado, a censurabilidade especial respeita a situações em que as circunstâncias em que a morte foi causada são de tal modo graves que reflectem uma atitude profundamente distanciada do agente em relação a uma determinação normal de acordo com os valores, enquanto a especial perversidade revela uma atitude profundamente rejeitável, constituindo um indício de motivos e sentimentos absolutamente rejeitados pela sociedade, reconduzindo-se a uma atitude má, atinente à personalidade do autor.

Ou, nas palavras de Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, Coimbra Editora, 1999, pág. 29, a especial censurabilidade refere-se a condutas em que o especial juízo de culpa se fundamenta na refracção, ao nível da atitude do agente, de formas de realização do facto especialmente desvaliosas, enquanto a especial perversidade se reporta aquelas em que o especial juízo de culpa se fundamenta directamente na documentação do facto de qualidades da personalidade do agente especialmente desvaliosas.

Ora, tendo em atenção o que também já se afirmou quando da apreciação do recurso interposto por AA e que é aplicável, considerando a respectiva actuação que assente se encontra, à arguida BB, está preenchido o exemplo-padrão da alínea g), do nº 2, do artigo 132º, do Código Penal e também configurada a especial censurabilidade da actuação da recorrente exigida para a qualificação do crime, porquanto o circunstancialismo referido tornam-no mais grave por a conduta ser mais reprovável.

Termos em que, se mostram efectivamente preenchidos os elementos objectivos e subjectivos do tipo de crime de homicídio qualificado por que a recorrente foi condenada.

Pois bem2.

Estamos totalmente de acordo com as claras e lúcidas considerações feitas pela Relação, quando procedeu ao enquadramento jurídico-penal dos factos dados como provados em relação à recorrente BB.

A recorrente, para além de ignorar no recurso para o STJ, o que já foi decidido, quanto a questões que colocou na Relação, relativamente ao invocado erro de julgamento, cujo conhecimento era da competência exclusiva da Relação (art. 428.º do CPP) e que foi julgado improcedente, continua a insistir com questões relacionadas com a impugnação da matéria de facto em sentido amplo, que já foram decididas definitivamente pela Relação.

As questões que coloca relativas ao invocado erro de julgamento quanto à intenção de matar e quanto à sua participação nos factos que integram o crime de homicídio (dolo, culpa na comparticipação), já estão definitivamente decididas pela Relação, quando conheceu dessa matéria e, como acima já se explicou, não cabem nos poderes de cognição do STJ, visto o disposto no art. 434.º do CPP, tanto mais que, como acima se referiu, nem sequer foram detetados, no texto da decisão, qualquer dos vícios do n.º 2 do art. 410.º do CPP, nem nulidades de conhecimento oficioso.

Assim, considerando os factos dados como provados, que estão definitivamente assentes, como bem explica a Relação (remetendo-se a recorrente para a leitura da decisão impugnada), mostram-se preenchidos os tipos objetivos e subjetivos dos crimes pelos quais foi condenada, em coautoria, incluindo, portanto, o de homicídio qualificado, que voltou a questionar, mas sem qualquer razão, por não ter atentado nos factos apurados (e, continuar a fazer conjeturas que não encontram apoio nos factos dados como provados).

Como bem explica a Relação, na decisão impugnada, a recorrente atuou em coautoria de um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210º, nº 1, do Código Penal e de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artigos 131º e 132º, nº s 1 e 2, alínea g), do mesmo código.

E, todos sabemos que a figura da coautoria (incluída também no conceito de “autoria” definido pelo art. 26.º do CP) exige a verificação de 2 requisitos: o acordo (decisão ou plano conjunto, ainda que tácito) e a execução conjunta do facto típico (cada coautor contribui objetivamente para a execução do facto típico, podendo essa execução ser parcial, portanto, circunscrever-se a uma parte da ação conjunta mas, de qualquer forma, terá de ser indispensável à obtenção do resultado pretendido)3.

Enquanto o acordo conjunto representa o elemento subjetivo da coautoria, a execução conjunta representa o seu elemento objetivo4.

Mas, “o domínio funcional do facto constitui o sinal próprio da coautoria, em que o agente decide e executa o facto em conjunto com outros”5.

Ora, como bem esclarece a Relação de Évora, “No caso em apreço, provado se encontra que, quanto ao crime de homicídio, o arguido AA desferiu, pelo menos, duas pancadas fortes na cabeça de EE com um extintor de incêndio, visando provocar a sua morte, o que veio a acontecer e que a arguida/recorrente aderiu a este desiderato, tendo até desferido um golpe com uma faca na zona abdominal da vítima, o que confirma este seu intuito. Mais se retira dos factos assentes que agiu deliberada, livre e conscientemente, em comunhão de esforços e desígnios com os demais arguidos. Ou seja, a recorrente BB actuou em conjunto com AA (e CC), existindo um acordo tácito entre si para alcançar o dito objectivo comum (…), sendo que, tendo em atenção a jurisprudência e doutrina mencionadas, a circunstância de apenas AA ter perpetrado materialmente a agressão física de que veio a resultar a morte não afasta a coautoria, porquanto, como se deixou expresso, é autor do crime aquele que toma parte directa, na execução do crime, não sendo necessário que cada um dos agentes cometa integralmente o facto punível, que execute todos os factos correspondentes ao preceito incriminador; aquele que, mediante acordo com outros agentes, pratica acto de execução destinado a executá-la é coautor material dessa mesma infracção, não sendo necessário que tome parte na execução de todos esses actos, desde que seja incriminada a actuação total dos agentes. Porque assim é comprovada está também a actuação em coautoria quanto ao crime de homicídio qualificado.”

Efetivamente, resultando dos factos apurados quer a “decisão prévia comum” tácita (que mais não é do que uma intenção), quer a concreta ação de cada coautor, pode concluir-se que os três arguidos tinham o chamado domínio funcional do facto6.

De resto, como bem esclareceu a Relação, remetendo para o que já havia escrito quando apreciara o recurso interposto pelo arguido AA (que acima também transcrevemos), por ser aqui aplicável, “considerando a respectiva actuação que assente se encontra, à arguida BB, está preenchido o exemplo-padrão da alínea g), do nº 2, do artigo 132º, do Código Penal e também configurada a especial censurabilidade da actuação da recorrente exigida para a qualificação do crime, porquanto o circunstancialismo referido tornam-no mais grave por a conduta ser mais reprovável.”

Por isso, concluiu, bem, “que, se mostram efectivamente preenchidos os elementos objectivos e subjectivos do tipo de crime de homicídio qualificado por que a recorrente foi condenada.

Perante os factos dados como provados e considerando o referido enquadramento jurídico penal, deles não ressalta qualquer violação do disposto no art. 13.º da CRP, nem do art. 29.º do CP, sendo certo que, como já acima foi referido, o STJ não tem poderes de cognição para conhecer do invocado erro de julgamento (que já está ultrapassado, por ter sido decidido pela Relação, que era o Tribunal competente para dele conhecer), sendo inócuas as considerações feitas pela recorrente que extravasam e não se podem deduzir dos factos apurados, considerados definitivamente assentes.

Improcede, pois, a argumentação da recorrente nesta matéria, não havendo igualmente (pelos motivos acima indicados) qualquer fundamento para as pretensões deduzidas a título subsidiário (uma vez que não encontram qualquer apoio nos factos dados como provados).

2ª Questão

A segunda questão prende-se com a medida da pena (quer única, quer individuais), que a recorrente considera exageradas, desadequadas e fixadas em violação das regras de experiência, para além de desproporcionadas no seu quantitativo, tendo sido determinadas em violação dos critérios legais, sendo violadoras do princípio da igualdade, devendo ser reduzidas e inferiores à aplicadas à arguida CC, atento o circunstancialismo atenuativo apurado (colocou a hipótese subsidiária - entre outras acima indicadas que ficaram prejudicadas7 - de no caso de ser mantida a qualificação jurídico-penal efetuada pelo tribunal, então pelo crime de roubo não deveria ser aplicada pena superior a 1 ano de prisão e pelo crime de homicídio qualificado não deveria ser aplicada pena superior a 12 anos de prisão e, em cúmulo jurídico, não deveria ser aplicada pena única de prisão superior a 12 anos de prisão).

Vejamos o que consta da decisão recorrida quanto à Dosimetria das penas parcelares e única aplicadas

Conhecendo do recurso do arguido AA que se insurge “no que tange à medida das penas parcelares (5 anos de prisão pela prática do crime de roubo e 19 anos de prisão pela prática do crime de homicídio qualificado) e única aplicadas (vinte e dois anos de prisão), considerando-as desproporcionadas”, escreve-se:

Ao crime de roubo previsto no artigo 210º, nº 1, do Código Penal, corresponde moldura penal abstracta de prisão de 1 a 8 anos.

O crime de homicídio qualificado, previsto nos artigos 131º e 132º, nº s 1 e 2, alínea g), do Código Penal, é punível com pena de prisão de 12 a 25 anos.

Conforme resulta do estabelecido no artigo 40º, do Código Penal, toda a pena tem como finalidades “a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade” – nº 1, sendo que “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa” – nº 2.

Nos termos do artigo 71º, do mesmo Código, para a determinação da medida da pena cumpre atender à culpa do agente, às exigências de prevenção e bem assim às circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra ele.

De acordo com estes princípios, o limite superior da pena é o da culpa do agente.

O limite abaixo do qual a pena não pode descer é o que resulta da aplicação dos princípios de prevenção geral positiva, segundo os quais a pena deve neutralizar o efeito negativo do crime na comunidade e fortalecer o seu sentimento de justiça e de confiança na validade das normas violadas, além de constituir um elemento dissuasor.

A pena tem de corresponder às expectativas da comunidade.

Daí para cima, a medida exacta da pena é a que resulta das regras de prevenção especial de socialização. É a medida necessária à reintegração do indivíduo na sociedade, causando-lhe só o mal necessário. Dirige-se ao condenado para o afastar da delinquência e integrá-lo nos princípios dominantes na comunidade – cfr. Ac. do STJ de 23/10/1996, in BMJ, 460, 407 e Figueiredo Dias, Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, págs. 227 e segs.

Ou, dito de outra forma, opera através da “neutralização-afastamento” do delinquente para que fique impedido fisicamente de cometer mais crimes, como intimidação do autor do crime para que não reincida e, sobretudo, para que sejam fornecidos ao arguido os meios de modificação de uma personalidade revelada desviada, assim este queira colaborar em tal tarefa - Claus Roxin, Derecho Penal-Parte Geral, I, Madrid, Civitas, 1997, pág. 86.

Assim, do exposto resulta que a pena concreta, numa primeira fase, é encontrada em função da culpa do arguido e das exigências de prevenção, atendendo ainda, numa segunda fase, a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, rodearam o mesmo, antes ou depois do seu cometimento, quer resultem a favor ou contra o agente.

Destarte, daquela primeira aproximação decorrem duas regras basilares: a primeira, explícita, consiste em que a culpa é o fundamento para a concretização da pena, devendo esta proteger eficazmente os bens jurídicos violados; a segunda, que está implícita, é que se impõe ter em conta os efeitos da pena na vida futura do arguido no seio da comunidade e da necessidade desta dele se defender, mantendo a confiança na tutela da correspondente norma jurídica que foi violada.

Percorrendo o acórdão recorrido, como enunciado se mostra, verifica-se que para a determinação da medida concreta das penas parcelares foi ponderado (expurgadas as menções legais, doutrinárias e jurisprudenciais):

As necessidades de prevenção geral são prementes, sobretudo relativamente ao crime de homicídio, pelo bem jurídico tutelado que é a vida humana. O alarme social provocado é elevado, devendo a pena restabelecer a tranquilidade e a expectativa comunitárias na vigência e validade das normas violadas. É, pois, imperativo deixar um sinal claro à comunidade de que não são tolerados factos como os em apreço, sobretudo numa altura em que vai sendo dado nota de um crescendo da criminalidade mais violenta, sendo inquestionável a necessidade de fixação de penas eficazes, que não excedam, obviamente os limites da culpa.

Ao arguidos agiram com dolo directo na prática do crime de Roubo. Já quanto ao crime de Homicídio, os Arguidos BB e AA agiram igualmente com dolo directo e a Arguida CC com dolo eventual. Porém, o seu grau de participação ganha relevância considerando que a mesma era a única que conhecia o Ofendido, que falou dele aos co-Arguidos e que o atraiu até ao local onde estes já se encontravam escondidos, tendo o seu contributo sido determinante para a prática dos demais factos. Também foi esta arguida que contactou FF com vista ao depósito do cheque subtraído à Vítima.

O grau de ilicitude dos factos é muito elevado, dado o modo de execução dos factos e a pluralidade dos crimes cometidos. De sublinhar que EE foi isolado e surpreendido com a actuação dos três Arguidos e a multiplicidade das agressões de que foi vítima.

Acresce a leviandade do comportamento dos Arguidos traduzida na facilidade com que se determinaram à prática dos factos e ao modo de execução dos mesmos, apenas e tão-só com o intuito de se apoderarem dos pertences do Ofendido, ultrapassando, em muito, a barreira psicológica que impede qualquer homem comum de levar a cabo agressões e de tirar a vida de outra pessoa, com vista à obtenção de valores e objectos.

E apesar das Arguida BB e CC terem admitido parte dos factos que lhe são imputados, procuraram, ainda assim, desresponsabilizar-se, apresentando um discurso ligeiro sem revelar a verdadeira interiorização da culpa.

Por outro lado, pese embora não sejam conhecidos antecedentes criminais a estas Arguidas e as mesmas revelem integração social e laboral (sobretudo, BB que, além do mais, conta com apoio familiar), esta circunstância não as afastou da prática dos afctos ora em discussão, revelando, como acima referido, leviandade.

Já quanto ao Arguido AA, a sua actuação revestiu-se de maior violência, tendo sido as suas agressões que, em última instância, provocaram as lesões que causaram a morte de EE.

Assim e não obstante a relação com a actual companheira tenha criado condições para este Arguido mudar o seu padrão de conduta e integração social, não podemos olvidar os seus vastos antecedentes criminais (a sua grande maioria pela prática de crimes de Roubo) e a ausência de capacidade de auto-censura. Acresce que cedo enveredou por comportamentos criminais que o levaram ao contacto com o sistema de justiça, cumprindo primeiro medida tutelar educativa e mais tarde penas de prisão efectivas, sem que tivesse alterado o seu percurso prisional.

São, pois, muito elevadas as necessidades de prevenção especial quanto a este arguido.

Face ao que supra ficou transcrito, é patente que a decisão revidenda levou em linha de conta os factores relevantes para a determinação concreta das penas, nos termos estabelecidos no artigo 71º, nºs 1 e 2, do Código Penal, em termos que não merecem crítica, atentos os factos que provados se encontram.

Importa se realce que o recorrente não revelou interiorização alguma do desvalor da sua conduta delituosa, beneficiou anteriormente à data da prática dos factos em causa nestes autos de liberdade condicional (em 2016) e as exigências de prevenção geral, ponderada a frequência com que são praticados crimes com recurso à violência, que criam nos membros da comunidade forte sentimento de insegurança, potenciando a perda de confiança dos cidadãos no próprio Estado como principal regulador da paz social, impõem o reforço da validade das normas violadas aos olhos da comunidade.

Pelo exposto, efectuado juízo de ponderação sobre a culpa, como medida da pena e considerando as exigências de prevenção e as demais circunstâncias previstas no artigo 71º, do Código Penal, não se mostra que as penas parcelares em que foi condenado extravasem a medida da respectiva culpa e também não ultrapassam o limite dentro dos quais a justiça relativa havia de ser encontrada, não se evidenciando como desajustadas por excesso.

No que concerne à pena única, que o tribunal a quo fixou em 22 anos de prisão, por força do estabelecido no artigo 77º, do Código Penal, importa considerar, em conjunto, os factos e a personalidade do agente, tendo a pena única aplicável como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.

Ensina Figueiredo Dias, em Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, págs. 290/292 que, a pena conjunta do concurso será encontrada em função das exigências gerais de culpa e de prevenção, fornecendo a lei, para além dos critérios gerais de medida da pena contidos no artigo 72º, nº 1 (correspondente ao actual artigo 71º, nº 1), um critério especial: o do artigo 77º, nº 1, 2ª parte.

Mais acrescenta, que para se encontrar a pena única “tudo deve passar-se como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade - unitária - do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente a uma “carreira”) criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade (...) de grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização)”.

Na consideração dos factos (do conjunto dos factos que integram os crimes em concurso) está ínsita uma avaliação da gravidade da ilicitude global, que deve ter em conta as conexões e o tipo de conexão entre os factos em concurso, conforme tem sido entendido pelo Supremo Tribunal de Justiça – cfr. por todos, Ac. do STJ de 25/11/2009, Proc. nº 490/07.0TAVVD.S1, consultável em www.dgsi.pt.

Para esse efeito, teve o tribunal recorrido em consideração todas as circunstâncias já acima referidas, nomeadamente a forte energia criminosa revelada na prática dos factos, bem como a sua situação social, pessoal e laboral e o carácter revelado.

A moldura da punição será de 19 anos a 24 anos de prisão.

Como se salienta no Ac. do STJ de 18/06/2009, Proc. nº 334/04.5PFOER.L1.S1, que pode ser lido no mesmo sítio, parafraseando o Exmº Conselheiro Carmona da Mota, a pena conjunta situar-se-á até onde a empurrar o efeito “expansivo” sobre a parcelar mais grave, das outras penas, e um efeito “repulsivo” que se faz sentir a partir do limite da soma aritmética de todas as penas. Ora, este efeito “repulsivo” prende-se necessariamente com uma preocupação de proporcionalidade, que surge como variante com alguma autonomia, em relação aos já aludidos critérios da “imagem global do ilícito” e da personalidade do arguido. Proporcionalidade entre o peso relativo de cada parcelar no conjunto de todas elas.

Existe conexão temporal e sequencial entre os ilícitos praticados.

Quanto à ilicitude do conjunto dos factos, entendida como juízo de desvalor da ordem jurídica sobre um comportamento, por este lesar e pôr em perigo bens jurídico-criminais, estamos face a crimes de homicídio (em que o bem jurídico protegido é a vida humana) e roubo (em que se protegem não só bens jurídicos patrimoniais, como pessoais), sendo que, por se não verificar identidade dos bens jurídicos violados e bem assim considerando a sua natureza, se tem de considerar como muito significativa.

O recorrente agiu sempre com dolo, na modalidade de directo (a mais grave) e de grau intenso.

No que concerne à sua personalidade, resulta a dificuldade que apresenta em adoptar uma conduta de acordo com as normas; importa ter ainda em conta a existência de condenações penais anteriores; a não revelação de interiorização das condutas delituosas; assim como o que provado se mostra quanto ao seu percurso de vida (em que se salienta a ausência de hábitos regulares de trabalho, ainda que em 2020 comece a registar alguma estabilidade), de onde podemos concluir ser o ilícito global agora em apreciação já determinado por alguma propensão criminosa.

As exigências de prevenção geral e especial (dada a extrema violência e persistência da actuação criminosa, aliada à falta de interiorização do mal dos crimes) são muito fortes, conforme já explicitado.

Desta forma, conclui-se que a pena única de 22 anos de prisão se mostra adequada e proporcional à consideração conjunta dos factos e da personalidade evidenciada pelo recorrente.

Em conclusão, cumpre não alterar a medida da pena única fixada pela 1ª instância.”

Em particular quando se conhece do recurso da arguida BB, escreveu-se:

“Já vimos quais os parâmetros e directrizes a atender, quer para a determinação das penas parcelares, quer para a dosimetria da pena única, pelo que nos coibimos de o repetir, por integrar acto inútil.

E reveladas também já foram as circunstâncias concretas ponderadas pelo tribunal recorrido para encontrar a dosimetria dessas penas parcelares (3 anos de prisão pela prática do crime de roubo e 17 anos de prisão pelo cometimento do crime de homicídio qualificado).

Tendo em atenção essas circunstâncias, resulta que a decisão revidenda considerou os factores relevantes para a determinação concreta das penas, nos termos estabelecidos no artigo 71º, nºs 1 e 2, do Código Penal, em termos que não merecem crítica, atentos os factos que provados se encontram.

Assinale-se, ainda, que a recorrente, pese embora uma confissão parcial dos factos, não demonstrou interiorização do desvalor da sua conduta delituosa, antes pretendendo desculpabilizar-se com a pretensa (não comprovada) intimidação que sofreu dos demais arguidos, o que contra a mesma milita.

Destarte, considerando a culpa, como medida superior da pena, atendendo às exigências de prevenção e às demais circunstâncias previstas no artigo 71º, do Código Penal, a pena em que foi condenada a recorrente pela prática do crime de roubo não excede a medida da respectiva culpa, como também não ultrapassa os limites dentro dos quais a justiça relativa havia de ser encontrada, apresentando-se como adequada e proporcional.

Já não é assim no que tange à pena encontrada para o crime de homicídio qualificado que, ponderando a sua culpa, a ausência de antecedentes criminais e que tem hábitos de trabalho radicados, se considera como mais adequada a de 14 anos de prisão.

Quanto à pena única, varia entre os 14 anos de prisão e os 17 anos de prisão.

Ocorre conexão temporal e sequencial entre os ilícitos praticados.

Quanto à ilicitude do conjunto dos factos, já vimos que se tem de considerar como muito significativa.

A recorrente agiu sempre com dolo, na modalidade de directo (a mais grave) e de grau intenso.

Quanto à sua personalidade, importa ter em conta que manifesta esforço de valorização pessoal e tem hábitos de trabalho (embora sem regularidade e estabilidade), bem como a não existência de condenação penal anterior, o que milita a seu favor.

A não revelação de interiorização das condutas delituosas, contra a arguida se perfila.

Tudo visto, resulta o ilícito global agora em apreciação não ser determinado por alguma propensão ou tendência criminosa.

As exigências de prevenção geral e especial (considerada a significativa violência e persistência da actuação criminosa, aliada à falta de interiorização do mal dos crimes) são prementes, conforme já explicitado, cumprindo atender, quanto à prevenção geral, a frequência com que são praticados crimes contra a vida e outros valores pessoais, que criam nos membros da comunidade forte sentimento de insegurança, potenciando a perda de confiança dos cidadãos no próprio Estado como principal regulador da paz social, impondo-se, por isso, o reforço da validade das normas violadas aos olhos da comunidade.

Desta forma, conclui-se que a pena única de 15 anos de prisão se apresenta adequada e proporcional à consideração conjunta dos factos e da personalidade evidenciada pela recorrente.

Em conclusão, cumpre alterar, em conformidade, a medida da pena única fixada pela 1ª instância.

Verificação dos pressupostos de aplicação da pena de substituição de suspensão da execução da pena

Almeja a recorrente, subsidiariamente, a aplicação da pena de substituição de suspensão da execução da pena.

Pressuposto formal da aplicação desta pena de substituição é de a sua medida não ser superior a 5 anos, como decorre do estabelecido no artigo 50º, nº 1, do Código Penal.

A recorrente foi condenada na pena de 15 anos de prisão, pelo que preenchido não está esse pressuposto.

Pelo exposto, o recurso merece provimento parcial.”

Pois bem.

Quanto à pena individual aplicada (de 3 anos de prisão) pelo crime de roubo há dupla conforme, isto é, houve um duplo juízo condenatório quanto a essa questão (uma vez que a Relação de Évora, quando conheceu do recurso que a recorrente apresentou da decisão da 1ª instância, em que questionou as penas individuais e a pena única que lhe foram aplicadas, manteve aquela pena aplicada pela 1ª instância).

Esse juízo confirmativo garante o duplo grau de jurisdição consagrado pelo art. 32.º, n.º 1, da CRP, não havendo, assim, violação do direito ao recurso, nem tão pouco dos direitos de defesa do arguido (arts. 32.º, n.º 1 e 20.º, n.º 1, da CRP), o que significa que, face ao disposto nos arts. 400.º, n.º 1, al. f) e 432.º, n.º 1, al. b), do CPP, o acórdão do Tribunal da Relação é irrecorrível nessa parte (quanto à pena aplicada pelo crime de roubo) em que confirmou a condenação da 1ª Instância (princípios da dupla conforme condenatória e da legalidade), tendo-se tornado definitivo.

Considerando o disposto no art. 400.º n.º 1, als. e) e f) do CPP, a não admissibilidade do recurso vale separadamente para as penas parcelares e para a pena conjunta, podendo acontecer que não sejam recorríveis algumas das penas individuais (como aqui sucede), mas já o sejam outras (como acontece com a pena do homicídio qualificado) e mesmo com a pena única8.

Portanto, não pode a recorrente pretender uma terceira apreciação da medida da pena relativa ao crime de roubo, por aí haver limitações legais.

Assim, por inadmissibilidade legal, uma vez que há dupla conforme, não se toma conhecimento do recurso em apreciação, quanto à medida da pena relativa ao crime de roubo, por nessa parte o acórdão da Relação de Évora ser definitivo.

Passemos então a apreciar a questão da medida da pena relativa ao crime de homicídio qualificado e à pena única, também colocadas pela recorrente.

E, nesta matéria adiantamos desde já que concordamos com a respetiva apreciação feita pela Relação, que observou os critérios legais.

A recorrente, no seu recurso para o STJ, considera que devem ser reduzidas/diminuídas as penas que lhe foram aplicadas, como acima já se referiu, mas sem razão.

De esclarecer que todas as circunstâncias atenuantes relevantes que decorriam dos factos dados como provados, foram ponderadas pela Relação.

Obviamente que a Relação, não podia deixar de considerar igualmente as agravantes que indicou, que caraterizavam a conduta da arguida/recorrente e ressaltavam dos factos apurados e, que esta, no seu recurso, se esqueceu de enunciar.

Ora, foi na ponderação das agravantes e das atenuantes, da forma como o fez, usando critérios de razoabilidade e de bom senso, tendo em atenção as razões de prevenção geral e de prevenção especial que no caso concreto se faziam sentir, que o tribunal a quo determinou o quantum da pena individual a aplicar pelo crime de homicídio qualificado cometido pela arguida e, depois, determinou a pena única.

O facto de, na ponderação que a Relação fez, não ter atribuído o mesmo peso ou valor, ao circunstancialismo atenuativo apurado, que a recorrente atribui, não significa, como esta alega, de forma abstrata e genérica, que então deu maior valor à vertente repressiva e punitiva das penas.

A Relação foi bem clara na fundamentação que apresentou das penas que aplicou, tendo observado os princípios e normas aplicáveis, nomeadamente os artigos 40.º, 70.º, 71.º e 77.º do CP.

E, para melhor explicarmos o que acima se afirmou, acrescentamos, perante as particularidades deste caso concreto, a seguinte análise concreta que faremos de seguida, tendo em atenção que está em causa a medida da pena do crime de homicídio qualificado cometido pela recorrente.

Havia que considerar que a arguida/recorrente agiu com dolo direto e com consciência da ilicitude da sua conduta.

Essa culpa e dolo são intensos, tendo presente a ação concreta em questão nos autos, por si praticada e o seu grau de participação no crime aqui em análise.

A ilicitude dos factos apurados é muito elevada, sendo manifesta (como referem as instâncias) a leviandade com que atuaram, até considerando os motivos que os determinaram, que não justificam a sua atuação, revelando antes uma maior desatenção à advertência de conformação ao direito.

São elevadas as exigências de prevenção geral (necessidade de restabelecer a confiança na validade da norma violada), tendo em atenção o bem jurídico violado (vida) no crime cometido ora em apreciação, que devem ser combatidas com maior severidade, embora de forma proporcional à danosidade que causa e tendo em atenção as particulares circunstâncias do caso.

São médias as razões de prevenção especial, atendendo ao que se apurou em relação às condições de vida da recorrente, que se mostra integrada social e laboralmente, conta com apoio familiar e (como bem diz a Relação) “tem hábitos de trabalho radicados”, sendo que, ao mesmo tempo, não tem antecedentes criminais.

De todo o modo, ainda que tenha confessado parcialmente os factos, como bem assinala a Relação, “não demonstrou interiorização do desvalor da sua conduta delituosa, antes pretendendo desculpabilizar-se com a pretensa (não comprovada) intimidação que sofreu dos demais arguidos, o que contra a mesma milita.”

Igualmente se atenderá à respetiva idade (nasceu em ... .07.1994), quer à data do cometimento do crime, quer à data em que foi proferida a decisão da Relação, quer mesmo atualmente, ao tempo entretanto decorrido e, ao efeito previsível da pena sobre o seu comportamento futuro, apesar de para já não se ver que esteja determinada a mudar o seu rumo de vida, tanto mais que ainda não interiorizou o desvalor da conduta que praticou, não revelando sentido crítico quanto ao crime de homicídio qualificado cometido.

De qualquer modo, tudo ponderado, olhando aos factos apurados e tendo presente o limite máximo consentido pelo grau de culpa da arguida/recorrente, bem como os princípios político-criminais da necessidade e da proporcionalidade, julga-se adequada e ajustada a pena aplicada pela Relação de 14 anos de prisão pelo crime de homicídio qualificado (que significou uma redução em relação aos 17 anos de prisão aplicados pela 1ª instância).

Visto o disposto no art. 77.º do CP, sendo a moldura abstrata da pena única, entre 14 anos de prisão e 17 anos de prisão (14 anos de prisão pelo crime de homicídio qualificado+3 anos prisão pelo crime de roubo), concordamos com as considerações feitas pela Relação quando determinou a pena única.

Com efeito, atendendo aos respetivos factos no conjunto (conexão entre os crimes cometidos e gravidade do ilícito global que é muito significativa) e à sua personalidade (que se mostra adequada aos factos cometidos, apesar de antes da sua prática ter tido condições de vida que lhe permitiam levar uma vida conforme ao direito, mas não tendo conseguido atuar de acordo com as regras normativas, apesar de não ter antecedentes criminais), bem como não esquecendo, relativamente ao ilícito global, quer as exigências de prevenção geral e especial, bem como a sua idade, e o efeito previsível da pena sobre o seu comportamento futuro, julga-se ajustada e adequada a pena única de 15 (quinze) anos de prisão imposta pela Relação, assim contribuindo para a sua futura reintegração social e satisfazendo as finalidades das penas.

Com efeito, importa ter em atenção as suas carências de socialização e igualmente ter presente o efeito previsível da pena única aplicada sobre o seu comportamento futuro, a qual (ao contrário do que sugere) não é impeditiva da sua ressocialização, quando chegar o momento próprio, sendo conveniente e útil que no EP vá interiorizando o desvalor da sua conduta e se vá preparando para adotar uma postura socialmente aceite, além de cumprir (como está a cumprir) as regras da instituição.

No juízo de prognose a fazer pelo tribunal não se vê que haja razões para reduzir a pena individual que lhe foi aplicada pelo crime de homicídio qualificado e/ou a pena única que lhe foi imposta, considerando as apontadas razões de prevenção geral e especial e tendo presente o efeito previsível da pena única aplicada sobre o seu comportamento futuro, a qual não é impeditiva da sua ressocialização, quando chegar o momento próprio (por certo, que justificando-se, poderá a seu tempo beneficiar de medidas flexibilização que a vão preparar para a liberdade, medidas essas a determinar pelo tribunal competente para o efeito).

Do exposto resulta que, mesmo na perspetiva do direito penal preventivo, não se pode formular um juízo mais favorável ou que se justifique efetuar qualquer correção às referidas penas aplicadas à recorrente, sendo que a pretendida redução era desajustada e comprometia irremediavelmente a crença da comunidade na validade das normas incriminadoras violadas, não sendo comunitariamente suportável aplicar pena única inferior à que lhe foi imposta.

Atenta a pena única (15 anos de prisão) aplicada, que é de manter, está excluída legalmente a possibilidade de suspensão da sua execução (cf. art. 50.º do CP).

Comparando as penas (individuais e única) que lhe foram aplicadas com as impostas aos co-arguidos (AA e CC), tendo em atenção a atuação de cada um deles e as particulares circunstâncias a atender em relação a cada recorrente, não resulta que tenha sido violado o invocado princípio da igualdade, nem tão pouco que tivesse havido dualidade de critérios (as diferenciações que foram feitas justificavam-se tendo em atenção as particularidades de cada caso, em relação a cada recorrente, o que apenas evidencia que situações diferentes tiveram tratamento diverso, o que não se confunde com violação do princípio da igualdade).

A ponderação sobre a eventual aplicação da Lei n.º 38-A/2023, de 2.08 (perdão das penas e amnistia de infrações) compete ao juiz da 1ª instância da condenação (art. 14.º), razão pela qual, neste caso concreto, não nos vamos pronunciar sobre essa matéria.

Em conclusão: sendo rejeitado o recurso na parte em que há dupla conforme (isto é, quanto à questão sobre a pena relativa ao crime de roubo), no mais improcede o recurso da arguida, sendo certo que não foram violados os princípios e as disposições legais por si invocadas.

*

3. Quanto ao recurso da arguida CC, analisadas as conclusões que apresentou, verifica-se que apresenta as seguintes questões:

1ª- erro na subsunção dos factos ao direito (quanto ao crime de homicídio qualificado pelo qual foi condenada, pois, na sua perspetiva, não se provou que tivesse agido com dolo, sequer eventual ou com culpa, tendo sido violado o disposto no art. 14.º do CP e no art. 29.º do CP, nunca tendo representado a morte da vítima, não podendo ser responsabilizada pelo crime de homicídio, no qual não participou, não lhe sendo comunicáveis as situações dos exemplos-padrões referidos no art. 132.º, n.º 2, als. g) e j), do CP, relevantes por via da culpa e não da ilicitude e que apenas se aplicam aos arguidos AA e BB;

2ª- medida da pena, por na sua perspetiva, serem as penas individuais e única desadequadas e excessivas, além de violadoras do princípio da igualdade, devendo ser reduzidas e inferiores à aplicada à arguida BB, quanto ao crime de homicídio, atento o circunstancialismo atenuativo apurado, tanto mais que a sua atuação foi ocasional, tendo colaborado com a polícia na descoberta da verdade, o que foi relevante para se descobrirem os restantes arguidos.

1ª Questão

Tal como sucedeu com a recorrente BB, também a recorrente CC, faz alguma confusão entre o erro na subsunção dos factos ao direito e o erro de julgamento, esquecendo que está a recorrer para o STJ e que os poderes de cognição deste tribunal, nos termos do art. 434.º do CPP, visam exclusivamente o reexame da matéria de direito, sem prejuízo do disposto nas alíneas a) e c) do n.º 1 do art. 432.º, o que significa que o recurso para o STJ é um recurso de revista, ainda que ampliado, ao contrário do que sucede com o recurso para a Relação que é um recurso de apelação, que conhece de facto e de direito (art. 428.º CPP).

Ou seja, incumbe à Relação, atentos os seus poderes de cognição (e não ao Supremo Tribunal de Justiça) conhecer do chamado erro de julgamento previsto no art. 412.º, n.º 3 e n.º 4, do CPP.

No recurso para o STJ, a recorrente nem sequer aponta ao texto da decisão sobre a matéria de facto, vícios previstos no art. 410.º, n.º 2, do CPP.

Também nós, lendo e relendo a decisão impugnada, não os detetamos.

Assim, vejamos o que foi decidido na Relação relativamente ao enquadramento jurídico-penal dos factos dados como provados quanto à recorrente CC, uma vez que, não se verificando os vícios aludidos no art. 410.º, n.º 2, do CPP e não havendo nulidades de conhecimento oficioso, está definitivamente fixada a decisão proferida sobre a matéria de facto.

Enquadramento jurídico-penal da conduta da recorrente

Conforme decorre do corpo da motivação de recurso e respectivas conclusões, a recorrente não impugna a factualidade que provada se mostra (no corpo da motivação refere mesmo que o seu desiderato é o “recurso da matéria de direito”) e assinala como “normas jurídicas violadas” os “artigos 29º, 71º e 40º, nº 2, todos do Código Penal”, sendo certo que, também, não aponta como verificado qualquer dos vícios enunciados no artigo 410º, nº 2, do CPP, nem observa as exigências do artigo 412º, nºs 3 e 4 (não especifica quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, nem as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida), do mesmo Código, a que teria de obedecer se pretendesse impugnar a matéria de facto na modalidade ampla.

Assim, importa concluir que o recurso versa sobre matéria de direito, não tendo sido impugnada a decisão proferida sobre a matéria de facto e, posto que se não vislumbra qualquer dos vícios previstos no artigo 410º, nº 2, do CPP, nem nulidade alguma de conhecimento oficioso (cumprindo dizer que as declarações prestadas em fase de inquérito pela recorrente CC perante Magistrado do Ministério Público com a assistência de defensor e com a informação a que se reporta o artigo 141º, nº 4, alínea b), do CPP, foram lidas em audiência, como resulta da acta de 28/01/2022, 2ª Sessão, gravação pelas 17:59 horas), considera -se definitivamente fixada a factualidade constante do acórdão sob recurso no que à arguida/recorrente tange.

Insurge-se a mesma contra a sua condenação pela prática, em coautoria material, sob a forma consumada, de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artigos 131º e 132º, nº s 1 e 2, alínea g) - afirma também que o foi pela alínea j) deste nº 2, mas está equivocada - do Código Penal.

Está assente, no que diz respeito ao crime de homicídio, que o arguido AA desferiu, pelo menos, duas pancadas fortes na cabeça de EE com um extintor de incêndio, com o intuito de provocar a sua morte, o que veio a acontecer e que a arguida/recorrente aderiu a este seu desiderato, representando como possível esse decesso e conformando-se com ele.

Resulta também provado, que actuou, livre e conscientemente, em comunhão de esforços e desígnios com os demais arguidos.

Quer dizer, a recorrente CC actuou em conjunto com AA (e BB), verificando-se um acordo tácito entre si, por adesão sucessiva, para alcançar o dito objectivo comum. E, como também já se deixou alumiado “a comparticipação criminosa basta-se com a existência de um acordo tácito, ainda que tomado no momento da execução,” pelo que a circunstância de apenas AA ter realizado materialmente a agressão física de que veio a resultar a morte de EE não afasta a coautoria.

Analisemos então se estão preenchidos os elementos objectivos do tipo qualificado.

A propósito, aduz a recorrente que o tribunal a quo ignorou o consagrado no artigo 29º, do Código Penal.

Estabelece-se neste normativo: “cada comparticipante é punido segundo a sua culpa, independentemente da punição ou o grau de culpa dos outros comparticipantes”, de onde se extrai que a culpa é o fundamento e o limite da pena.

E, como refere Paulo Albuquerque, Comentário do Código Penal, UCE, 2ª edição, pág. 400, no artigo 132º, do Código Penal, consagra-se “um tipo de culpa agravada de homicídio, por força da cláusula geral de especial censurabilidade ou perversidade, concretizada de acordo com um elenco de circunstâncias não automático e não taxativo” – neste sentido, vd. também, entre outros, Acs. do STJ de 17/10/2007, Proc. nº 07P3395, 31/01/2012, Proc. nº 894/09.4PBBRR.S1, 17/04/2013, Proc. nº 237/11.7JASTB.L1.S1, 19/02/2014, Proc. nº 168/11.0GCCUB.S1, 19/12/2019, Proc. nº 111/12.0PTLRS.L1.S1 e de 10/11/2022, Proc. nº 324/21.3JAVRL.G1.S1, todos disponíveis em www.dgsi.pt.

Assim, as situações dos exemplos-padrão referidos no artigo 132º, nº 2, do Código Penal, são relevantes por via da culpa e não da ilicitude e, por isso, não são comunicáveis, mas susceptíveis de valoração autónoma em relação a cada comparticipante, aplicando-se o disposto no artigo 29º do Código Penal, como se refere no Ac. R. de Lisboa de 24/11/2021, Proc. nº 92/20.6GAPNI.C1, consultável no referenciado sítio, que faz apelo ao Ac. do STJ de 17/03/1999, Proc. nº 98PI1434.

Considerando o que também já se afirmou no que concerne à cláusula geral de especial censurabilidade ou perversidade e exemplo-padrão quando da apreciação do recurso interposto por AA e que é aplicável à arguida CC, bem assim a respectiva conduta que provada está, mostra-se preenchido o previsto na alínea g), do nº 2, do artigo 132º, do Código Penal e também configurada a especial censurabilidade da actuação da recorrente exigida para a qualificação do crime, porquanto o circunstancialismo mencionado tornam-no mais grave por a actuação ser mais reprovável.

De onde, obliterado não foi o consagrado no artigo 29º, do Código Penal.

Destarte, não merece crítica a subsunção efectuada pelos julgadores da 1ª instância.

Vejamos.

A recorrente volta a repetir neste recurso para o STJ grande parte da argumentação do recurso apresentado para a Relação.

No entanto, devia ter lido com mais atenção a decisão da Relação de Évora.

Já ficou definitivamente assente a matéria de facto, como acima já tivemos ocasião de explicar.

Para além disso, resulta dos factos dados como provados que a recorrente agiu em coautoria com os demais arguidos, na prática dos dois crimes pelos quais foi condenada, sendo certo que, quanto ao crime de homicídio, provou-se que atuou com dolo eventual.

Com efeito, como foi esclarecido pela Relação “Está assente, no que diz respeito ao crime de homicídio, que o arguido AA desferiu, pelo menos, duas pancadas fortes na cabeça de EE com um extintor de incêndio, com o intuito de provocar a sua morte, o que veio a acontecer e que a arguida/recorrente aderiu a este seu desiderato, representando como possível esse decesso e conformando-se com ele.

Resulta também provado, que actuou, livre e conscientemente, em comunhão de esforços e desígnios com os demais arguidos.

Quer dizer, a recorrente CC actuou em conjunto com AA (e BB), verificando-se um acordo tácito entre si, por adesão sucessiva, para alcançar o dito objectivo comum. E, como também já se deixou alumiado “a comparticipação criminosa basta-se com a existência de um acordo tácito, ainda que tomado no momento da execução,” pelo que a circunstância de apenas AA ter realizado materialmente a agressão física de que veio a resultar a morte de EE não afasta a coautoria.”

Também resulta dos pontos 31 e 32 dos factos provados que a recorrente atuou com dolo eventual quanto ao crime de homicídio qualificado pelo qual foi condenado, o que significa que não foi violado o disposto no art. 14.º do CP.

Para além disso, como já foi notado pela Relação, no recurso para este STJ, a recorrente volta a incorrer no mesmo equívoco, quando considera que foi condenada também pela alínea j) do n.º 2, do art. 132.º do CP.

Na verdade, foi condenada, como coautora material, sob a forma consumada, de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artigos 131º e 132º, nº s 1 e 2, alínea g), do Código Penal, estando preenchidos os respetivos tipos objetivo e subjetivo.

A circunstância considerada verificada (prevista na alínea g) do n.º 2 do art. 132.º do CP), pelos motivos já acima indicados, releva por via da culpa – e não da ilicitude, como pretende a recorrente – e, por isso, não são comunicáveis, mas suscetíveis de valoração autónoma em relação a cada comparticipante, aplicando-se o disposto no artigo 29.º do CP.

Daí que, como bem se esclarece no acórdão da Relação ora em análise “Considerando o que também já se afirmou no que concerne à cláusula geral de especial censurabilidade ou perversidade e exemplo-padrão quando da apreciação do recurso interposto por AA e que é aplicável à arguida CC, bem assim a respectiva conduta que provada está, mostra-se preenchido o previsto na alínea g), do nº 2, do artigo 132º, do Código Penal e também configurada a especial censurabilidade da actuação da recorrente exigida para a qualificação do crime, porquanto o circunstancialismo mencionado tornam-no mais grave por a actuação ser mais reprovável.

De onde, obliterado não foi o consagrado no artigo 29º, do Código Penal.”

Perante os factos dados como provados, não há qualquer erro no enquadramento jurídico-penal dos factos dados como provados a si respeitantes, sendo certo que não foram violadas as normas por si invocadas.

2ª Questão

A segunda questão prende-se com a medida da pena (quer única, quer individuais), que a recorrente considera exageradas, desadequadas, violadoras do princípio da igualdade, devendo ser reduzidas e inferiores à aplicada à arguida BB, quanto ao crime de homicídio, atento o circunstancialismo atenuativo apurado, tanto mais que a sua atuação foi ocasional, tendo colaborado com a polícia na descoberta da verdade, o que foi relevante para se descobrirem os restantes arguidos.

Vejamos o que consta da decisão recorrida quanto à Dosimetria das penas parcelares e única aplicadas em particular à aqui recorrente.

Dosimetria das penas parcelares e única aplicadas

Inconformada está também a recorrente CC com a medida das penas encontradas para o crime de roubo (3 anos de prisão) e homicídio qualificado (17 anos de prisão).

Vistas estão as circunstâncias que o tribunal recorrido ponderou para a sua determinação concreta, que não merecem crítica.

A recorrente, colaborou no decurso do inquérito para a descoberta da verdade e tem hábitos de trabalho (o que tem de a beneficiar), mas vero é que em audiência de julgamento não revelou interiorização do desvalor das condutas delituosas (o que contra si milita).

Relativamente ao crime de roubo, actuou com dolo directo.

Já a sua actuação nos factos integradores do crime de homicídio qualificado, foi dolosa, mas sob a sua forma eventual (como provado está).

Daí que, tendo em atenção a sua culpa e considerando as exigências de prevenção e demais circunstâncias enunciadas no artigo 71º, do Código Penal, a pena em que foi condenada pela prática do crime de roubo não exceda a medida daquela, revelando-se adequada e proporcional.

No que tange à pena encontrada para o crime de homicídio qualificado, ponderando a sua culpa, a ausência de antecedentes criminais, que tem hábitos de trabalho e um filho com seis anos de idade que não tem contacto com o progenitor, tendo a recorrente se assumido como a figura privilegiada na condução do processo educativo do filho, mostra-se como mais adequada e proporcional a de 12 anos de prisão.

Já quanto à pena única, tem de ser encontrada entre o limite mínimo de 12 anos de prisão e o máximo de 15 anos de prisão.

Verifica-se conexão temporal e sequencial entre os ilícitos praticados.

A ilicitude do conjunto dos factos, como se disse retro é muito significativa.

A recorrente agiu com dolo eventual, a sua forma menos intensa.

Relativamente à personalidade, revela esforço e vontade na valorização pessoal e tem hábitos de trabalho, ainda que não com seu exercício regular e estável; não regista condenação penal anterior, mas não demonstrou em audiência de julgamento interiorização das condutas delituosas, circunstância que a desfavorece.

Ponderando estas e demais condições de vida que estão provadas, de onde resulta o ilícito global agora em apreciação não ser, em nosso entender, determinado por alguma propensão ou tendência criminosa.

As exigências de prevenção geral nos crimes de homicídio e roubo são muito fortes, como se explicitou em momento anterior, mas as de prevenção especial quanto a esta recorrente são mais atenuadas do que as relativas à arguida BB, pois o seu dolo revestiu a forma de eventual.

Desta forma, conclui-se que a pena única de 13 anos de prisão se apresenta adequada e proporcional à consideração conjunta dos factos e da personalidade evidenciada pela recorrente.

Termos em que, cumpre conceder provimento parcial ao recurso.

Pois bem.

Depois de ter pedido a absolvição pelo crime de homicídio qualificado (questão que, como vimos, foi julgada improcedente), a recorrente invoca genericamente que foi violado o disposto no art. 71.º, n.º 2 do CP, quanto à determinação da medida da pena, acrescentando que a sua conduta foi ocasional, não sendo uma tendência criminosa e que deve condenar-se “com aplicação dos princípios penais previstos nos arts. 29.º do C.Penal, art. 71.º, n.º 2 do código penal e art. 40.º, n.º 2 do código penal”.

Como acima já se referiu quando foi apreciado o recurso da arguida BB, também aqui, quanto à pena individual aplicada (de 3 anos de prisão) pelo crime de roubo há dupla conforme, isto é, houve um duplo juízo condenatório quanto a essa questão (uma vez que a Relação de Évora, quando conheceu do recurso que a recorrente apresentou da decisão da 1ª instância, em que questionou as penas individuais e a pena única que lhe foram aplicadas, manteve aquela pena aplicada pela 1ª instância).

Esse juízo confirmativo garante o duplo grau de jurisdição consagrado pelo art. 32.º, n.º 1 da CRP, não havendo, assim, violação do direito ao recurso, nem tão pouco dos direitos de defesa do arguido (arts. 32.º, n.º 1 e 20.º, n.º 1, da CRP), o que significa que, face ao disposto nos arts. 400.º, n.º 1, al. f) e 432.º, n.º 1, al. b), do CPP, o acórdão do Tribunal da Relação é irrecorrível nessa parte (quanto à pena aplicada pelo crime de roubo) em que confirmou a condenação da 1ª Instância (princípios da dupla conforme condenatória e da legalidade), tendo-se tornado definitivo.

Considerando o disposto no art. 400.º n.º 1, als. e) e f) do CPP, a não admissibilidade do recurso vale separadamente para as penas parcelares e para a pena conjunta, podendo acontecer que não sejam recorríveis algumas das penas individuais (como aqui sucede), mas já o sejam outras (como aqui acontece com a pena do homicídio qualificado) e mesmo com a pena única.

Portanto, não pode a recorrente pretender uma terceira apreciação da medida da pena relativa ao crime de roubo, dada a apontada limitação legal.

Assim, por inadmissibilidade legal, uma vez que há dupla conforme, não se toma conhecimento do recurso em apreciação, quanto à medida da pena relativa ao crime de roubo, por nessa parte o acórdão da Relação de Évora ser definitivo.

Passemos então a apreciar a questão da medida da pena relativa ao crime de homicídio qualificado e da pena única, também colocadas pela recorrente.

E, nesta matéria adiantamos desde já que concordamos com a respetiva apreciação feita pela Relação, que observou os critérios legais.

Ao contrário do que pretende a recorrente, todas as circunstâncias atenuantes relevantes que decorriam dos factos dados como provados, foram ponderadas pela Relação.

Obviamente que a Relação, não podia deixar de considerar igualmente as agravantes que indicou, que caraterizavam a conduta da arguida/recorrente e ressaltavam dos factos apurados e, que esta, no seu recurso, se esqueceu de enunciar.

Ora, foi na ponderação das agravantes e das atenuantes, da forma como o fez, usando critérios de razoabilidade e de bom senso, tendo em atenção as razões de prevenção geral e de prevenção especial que no caso concreto se faziam sentir, que o tribunal a quo determinou o quantum da pena individual a aplicar pelo crime de homicídio qualificado cometido pela arguida e, depois, determinou a pena única.

O facto de, na ponderação que a Relação fez, não ter atribuído o mesmo peso ou valor, ao circunstancialismo atenuativo apurado, que a recorrente atribui, não significa, como esta alega, de forma abstrata e genérica, que então deu maior valor à vertente repressiva e punitiva das penas.

A Relação foi bem clara na fundamentação que apresentou da pena que aplicou pelo crime de homicídio qualificado, bem como da pena única, tendo observado os princípios e normas aplicáveis, nomeadamente os artigos 40.º, 70.º, 71.º e 77.º do CP.

E, para melhor explicarmos o que acima se afirmou, acrescentamos, perante as particularidades deste caso concreto, a seguinte análise concreta que faremos de seguida relativamente à medida da pena quanto ao crime de homicídio qualificado cometido pela recorrente.

Havia que considerar (tal como a Relação notou) que a arguida/recorrente agiu com dolo eventual (quanto ao crime de homicídio qualificado) e com consciência da ilicitude da sua conduta.

Essa culpa e dolo são intensos, tendo presente a ação concreta em questão nos autos, em relação ao crime de homicídio qualificado praticado e o seu grau de participação no mesmo.

A ilicitude dos factos apurados é muito elevada, sendo manifesta (como referem as instâncias) a leviandade com que atuaram, até considerando os motivos que os determinaram, que não justificam a sua atuação, revelando antes uma maior desatenção à advertência de conformação ao direito.

São elevadas as exigências de prevenção geral (necessidade de restabelecer a confiança na validade da norma violada), tendo em atenção o bem jurídico violado (vida) no crime de homicídio qualificada cometido ora em análise, que devem ser combatidas com maior severidade, embora de forma proporcional à danosidade que causam e tendo em atenção as particulares circunstâncias do caso.

São médias as razões de prevenção especial, atendendo ao que se apurou em relação às condições de vida da recorrente, que se mostra integrada social e laboralmente.

Foi bem salientado pela Relação que a “recorrente colaborou no decurso do inquérito para a descoberta da verdade e tem hábitos de trabalho (o que tem de a beneficiar), mas vero é que em audiência de julgamento não revelou interiorização do desvalor das condutas delituosas (o que contra si milita)”.

Igualmente se atenderá à respetiva idade (nasceu em ... .08.1994), quer à data do cometimento do crime, quer à data em que foi proferida a decisão da Relação, quer mesmo atualmente, ao tempo entretanto decorrido e, ao efeito previsível da pena sobre o seu comportamento futuro, apesar de para já se notar que tem de se envolver de forma mais série e responsável na mudança do seu rumo de vida, tanto mais que ainda não interiorizou o desvalor da conduta que praticou, não revelando sentido crítico quanto ao crime de homicídio qualificado cometido, apesar de estar a fazer um esforço no sentido da sua valorização pessoal e de adquirir hábitos de trabalho regulares, tanto mais que tem um filho menor, a seu cargo, para cuidar.

De qualquer o modo, tudo ponderado, olhando para os factos apurados e tendo presente o limite máximo consentido pelo grau de culpa da arguida/recorrente, bem como os princípios político-criminais da necessidade e da proporcionalidade, julga-se adequada e ajustada a pena aplicada pela Relação, de 12 anos de prisão pelo crime de homicídio qualificado (que significou uma redução em relação aos 17 anos de prisão aplicados pela 1ª instância).

Visto o disposto no art. 77.º do CP, sendo a moldura abstrata da pena única, entre 12 anos de prisão e 15 anos de prisão (12 anos de prisão pelo crime de homicídio qualificado+3 anos prisão pelo crime de roubo), concordamos com as considerações feitas pela Relação quando determinou a pena única.

Com efeito, atendendo aos respetivos factos no conjunto (conexão entre os crimes cometidos e gravidade do ilícito global que é muito significativa) e à sua personalidade (que se mostra adequada aos factos cometidos, apesar de antes da sua prática ter tido condições de vida que lhe permitiam levar uma vida conforme ao direito, mas não tendo conseguido atuar de acordo com as regras normativas, apesar de não ter antecedentes criminais), bem como não esquecendo, relativamente ao ilícito global, quer as exigências de prevenção geral e especial, bem como a sua idade e, o efeito previsível da pena sobre o seu comportamento futuro, julga-se ajustada e adequada a pena única de 13 (treze) anos de prisão imposta pela Relação, assim contribuindo para a sua futura reintegração social e satisfazendo as finalidades das penas.

Com efeito, importa ter em atenção as suas carências de socialização e igualmente ter presente o efeito previsível da pena única aplicada sobre o seu comportamento futuro, a qual (ao contrário do que sugere) não é impeditiva da sua ressocialização, quando chegar o momento próprio, sendo conveniente e útil que depois no EP vá interiorizando o desvalor da sua conduta e se vá preparando para adotar uma postura socialmente aceite, além de cumprir as regras da instituição.

No juízo de prognose a fazer pelo tribunal não se vê que haja razões para reduzir as penas (de homicídio qualificado e/ou a pena única) impostas, considerando as apontadas razões de prevenção geral e especial e tendo presente o efeito previsível da pena única aplicada sobre o seu comportamento futuro, a qual não é impeditiva da sua ressocialização, quando chegar o momento próprio (por certo, que justificando-se, poderá a seu tempo beneficiar de medidas flexibilização que a vão preparar para a liberdade, medidas essas a determinar pelo tribunal competente para o efeito).

Do exposto resulta que, mesmo na perspetiva do direito penal preventivo, não se pode formular um juízo mais favorável ou que se justifique efetuar qualquer correção às penas de homicídio qualificado ou única aplicadas à recorrente, sendo que a pretendida redução era desajustada e comprometia irremediavelmente a crença da comunidade na validade das normas incriminadoras violadas, não sendo comunitariamente suportável aplicar pena única inferior à que lhe foi imposta.

Atenta a pena única (13 anos de prisão) aplicada, que é de manter, está excluída legalmente a possibilidade de suspensão da sua execução (cf. art. 50.º do CP).

Comparando as penas (individuais e única) que lhe foram aplicadas com as impostas aos co-arguidos (AA e BB), tendo em atenção a atuação de cada um deles e as particulares circunstâncias a atender em relação a cada recorrente, não resulta que tenha sido violado o invocado princípio da igualdade, nem tão pouco que tivesse havido dualidade de critérios (as diferenciações que foram feitas justificavam-se tendo em atenção as particularidades de cada caso, em relação a cada recorrente, o que apenas evidencia que situações diferentes tiveram tratamento diverso, o que não se confunde com violação do princípio da igualdade).

A ponderação sobre a eventual aplicação da Lei n.º 38-A/2023, de 2.08 (perdão das penas e amnistia de infrações) compete ao juiz da 1ª instância da condenação (art. 14.º), razão pela qual, neste caso concreto, não nos vamos pronunciar sobre essa matéria.

Em conclusão: sendo rejeitado o recurso na parte em que há dupla conforme (isto é, quanto à questão sobre a pena relativa ao crime de roubo), no mais improcede o recurso da arguida, sendo certo que não foram violados os princípios e as disposições legais por si invocadas.


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III - Decisão

Pelo exposto, acordam nesta Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça, em:

- rejeitar o recurso do arguido AA, nos termos dos arts. 417.º, n.º 3, 2ª parte, 414.º, n.º 2 e 420.º, n.º 1, b), do CPP;

- rejeitar os recursos das arguidas BB e CC, por inadmissibilidade legal, na parte em que impugnam o Acórdão da Relação de Évora, quanto à respetiva condenação nas penas parcelares/individuais aplicadas pelo crime de roubo cometido (face ao disposto nos arts. 399.º, 400.º, n.º 1, als. e) e f), 432.º, n.º 1, al. b), 420.º, n.º 1, al. b), e 414.º, n.ºs 2 e 3, do CPP);

- negar, no mais, provimento aos mesmos recursos das arguidas BB e CC.

Custas pelos recorrentes/arguidos, fixando-se a taxa de justiça individual em 6 UC`s, sendo quanto ao arguido AA acrescida do pagamento da importância de 4 UC´s nos termos do art. 420.º, n.º 3, do CPP.


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Processado em computador e elaborado e revisto integralmente pela Relatora (art. 94.º, n.º 2, do CPP), sendo assinado pela própria e pelos Senhores Juízes Conselheiros Adjuntos.

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Supremo Tribunal de Justiça, 08.11.2023

Maria do Carmo Silva Dias (Relatora)

Ana Barata de Brito (Adjunta)

Pedro Branquinho Dias (Adjunto)

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1. Transcrição da respetiva decisão que consta do acórdão do TRE sob recurso.

2. Para melhor esclarecimento transcreve-se também o que a Relação escreveu, quanto ao enquadramento jurídico relativamente ao recorrente AA:

  Enquadramento jurídico-penal da conduta do recorrente

  O recorrente não censura o enquadramento jurídico-penal dos factos dados como provados no crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210º, nº 1, do Código Penal, efectuado pelo tribunal recorrido.

  Contudo, inconformado se mostra com a subsunção de parte dessa factualidade na previsão do crime de homicídio qualificado dos artigos 131º e 132º, nº s 1 e 2, alínea g), do Código Penal, em coautoria, pugnando, subsidiariamente, pela integração no crime de ofensa à integridade física qualificada, “previsto no artigo 145º, eventualmente com a agravação prevista no artigo 147º, ambos do Código Penal”.

  Analisemos.

  Estabelece-se no artigo 131º, do Código Penal, que “quem matar outra pessoa é punido (…)”.

  Por seu turno, dispõe o artigo 132º, nºs 1 e 2, alínea g), do mesmo:

  “1 - Se a morte for produzida em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade, o agente é punido com pena de prisão de doze a vinte e cinco anos.

  2 - É susceptível de revelar a especial censurabilidade ou perversidade a que se refere o número anterior, entre outras, a circunstância de o agente:

  (…)

  g) Ter em vista preparar, facilitar, executar ou encobrir um outro crime, facilitar a fuga ou assegurar a impunidade do agente de um crime.”

  Como se salienta no Ac. do STJ de 31/01/2012, Proc. nº 894/09.4PBBRR.S1, consultável em www.dgsi.pt, “o crime de homicídio qualificado, p. e p. no art. 132º do CP, constitui uma forma agravada do crime de homicídio simples p. e p. pelo art. 131º do CP, que constitui o tipo de ilícito, agravamento esse que se produz não através da previsão de circunstâncias típicas fundadas em maior ilicitude do facto, cuja verificação determina a realização do tipo, mas antes em função de uma culpa agravada, de uma “especial censurabilidade ou perversidade” da conduta (cláusula geral enunciada no n.º 1), revelada pelas circunstâncias indicadas no n.º 2”.

  Acrescentando-se ainda no mesmo aresto, que “estas circunstâncias constituem “exemplos-padrão”, ou seja, indícios da culpa agravada referida no nº 1, que constitui o elemento típico do homicídio qualificado (tipo de culpa). Ainda que essas circunstâncias envolvam eventualmente uma maior ilicitude do facto, não é o simples acréscimo de ilicitude que determinará a qualificação do crime. Só se as ditas circunstâncias revelarem uma maior censurabilidade ou perversidade da conduta se verificará a qualificação”, sendo que “como meros indícios, as circunstâncias do nº 2 têm sempre que ser submetidas à cláusula geral do n.º 1. Da interação entre os nºs 1 e 2 do art. 132º pode, pois, resultar a exclusão do efeito de indício do exemplo-padrão, e consequentemente a integração dos factos no crime de homicídio simples do art. 131º. Mas pode também, precisamente pelo seu caráter meramente indiciário, admitir-se a qualificação do homicídio quando se constatar a substancial analogia entre os factos e qualquer dos exemplos-padrão. Esta interação entre os dois números. do art. 132º, permitindo uma maior flexibilidade no tratamento dos casos concretos, e reflexamente na administração da justiça do caso, assegura a delimitação do tipo de homicídio qualificado em termos suficientemente rigorosos para que não seja lesado o princípio da legalidade”.

  A censurabilidade especial respeita a situações em que as circunstâncias em que a morte foi causada são de tal modo graves que reflectem uma atitude profundamente distanciada do agente em relação a uma determinação normal de acordo com os valores, enquanto a especial perversidade revela uma atitude profundamente rejeitável, constituindo um indício de motivos e sentimentos absolutamente rejeitados pela sociedade, reconduzindo-se a uma atitude má, atinente à personalidade do autor – assim, Teresa Serra, Homicídio Qualificado, Tipo de Culpa e Medida da Pena, Almedina, 1995, págs. 63/64.

  Como resulta da factualidade que provada se encontra, o recorrente determinou-se e quis tirar a vida à vítima para neutralizar a sua resistência enérgica e vir a apropriar-se pacificamente dos bens que este trazia consigo e lhe pertenciam (resistência que está patente na circunstância de, tento o arguido tentado manietá-la pelas costas agarrando-o pelo braço e depois pelo pescoço, não o conseguiu, desferindo-lhe então, de forma sucessiva, pelo menos duas fortes pancadas na cabeça com um extintor de incêndio, sendo que, mesmo atordoado, o EE tentava soltar-se).

  Em consequência dessa actuação, sofreu a vítima lesões crânio-meningo-encefálicas, complicações de pulmão e enfarte de miocárdio que lhe causaram a morte.

  Mais provado se encontra que agiu deliberada, livre e conscientemente, ciente da proibição da sua conduta.

  Está, pois, preenchido o exemplo-padrão em causa.

  Mas, também é patente a existência de uma significativa desproporção entre o motivo que impeliu à acção o recorrente – evitar que a vítima continuasse a resistir para lhe retirar pacificamente os bens que trazia consigo - e a extrema gravidade dos factos praticados, o que integra uma situação radicalmente afastada das concepções éticas e morais da comunidade, reveladora de uma profunda insensibilidade moral.

  Está, assim, preenchido o exemplo-padrão da alínea em causa e também verificada a especial censurabilidade da actuação do arguido, exigidos para a qualificação do crime de homicídio, visto que o modo de cometimento do crime e a intensidade com que foi executado tornam-no mais grave por a sua conduta ser mais reprovável. Isto é, a distância que separa este crime dos demais crimes de homicídio, no que concerne à censura da culpa, é significativamente maior.

  Em conclusão, praticou o recorrente o crime de homicídio qualificado, em coautoria e na forma consumada, por que foi condenado na 1ª instância, não merecendo censura a decisão recorrida neste segmento.

  Porque assim é, improcede também nesta parte o recurso.

3. Assim, entre outros, Germano Marques da Silva, Direito Penal Português, Parte Geral, II, Teoria do Crime, Lisboa: Verbo, 2005, pp. 289 e 290, Günther Jakobs, Derecho Penal. Parte General. Fundamentos y Teoria de la Imputación (trad. cast., por Joaquin Cuello Contreras e José Luis S. González de Murillo, da 2ª ed.-1991 de Strafrecht. Allgemeiner Teil. Die Grundlagen und die Zurechnungslehre), 2ª ed. corrigida, Madrid: Marcial Pons, 1997, p. 745, Hans-Heinrich Jescheck, Tratado de Derecho Penal. Parte General (trad. cast., por José Luis Manzanares Samaniego, da 4ª ed. – 1988 de Lehrbuch des Strafrechts. Allgemeiner Teil), 4ª ed. corrigida e ampliada, Granada: editorial Comares, 1993, p. 614 e Claus Roxin, Autoria y Dominio del Hecho en Derecho Penal (trad. cast., por Joaquin Cuello Contreras e José Luis S. González de Murillo, da 6ª ed.-1994, de Täterschaft und Tatherrschaft), Madrid: Marcial Pons, 1998, p. 307.

4. Neste sentido, entre outros, Ac. do STJ de 6/10/2004, proferido no processo nº 1875/04 (relatado por Henriques Gaspar), consultado no mesmo site do ITIJ.

5. Assim, anotação de Jorge de Figueiredo Dias e Susana Aires de Sousa, “T.R.P., Acórdão de 24/11/2004 (Autoria mediata do crime de condução ilegal de veículo automóvel)”, in RLJ ano 135º (Março-Abril de 2006), nº 3937, p. 255.

6. Neste sentido, Ac. citado do STJ de 6/10/2004 e Hans-Heinrich Jescheck, ob. cit., pp. 618 e 619.

7. De esclarecer que, como não houve alteração da qualificação jurídico-penal dada pela Relação, ficam prejudicadas as questões subsidiárias - para o caso de ser dado diverso enquadramento jurídico-penal - relativas à medida da pena colocadas pela recorrente.

8. Ver Ac. TC (Plenário) n.º186/2013, acessível no site do Tribunal Constitucional, no qual se decidiu: “Não julgar inconstitucional a norma constante da alínea f), do n.º 1, do artigo 400.º, do Código de Processo Penal, “na interpretação de que havendo uma pena única superior a 8 anos, não pode ser objeto do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça a matéria decisória referente aos crimes e penas parcelares inferiores a 8 anos de prisão.” O mesmo entendimento é seguido, por exemplo, nos Ac. do TC n.º 212/2017 e n.º 599/2018.