Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
11293/19.0T8SNT-B.L1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: MARIA JOÃO VAZ TOMÉ
Descritores: RECURSO DE REVISÃO
INDEFERIMENTO LIMINAR
INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA
COMPETÊNCIA EM RAZÃO DA HIERARQUIA
TRIBUNAL DA RELAÇÃO
Data do Acordão: 11/16/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :
I. Nos termos do art. 627.º, n.º 2, do CPC, o recurso de revisão integra a categoria dos recursos extraordinários, encontrando-se regulado nos arts. 696.º a 702.º do mesmo corpo de normas.

II. No recurso extraordinário de revisão, o poder decisório cabe ao Tribunal que proferiu a decisão. Esse recurso é interposto para o mesmo – e no - Tribunal que proferiu a decisão cuja revisão é pedida.

III. Verifica-se a incompetência absoluta, em razão da hierarquia, do Tribunal de 1ª Instância para apreciar o pedido de revisão quando da decisão a rever houve recurso para o TR.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça,


I - Relatório

1. Administração Conjunta da AUGI Nossa Senhora dos Enfermos interpôs, no Tribunal de 1.ª Instância, o presente recurso extraordinário de revisão da decisão proferida por esse Tribunal a 15 de junho de 2021 e confirmada por acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa a 21 de dezembro de 2021, já transitado em julgado. São Réus, na presente lide, AA e BB.

2. Fundamentou o seu pedido de recurso extraordinário no art. 696.º, al. c), do CPC, pugnando pela revogação daquela decisão.

3. O Tribunal de 1.ª Instância proferiu decisão indeferindo liminarmente o requerimento de interposição do recurso de revisão, para o que ora importa, nos seguintes termos:

Veio a exequente ADMINISTRAÇÃO CONJUNTA DA AUGI NOSSA SENHORA DOS ENFERMOS intentar contra AA e BB o presente RECURSO DE REVISÃO DE SENTENÇA, nos temos dos arts. 696.º, al. c) e 697.º do CPC e com os seguintes fundamentos:

(…) Apreciando.

Analisado o requerimento de interposição de recurso constata-se que o recorrente sustenta o mesmo na alínea c) do artigo 696.º do CPC, intuindo-se que os documentos a que o mesmo alude serão os constantes da certidão do processo 8240/20.0... que correu termos no Juízo de Execução do ..., em especial o Acórdão do Colendo Supremo Tribunal de Justiça de 09.11.2022, que concluiu que os documentos aí dados à execução constituíam título executivo, contrariamente ao que se decidiu na oposição à execução mediante embargos de executado apensa à execução de que dependem estes autos (apenso A) e acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa que sobre aquela decisão recaiu.

Ora, dispõe o artigo 627º do Novo Código de Processo Civil que as decisões judiciais podem ser impugnadas por meio de recursos (n.º 1), sendo que os recursos são ordinários ou extraordinários, sendo ordinários os recursos de apelação e de revista e extraordinários o recurso para uniformização de jurisprudência e a revisão (n.º 2).

Sobre os fundamentos do recurso de revisão, dispõe o art.º 696.º do Código de Processo Civil, no que ao caso dos autos concerne:

“A decisão transitada em julgado só pode ser objeto de revisão quando: a) (…)

b) (…)

c) Se apresente documento de que a parte não tivesse conhecimento, ou de que não tivesse podido fazer uso, no processo em que foi proferida a decisão a rever e que, por si só, seja suficiente para modificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida”.

A revisão de uma decisão transitada em julgado deverá ser algo de excecional, sendo que a regra é que o caso julgado, a bem da segurança jurídica, torne a decisão indiscutível. Estando-se perante um recurso que é extraordinário e que existe precisamente para que o caso julgado possa ser ultrapassado, as exigências para a admissão do mesmo têm de ser particularmente cuidadas, para que não se faça da exceção a regra – cf. Ac. Supremo Tribunal, de 8/6/2021, proc. 15/10.0... (citado no Ac. STJ, de 19.10.2022, relatado por Ramalho Pinto, in www.dgsi.pt, cuja fundamentação seguiremos de perto na análise da questão sub judice).

Abrantes Geraldes (Recursos em Processo Civil – Almedina, 6.ª edição atualizada, pág. 559), na anotação à al. c) do art.º 696.º do Código de Processo Civil, afirma o seguinte: “A alínea c) integra um outro fundamento de revisão agora traduzido no relevo de documento que a parte desconhecia ou de que não pôde fazer uso e que se revele crucial para modificar a decisão em sentido mais favorável ao recorrente”.

A alínea c) do artº 696º do atual Código de Processo Civil tem a mesma redação da al. c) do artº 771º do anterior Código de Processo Civil, não podendo entender-se que aquela veio englobar a situação prevista na alínea g) do mesmo artigo anterior Código de Processo Civil. Esta al. g) previa como fundamento de recurso de revisão uma decisão transitada em julgado quando fosse contrária a outra que constituísse caso julgado para as partes, formado anteriormente, sendo que o Código de Processo Civil atualmente vigente não prevê tal situação.

Sem prejuízo, dir-se-á que nos termos do artigo 362.º do Código Civil (CC) “Prova documental é a que resulta de documento; diz-se documento qualquer objecto elaborado pelo homem com o fim de reproduzir ou representar uma pessoa, coisa ou facto.”

In casu, a recorrente não juntou documento definido nos termos do citado artigo 362.º do CC, mas certidão do Acórdão do Colendo Supremo Tribunal de Justiça de 09.11.2022 que recaiu sobre Acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Évora que confirmou a decisão proferida no processo 8240/20.0... que correu termos no Juízo de Execução do ... (Juiz ...).

Atento o disposto no artigo 152.º, n.º 2, do CPC, “Diz-se «sentença» o acto pelo qual o juiz decide a causa principal ou algum incidente que apresente a estrutura de uma causa”.

Com a entrada em vigor do NCPC, o artigo 152.º, n.º 2, deve ser conjugado com o artigo 607.º que materializou alterações respeitantes à “sentença”, como ato que, após a audiência final, congrega tanto a decisão da matéria de facto, como a respetiva integração jurídica, por comparação com o que anteriormente emergia dos artigos 653º (decisão da matéria de facto) e 659º (sentença).

Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, Volume I, pág. 319, em anotação ao artigo 362.º do CC, escrevem:

“A noção de documento do artigo 2420.º do Código de 1867 é consideravelmente ampliada. Além dos escritos a que esse preceito se refere, são ainda documentos uma fotografia, um disco gramofónico, uma fita cinematográfica, um desenho, uma planta, um simples sinal convencional, um marco divisório, etc. (cfr. art. 368.º).

Essencial à noção de documento é a função representativa ou reconstitutiva do objeto. Uma pedra, um ramo de árvore ou quaisquer outras coisas naturais, não trabalhadas pelo homem, não são documentos na aceção legal. Podem ter interesse para a instrução do processo, mas constituirão objeto de um outro tipo de prova (a prova por apresentação de coisas móveis ou imóveis, por inspeção judicial, etc.).”

Subscrevemos, assim, estas considerações, que vão de encontro à jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal de Justiça:

“Um acórdão não pode servir de fundamento a um recurso extraordinário de revisão, por não poder ser qualificado como um documento, para efeitos do disposto no artigo 696º, alínea c) do C.P.C.” – sumário do Ac. de 14/01/2021, proc. 1012/15.5..., escrevendo-se no mesmo, mais adiante: “O documento a que se refere o alª c) daquele artº 771º tem de corporizar uma declaração de verdade ou ciência, isto é, uma declaração destinada a corporizar um estado de coisas, pelo que deve ser um documento em sentido estrito.

Terá ainda de ser um documento decisivo, dotado, em si mesmo, de uma força tal que possa conduzir o Juiz à persuasão de que, só através dele, a causa poderá ter solução diversa da que teve.

O Acórdão deste Supremo de 9-12-04 não se encontra nas indicadas condições, pelo que não pode valer para o pretendido fim”.

No mesmo sentido os seguintes acórdãos:

“Uma sentença judicial ou um acórdão não pode qualificar-se como documento para o efeito da al. c) do art. 696.º do CPC”- Ac. de 17/11/2021, Recurso n.º 1078/18.6...

“Uma sentença (acórdão) não integra o conceito de “documento” para efeitos do recurso de revisão, previsto na al. c) do art. 696.º do CPC”- Ac. de 17/10/2019, Recurso n.º 2657/15.9...;

“Uma sentença judicial transitada em julgada não pode ser qualificada como “documento” em vista a fundar recurso de revisão nos termos do art. 696.º, al. c), do CPC”- Ac. de 21/02/2019, Revista n.º 2020/12.3...

“Uma sentença não integra o conceito de “documento” para efeitos da al. c) do art. 696.º, do CPC, que enumera taxativamente os fundamentos para revisão da decisão”- Ac. de 11/12/2018, Revista n.º 301/14.0...

E ainda os acórdãos de 20/12/2017, Revista n.º 392/2002.P... , e de 16/10/2018, Revista n.º 16620/08.2...

A esta mesma conclusão chegou o Supremo Tribunal de Justiça, no recente acórdão de 19.10.2022, relatado por Ramalho Pinto, in www.dgsi.pt, cuja fundamentação seguimos de perto na análise da questão sub judice, assim sumariado:

“I- Sobre os fundamentos do recurso de revisão, dispõe o art.º 696.º, al. c), do Código de Processo Civil, no que ao caso dos autos concerne, que a decisão transitada em julgado só pode ser objecto de revisão quando se apresente documento de que a parte não tivesse conhecimento, ou de que não tivesse podido fazer uso, no processo em que foi proferida a decisão a rever e que, por si só, seja suficiente para modificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida;

II- Um acórdão não pode servir de fundamento a um recurso extraordinário de revisão, por não poder ser qualificado como um documento, para efeitos do disposto no artigo 696º, alínea c), do C.P.C;

III- A interpretação de tal norma no sentido de que uma sentença ou acórdão não é um documento, para os referidos efeitos, não enferma de inconstitucionalidade.”

Em face de todo o exposto, sem necessidade de maiores considerações, indefiro liminarmente o requerimento de interposição do recurso de revisão.

Custas pelo recorrente.”.

4. Não conformada, a Administração Conjunta da AUGI Nossa Senhora dos Enfermos Administração Conjunta da AUGI Nossa Senhora dos Enfermos interpôs recurso de apelação, preconizando a revogação da decisão e a sua substituição “por outra que admita o recurso de revista de sentença”.

5. Depois da baixa deste recurso, para que fosse cumprida, pelo Tribunal de 1.ª Instância, a regra plasmada no art. 641.º, n.º 7, do CPC (na sequência do despacho de 13 de março de 2023, com a Referência Citius n.º ...61), e subsequente citação da parte contrária, os Recorridos apresentaram contra-alegações, sustentando a improcedência da apelação.

6. Perante a possibilidade de verificação da exceção dilatória de incompetência absoluta, em razão da hierarquia, observou-se o princípio do contraditório (cf. despacho de 4 de junho de 2023, com a Referência Citius n.º ...71).

7. A Apelante, Administração Conjunta da AUGI Nossa Senhora dos Enfermos, pronunciou-se alegando que, nos termos do art. 697.º, n.º 1, do CPC, a competência em razão da hierarquia pertence ao Tribunal de 1.ª Instância, porque foi neste Tribunal que foi proferida a sentença, que apenas foi confirmada pelo Tribunal da Relação; no entanto, não se opõe à resolução do litígio pelo Tribunal da Relação, requerendo a remessa dos autos a esse Tribunal, nos termos do art. 99.º, n.º 2, do CPC.

8. Os Apelados nada disseram.

9. Por acórdão de 28 de junho de 2023, o Tribunal da Relação de Lisboa decidiu o seguinte:

Pelo exposto, acordam as juízas desta 7.ª Secção do Tribunal de Relação de Lisboa em julgar a presente apelação totalmente improcedente, e, em consequência, manter a decisão recorrida, pese embora com fundamentação diversa.

Custas pela apelante”.

10. De novo não conformada, Administração Conjunta da AUGI Nossa Senhora dos Enfermos interpôs recurso de revista, formulando as seguintes Conclusões:

1ª – O aqui recorrido, AA, no âmbito das suas oposições à execução que correu contra ele, beneficiou da interpretação dos doutos Tribunais “a quo”, quer da primeira instância, quer da segunda instância, sobre as atas 20 e 21 dadas à execução.

2ª – A dívida do aqui recorrido, em consequência das atas 20 e 21 era de 75.864,13€, tendo sido considerado no âmbito dessas atas o montante de 23.237,86€ como sendo título executivo, ficando o resto sem título executivo.

3ª – Acontece porém que o douto acórdão do STJ, 6ª Secção, no âmbito do processo 8240/20.0T8SNT-A.E1.S1 veio considerar que as atas referidas nos requerimentos executivos, nomeadamente as atas 20 e 21 são títulos executivos e a dívida é certa, líquida e exigível.

4ª – Por consequência desse douto acórdão a aqui recorrente intentou o presente recurso de revisão de sentença no Tribunal de primeira instância, tendo este proferido sentença de não admissão de recurso de revisão de sentença, alegando que o douto acórdão não é um documento para os devidos efeitos e por isso não foi admitido o requerido recurso de revisão de sentença, vide última folha, pontos 2 e 3, da referida sentença que se junta, doc. 1.

5ª – A recorrente, em face dessa sentença, apresentou recurso para o Tribunal da Relação, tendo sido proferido acórdão, em que na penúltima folha, 3.º parágrafo, diz o seguinte:

“Donde, ao abrigo dos arts. 697º, nº 1, 699º, nº 1, 96º, al. a), 97º, 99º, nº 1, segunda parte, e 578º, todos do Cód. Proc. Civil, é de indeferir liminarmente o requerimento de interposição do recurso extraordinário de revisão, por ser manifesta a incompetência absoluta, em razão da hierarquia, do tribunal de 1ª instância para apreciar o pedido.”

Para o qual se remete V. Exas.

6ª – Ora, temos no presente caso o douto tribunal de primeira instância a proferir sentença com base na falta de novo documento, alegando que o douto acórdão não é suficiente para que a sentença seja revista, apesar do mesmo existir.

7ª – E por outro lado temos o douto acórdão da relação de Lisboa, que agora se recorre a dizer que o tribunal de primeira instância não tem competência para dirimir a presente questão indeferindo o recurso de revisão de sentença por manifesta incompetência absoluta em razão de hierarquia.

8ª – Ora, no entendimento da recorrente, ao abrigo do disposto no artigo 697.º, n.º 1, o recurso é interposto no tribunal que proferiu decisão a rever, tendo sido isso que fez a recorrente, salvo o devido respeito, por opinião contrária, o recurso de revisão de sentença terá que correr no tribunal de primeira instância, porque o douto tribunal da relação apenas confirmou a sentença, não tendo alterado, quer em termos de facto, quer em termos de direito.

9ª – Deve ainda dizer-se, que no presente caso, estamos em face de um processo que tem a ver com as AUGIs, sendo as obrigações dos comproprietários as que estão contempladas na lei 91/95 de 02/09, sendo as atas títulos executivos, conforme referido no artigo 10.º, n.º 5, da referida lei e os comproprietários têm de suportar os custos com o saneamento do bairro, nos termos do artigo 3.º do mesmo diploma.

10ª – Em face disso e por estarmos em face de uma lei especial, chama-se a atenção dos Exmos. Senhores Doutores Juízes Conselheiros, para que seja feita uma análise ponderada e profunda das normas que regem as AUGIs e a obrigação dos comproprietários, de modo a que no presente caso o douto acórdão proferido no processo 8240/20.0..., 6ª Secção, seja suficiente para que o recurso de revisão de sentença possa prosseguir os seus termos para que o recorrido fique em igualdade de circunstâncias em termos de responsabilidade com os restantes comproprietários.

11ª – Em face do exposto, deve ser considerado o Tribunal competente a primeira instância para prosseguir com o recurso de revisão de sentença, assim como deve ser também considerado que as atas 20 e 21, por consequência do acórdão referido no parágrafo anterior, sejam consideradas títulos executivos para o prosseguimento do recurso de revisão de sentença, o que se requer.

Assim exercendo será feita a habitual e acostumada, JUSTIÇA.

11. Os Recorridos não apresentaram contra-alegações.

12. A 10 de outubro de 2023, a Senhora Juíza Desembargadora proferiu o seguinte despacho:

“Por estar em tempo, porque a decisão é recorrível (o acórdão recorrido confirma, sem voto de vencido, mas com fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância) e por assistir legitimidade à Recorrente, admite-se o recurso interposto no requerimento de 29/08/2023, que é de revista, a subir nos autos, de imediato e com efeito meramente devolutivo – cfr. arts. 627º, 629º, nº 1, 631º, 638º, nº 1, 671º, nºs 1 e 3, 674º, 675º, nº 1 e 676º, nº 1, a contrario, todos do Cód. Proc. Civil”.

II – Questões a decidir

Atendendo às conclusões do recurso, que, segundo os arts. 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, do CPC, delimitam o seu objeto, e não podendo o Supremo Tribunal de Justiça conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser em situações excecionais de conhecimento oficioso, está em causa a questão de saber se existe fundamento para o indeferimento liminar do recurso de revisão, nomeadamente, por verificação da exceção dilatória de incompetência absoluta em razão da hierarquia.

III – Fundamentação

A. De Facto

De acordo com o Tribunal da Relação de Lisboa, os factos considerados como provados, com interesse para a decisão, para além dos constantes do Relatório - que se dão aqui por integralmente reproduzidos -, são aqueles que resultam da análise das peças processuais que integram os autos principais (com o n.º 11293/19.0T8SNT) e o Apenso A (com o n.º 11293/19.0T8SNT-A):

1 - A “Administração Conjunta da AUGI Nossa Senhora dos Enfermos” instaurou contra AA acção executiva para pagamento de quantia certa, com vista à cobrança coerciva de comparticipações devidas por este, no valor total de € 75.864,13, dando à execução as Actas da Assembleia Geral de Proprietários e Comproprietários daquela Administração Conjunta, correndo essa execução termos, sob o nº 11293/19.0T8SNT, no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste - Juízo de Execução de ... – Juiz ...;

2 - Por apenso à execução mencionada em 1., o aí executado AA intentou, em 16/12/2019, embargos de executado (que correram termos sob o nº 11293/19.0T8SNT-A);

3 – Nos embargos de executado aludidos em 2., em 14 de Junho de 2021, foi proferida sentença, que concluiu nos seguintes termos:

“Aqui chegados e em face de tudo o supra exposto, temos assim que apenas relativamente à quantia exequenda e reclamada no VALOR de €23.237,86 e correspondentes juros vencidos e vincendos a ACTA nº 20 [ respeitante à Assembleia Geral de Proprietários e Comproprietários realizada em 16 de Maio de 2010 ] serve de título executivo, a qual dispensa, por si só, “qualquer indagação prévia sobre a real existência ou subsistência do direito a que a mesma se refere” (cf. Anselmo de Castro, in A acção executiva singular, comum e especial, Coimbra, 1973, pág. 14), impondo-se presumir a existência da obrigação exequenda dela. (cf. José Lebre de Freitas, ibidem, págs.74). É que, formalmente ou em termos de aparência, dúvidas não existem de que ab initio existia título capaz de desencadear uma pretensão executiva despoletada pelo exequente, pelo menos no tocante ao aludido valor de €23.237,86 e correspondentes juros vencidos e vincendos, justificando-se, porém, a extinção da execução no que concerne à demais quantia exequenda, porque, esta sim, não suportada de todo e com clareza, quer na ACTA nº 20, quer também na ACTA nº 21 [Sabe-se que na Assembleia Geral de Proprietários e Comproprietários realizada em 12 de Dezembro de 2010 se deliberou “ Quanto ao ponto três da ordem de trabalhos e após a prestação dos esclarecimentos ao caso atinentes, tendo sido aprovado que o pagamento restante correspondente a 40 % fosse feito em 50 prestações mensais, a começar no início das obras”, mas não se sabe qual o montante de 40% que pela executada é devido, e muito menos se sabe – porque a ACTA não o atesta - qual a data do inicio do pagamento].

Por tudo o exposto, julgo parcialmente procedente a exceção invocada e consequentemente a presente oposição à execução (também parcialmente), extinguindo-se a execução de que dependem estes autos na parte que excede a quantia de €23.237,86 e correspondentes juros vencidos e vincendos.”;

4 – Em 05/07/2021, no âmbito do apenso de embargos de executado aludido em 3., a ali embargada/aqui Recorrente “Administração Conjunta da AUGI Nossa Senhora dos Enfermos” interpôs recurso de apelação da mencionada sentença, recurso esse, que correu termos na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, sob o nº 11293/19.0T8SNT-A.L1;

5 - No recurso de apelação aludido em 4., em 21 de Dezembro de 2021, foi proferido Acórdão que julgou “a apelação improcedente, mantendo, em consequência, a decisão recorrida”;

6 - O acórdão aludido em 5. transitou em julgado”.

B. De Direito´

Do indeferimento liminar do recurso de revisão

1. Nos termos do art. 627.º, n.º 2, do CPC, o recurso de revisão integra a categoria dos recursos extraordinários, encontrando-se regulado nos arts. 696.º a 702.º do mesmo corpo de normas.

2. Com efeito, com base no critério formal do trânsito em julgado da decisão recorrida, a lei distingue entre os recursos ordinários e extraordinários, sendo estes, ao contrário daqueles, interpostos depois do trânsito.

3. No recurso extraordinário de revisão, o poder decisório cabe ao Tribunal que proferiu a decisão1.

4. Está em causa um mecanismo processual adequado à impugnação de decisões judiciais transitadas em julgado – cf. arts. 627.º, n.º 2, e 696.º, do CPC. Na verdade, enquanto com a interposição de qualquer recurso ordinário se pretende evitar o trânsito em julgado de uma decisão desfavorável, através do recurso extraordinário de revisão visa-se a rescisão de uma sentença já transitada em julgado2.

5. O recurso de revisão pode recair sobre qualquer decisão judicial, independentemente da sua natureza ou objecto e da categoria do tribunal de que promana, desde que tenha transitado em julgado3.

6. Assim, “a revisão é, estruturalmente, uma acção (…). A denominação não importa; trata-se verdadeiramente de uma acção e não de um recurso no sentido técnico-jurídico de rigor.4.

7. Obedece, por isso, a regras substancialmente diversas daquelas que regem os recursos ordinários.

8. Deste modo, o recurso extraordinário de revisão é interposto para o mesmo – e no - Tribunal que proferiu a decisão cuja revisão é pedida (ou seja, a decisão a rever) – cf. art. 697.º, n.º 1, do CPC: i.e., o Tribunal competente é aquele que proferiu a decisão que se impugna.

9. Conforme o Tribunal da Relação de Lisboa, isto significa que a competência para a apreciação do recurso de revisão pode pertencer ao Tribunal de 1ª Instância, ao Tribunal da Relação ou ao Supremo Tribunal de Justiça, conforme o órgão jurisdicional que proferiu a decisão cuja revisão se pede. E, de facto, assim é, independentemente do sentido da decisão dos Tribunais superiores, de confirmação ou de revogação. Ou seja, o recurso de revisão, quando estiverem em causa decisões (ou acórdãos) confirmatórias ou revogatórias de decisões (ou acórdãos) de Tribunais inferiores, deve ser apreciado pelo Tribunal (superior) que proferiu aquelas e não pelo Tribunal (inferior) que proferiu as segundas. É que, em caso de recurso, as decisões ou acórdãos transitados em julgado são sempre aqueles proferidos pelos Tribunais superiores (Tribunal da Relação ou Supremo Tribunal de Justiça) que apreciaram decisões de Instâncias inferiores - estas, assim como as do Tribunal da Relação que foram impugnadas em recurso perante o Supremo Tribunal de Justiça, não transitaram, efetivamente, em julgado5.

10. É também este o entendimento consolidado na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça6.

11. In casu, o recurso extraordinário de revisão é interposto da decisão (acórdão) transitada em julgado prolatada a 21 de dezembro de 2021 pelo Tribunal da Relação de Lisboa, confirmatória da decisão proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância a 14 de junho de 2021. Na verdade, a decisão que, em derradeira instância, fez caso julgado, foi o referido acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa. Por isso, é deste Tribunal que emana a decisão a rever, ou seja, “a decisão transitada em julgado” que iria ser “objecto de revisão” e que é mencionada no art. 696.º do CPC.

12. Por conseguinte, o Tribunal competente para conhecer e julgar o recurso é o Tribunal da Relação de Lisboa e não o Tribunal de 1ª Instância, de acordo com o disposto no art. 697.º, n.º 1, do CPC.

13. No caso em apreço, não se verificava a existência de qualquer impedimento ao conhecimento desta exceção em sede de recurso de apelação, porquanto a incompetência absoluta em razão da hierarquia é de conhecimento oficioso, podendo ser suscitada oficiosamente pelo Tribunal enquanto não houver sentença com trânsito em julgado proferida sobre o fundo da causa – cf. arts. 96.º, al. a), 97.º, n.º 1, e 578.º, do CPC.

14. Com efeito, “A incompetência absoluta pode ser arguida pelas partes ou suscitada oficiosamente pelo tribunal (…) enquanto a decisão final relativa ao mérito da causa não transitar em julgado. Regime que, assim, diverge da regra preclusiva do art. 573º, nº 2 (princípio da concentração da defesa na contestação), levando, por exemplo, a que seja admissível a apreciação ou mesmo a invocação da exceção em sede de recurso”.7.

15. Por conseguinte, verifica-se a incompetência absoluta, em razão da hierarquia, do Tribunal de 1ª Instância para apreciar o pedido de revisão que aí foi instaurado, o que implica o indeferimento do requerimento de interposição do recurso extraordinário de revisão com aquele fundamento, nos termos dos arts. 96.º, al. a), 97.º, n.º 1, 99.º, n.º 1, e 578.º, do CPC.

16. À luz dos arts. 697.º, n.º 1, 699.º, n.º 1, 96.º, al. a), 97.º, 99.º, n.º 1, segunda parte, e 578.º, do CPC, impõe-se indeferir liminarmente o requerimento de interposição do recurso extraordinário de revisão, por ser manifesta a incompetência absoluta, em razão da hierarquia, do Tribunal de 1ª Instância para apreciar o pedido formulado.

17. Julga-se, assim, improcedente o recurso de revista, mantendo-se a decisão de indeferimento liminar do requerimento de interposição do recurso extraordinário de revisão proferida pelo Tribunal a quo.

18. Por último, a decisão a proferir nos termos do art. 99.º, n.º 2, do CPC, no que respeita ao pedido já formulado pela Recorrente nesse sentido (cf. requerimento de 7 de junho de 2023, com a Referência Citius n.º 638685), apenas tem lugar após o trânsito em julgado desta decisão e é da competência do Tribunal de 1.ª Instância, após a baixa dos autos.

IV – Decisão

Nos termos expostos, acorda-se em julgar improcedente o recurso de revista interposto por Administração Conjunta da AUGI Nossa Senhora dos Enfermos, confirmando-se o acórdão recorrido.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 16 de novembro de 2023

Maria João Vaz Tomé (Relatora)

Jorge Arcanjo

António Magalhães

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1. Cf. António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Coimbra, Almedina, 2018, p. 30.↩︎

2. Cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de junho de 2019 (Chambel Mourisco), Proc. n.º 15/10.0TTPRT-B.P1.S1 - disponível para consulta in www.dgsi.pt.↩︎

3. Cf. António Abrantes Geraldes/Paulo Pimenta/Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado - Parte Geral e Processo de Declaração, Vol. I, Coimbra, Almedina, 2019, p. 830; José Lebre de Freitas, “Recurso extraordinário: recurso ou ação”, in “As Recentes Reformas na Ação Executiva e nos Recursos” (coord. Rui Pinto), Coimbra, Coimbra Editora, 2010, pp. 25 e ss..↩︎

4. Cf. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. VI, Coimbra, Coimbra Editora, 1985, p. 373.↩︎

5. Cf. António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Coimbra, Almedina, 2018, p. 502; Armindo Ribeiro Mendes, Recursos em Processo Civil – Reforma de 2007, Coimbra, Coimbra Editora, 2009, p. 201; José Lebre de Freitas/Armindo Ribeiro Mendes, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 3º, Tomo I, Coimbra, Coimbra Editora, 2008, pp. 222-233; Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. VI, Coimbra, Coimbra Editora, 1985, p. 378.↩︎

6. Cf., inter alia, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de outubro de 2017 (Fernanda Isabel Pereira), Proc. n.º 181/09.8TBAVV-A.G1.S1; de 5 de junho de 2019 (Chambel Mourisco), Proc. n.º 15/10.0TTPRT-B.P1.S1; de 7 de setembro de 2020 (Maria Olinda Garcia), Proc. n.º 3606/12.1T8BBRG-A.G1.S1; e de 4 de maio de 2021 (Jorge Dias), Proc. n.º 7361/15.5T8CBR -D.C1.S1 - todos disponíveis para consulta in www.dgsi.pt.↩︎

7. Cf. António Santos Abrantes Geraldes/Paulo Pimenta/Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado - Parte Geral e Processo de Declaração”, Vol. I, Coimbra, Almedina, 2019, p. 126.↩︎