Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 3.ª SECÇÃO | ||
Relator: | PEDRO BRANQUINHO DIAS | ||
Descritores: | RECURSO PER SALTUM ATENUAÇÃO ESPECIAL DA PENA REQUISITOS ROUBO AGRAVADO MEDIDA CONCRETA DA PENA PREVENÇÃO GERAL PREVENÇÃO ESPECIAL IMPROCEDÊNCIA | ||
Nº do Documento: | SJ | ||
Data do Acordão: | 06/28/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
Sumário : | I. Na esteira da doutrina mais relevante, são pressupostos do instituto da atenuação especial da pena, previsto no art. 72.º, do Cód. Penal, para além dos casos que lei expressamente prevê, existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporânea dele, que diminuam de forma acentuada a ilicitude dos factos ou a culpa do agente, mas também da necessidade da pena e, portanto, das exigências da prevenção, sendo que a diminuição da culpa ou das exigências da prevenção só poderá considerar-se acentuada quando a imagem global do facto, resultante da atuação da(s) circunstância(s) atenuante(s), se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipótese tais quando estatuiu os limites normais da moldura correspondente ao tipo de facto respetivo. II. Na mesma linha, a jurisprudência dos nossos tribunais superiores, com particular destaque para a deste Supremo Tribunal, tem vindo a acentuar que a atenuação especial da pena só em casos verdadeiramente extraordinários ou excecionais pode ter lugar. Para a generalidades dos casos, lá estão as molduras penais normais, com os seus limites máximo e mínimo próprios. III. Acontece que, no caso sub judice, as razões que a recorrente invoca para fazer intervir o instituto da atenuação especial da pena são manifestamente muito insuficientes e sem particular relevância para o efeito pretendido. IV. Por outro lado, importa também não esquecer que foi dado como provado que a arguida tinha já um antecedente criminal e também por um crime de roubo. V. Não estão, assim, reunidos os requisitos para a atenuação especial da pena. VI. A medida concreta da pena imposta à arguida, a pena de 8 anos e 6 meses de prisão, pela prática de um crime de roubo agravado - sendo a vítima uma pessoa do sexo feminino com idade muito avançada e de saúde frágil -, ligeiramente abaixo do ponto médio da moldura penal abstrata, é adequada e proporcional, nas circunstâncias, respondendo às exigências de prevenção geral e especial e não excedendo a medida da culpa. VII. Nestes termos, acorda-se em negar provimento ao recurso da arguida e, em consequência, manter-se a decisão recorrida. | ||
Decisão Texto Integral: |
Acordam, em Conferência, na 3.ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça I. Relatório 1. Por acórdão do tribunal coletivo do Juízo Central Criminal ... – J..., de 20/07/2022, na parte que ora releva, foi a arguida AA, com os sinais dos autos e sujeita à medida de coação de prisão preventiva, condenada pela prática de um crime de roubo agravado p. e p. pelos artigos 210º, nºs 1 e 2, als. a) e b), e 204º, nº 1, als. d) e f), do Código Penal, na pessoa de BB, na pena de 8 (anos) e 6 (seis) meses de prisão. 2. Inconformada, interpôs, em 19/08/2022, a referida arguida recurso para o Tribunal da Relação do Porto, concluindo a sua Motivação nos seguintes termos (Transcrição): I - O presente recurso versa sobre a medida da pena aplicada à arguida de 8 (oito) anos e 6 (seis) meses de prisão pela prática de um crime de roubo agravado, p.e p. pelos artigos 210º, nº:1 e nº:2, alíneas a) e b), e 204º, nº1. Alínea d) e f), do Código Penal, na pessoa de BB. II - A decisão ora recorrida deve ser reapreciada no que diz respeito à medida da pena aplicada. Explicando, III - A arguida, no início da audiência de julgamento, prestou declarações, antes da produção da prova, e confessou integralmente e sem reservas todos os factos que lhe foram imputados. Esta confissão deveria ter conduzido à atenuação da pena aplicada, atenta a sua imprescindibilidade na colaboração para a descoberta da verdade, e ainda por se traduzir numa manifestação de culpabilidade por parte da arguida. IV - Caso contrário, se a arguida não tivesse prestado declarações, perante a impossibilidade documentada nos autos da assistente BB depor, entende-se que, no que diz respeito à prova, os relatórios, exames técnicos e documentos fotográficos juntos aos autos, não seriam suficientes para conduzir à condenação. V - O que revela, desde logo, que a confissão dos factos pela arguida foi imprescindível para a descoberta da verdade, o que deveria ter sido tomado em consideração pelo Tribunal, mas não o foi. Senão vejamos: VI - Na decisão recorrida o Tribunal a quo considerou que “A favor da arguida milita a sua confissão” e “No caso concreto não há circunstâncias agravantes ou atenuantes”. VII - Acontece que, a confissão dos factos realizada pela arguida, por si só, enquanto atitude colaborante, consubstancia-se numa circunstância atenuante de carácter geral, que o Tribunal deveria ter valorado determinação da medida da pena. VIII - Neste sentido vide Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 05/06/2015, com o nº: de processo :8/13.6 PSRT.P1disponível em dgsi: I - A confissão integral e sem reserva do arguido dos factos de que é acusado, tem um valor que varia segundo o contributo que fornece para a descoberta da verdade. II - Essa confissão fundamenta uma atenuação especial da pena se se traduzir numa verdadeira e imprescindível colaboração para a descoberta da verdade, sem a qual não se sustentaria a condenação e constituir uma inequívoca manifestação de culpabilidade. IX - Deste modo, e conforme o já explicitado, a confissão pela arguida da totalidade dos factos pelos quais estava acusada, foi determinante para a descoberta da verdade, uma vez que, se a mesma tivesse optado por não prestar declarações, poderia a acusação não ter sido dado como provada. A referida confissão demonstra, de igual modo, a manifestação de culpabilidade da arguida perante os factos que lhe eram imputados. X - O artigo 72º do Código Penal estatui os pressupostos para a atenuação especial da pena, que, in casu, se encontram verificados. XI - Uma vez que, a confissão dos factos pela recorrente demonstra a assunção de culpa pela mesma, nas circunstâncias posteriores ao crime que diminuem acentuadamente a sua culpa. XII - Atendendo a todo o sobredito, e tomando em consideração a confissão da arguida, a sua colaboração com a realização da justiça, o seu arrependimento e a circunstância de a mesma ser toxicodependente na data da prática dos factos, deveria o Tribunal ter atenuado especialmente a pena aplicada. XIII - Entendendo a recorrente, com o devido respeito e salvo melhor opinião, que a pena de 8 (oito) anos e 6 (seis) meses aplicada foi excessiva, devendo a mesma ser atenuada especialmente pelos fundamentos e termos acima explicitados. XIV - E tomando por referência a moldura penal do crime pelo qual vem acusada, operada a atenuação especial da pena, deveria ter sido aplicada à arguida pena de prisão não superior a 6 (seis) anos, que se adequa às exigências de prevenção geral e especial no caso concreto. Disposições legais violadas: 1 - Artigos 40º nº1 e 71º nº1 e 2, 72º do Código Penal; 2 - Artigo 18º nº:2 da C.R.P. Nestes termos e nos melhores de Direito que doutamente venham a ser supridos deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e, em consequência este Venerando Tribunal: - revogar a decisão de primeira instância que condenou a arguida na pena de 8 (oito) anos e 6 (seis) meses de prisão, substituindo-a por outra que condene a arguida em pena de prisão não superior a 6 (seis) anos. Com o que se fará a habitual JUSTIÇA! 3. O recurso em causa foi admitido, com efeito suspensivo, em 29/08/2022, por despacho do Senhor Juiz titular. 4. O Ministério Público, junto do tribunal recorrido, respondeu ao recurso da arguida, em 30/08/2023, defendendo, em síntese, que o mesmo não merecia provimento e que se devia manter, nos seus precisos termos, o acórdão recorrido. 5. Por sua vez, a assistente BB apresentou também, em 30/10/2022, Resposta ao recurso, sustentando, igualmente, que não devia ser provido. 6. Por decisão sumária do Senhor Desembargador relator, de 07/11/2023, foi o Tribunal da Relação do Porto declarado incompetente, em razão da matéria, para apreciar o presente recurso, por visar apenas o reexame da matéria de direito, e ordenado o envio dos autos ao Supremo Tribunal de Justiça, por ser o competente. 7. Neste Supremo Tribunal, o Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu, em 21/12/2022, douto parecer, pugnando, em resumo, pela total improcedência do recurso e pela confirmação integral da decisão recorrida. Observado o contraditório, nada foi acrescentado. 8. Colhidos os vistos e realizada a Conferência, cumpre apreciar e decidir. II. Objeto do recurso Considerando o conteúdo das Conclusões apresentadas, que, como é sabido, delimitam o objeto do recurso, a recorrente apenas põe causa a medida concreta da pena que lhe foi aplicada, que considera excessiva, pois entende que deve ser especialmente atenuada, nos termos do art. 72.º, do Cód. Penal, não devendo, em consequência, ser superior a 6 anos de prisão. III. Fundamentação 1. Na parte que agora interessa, é do seguinte teor o acórdão recorrido, que passamos a transcrever: (…) FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO Da discussão da causa resultaram provados os seguintes factos: 1. A ofendida BB nasceu a .../.../1932, na data dos factos que infra se descreverão perfazia 89 anos de idade, e residia sozinha na habitação sita na Rua ..., na .... 2. A ofendida padecia de hipertensão arterial, diabetes, doença pulmonar obstrutiva crónica e fibrilação auricular. 3. Três meses antes da data dos factos, a ofendida havia sofrido uma queda que conjugada com a sua idade avançada e os aludidos problemas de saúde, a havia deixado mais debilitada fisicamente. 4. A residência da ofendida é ladeada por um pátio e cercada por vedação, sendo a entrada efectuada por um portão. 5. No dia 7 de Julho de 2021, pelas 16h30, apercebendo-se que a ofendida estava no interior da habitação e que o portão estava fechado apenas com o trinco, a arguida AA decidiu entrar na referida habitação e dali subtrair dinheiro ou valores que encontrasse no seu interior, recorrendo à força física para alcançar tal propósito. 6. Em cumprimento desse desígnio, a arguida abriu o referido portão e entrou na habitação, percorrendo as suas várias divisões à procura de bens e valores de que se pudesse apropriar, abrindo gavetas e portas dos móveis com esse intuito. 7. No interior da residência, a arguida surpreendeu a ofendida e, em cumprimento do seu plano, usou de força física contra esta, de modo não concretamente apurado, mas atingindo-a repetidamente, com violência, no seu corpo, em particular, na cabeça, face e tronco. 8. Nessa sequência, do quarto da ofendida, a arguida retirou um envelope contendo a quantia global de 300,00€ (trezentos euros) e do porta-moedas da ofendida retirou a quantia de cerca de 30,00€ (trinta euros). 9. Após a arguida abandonou a residência, levando consigo a quantia global de cerca de 330,00€ (trezentos e trinta euros) e deixando a ofendida inanimada no chão da cozinha. 10. Face à gravidade do seu estado de saúde, a ofendida foi assistida ainda no local pelo INEM, apresentando múltiplos ferimentos na cabeça, na face e no tronco, bem como alterações do estado de consciência, tendo sido entubada, ventilada e sedada. 11. De imediato, foi encaminhada para o serviço de urgência do Centro Hospitalar ... (doravante, CH...), onde deu entrada com prognóstico reservado e com Escala de Coma Glasgow de 3, hemodinamicamente instável, hipertensa e ligeiramente taquicárdica. 12. Como consequência directa e necessária da actuação da arguida, a ofendida sofreu as lesões, melhor descritas nos exames periciais de fls. 4-7 e 401-405, nomeadamente: 13. - Na cabeça: vestígios de sangue seco na linha de implementação capilar; vestígios de sangue seco nos pavimentos auriculares, narinas e cavidade oral; equimose arroxeada bipalpebral direita, medindo 6cmx4cm com moderado edema subjacente; equimose bipalpebral esquerda, medindo 4cmx3cm, com ligeiro edema a moderado edema subjacente; equimose arroxeada da região malar direita, medindo 3,5cmx1,5cm; extensa equimose violácea associada a tumefação dos tecidos moles sugestiva de hematoma, estendendo-se do lábio inferior, ocupando região mentoniana e continuando para a região sub-mentoniana, medindo 17cmx7cm; área equimótica arroxeada em correspondência com corpo mandibular esquerdo, medindo 7cmx5cm; 14. - No pescoço: equimose arroxeada curvilínea de concavidade superior, no terço médio da transição entre a região cervical anterior e lateral à direita, medindo 3cmx0,3cm; medialmente a esta, equimose arroxeada, medindo 1,5cmx1cm; equimose violácea estendendo-se desde a base da região cervical posterior direita até à região supraescapular homolateral, medindo 10cmx5cm; escoriação linear curvilínea de concavidade inferior no terço médio da região cervical lateral esquerda, medindo 0,7cm de comprimento, rodeada de equimose arroxeada sensivelmente linear, medindo 2cmx3cm; equimose arroxeada no terço distal da metade esquerda da região cervical anterior, medindo 1cmx0,5cm; 15. - No tórax: equimose arroxeada com áreas violáceas na região clavicular esquerda, medindo 6cmx6cm; várias equimoses violáceas lineares agrupadas, sensivelmente transversais no terço médio da região esternal, medindo a maior 6cmx0,5 cm e a menor 0,5cm de comprimento, rodeadas de equimose arroxeada/azulada, que se estendia da região esternal para o quadrante supero-medial da região mamária direita, medindo 14cmx8cm com maior eixo transversal; 16. - Membro superior direito: equimose arroxeada com ligeiro edema subjacente, na metade lateral do dorso da mãe medindo 6cmx5cm; vestígios de sangue seco subungueais; 17. - Membro superior esquerdo: vestígios de sangue seco subungueais e na face dorsal da mão. 18. 13. As lesões provocadas pela arguida na ofendida determinaram, ainda, que no dia 8 de Julho de 2021 fosse transferida para a Unidade de Cuidados Cirúrgicos Intermédios, onde permaneceu 12 dias. 19. 14. De seguida, a ofendida foi transferida para a ala de enfermaria, onde apresentava os seguintes problemas clínicos: 20. - Politraumatizada; 21. - Hematoma da raiz do mesentério; 22. - Fratura da asa do sacro e do corpo ilíaco esquerdo; 23. - Fraturas do 3.º, 4.º, 5.º e 6.º arcos costais; 24. - Prostração; 25. - Sonda nasogástica para nutrição entérica; 26. - Enfisema cutâneo na região cervical e axilar direitas. 27. A 26 de Julho de 2021 foi transferida para o Serviço de Medicina Interna do Hospital de ..., onde permaneceu internada 27 dias e onde deu entrada em estado comatoso pós-traumático. 28. A 23 de Agosto de 2021 teve alta da medicina interna, dando entrada na Unidade de saúde ..., em .... 29. As lesões provocadas pela arguida determinaram para a ofendida um quadro clínico de perigo para a vida. 30. Mais determinaram que a ofendida, outrora capaz de levar uma vida normal, ficasse desde a data dos factos totalmente dependente de terceiros para as suas actividades diárias, bem como com alterações cognitivas e de funcionalidade, dependendo do cuidado diário das filhas. 31. Com a conduta descrita, a arguida AA actuou de forma livre, voluntária e consciente com o propósito concretizado de entrando sem autorização na habitação da ofendida, se apropriar das quantias supra indicadas, fazendo-o contra a vontade desta, sua legítima proprietária. 32. Para tanto, actuou através de violência física que exerceu sobre a ofendida, sabendo e não podendo ignorar que esta, pela sua avançada idade seria especialmente vulnerável e que, por via disso, ofereceria menor capacidade de resistência, o que representou. 33. Mais actuou sabendo que a violência da sua conduta provocaria na ofendida graves lesões, como veio a acontecer e que determinariam perigo para a sua vida, o que tudo quis e conseguiu. 34. A arguida bem sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei penal, não se abstendo, contudo, de a praticar. 35. Das lesões acima descritas e provocadas pela Arguida resultaram consequências permanentes, concretamente quadro sequelar neurológico grave, desfiguração grave e permanente, bem como afectação de maneira grave as capacidades intelectuais, a possibilidade de utilizar o corpo e da linguagem. Relatório social 36. Do relatório social da Arguida consta: “I – Dados relevantes do processo de socialização AA nasceu em ..., para onde os seus progenitores, naturais do Concelho ..., emigraram. O pai foi trabalhar para uma exploração agrícola de produção de cogumelos e a mãe como operária numa fábrica de bicicletas. A arguida é a mais nova dos 5 filhos do casal, 3 dos quais já autonomizados aquando do seu nascimento, havendo uma diferença de mais de 20 anos em relação ao seu irmão mais velho. Aos 5 anos de idade, os pais separaram-se ficando AA a viver com a mãe e um dos seus irmãos. Permaneceram em ... até a arguida completar 12 anos, momento em que regressa a Portugal com a mãe para residir na localidade de origem daquela, .... Aos 17 anos, o pai regressou a Portugal e reconciliou-se com a esposa, integrando o agregado. Todavia, o relacionamento da arguida com aquele pautou-se sempre por conflitos, devido à dificuldade da mesma em aceitar a sua autoridade, o que a levou a autonomizar-se. Iniciou a escolaridade em idade regular, em ..., onde completou o 1º ciclo sem retenções. Retomou os estudos em Portugal, no Instituto de Promoção Social de ..., onde concluiu o 12º ano, aos 18 anos de idade. Iniciou atividade laboral aos 19 anos, como empregada de balcão, numa pastelaria na zona da ..., para onde, entretanto, mudara residência, arrendando uma pequena casa. Após esta experiência laboral, que durou aproximadamente um ano, mudou-se para outra pastelaria na zona da .... É neste período que conhece o pai do seu filho com quem contrai matrimónio, já consumidor de estupefacientes. Durante aproximadamente 4 anos, ficou a residir em casa dos pais deste, iniciando também o consumo de estupefacientes e álcool. Enquanto residiu nesta localidade, teve algumas experiências laborais de curta duração, no ramo da restauração, para fazer face à aquisição de estupefacientes. Entretanto terminou a relação de namoro, abandonou os consumos e emigrou para ..., onde os seus irmãos residiam. Numa primeira fase ficou a residir em casa de uma irmã até conseguir colocação laboral. Algum tempo depois conseguiu emprego numa fábrica de cosméticos e como camareira num hotel, e, neste período, conheceu um cidadão de origem francesa, com o qual iniciou uma relação marital. Arrendou um apartamento, autonomizando-se da irmã. Regressou a Portugal 13 anos depois, aos 38 anos. Refere que durante a sua permanência em ... nunca manteve consumos aditivos. Em 2011 vivenciou um período de grande fragilidade emocional, na sequência da morte de um sobrinho de 32 anos (apenas mais novo 5 anos que a arguida) com o qual tinha grande proximidade afectiva. Esta situação agravou-se com a morte, alguns meses depois, do seu cunhado (pai do sobrinho falecido). Entretanto, reencontrou o marido, com o qual se reconciliou e veio a casar em 2013. O casal fixou novamente residência na ..., na casa dos pais daquele. AA refere que pouco tempo depois, na sequência do reencontro dos pares da juventude, ainda consumidores de drogas, associado à sua situação de desemprego e à precariedade de trabalho do marido, à ausência de um projeto de vida autónomo (como casal) e ainda à sua situação de saúde (fragilidade emocional), recaiu nos consumos aditivos, tendo procurado ajuda no CRI .... II – Condições sociais e pessoais Divorciada do pai do seu filho, atualmente com 5 anos de idade, e entregue aos cuidados deste, AA vivia num anexo pertencente a uma irmã, emigrada em ..., ocupando-se laboralmente como empregada de armazém no E... de .... Referiu apoio da irmã CC, a residir em ..., contudo, esta mostra–se indisponível pelo fato de se encontrar a viver no agregado de uma filha. Como projeto de vida, AA verbaliza a intenção de se inserir profissionalmente, de forma a subsistir economicamente. III – Impacto da situação jurídico-penal AA encontra-se, em prisão preventiva no Estabelecimento Prisional ... de Santa Cruz do Bispo desde 24/05/2021, pelo crime de roubo agravado. Verbaliza preocupação com as consequências penais que poderão advir do presente processo, expressando o desejo de rápida clarificação da sua situação jurídica de modo a poder encarar com estabilidade o seu futuro a curto e médio prazo. No EPFSCB mantém ocupação laboral nas oficinas. Foi sancionada em 8 dias de POA por apropriação indevida de tabaco em 24/05/2022. Mantém acompanhamento em psicologia e psiquiatria no EPSCB, bem como programa de prevenção de recaída no álcool. IV – Conclusão AA apresenta na sua história de vida a vivência de uma situação familiar instável, marcada pela separação dos progenitores. A arguida encontra-se ativa laboralmente nas oficinas. Mantém acompanhamento em psicologia e psiquiatria no EP, bem como programa de prevenção de recaída no álcool. Não apresenta, de momento, apoio familiar, uma vez que a irmã CC se encontra a viver no agregado da filha e os outros irmãos emigrados em .... Em caso de condenação, as necessidades de intervenção no processo de reinserção social da arguida, situam-se essencialmente ao nível da interiorização da censurabilidade jurídico-penal da conduta criminal, e do desenvolvimento de competências que potenciem a sua integração profissional de forma sustentada, relevando-se ainda a necessidade de uma intervenção especializada no âmbito dos comportamentos aditivos.” Certificado de Registo criminal 37. Do certificado de Registo Criminal da Arguida consta: 38. No Processo 53/14...., por decisão de 29/02/2016, transitada em julgado em 08/04/2016, a Arguida foi condenada pela prática de um crime de roubo na pena de 2 anos e 9 meses, suspensa por igual período de tempo, sob condição de frequência de tratamento a toxicodependência. (…) Fundamentação de Direito (…) Da medida da pena Nos termos do artigo 40º, do CP., “a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.” Pelo que, a reacção criminal ao facto ilícito nunca poderá ultrapassar a medida da culpa, e terá como objectivo a protecção de valores, a pacificação social e primacialmente a reintegração do agente na sociedade. Aduz-se do artigo 40º, daquele diploma, que o fundamento da pena se encontra estribado na culpa. Esta tem como função limitar a medida da pena, a qual é temperada por exigências de reintegração do agente na sociedade. A culpa “enquanto pressuposto da pena, definirá o seu limite máximo, o pano de fundo, a moldura dentro, e só dentro, da qual as exigências da prevenção, como fins da pena, lhe fixarão a medida” - In CORDEIRO, Adelino Robalo, no estudo “A determinação da pena”, Jornadas de Direito Criminal - Revisão do Código Penal - Alterações ao sistema sancionatório e parte especial, pág. 44. Na verdade, decorre dos princípios básicos do sistema jurídico-penal “de que só finalidades relativas de prevenção, geral e especial, não finalidades absolutas de retribuição e expiação, podem justificar a intervenção do sistema penal e conferir fundamento e sentido às suas reacções específicas. A prevenção geral assume, com isto, o primeiro lugar como finalidade da pena. Prevenção geral, porém, não como prevenção geral negativa, de intimidação do delinquente e de outros potenciais criminosos, mas como prevenção positiva ou de integração, isto é, de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida; em suma, na expressão de Jakobs, como estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias na validade e vigência da norma infringida.” - In DIAS, Jorge de Figueiredo, “Direito Penal Português - as consequências jurídicas do crime”, Aequitas, Editorial Notícias, Lisboa, 1993, pág.72. Nos termos do art. 70º, do CP., “Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa de liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”. Sendo que “a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção. Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele...” A definição da pena a aplicar deve ser feita em várias fases. Primeiro, deve-se achar a moldura penal abstracta. Para tanto, parte-se do tipo de crime que o arguido cometeu e verifica-se se a moldura penal encontrada é modificada, ou substituída por outra, em virtude da ocorrência de circunstâncias modificativas, agravantes ou atenuantes. De seguida, deve o julgador, uma vez encontrada aquela moldura penal abstracta, achar dentro dessa moldura a pena que cabe ao caso concreto. Quando haja ao dispor mais do que uma espécie de penas, por exemplo pena alternativa ou de substituição, deve o juiz escolher a pena a aplicar. No presente caso, o crime de roubo agravado, p. e p. pelo artigo 210º, n.º 1 e nº2, alíneas a) e b), por referência ao disposto no art. 204º, n.º 1), alínea d) e f), do Código Penal, é punido com pena de prisão de 3 a 15 anos. No caso concreto não há circunstâncias agravantes ou atenuantes. Atendendo às circunstâncias aduzidas no artigo 71º, nº2, daquele Código, atender-se-á contra a Arguida a modalidade do dolo, a qual revestiu a forma mais intensa (directa). O desvalor de acção é extremamente acentuado, ante a forma contundente de actuação. O desvalor de resultado é elevado ante os valores subtraídos e respaldados nos factos provados. Ademais, a Vítima, no período de vida que lhe resta, não mais conseguirá almejar a condição de vida de que beneficiava antes dos factos perpetrados pela Arguida. A culpa da Arguida é bastante acentuada, ante o facto de possuir condições para adequar a sua conduta de acordo com o direito. As necessidades de prevenção especial são muito significativas ante o antecedente criminal que apresenta pelo mesmo tipo de crime. As necessidades de prevenção geral são bastante acentuadas, com vista a desmotivar a prática deste tipo de crimes, os quais causam bastante alarme social, sendo certo que a comunidade não pode ver defraudada a sua pretensão de ver salvaguardada a validade e vigências das normas jurídicas violadas. A favor da Arguida milita a sua confissão. As circunstâncias de vida da Arguida são as que se mostram descritas no respectivo relatório social. * Assim, concatenando todos estes factores decide-se aplicar a seguinte pena: 1. Pela prática de um crime de roubo agravado, p. e p. pelos artigos 210º, nº1 e nº2, als. a) e b), e 204º, nº1, al. d) e f), do Código Penal, a pena de 8 (oito) anos e 6 (seis) meses de prisão. (…) 2. Ora, atendendo à matéria de facto dada como provada, é inegável a gravidade objetiva dos factos praticados pela arguida. Na verdade, não deixa de impressionar a violência utilizada pela arguida, em relação à ofendida, uma Senhora de idade muito avançada e frágil de saúde. Na escolha e determinação da medida concreta da pena, o tribunal a quo foi devidamente ponderado e teve em consideração a culpa (grave) da arguida e as exigências de prevenção, que, no caso, são muito prementes (art. 71.º n.º 1, do Cód. Penal). A recorrente solicita uma atenuação especial da pena, considerando, nomeadamente, o facto de ter confessado os factos, a sua colaboração com a realização da justiça, o seu arrependimento e a circunstância de ser toxicodependente à data da prática dos factos. Ora, como ensina o Professor Figueiredo Dias[1], são pressupostos do instituto da atenuação especial da pena, para além dos casos que lei expressamente prevê, existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporânea dele, que diminuam de forma acentuada a ilicitude dos factos ou a culpa do agente, mas também da necessidade da pena e, portanto, das exigências da prevenção, sendo que a diminuição da culpa ou das exigências da prevenção só poderá considerar-se acentuada quando a imagem global do facto, resultante da atuação da(s) circunstância(s) atenuante(s), se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipótese tais quando estatuiu os limites normais da moldura correspondente ao tipo de facto respetivo. Na mesma linha, a jurisprudência dos nossos tribunais superiores, com particular destaque para a deste Supremo Tribunal[2], tem vindo a acentuar que a atenuação especial da pena só em casos verdadeiramente extraordinários ou excecionais pode ter lugar. Para a generalidades dos casos, lá estão as molduras penais normais, com os seus limites máximo e mínimo próprios. Acontece que as razões que a recorrente invoca para fazer intervir o instituto da atenuação especial da pena são manifestamente muito insuficientes e sem particular relevância para o efeito pretendido. Com efeito, como bem observa o Senhor Procurador-Geral Adjunto, no seu esclarecido parecer, o tribunal coletivo teve em conta a confissão da arguida, aquando da escolha da pena concreta a aplicar - constituindo um mero lapso quando, a dado passo, referiu que não havia circunstâncias atenuantes -, mas, ao contrário do alegado, não deu como provado o seu arrependimento pela atividade altamente censurável que levou a cabo. São, aliás, conceitos diferentes. Por outro lado, importa também não esquecer que foi dado como provado que a arguida tinha já um antecedente criminal e também por um crime de roubo. Não estão, assim, reunidos os requisitos para a atenuação especial da pena. A medida concreta da pena imposta à arguida, ligeiramente abaixo do ponto médio da moldura penal abstrata, é adequada e proporcional, nas circunstâncias, respondendo às exigências de prevenção geral e especial e não excedendo a medida da culpa. Nesta conformidade, terá de improceder o recurso. IV. Decisão Em face do exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso interposto pela arguida AA e, consequentemente, confirmar-se o acórdão recorrido. Custas a cargo da recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 5 UC. * Comunique, de imediato, com cópia, ao Juízo Central Criminal ... – J... (Translado de acompanhamento). Lisboa, 28 de junho de 2023 (Processado e revisto pelo Relator) Pedro Branquinho Dias (Relator) Maria Teresa Féria de Almeida (Adjunta) Sénio Alves (Adjunto) _____ [1] In Direito Penal Português, As Consequências jurídicas do Crime, Aequitas Editorial Notícias, 1993, pg. 304 e ss. Em sentido convergente, Vide também Maria João Antunes, Penas e Medidas de Segurança, 2.ª ed., pgs. 84 e 85. |