Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
22569/18.3T8PRT.P1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: MARIA DA GRAÇA TRIGO
Descritores: NULIDADE DE ACÓRDÃO
EXCESSO DE PRONÚNCIA
ANULAÇÃO DE ACÓRDÃO
CASO JULGADO MATERIAL
EXTENSÃO DO CASO JULGADO
FUNDAMENTOS
ABSOLVIÇÃO DO PEDIDO
SEGMENTO DECISÓRIO
RESTRIÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
BAIXA DO PROCESSO AO TRIBUNAL RECORRIDO
CONHECIMENTO PREJUDICADO
Data do Acordão: 11/16/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: DEFERIDA
Sumário :
Dando-se como verificada a invocada nulidade, anula-se parcialmente a decisão do acórdão reclamado.
Decisão Texto Integral:

Acordam em conferência no Supremo Tribunal de Justiça


1. L... - Sociedade de Advogados, SP, RL, (anteriormente designada como L...Sociedade de Advogados, RL) instaurou acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra Seguradoras Unidas, S.A. (actualmente Generali – Companhia de Seguros, S.A.) e, subsidiariamente, nos termos do art. 39.º do Código de Processo Civil, contra a Sra. Dr.ª BB, requerendo a intervenção principal do lado activo do Banco Comercial Português, S.A., formulando os seguintes pedidos:

«a) seja a 1ª Ré condenada a reconhecer que o sinistro e os danos por este causados está coberto pelo contrato de seguro de responsabilidade civil profissional melhor identificado nos artºs 3, 4 e 5 da petição inicial;

b) E em consequência deve a 1º Ré ainda ser condenada a liquidar à Chamada Banco Comercial Português, S.A. o montante de € 62.364,35 (sessenta e dois mil trezentos e sessenta e quatro euros e trinta e cinco cêntimos) acrescida dos juros de mora à taxa legal, contados desde a data em que lhe foi participado o sinistro descrito nos presentes autos, que corresponde ao valor do prejuízo sofrido pelo BCP.

Subsidiariamente,

a) Caso o Pedido deduzido contra a 1ª Ré não proceda, deve a 2ª Ré ser condenada a reconhecer que o sinistro e que os danos por este causados, a que respeitam os factos alegados nesta petição, emergem da sua responsabilidade profissional enquanto Mandatária ao serviço da Autora;

b) Em consequência, deve a 2º Ré ainda ser condenada a liquidar à Chamada Banco Comercial Português, S.A. o montante de € 62.364,35 (sessenta e dois mil trezentos e sessenta e quatro euros e trinta e cinco cêntimos) acrescida dos juros de mora à taxa legal, contados desde a data em que lhe foi participado o sinistro descrito nos presentes autos, que corresponde ao valor do prejuízo sofrido pelo BCP que se encontra a ser imputado à Autora.».

Alegou, em síntese, que é uma sociedade de advogados e celebrou com a R. principal (actual Generali) um contrato de seguro do ramo Responsabilidade Civil Geral/Profissional, até ao limite do capital de € 160.000,00 e com início em 22-03-1995, que garantia, segundo o que lhe foi informado por essa R., a responsabilidade civil pelos danos patrimoniais que pudessem ser causados a terceiros em consequência de erro ou falta profissional decorrente do exercício da atividade profissional dos seus sócios, associados estagiários, agentes ou mandatários.

No âmbito do patrocínio forense exercido pela A. em nome do seu cliente Banco Comercial Português, S.A., nos autos de insolvência que corriam termos no 3.º Juízo Cível do Tribunal Judicial de ..., sob o n.º 447/12.0..., a A. reclamou em nome daquele cliente, créditos hipotecários e comuns, juntando, além do mais, procuração forense e substabelecimento com reserva a favor da mandatária que apresentou a reclamação, a Sra. Dra. BB, aqui R. subsidiária. Sucede que esta última deixou passar o prazo para interpor o recurso da sentença de graduação de créditos proferida nos referidos autos de insolvência, originando um prejuízo ao cliente BCP no valor dos créditos indevidamente graduados à sua frente, no montante de € 62.364,35.

Acrescenta ainda que, em 08-02-2017, a coberto do contrato de seguro celebrado com a R. principal Generali, a A. participou o sinistro ocorrido e, por carta de 07-07-2017, esta R. comunicou à A. que declinava assumir as consequências do sinistro, em virtude de a R. BB não constar da listagem de pessoas seguras pela apólice.

Cada uma das RR. apresentou contestação, tendo a 1.ª instância, por despacho de 11-02-2019, na sequência de requerimentos formulados por cada uma das RR., admitido a intervenção principal provocada, como associadas das RR., de Mapfre - Seguros Gerais, S.A., Companhia de Seguros AON – Portugal Corretores de Seguros, Companhia de Seguros Tranquilidade e Companhia de Seguros Marsh Seguros, tendo todas contestado.

Por despacho proferido em 18-09-2019 foi também admitida a intervenção do Banco Comercial Português, S.A. para intervir na acção como parte principal, como associado da A., tendo este aderido integralmente ao articulado apresentado por esta última.

Em 12-02-2020 foi proferido despacho saneador no qual se julgou improcedente a excepção dilatória de ilegitimidade activa, se julgou procedente a excepção de ilegitimidade passiva das demandadas AON Portugal – Corretores de Seguros, S.A. e Marsh, Lda. e se julgaram as RR. seguradoras partes legítimas.

Depois de realizada a audiência final, a 1.ª instância, por sentença de 27-10-2021, condenou solidariamente a R. BB e a interveniente Mapfre Seguros Gerais, S.A. no pedido, e absolveu do mesmo a R. Seguradora Generali – Companhia de Seguros, S.A..

Inconformadas com tal decisão, tanto a R. BB, como a Interveniente Mapfre Seguros Gerais, S.A. interpuseram, em separado, recursos de apelação.

Em 07-01-2022, o Banco Comercial Português, S.A. respondeu ao recurso interposto pela interveniente Mapfre Seguros Gerais S.A e interpôs o que denominou como recurso subordinado subsidiário.

A R. principal Generali Seguros, S.A., na posição anteriormente ocupada por Seguradoras Unidas, S.A., respondeu aos recursos interpostos pela R. subsidiária e pela R. Mapfre Seguros, S.A., pugnando pela sua total improcedência.

Por decisão singular do relator do Tribunal da Relação, datada de 24-05-2022, não foram admitidas as respostas oferecidas pela R. Generali Seguros, S.A. aos recursos interpostos pela R. BB e pela interveniente Mapfre, Seguros, S.A. e qualificou-se o recurso subordinado subsidiário interposto pelo Banco Comercial Português, S.A. como ampliação do âmbito do recurso, tal como previsto no n.º 2 do artigo 636.º do Código de Processo Civil, corrigindo-se oficiosamente o erro na qualificação do meio processual.

A R. Generali Seguros, S.A., e a interveniente Mapfre Seguros, S.A. reclamaram para a conferência de tal decisão singular, a primeira requerendo que fosse revogado o despacho que não admitiu as suas respostas aos recursos interpostos pela R. BB e pela interveniente Mapfre, Seguros, S.A., “substituindo-se por decisão que admita as contra-alegações de recurso apresentadas pela aqui Reclamante e ali Recorrida e com as referências da Plataforma Citius n.os ......44 e ...”; e a segunda requerendo que recaia acórdão, em particular, sobre as considerações tecidas sobre o trânsito em julgado da decisão absolutória da R. Generali Seguros, S.A..

O Tribunal da Relação do Porto, por acórdão de 27-06-2022, decidiu o seguinte: “indeferir as reclamações para a conferência deduzidas por Generali Seguros, S.A. e Mapfre Seguros, S.A. e em julgar procedentes os recursos de apelação interpostos por BB e por Mapfre Seguros Gerais, S.A. e ainda a ampliação do âmbito do recurso em sede estritamente factual requerida pelo Banco Comercial Português, S.A. e, em consequência, revoga-se a sentença recorrida proferida em 27 de outubro de 2021 e absolvem-se BB e Mapfre Seguros Gerais, S.A. dos pedidos contra ambas deduzidos.”.

Inconformada com tal decisão a A. interpôs recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça pedindo a revogação do acórdão recorrido e a repristinação da decisão da 1.ª instância.

A Recorrida Mapfre, S.A. contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso de revista, “mantendo-se, na íntegra, a douta decisão recorrida”.

O Supremo Tribunal, por acórdão proferido em 22-06-2023, julgou a revista parcialmente procedente, revogando-se o acórdão recorrido, e, em sua substituição, decidiu:

“a) Reconhecer a imputação à esfera jurídica da Ré BB da responsabilidade pelo dano de perda de chance processual causado ao Interveniente BCP, S.A. pela sua conduta omissiva;

b) Determinar a baixa do processo ao Tribunal da Relação para apreciar as questões tidas por prejudicadas no acórdão recorrido, de acordo com o enunciado no parágrafo final do ponto 11. supra, e, em decorrência disso, e à luz do referido no ponto 12. supra, decidir qual ou quais, de entre as Seguradores (Generali – Companhia de Seguros, S.A. e Mapfre Seguros, S.A.) e a Ré BB, deve ou devem ser condenadas, e a que título (se exclusiva, conjunta ou solidariamente, sendo o caso).”

2. Notificada do acórdão, a R. Generali Seguros, S.A. veio arguir a nulidade do mesmo por excesso de pronúncia nos termos do disposto no art.º 615.º, n.º 1, alínea d), parte final, do CPC, requerendo a anulação do acórdão no que concerne ao segmento respeitante à possibilidade de reversão ou revogação da decisão já transitada em julgada de absolvição da R. Generali, S.A. do pedido.

Alega, em síntese, que contra-alegou em ambos os recursos de apelação interpostos, o recurso interposto pela 2.ª R. BB e o recurso interposto pela interveniente principal Mapfre – Seguros Gerais, S.A.. Contudo, as suas contra-alegações não foram admitidas pelo Tribunal da Relação do Porto por despacho preliminar de 24-05-2022, por se ter considerado transitada em julgado a sua absolvição. Tendo reclamado para a conferência, no acórdão proferido pela Relação do Porto, foi mantida essa decisão singular, reafirmando-se que, tendo a R. Generali Seguros, S.A. sido absolvida do pedido e não tendo as partes afectadas por tal absolvição reagido com a interposição do pertinente recurso, formou-se caso julgado no que respeita a essa absolvição.

Sustenta a R. Generali, S.A., ora reclamante, que, embora nenhuma parte tenha recorrido dessa parte do acórdão da Relação, o Supremo Tribunal, no acórdão que proferiu nos autos, determina a baixa do processo ao Tribunal da Relação para reapreciar a possível responsabilidade da R. Generali, porquanto, atenta a responsabilidade imputada à 2.ª R. advogada “faltará ainda determinar se a cobertura de tal responsabilidade cabe… à MAPFRE ou à GENERALI”.

Conclui que esta decisão está ferida de nulidade, pois decide para além daquilo que foi pedido (cfr. art. 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC), uma vez que não foi interposto recurso tendo por objecto a absolvição da R. Generali, desrespeitando-se o caso julgado decorrente dessa absolvição.

Subsidariamente, para o caso de improceder a arguição de nulidade, requer que se ordene a admissão das contra-alegações de recurso apresentadas em resposta aos recursos ordinários de apelação anteriormente julgadas inadmissíveis pelo Tribunal da Relação do Porto no despacho preliminar de 24-05-2022.

Vejamos.

3. Nos termos da alínea d) do n.º 1 do art. 615.º do CPC, será nula a sentença quando “o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.

A nulidade da sentença (por omissão ou excesso de pronúncia) resulta da violação do dever prescrito no n.º 2 do art. 608.º do CPC, que dispõe que o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.

3.1. No caso dos autos, considerou-se no acórdão ora reclamado, como questão prévia, o seguinte:

“(…) tendo a A. ficado vencida na decisão da 1.ª instância na parte que julgou improcedente o pedido principal, absolvendo a 1.ª R. do pedido, podia, dessa parte, ter interposto recurso de apelação (cfr. art. 631.º, n.º 1, do CPC).

Verifica-se, porém, que, tendo a sentença julgado procedente o pedido subsidiário, condenando solidariamente no pedido a 2.ª R. e a Interveniente Mapfre, S.A., esta última interpôs recurso de apelação, impugnando a decisão recorrida na parte em que absolveu a 1.ª R. seguradora, Generali, S.A., e condenou a mesma Interveniente Mapfre, S.A. (…).

Entre os fundamentos deste recurso de apelação da sentença que condenou a mesma Interveniente Mapfre, S.A. conta-se a invocação de que, caso se decida manter a responsabilização da 2.ª R., BB, a cobertura de seguro de tal responsabilidade caberia à 1.ª R. seguradora Generali, S.A. e não à Interveniente Mapfre, S.A. Temos, assim, que o recurso de apelação da Interveniente, impugnando a decisão de absolvição da 1.ª R., impediu o trânsito em julgado da mesma, podendo ser reapreciado o âmbito da cobertura do seguro de responsabilidade civil celebrado entre a sociedade autora e a R. Generali, S.A..

Assinale-se, porém, que, ainda que o acórdão da Relação tenha apreciado a questão relativa à cobertura pelo seguro da Generali, S.A., suscitada no recurso de apelação interposto pela 2ª R. BB – questão identificada no acórdão como “Da inclusão da conduta da ré subsidiária na garantia do seguro da autora” –, não chegou a apreciar, por as considerar prejudicadas pela resolução de questão anterior, as questões relativas à cobertura pelo mesmo seguro suscitadas no recurso de apelação da Interveniente Mapfre, S.A.. Questões essas pelas quais a Interveniente pretendia que se considerasse que, no caso de a responsabilidade pelo sinistro dos autos ser imputada à 2ª R., se declarasse que tal responsabilidade se encontra coberta pelo seguro da R. Generali, S.A. e não pelo seguro da Interveniente Mapfre, S.A..

Significa isto que, caso o presente recurso seja julgado procedente na parte em que a Recorrente pretende que seja responsabilizada a 2ª R., BB, terão os autos de regressar ao Tribunal da Relação a fim de serem apreciadas tais questões relativas ao âmbito de cobertura do seguro da R. Generali, S.A., assim como a fim de serem apreciadas as demais questões suscitadas na apelação da Interveniente Mapfre, S.A. e tidas como prejudicadas pelo acórdão da Relação, desde que compatíveis com a decisão de responsabilização da 2.ª R.”.

Esta última hipótese acima suscitada na fundamentação do acórdão veio a concretizar-se, concluindo-se na mesma decisão que “pode e deve ser imputada à esfera jurídica da 2.ª ré a responsabilidade pelo dano de perda de chance processual que a sua conduta omissiva causou ao mandante.”.

Em consequência, considerou-se no acórdão reclamado que, julgada procedente a pretensão da sociedade de advogados A. de imputação da responsabilidade pelo sinistro dos autos à esfera jurídica da 2.ª R., “faltará ainda determinar se a cobertura de tal responsabilidade cabe à Interveniente Mapfre, S.A. e/ou à R. seguradora Generali, S.A.”. E segundo o mesmo acórdão, tal implicará apreciar as questões suscitadas no recurso de apelação da Interveniente Mapfre, S.A. cujo conhecimento ficou prejudicado pela decisão do tribunal a quo de, com fundamento na aplicação do regime do art. 37.º do DL n.º 229/2004, não responsabilizar a 2.ª R..

Porém, olvidou-se no acórdão reclamado que o acórdão recorrido se pronunciou expressamente sobre outra questão: o caso julgado material formado nos autos relativo à absolvição do pedido da aqui R. Generali.

Com efeito, para além de apreciar do mérito da acção, a Relação apreciou a reclamação para a conferência deduzida pela R. Generali Seguros, S.A. e pela interveniente Mapfre Seguros, S.A, da decisão singular que não admitiu as respostas oferecidas por aquela R. Generali aos recursos de apelação interpostos pela R. BB e pela interveniente Mapfre, Seguros, S.A.. Fê-lo indeferindo essa reclamação, confirmando a referida decisão singular com base no caso julgado material formado nos autos no que respeita à absolvição do pedido da R. Generali.

Escreveu-se a esse propósito no acórdão da Relação que, “tendo a ré Generali Seguros, S.A. sido absolvida do pedido, ainda que implicitamente e não tendo as partes afetadas por tal absolvição reagido com a interposição do pertinente recurso, formou-se caso julgado no que tange a essa absolvição, sendo certo que apenas tinham legitimidade para reagir contra tal decisão de absolvição do pedido implícito da aludida ré, a autora e o interveniente do lado ativo, pois que apenas estes tinham uma pretensão de condenação formulada contra aquela.”.

Interpretando a totalidade do acórdão proferido pela Relação, podemos constatar que a apreciação das restantes questões suscitadas no recurso de apelação da Interveniente Mapfre, S.A. não ficou parcialmente prejudicada apenas pela decisão de não responsabilizar a 2.ª R. com fundamento na aplicação do regime do art. 37.º do Decreto-Lei n.º 229/2004, mas também pela decisão de não responsabilizar a R. Generali por se considerar que a mesma já havia sido absolvida do pedido por decisão da 1.ª instância transitada em julgado.

3.2. Tem sido entendimento dominante da jurisprudência deste Supremo Tribunal que o âmbito objectivo do caso julgado se estende à apreciação das questões preliminares que constituam antecedente lógico necessário da parte dispositiva da decisão. Cfr., neste sentido, entre outros, os acórdãos de 12-01-2021 (proc. n.º 2030/11.8TBFLG-C.P1.S1), de 02-12-2020 (proc. n.º 3077/15.0T8PBL.C1-A.S1), de 26-11-2020 (proc. n.º 7597/15.9T8LRS.L1.S1), de 28-03-2019 (proc. n.º 6659/08.3TBCSC.L1.S1), de 07-02-2019 (proc. n.º 3263/14.0TBSTB.E1.S1), de 04-12-2018 (proc. n.º 190/16.0T8BCL.G1.S1) e de 08-11-2018 (proc. n.º 478/08.4TBASL.E1.S1), todos publicados em www.dgsi.pt.

Neste sentido, pronuncia-se Miguel Teixeira de Sousa (Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2ª ed., Lex, Lisboa, 1997, págs. 578 e 579), afirmando que “não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo: o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge estes fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão.”.

No caso dos autos, o segmento decisório, contido na decisão final do acórdão proferido pela Relação, relativo ao indeferimento da reclamação para a conferência e à confirmação da decisão singular que não admitiu as respostas aos recursos de apelação apresentadas pela R. Generali, tem como fundamento primordial a consideração pela Relação de que a absolvição do pedido daquela R. principal transitou em julgado, formando caso julgado, motivo pelo qual a mesma deixou de ter legitimidade para responder a recursos interpostos nos autos. Tal fundamento constitui, manifestamente, o antecedente lógico necessário do referido segmento decisório do acórdão. Assim, o caso julgado que eventualmente seja formado por essa parte do dispositivo do acórdão da Relação incide também sobre aquela questão relativa ao carácter definitivo da absolvição do pedido da R. Generali.

Não cabe aqui sindicar a conformidade ao Direito desta decisão da Relação, mas apenas verificar que, de facto, e como é salientado pela reclamante ao arguir a nulidade do acórdão proferido por este Supremo Tribunal, nenhuma das partes reagiu contra aquela decisão da Relação, motivo pelo qual se formou caso julgado sobre a mesma.

Com efeito, no recurso de revista interposto pela A. sociedade de advogados, esta pede a repristinação da sentença da 1ª instância, condenando-se a 2.ª R. e a interveniente Mapfre no pedido, conformando-se com a absolvição do pedido da R. Generali. Lidas as alegações de revista da A., a mesma apenas pugna pela inexistência de incumprimento do disposto no art. 37.º do DL n.º 229/2004 e pela responsabilização da 2.ª R. e, consequentemente, da sua seguradora, a aqui interveniente Mapfre, não reagindo quanto à conclusão vertida no acórdão da Relação de que a R. Generali foi absolvida do pedido pela decisão, com trânsito em julgado, proferida pela 1.ª instância.

A interveniente Mapfre respondeu ao recurso de revista, pugnando pela sua improcedência, mas não procedeu a qualquer ampliação do âmbito do recurso, nos termos previstos no art. 636.º, n.º 1, do CPC, que incluísse a referida questão da absolvição do pedido da R. Generali.

Na verdade, a interveniente Mapfre havia reclamado da decisão singular da Relação que não admitiu as respostas ao recurso de apelação daquela R. Generali, requerendo que sobre essa decisão recaísse acórdão que apreciasse, em particular, as considerações sobre o trânsito em julgado da decisão absolutória da R. Generali Seguros, S.A.. Porém, proferido o acórdão pela Relação que confirmou aquela decisão singular, mantendo a posição a respeito da absolvição da R. Generali, a interveniente Mapfre conformou-se com tal decisão, não requerendo a referida ampliação do âmbito do recurso.

Também a 2.ª R. BB não respondeu ao recurso de revista da A..

Embora a R. BB e a interveniente Mapfre tenham saído vencedoras no acórdão proferido pelo Tribunal da Relação, nos termos do disposto no art. 636.º, n.º 1, do CPC, constituía um ónus das recorridas, caso as mesmas pretendessem reagir contra a conclusão constante do acórdão recorrido de que a absolvição do pedido da R. Generali tinha transitado em julgado, ampliar o objecto do recurso nas respectivas contra-alegações, invocando fundamentos que, tendo sido resolvidos a seu desfavor no acórdão da Relação, pudessem determinar, caso o Supremo Tribunal de Justiça viesse a concluir pela responsabilização de alguma ou de ambas aquelas recorridas, pela responsabilização da R. Generali.

O facto de a A. sociedade de advogados ter restringido o seu recurso de revista à responsabilização da R. BB e da interveniente Mapfre e a falta de ampliação do objecto do recurso por parte destas últimas, deixou transitar a parte do acórdão da Relação que considerou que a absolvição da R. Generali pela 1.ª instância já transitou em julgado, pelo que assiste razão a esta última, aqui reclamante, quando afirma que, por esse motivo, não podia este Supremo Tribunal mandar baixar os autos à Relação para eventual apuramento de responsabilidade da R. Generali por tal violar o caso julgado já formado nos autos.

Tendo transitado em julgado a parte do acórdão da Relação que considerou que a absolvição do pedido da R. Generali pela 1.ª instância já transitou em julgado nos autos, podemos concluir que assiste razão à reclamante Generali, pelo que o acórdão reclamado, ao mandar baixar o processo ao Tribunal da Relação para, além do mais, decidir se a seguradora Generali, S.A. deve ou não ser condenada no pedido e a que título, conheceu de questão de que não podia tomar conhecimento, atento o caso julgado parcial formado pela falta de impugnação do acórdão da Relação na parte em que considerou transitada em julgado a absolvição da R. Generali, verificando-se a referida nulidade por excesso de pronúncia.

4. Dando-se como verificada a nulidade por excesso de pronúncia (art. 615.º, n.º 1, alínea d), 2.ª parte, do CPC), impõe-se, em consequência, anular a parte do acórdão reclamado que determinou a baixa do processo ao Tribunal da Relação para, além do mais, decidir se a seguradora Generali, S.A. deve ou não ser condenada no pedido e a que título.

De modo a suprir a referida nulidade, importa começar por sublinhar que a Relação, ao considerar que a A. sociedade de advogados não é titular de qualquer direito sobre a R. subsidiária BB, por força do entendimento quanto à interpretação e aplicação do art. 37.º do DL n.º 229/2004 de 10 de dezembro, concluiu que necessariamente a mesma A. não era também titular de qualquer direito sobre a seguradora dessa R. subsidiária, a aqui interveniente Mapfre, S.A..

Pelo exposto, tendo o Supremo Tribunal de Justiça reconhecido a imputação à esfera jurídica da R. BB da responsabilidade pelo dano de perda de chance processual causado ao interveniente BCP pela sua conduta omissiva, face à ressalva da parte final do art. 679.º do CPC, que determina a inaplicabilidade ao recurso de revista da regra da substituição ao tribunal recorrido prevista no art. 665.º do CPC, continua a justificar-se a baixa do processo ao Tribunal da Relação para apreciação das questões tidas por prejudicadas no acórdão recorrido, que não envolvam a responsabilização da R. Generali, mas envolvam, por um lado a determinação do regime de responsabilização (responsabilidade exclusiva, conjunta ou solidária) da 2.ª R. advogada e da interveniente Mapfre; e, por outro lado, a resolução das questões enunciadas no recurso de apelação interposto por esta última, relativas ao cômputo do dano da perda de chance e ao termo inicial da contagem dos juros de mora.

5. Deste modo, decide-se:

a. Julgar verificada a nulidade por excesso de pronúncia (art. 615.º, n.º 1, alínea d), 2.ª parte, do CPC) e, em consequência, anular a parte do acórdão de 22 de Junho de 2023 que determinou a baixa do processo ao Tribunal da Relação para, além do mais, decidir se a Seguradora Generali – Companhia de Seguros, S.A. deve ou não ser condenada no pedido e a que título;

b. Alterar a decisão do acórdão de 22 de Junho de 2023, substituindo-a pela seguinte:

Pelo exposto, julga-se o recurso parcialmente procedente, revogando-se a decisão do acórdão recorrido, e, em sua substituição, decide-se:

a. Reconhecer a imputação à esfera jurídica da Ré BB da responsabilidade pelo dano de perda de chance processual causado ao Interveniente BCP, S.A. pela sua conduta omissiva;

a. Ordenar a baixa do processo ao Tribunal da Relação para, em conformidade com o enunciado no ponto 4. do presente acórdão, determinar o regime de responsabilização (responsabilidade exclusiva, conjunta ou solidária) da 2.ª Ré BB e da interveniente Mapfre - Seguros Gerais, S.A. e resolver as questões enunciadas no recurso de apelação interposto por esta última, relativas ao cômputo do dano da perda de chance e ao termo inicial da contagem dos juros de mora.

Sem custas.

Lisboa, 16 de Novembro de 2023

Maria da Graça Trigo (relatora)

Catarina Serra

João Cura Mariano