Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
380/14.0T8VRL.G1.S2
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: FÁTIMA GOMES
Descritores: COMPRA E VENDA
CONSUMIDOR
VENDEDOR
FUNDO DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO
REGIME APLICÁVEL
Data do Acordão: 11/13/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA / ELABORAÇÃO DA SENTENÇA / RECURSOS / JULGAMENTO DE RECURSO.
Doutrina:
- A. pereira de Almeida, Sociedades Comerciais, Valores Mobiliários, Instrumentos Financeiros e Mercados, Coimbra Editora, Volume 2, 2013, p. 142 e ss.;
- Alexandre Brandão da Veiga, Fundos de Investimento Mobiliário e Imobiliário, Regime Jurídico, Almedina, Coimbra, 1999, pp. 407-408.
- Elsa Vaz Sequeira, Da contitularidade de Direitos no Direito Civil, UCEditora, 2015, p. 438;
- Engrácia Antunes, Os Instrumentos Financeiros, 3.ª Edição, Almedina, 2017, p. 133 e 135;
- Maria João Vaz Tomé, Sobre o contrato de mandato sem representação e o Trust, ROA, Dez. 2007, Volume III, in www.oa.pt;
- Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Volume III, 2016, p. 137;
- Paulo Câmara, Manual de Direito dos Valores Mobiliários, 2.ª Edição, 2011, p. 773, 775, 780, 783 e 788;
- Remédio Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, Coimbra Editora, 3.ª Edição, p. 354-355;
- Teresa Estévez Abeleira, Análisis de la noción de consumidor en el derecho português desde la perspectiva del derecho español, AA. VV, Estudos de Direito do Consumo, Coimbra, 2016, n.º 10, p. 31-70.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 608.º, N.º 2, 635.º, N.º 4, 639.º, N.ºS 1, 2 E 3, 641.º, N.º 2, ALÍNEA B) E 663.º, N.º 2.
REGIME GERAL DOS ORGANISMOS DE INVESTIMENTO COLETIVO (RJOIC): - ARTIGOS 5.º, N.º 2 E 7.º, N.º 1.
VENDA DE BENS DE CONSUMO E DAS GARANTIAS A ELA RELATIVAS, APROVADO PELO DL N.º 67/2003, DE 8 DE ABRIL: - ARTIGO 1.°-B.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 07-05-2014, CJSTJ, N.º 22, 2014, VOLUME II, P. 77-84.
Sumário :

Os fundos de investimento imobiliário integram-se no conceito de “vendedor” previsto no art. 1.º-B do D.L. n.º 67/2003, de 08-04, para o efeito de aplicação deste diploma.

Decisão Texto Integral:


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

I. Relatório

1. O Condomínio ........ instaurou a presente acção declarativa, que correu termos no Juízo Central Cível de ..., contra AA, formulando os pedidos de condenação do réu a:

"A) Proceder à realização dos trabalhos necessários a eliminação e reparação dos vícios, defeitos e anomalias detectados nas partes comuns do prédio urbano, composto por uma parcela de terreno para construção, sito na Quinta da ........... - EN 15, freguesia de ..., concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de .... sob o número ......... - ..., inscrito na respectiva matriz sob o artigo 2411, no qual foram construídas trinta e três moradias, destinadas a habitação, constituídas cada uma, por cave, rés-do-chão e andar, aos quais se faz referência no artigo 30.º desta petição inicial, que aqui se dão por integralmente reproduzidos, evitando-se a sua extensa descrição;

B) Proceder a expensas suas, aos trabalhos de limpeza das partes comuns do prédio, imediatamente após a realização e concretização dos trabalhos mencionados;

C) Reparar tais defeitos, vícios e anomalias no prazo de trinta dias, após o trânsito em julgado da sentença final, com a obrigação de pagar a quantia diária de 100 € por cada dia de atraso no início da execução dos trabalhos necessários e igual quantia por cada dia em que ultrapasse, na fase de execução, os referidos 30 dias;

D) Ou, se não efectuar essas obras, indemnizar o Autor no montante a calcular em execução de sentença, com o mínimo de 55.000,00 €, relativo ao valor da reparação e eliminação dos defeitos, vícios e anomalias a que se faz referência no artigo 30.º, visando a reparação dos referidos defeitos, vícios e anomalias, segundo técnicas de boa construção, com recurso a materiais, mão-de-obra, máquinas e ferramentas.

E) Pagar ao Autora a quantia de dois mil euros, a título de danos não patrimoniais causados pelo não cumprimento do contrato, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação e até efectivo integral pagamento".

Alegou, em síntese, que o réu procedeu à venda de diversas fracções que integram o Condomínio ........, existindo nas partes comuns deste vários defeitos que devem ser corrigidos.

O réu contestou afirmando, em síntese, que desconhecia a existência dos alegados defeitos e que a responsabilidade pela reparação dos mesmos é da construtora do edifício, a quem comprou 33 fracções, das quais revendeu 27.

O autor requereu a intervenção principal provocada do BB, com fundamento no facto de este também ter vendido duas fracções aos condóminos, tendo essa intervenção sido admitida.

2. Procedeu-se a julgamento e foi proferida sentença em que se decidiu:

"Pelo exposto, julgo a acção parcialmente procedente, e, em consequência:

Condeno R. e Interveniente, respectivamente, na proporção da permilagem das 31 (trinta e uma) e 2 (duas) fracções autónomas que cada um deles vendeu, a, em 60 (sessenta) dias, procederem à realização dos trabalhos necessários à eliminação e reparação dos vícios, defeitos e anomalias, invocados pelo A. e dados como provados, detectados nas partes comuns do prédio urbano, composto por uma parcela de terreno para construção, sito na .............., Lugar da .............. ou Curva da .............. - EN 15, freguesia de ..., concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número ......... - ..., inscrito na respectiva matriz sob o artigo 2411, no qual foram construídas trinta e três moradias, destinadas a habitação, constituídas cada uma, por cave, rés-do-chão e andar;

Condeno o R. e Interveniente a procederem, a expensas suas, aos trabalhos de limpeza das partes comuns do prédio, que sujem, imediatamente após a realização e concretização dos trabalhos;

Julgo a acção improcedente quanto ao demais, absolvendo R. e Interveniente dos pedidos."

Inconformados com esta decisão, o réu AA e o interveniente, BB, dela interpuseram recurso de apelação.

3. O Tribunal da Relação de Guimarães decidiu julgar improcedente o recurso, pelo que manteve a decisão recorrida.

Não se conformando com o acórdão, não obstante existir dupla conforme, dele apresentaram recurso de revista (por via excepcional) o Réu AA e o interveniente BB, que foi admitido pela formação.

4. Nas conclusões do recurso indicaram (transcrição):

A - A questão fundamental em causa nos autos é saber se será ou não aplicável aos fundos de investimento imobiliário, não obstante a sua natureza de patrimónios autónomos, o regime do Decreto-Lei 67/2003 de 8 de Abril (Lei da Defesa do Consumidor).
B - A lei não especifica o critério para o preenchimento do conceito vago e indeterminado que introduz como condição sine qua non de admissibilidade do recurso de revista excepcional com este fundamento, pelo que se imporá um especial juízo, uma particular e cuidada exegese da relevância jurídica da questão objecto do recurso.
C - Prevê o Decreto-Lei 67/2003 de 8 de Abril, no seu artigo 1 .°-B, alínea c) que se entende por "«Vendedor», qualquer pessoa singular ou colectiva que, ao abrigo de um contrato, vende bens de consumo no âmbito da sua actividade profissional".
D - Não sendo os Recorrentes pessoas (singulares ou colectivas), mas antes patrimónios autónomos, como resulta do artigo 1.°, n.° 2 da Portaria 881/97 de 27/10 onde se lê que: "O Fundo é um património autónomo".
E - Não cremos ser o conceito de "vendedor" previsto no artigo 1.°-B do Decreto-Lei 67/2003 de 8 de Abril aplicável aos fundos de investimento imobiliário, porquanto tal admissão concretiza uma interpretação extensiva do normativo em crise, extravasando a intenção do legislador, que claramente regulou a aplicabilidade deste conceito a "pessoas singulares e colectivas", resultando destarte a inaplicabilidade do regime legal previsto no Decreto-Lei 67/2003 às relações jurídicas estabelecidas entre os Fundos Recorrentes e o Recorrido.
F - Por outro lado, e considerando que os Recorrentes não são "profissionais do imobiliário" sobre os quais impenda um especial dever de conhecer defeitos...que não se manifestariam na data de conclusão dos contratos de compra e venda (objecto material da relação jurídica controvertida), seria antes de aplicar in casu o regime preceituado no disposto no artigo 914.° do Código Civil.

G - Pelo que, no caso em apreço, é juridicamente relevante estabelecer, para uma melhor aplicação do direito se o conceito de "vendedor" previsto na alínea c) do artigo 1.°-B do Decreto-Lei 67/2003 de 8 de Abril é aplicável aos fundos imobiliários, não obstante a sua natureza de patrimónios autónomos.
H - Esta questão, não foi, até agora, discutida na doutrina, não existindo de igual modo jurisprudência consolidada que responda a este litígio, e ajude à interpretação da norma.
I - Deverá o presente recurso de revista excepcional ser admitido por este Colendo Tribunal, por se verificarem os pressupostos de que a lei faz depender a respectiva admissão.
J - O disposto no n.° 2 do artigo 9.° do Código Civil dispõe que "Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expressou
M - O legislador no disposto no artigo l.°-B pretendeu expressamente que a qualidade de "vendedor''' no âmbito da venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas seja abrangente a pessoas singulares e pessoas colectivas, não sendo de admitir que o alcance deste conceito seja aplicável a patrimónios autónomos.
N - Admitir a aplicabilidade deste regime aos Fundos recorrentes seria extravasar clamorosamente a pretensão do legislador, incorrendo numa interpretação abusiva do enquadramento dos Fundos de Investimento Imobiliário no conceito preceituado no normativo citado.
O - Não sendo os Fundos recorrentes, susceptíveis de enquadrarem o conceito de "vendedor" para efeitos da aplicabilidade do regime previsto no Decreto-Lei 67/2003, de 08 de Abril, sempre seria aplicável, in casu, o regime previsto na Secção VI do Código Civil, relativo a "venda de coisas defeituosas".

P - Por conseguinte, e não tendo os Recorrentes o "especial" profissionalismo na área imobiliária que lhes pretende atribuir a decisão recorrida, sendo geridos por entidades terceiras, que não foram demandadas, e recorrendo sempre a terceiros para quaisquer actos, não se pode considerar que não actuaram estes com a diligência devida, pois reconhecem, repete-se, as anomalias construtivas descritas no ponto 14 dos factos provados, pois só essas foram detectadas quando, por terceiros, pode constatar a existência das mesmas.
Q - Aliás, dúvidas não existem, de que os defeitos de que os Recorrentes se aperceberam existirem foram efectivamente por estes reconhecidos, sendo os elencados no ponto 14 dos factos provados.
R - Como resulta do artigo 914.° do Código Civil, na sua parte final, o vendedor só estará obrigado a reparar a coisa, neste caso, as partes comuns do imóvel do recorrido, se conhecesse o vício à data do contrato de compra e venda, ou o por sua culpa o desconhecesse.
S - Pelo que é manifesto que por efeito por aplicação do artigo 914.°, 2.a parte do Código Civil, sendo desconhecidos, à data da venda, pelo vendedor, os defeitos da coisa vendida (cuja manifestação é posterior à da data da venda), sem culpa do vendedor pelo seu não conhecimento, como ficou demonstrado pela conjugação da natureza dos vendedores, não podem os Recorrentes ser condenados a reparar mais do que se encontra vertido no ponto 14 dos factos provados.
T - Não pode a aqui Recorrente conformar-se com a decisão recorrida, considerando que para efeitos da melhor aplicação do direito, e por ser clara a sua necessidade, a relevância jurídica será de considerar suficientemente fundamentadora da prolação de decisão quanto à problemática sobre a qual se expendeu.

U - Até porque, como se demonstra, há um claro vazio jurisprudencial.
V - Sendo que, aqui se pede o aconselhamento e respectiva apreciação pelo Supremo, com vista à obtenção de uma decisão susceptível de contribuir para a formação de uma orientação jurisprudencial que melhor guie não só para o caso concreto, como para o futuro, em favor da estabilidade da interpretação admitida pelo legislador do regime previsto pelo Decreto-Lei 67/2003 a fundos de investimento imobiliário.
X - E decidindo no sentido supra defendido pelos Recorrentes, deverá o Colendo Supremo Tribunal de Justiça, proferir decisão que, em suma considere:
a) que o regime previsto no Decreto-Lei n. ° 67/2003, de 08 de Abril, não é aplicável a Fundos de investimento imobiliário, porquanto os últimos se tratam de patrimónios autónomos e como tais não enquadram o conceito de "vendedor" nos termos do artigo l.°-B alínea c) do supra citado diploma.
b) que os Fundos recorrentes, em virtude do preceituado no artigo 914. ° do Código Civil, relativo à venda de bens defeituosos e por ser o regime aplicável in casu, sejam absolvidos de reparações que não integrem o elenco previsto pelo artigo 14 dos factos provados, na medida em que desconheciam quaisquer outras vicissitudes nas partes comuns à data da alienação dos imóveis em dissídio.

Z - Nestes termos e proferida a decisão no sentido da inaplicabilidade deverão os autos descer à la instância, em conformidade com o disposto no artigo 683.°, n.° 1 do Código de Processo Civil para que seja novamente julgada a causa em harmonia com a decisão de direito proferida.
Assim fazendo inteira e sã JUSTIÇA!

O autor contra-alegou sustentando a improcedência do recurso.

Colhidos os vistos, cumpre analisar e decidir.


II. Fundamentação

4. Estão provados os seguintes factos:

1. Por escritura pública, datada de 19 de Outubro de 2007, lavrada no Cartório Notarial de Vila Nova de Gaia, exarada de folhas 132 a folhas 133, do livro de escrituras diversas n.º 18-A, foi constituída a propriedade horizontal sobre o prédio urbano, composto por uma parcela de terreno para construção, sito na .............., Lugar da .............. ou Curva da .............. - EN 15, freguesia de ..., concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número ......... - ..., inscrito na respectiva matriz sob o artigo 2411, no qual foram construídas trinta e três moradias, destinadas a habitação, constituídas cada uma, por cave, rés-do-chão e andar.

2. Em tal escritura consignou-se que: o referido prédio tem a área total de 17 526 m2 e compõe-se por 33 fracções autónomas, destinadas a ser transmitidas em fracções independentes e isoladas entre si, com saída própria para a via pública ou para uma parte comum do prédio e desta para a via pública, identificadas, com a sua composição e permilagem, destino, valor e partes comuns, no documento complementar que faz parte integrante da referida escritura.

3. O prédio, em regime de propriedade horizontal, é composto, por partes comuns a todas as fracções, como sejam as fundações, paredes exteriores às mesmas, estruturas resistentes, a cobertura, redes gerais de abastecimento de água, electricidade, saneamento e gás, o espaço de circulação livre destinado a manobras e de acesso às garagens individuais existente na cave com a área de 1 622,50 m2 é comum a todas as fracções, a denominada área de piscina que inclui piscina colectiva, espaços para arrumos gerais, sanitários masculinos e femininos, balneários masculinos e femininos, zona de acolhimento e áreas técnicas, da mesma, bem como o salão de condomínio que inclui copa; despensas e arrumos do condomínio e o apartamento com área de estacionamento exterior destinado ao uso exclusivo do vigilante, com a área total de 752,50 m2, são comuns a todas as fracções, o logradouro do prédio com a área de 11 886 m2 na qual estão integrados 6 250 m2, que fazem parte integrante da reserva ecológica nacional é comum a todas as fracções.

4. Por escritura de compra e venda outorgada no dia 30-12-2008, no Cartório Notarial de ..., em Lisboa, a .............. Sociedade de Construções, Lda., declarou vender ao Fundo de Gestão de Património Imobiliário BB BES, que declarou aceitar a venda, das fracções autónomas designadas pelas letras A, AA, AB, AE, AF, AG, B, C, D, E, F, G, H, I, J, K, L, M, N, O, P, Q, R, S, T, U, V, W, X, Y, Z, que fazem parte do prédio urbano situado em ... (...), Rua......... n.º ..., freguesia de ... (...), concelho de ..., descrito na CRP de ... sob o n.º 000, da referida freguesia.

5. Por escritura de compra e venda outorgada no dia 06-08-2009, no Cartório Notarial de ..., em Lisboa, a .............. Sociedade de Construções, Lda., declarou vender ao Fundo de Gestão de Património Imobiliário BB BES, que declarou aceitar a venda, das fracções autónomas designadas pelas letras AD, AC, que fazem parte do prédio urbano situado em ... (...), Rua......... .........0, freguesia de ... (...), concelho de ..., descrito na CRP de ... sob o n.º 000, da referida freguesia.

6. Através de escrituras de compra e venda, durante os anos de 2011 a 2015, o R. declarou proceder à venda de 31 das fracções autónomas em causa, e o Interveniente, no ano de 2011, declarou proceder à venda das demais 2 fracções com as letras "AD" e "AC", declarando os compradores aceitar tais vendas, e, a generalidade/quase totalidade deles, destinarem as fracções à sua habitação, o que aconteceu, na sua generalidade.

7. Em 01-07-2009, reuniu em primeira convocatória a assembleia geral dos condóminos do edifício em regime de propriedade horizontal, sito na Rua......... ........., em Vila Real, em que esteve presente o único condómino aqui R., onde foi deliberado proceder à constituição do condomínio do referido prédio.

8. Em 11-05-2012, os condóminos adquirentes das fracções autónomas reuniram em assembleia geral extraordinária de condóminos do edifício em regime de propriedade horizontal, sito na Rua......... ........., em ..., onde foi deliberado proceder à exoneração da administração existente e à designação de nova administração.

9. O prédio em causa apresenta as seguintes anomalias nas partes comuns:

1. FISSURAÇÃO NA ENVOLVENTE EXTERIOR (PF)

A envolvente vertical exterior exibe uma fissuração significativa, em particular nas paredes ortogonais ao plano das fachadas (em consola).

1.1.1. Fissuração em paredes perpendiculares à fachada (PF1)

Observa-se a presença de fissuração nas paredes ortogonais ao plano das fachadas.

1.1.2. Fissuração horizontal nas padieiras dos vãos exteriores (PF2).

Regista-se a presença de fissuração de pontos singulares, ao nível das padieiras dos vãos exteriores.

1.1.3. Deformações estruturais (PF3)

Regista-se a ocorrência de fissuras.

O deslocamento relativo do apoio.

Fissura na base de um pilar em betão armado (de acordo com a planta), com espaçamento uniforme.

Presença de fissuração típica em paredes confinantes com estruturas reticuladas.

E existência de fissuração na eventual interface entre a viga e a alvenaria, em paramentos interiores, e entre laje e a alvenaria, em paramentos exteriores.

Existe fissuração nas escadas exteriores, segundo um desenvolvimento que pronuncia a interface entre o elemento estrutural e a alvenaria.

1.1.4. Fissuração entre tubos de drenagem de caixa-de-ar em paredes duplas (PF4)

Regista-se a manifestação de fenómenos de fissuração horizontal em fachadas exteriores no alinhamento dos tubos de drenagem da caixa-de ar das paredes duplas.

1.1.5. Fissuração devido a uma deficiente execução de juntas de dilatação (PF5)

Existe uma zona (na mudança de alinhamento da junta) em que existe um contacto entre as estruturas das duas moradias, não permitindo a existência de movimentos relativos entre estruturas, de uma forma livre, em virtude das variações térmicas uniformes e/ou diferenciais, das cargas verticais ou horizontais permanentes e de eventuais movimentos ou assentamentos do solo.

1.2. HUMIDADES (PH)

A humidade observada manifesta-se de formas distintas, nomeadamente: humidade por ascensão capilar, de infiltração, de condensação.

1.2.1. Humidade por ascensão capilar (PH1)

Existem várias patologias de humidades no interior das garagens, principalmente nos paramentos verticais confinantes com o terreno.

Detectou-se também nas áreas comuns, a presença de humidade por ascensão capilar.

Presença de sais cristalizados, que aumenta o nível de preenchimento dos poros da parede, diminuindo a sua permeabilidade ao vapor da água e humidade.

Aparecimento de eflorescências nas zonas afectadas.

Presença de elevados níveis de sais nas paredes, com destaque de materiais.

1.2.2. Humidades por infiltração (PH2)

Presença de humidades por infiltração quer nas áreas comuns, quer no interior da habitação ..........

Ao nível das áreas comuns ocorrência de infiltrações ao nível das coberturas planas acessíveis e nos muros de suporte de terras, que delimitam o desenvolvimento da garagem.

Na copa e despensa, anexa à sala do condomínio, verifica-se a presença de humidades por infiltração.

1.2.2.1. Degradação das juntas de dilatação verticais (PH2.1)

Verifica-se que as várias juntas de dilatação verticais existentes entre as moradias encontram-se degradadas, sendo visível o destacamento do material de preenchimento.

As juntas não apresentam protecção mecânica encontrando-se preenchidas apenas com mástique.

Degradação da junta de dilatação vertical do edifício.

1.2.2.2. Mástique danificado na junta entre pavimento e parede – varandas (PH2.2)

Esta anomalia potencializa eventuais infiltrações que poderão manifestar-se no interior da habitação e sob o tecto do piso inferior.

Deterioração do revestimento dos tectos sob as varandas.

1.2.2.3. Fissuração nas paredes exteriores (PH2.3)

Fissuração nas paredes exteriores.

Não existem nas paredes exteriores, os elementos de drenagem de eventuais águas do interior das paredes duplas, o que potencializa o encaminhamento das águas para o interior da habitação.

1.2.2.5. Existência de pontos frágeis ao nível da cobertura das habitações (PH2.5)

Os rufos apresentam algumas irregularidades que potencializam a ocorrência de infiltrações.

Existem ligações entre rufos quase topo a topo, com silicone nas juntas, bem como o recurso a peças de chapa ligeiramente mais curtas do que o respectivo vão.

Indevido aumento de juntas, que leva a que se aproximarem das zonas de acumulação de água devido ao fenómeno de empolamento da chapa do rufo.

Empenamento/embalamento do rufo, o que origina áreas de acumulação de água, através do depósito de finos.

Existência de pontos de fixação executados de forma irregular, e muito expostos.

Os ralos de pinha presentes nas coberturas, apresentaram uma instalação irregular, o que condiciona o escoamento célere e eficiente das águas pluviais.

Desconformidades ao nível do isolamento térmico, sendo que as placas de isolamento não confinavam correctamente com a platibanda.

1.2.3. Humidade por infiltração ao nível da cobertura plana acessível (patamar sobre a área social) e ao nível das escadas de transição.

Verifica-se a presença de várias manifestações de humidade (manchas, empolamentos e descasque do revestimento, entre outras) sob as escadas exteriores, existentes no átrio central,

Falhas no sistema de impermeabilização entre a junta do pavimento e o muro que confina com referidas escadas.

1.2.4. Humidades por condensação (PH4)

Nas áreas comuns mais próximas da piscina, incluindo a própria piscina, verifica-se uma deterioração significativa dos acabamentos de paredes, tectos e de equipamentos.

Ao nível dos tectos verifica-se a presença de manchas causadas pelo excesso de humidade.

Verifica-se também a corrosão dos elementos metálicos constituintes do tecto falso.

Aplicação de perfis com uma resistência à corrosão insuficiente para a atmosfera a que iria estar exposta ou com revestimento de protecção anticorrosiva insuficiente.

Presença de reacções químicas ao nível dos pontos de colagem dos espelhos.

Verificam-se a presença de bolores, que se manifestam como pequenos pontos negros irradiando para manchas salpicadas.

Presença de manchas escuras de coloração preta, cinzenta e castanha.

1.2.5. Desenvolvimento de "bolhas" do revestimento exterior (PH5)

No revestimento das fachadas observa-se uma deformação convexa numa película, causada pelo descolamento de uma ou mais camadas de uma película, dando origem a relevos arredondados, em forma de bolha.

Presença de excesso de humidade devido a defeitos de construção, e eventualmente devido a sistemas de pintura inadequados, a tempo insuficiente entre demãos, condições de aplicação desfavoráveis (temperaturas elevadas e métodos de aplicação incompatíveis com o produto a aplicar).

1.2.6. Destacamento do revestimento (PH6)

Verifica-se em determinadas áreas a presença de destacamento do revestimento, sendo esta uma patologia caracterizada pela separação de placas de película do seu substrato devido a uma perda de aderência do revestimento, ou de uma separação espontânea da película de pintura da sua base de aplicação por falta de aderência.

No interior das áreas comuns verificam-se fenómenos de destacamento devido a fenómenos de fissuração e humidade.

1.3. EFLORESCÊNCIAS LOCALIZADAS E GENERALIZADAS (PEF)

Verificam-se manifestações patológicas de eflorescências nas fachadas, com acabamento em tijolo à vista.

As referidas manifestações patológicas apresentam-se, ao longo da fachada em tijolo maciço, em depósitos cristalinos de cor esbranquiçada à superfície.

1.4. ESCORRÊNCIAS LATERAIS (PEL)

Observa-se que a configuração dos peitoris, nomeadamente a existência de uma projecção e inclinação reduzida, condicionada de sobremaneira a projecção eficaz da água em relação ao plano da parede.

Verifica-se uma degradação acelerada do revestimento com manchas de sujidades associadas a escorrências nas zonas da fachada sob os peitoris dos vãos exteriores.

Verificam-se escorrências/manchas de sujidade na fachada sob os peitoris.

Geometria inadequada do peitoril, a própria textura do revestimento agravou a acumulação de sujidades e o aparecimento de manchas.

1.5. ACABAMENTO IRREGULAR DAS FACHADAS (PAIF)

Fachadas com acabamento com uma textura algo irregular, agravado com a realização de intervenções correctivas.

1.6. FISSURAÇÃO EM PARAMENTOS INTERIORES (PFPI)

Observa-se a formação de fissuração vertical no interior das áreas comuns.

1.7. FISSURAÇÃO EM TECTOS FALSOS (PTF)

Regista-se fissuração em tectos falsos.

1.8. DESCOLORAÇÃO DO ELEMENTOS EM MADEIRA (PDEM)

Verifica-se na área comum que a madeira apresenta um aspecto bastante deteriorado, essencialmente por acções naturais (agentes atmosféricos, agentes químicos e agentes biológicos).

Ausência de uma protecção na base, tendo em conta o mais que previsível risco de contacto com águas nas fases de utilização e limpeza;

1.9. CORROSÃO DE ELEMENTOS EM METÁLICOS (PCEM)

Regista-se a presença de corrosão de elementos metálicos nas instalações sanitárias e balneários, na proximidade da piscina interior.

1.10. ENRRUGAMENTO DA PINTURA EXTERIOR (PEP)

Verifica-se nas fachadas, a formação de pequenas rugas ou ondulações numa película de material de pintura.

1.11. FENÓMENOS DE FERRUGEM (PF)

Verifica-se a presença de "ferrugem".

10. Por notificação judicial avulsa, requerida pelo Autor, em 3 de Julho de 2014, o réu foi notificado pessoalmente em 14-07-2014, de que o autor procedia à denúncia das anomalias/defeitos existentes nas partes comuns do prédio para que procedesse à reparação/eliminação dessas anomalias/defeitos de acordo com relatório junto com a notificação.

11. Decorrido o prazo concedido de 30 dias, o Réu não deu início aos trabalhos de reparação das anomalias em causa.

12. É suficiente um prazo de cerca de 60 dias para reparação das anomalias.

13. O custo da reparação das anomalias é de cerca de € 41 365,00.

14. Aquando da venda das fracções, o R. e Interveniente sabiam que as partes comuns do edifício apresentavam as seguintes anomalias:

a) Cerâmico da parede do lado do bar partido, bem como por baixo do espelho;

b) Na zona da sala junto à piscina tem uma fissura no tecto e humidade, bem como num pilar junto à porta, próximo do bar;

c) A porta de acesso à garagem da zona da piscina está danificada junto ao chão;

d) Os fechos das portas de correr junto à piscina estão avariados;

e) É deficiente a colocação das borrachas da caixilharia;

f) As torneiras do quarto de banho dos balneários apresentam corrosão;

g) Há uma imperfeição da junta de dilatação do balneário dos homens;

h) Humidade no arrumo de apoio a bar, onde está instalado o ar condicionado;

i) Humidades nas paredes da cave (junta de dilatação), garagem;

j) Humidade na parede exterior junto à rampa de acesso à garagem;

k) Falta instalar o desumidificador e a bomba de calor na piscina.

15. A maioria das anomalias supra identificadas manifestaram-se posteriormente à realização da maioria das vendas por parte do R. e Interveniente, mas têm origem em erros de construção ou de concepção do edifício.

6. Como se sabe o recurso delimita-se pelas conclusões das alegações dos recorrentes, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso pelo Tribunal - art.os 608.º, n.º 2, ex vi do art.º 663.º, n.º 2; 635.º, n.º 4; 639.º, n.os 1 a 3; 641.º, n.º 2, alínea b) do CPC.

Nas conclusões do recurso vem suscitada uma única questão relevante (para além da admissão da revista por via excepcional, que se encontra já resolvida): saber se o conceito de "vendedor" previsto no artigo 1.°-B do Decreto-Lei 67/2003, de 8 de Abril, é aplicável aos fundos de investimento imobiliário.

7. Antes de entrar na análise da questão suscitada e indicada impõe-se fazer algumas considerações sobre o R. e o interveniente.

No que respeita ao R., AA:

O AA - Fundo de Gestão de Património Imobiliário vem, nos autos, representado pela sociedade CC S.A[1].

O fundo foi constituído e obteve a autorização Ministerial necessária através da Portaria n.º881/97 (2ª s, DR) de 27 de Outubro de 1997, depois de obtido parecer favorável do BdP e da CMVM. Era um fundo de investimento imobiliário aberto[2], com administração, gestão e representação asseguradas pela sociedade gestora DD.

À data da sua constituição, as leis vigentes eram o DL 316/93, de 21 de Setembro (art.º1º, n.º1) e o DL 229-C/88, de 4 de Julho (art.º 6.º, n.º3). Com as alterações legais sucessivas, além do DL 316/93 (que se manteve), o fundo teve de se adaptar também ao Regime Geral de Organismos de Investimento Colectivo, publicado pela Lei n.º 16/2015, de 24 de Fevereiro.

No que respeita ao interveniente BB:

A sociedade CC S.A. foi também a gestora do fundo BB – FUNDO DE GESTÃO DE PATRIMÓNIO IMOBILIÁRIO – fundo este que também adquiriu algumas fracções ao construtor do imóvel .............. Lda; o BB passou a denominar-se BB – FUNDO DE GESTÃO DE PATRIMÓNIO IMOBILIÁRIO[3].

8. No Acórdão recorrido do Tribunal da Relação de Guimarães, quer o AA, quer o BB, vêm apresentados, na sua configuração legal, como patrimónios autónomos. Esta configuração é sustentada no DL 60/2002, de 20 de Março (e no anterior DL 294/95, de 17 de Novembro). São aqui caracterizados como instituições de investimento colectivo que têm por fim o investimento de capitais recebidos do público em carteiras diversificadas de valores fundamentalmente imobiliários, segundo um princípio de divisão de riscos. Sendo entidades que operam no mercado imobiliário, designadamente comprando e/ou vendendo imóveis, com o objectivo de rentabilizar os “capitais recebidos”.

Diz-se que estas instituições de investimento colectivo podem ser titulares de direitos, como o de propriedade, e estão adstritas a deveres – são todas estas as características que o acórdão destaca, a par de reconhecer que não é, nem uma pessoa singular, nem uma pessoa colectiva. Contudo, aos olhos de quem com ele contrata – este, na veste de vendedor de imóveis – nada se destaca que possa ser diferente dos negócios realizados por alguém que sendo pessoa jurídica assuma a posição de vendedor. É que a percepção do comprador, sobretudo do consumidor, ponderada a partir do critério do consumidor médio, não especializado, não encontrará diferenças entre uma venda feita por um FII e uma sociedade comercial dedicada ao negócio de alienação de imóveis.

9. Tal como já dizia o DL 60/2002, de 20/3, o AA é um fundo do tipo daqueles que “constituem patrimónios autónomos, pertencentes, no regime especial de comunhão regulado pelo presente diploma, a uma pluralidade de pessoas singulares ou colectivas designadas “participantes” (artigo 2.º, n.º2[4]), não dotado de personalidade jurídica[5].

Dadas as sucessivas alterações legislativas[6], a definição do que sejam hoje os fundos de investimento pode ser apresentada como Engrácia Antunes: são organismos de investimento colectivo; são “instituições que têm como finalidade o investimento colectivo de capitais obtidos junto do público investidor” – art.º 2.º, n.º1, al.a) do RJOIC; “constituem patrimónios autónomos destituídos de personalidade jurídica e pertencentes, em regime de comunhão[7], a uma pluralidade de pessoas singulares ou colectivas (participantes) que neles são titulares de uma quota ideal (art.º 5.º, n.º 2 do RJOIC) – justamente, a unidade de participação (art.º 7.º, n.º 1 do RJOIC)” – também apelidados de OIC de base contratual, por contraposição a OIC de base societária. As mesmas características são referidas por PAULO CÂMARA[8] e A. pereira de Almeida[9].

10. Pode assim afirmar-se que os fundos de investimento de base contratual são patrimónios autónomos e despersonalizados cuja titularidade é encabeçada juridicamente pelos próprios participantes[10]. Enquanto património autónomo o fundo é objecto de direitos. Tais direitos pertencem aos participantes no património, que é o próprio fundo.

Contudo a lei não prevê que as operações que tenham por objecto o património sejam realizadas com intervenção dos participantes. Ao invés, instituiu um regime de intervenção obrigatória de uma sociedade gestora, que intervém necessariamente – tal como intervém na representação do fundo em juízo[11].

Pode discutir-se a qualificação jurídica desta intervenção, matéria que aqui não cabe desenvolver, mas não o facto de a intervenção ser necessária para os actos jurídicos relativos ao património, do qual são titulares os participantes.

Não há, assim, dúvidas de que o património pertence a sujeitos de direito – pessoas singulares ou colectivas – e que estas não têm poderes jurídicos para realizar actos relativos ao património do fundo, ainda que os actos praticados os beneficiem ou prejudiquem.

Em decorrência do exposto, poder-se-ia admitir a tese dos recorrentes – o património autónomo é objecto de direitos e não um sujeito, pelo que não se pode admitir a sua qualidade de vendedor.

Não cremos que assim se possa decidir.

A questão não é meramente dogmática ou de construção jurídica. Tem repercussões práticas evidentes, nomeadamente no caso que nos ocupa.

Olhando especificamente para a situação dos autos, com o objectivo legal que presidiu à consagração da responsabilidade do vendedor, dizer que o fundo não é vendedor, pelo que não responde, é esquecer que a consagração de um regime de património autónomo não personificado tem em vista certos objectivos – que devem merecer atenção. Tais objectivos estão centrados na autonomização do património para efeitos de segregação patrimonial e de dinamização do funcionamento dos mercados financeiros. Não se tem em vista introduzir desvios injustificados ao funcionamento do sistema jurídico.

 Não se poderia compreender que o fundo, porque objecto de direitos, e não sujeito, fosse dispensado do cumprimento das obrigações resultantes da lei quando é realizado um negócio jurídico de alienação sobre bens do fundo em condições equivalentes à de outras operações em que o vendedor seja um sujeito com personalidade jurídica.

A escolha do legislador em não personificar os fundos não afecta as operações que o mesmo realiza; os negócios de que o fundo beneficia devem ser sujeitos ao mesmo regime jurídico a que se subordinam os mesmos negócios quando realizados por outra entidade que não um fundo, salvo se o legislador disser expressamente que o regime é diferente.

Para se defender a equiparação de regimes – ultrapassando os referidos obstáculos de construção jurídica – podem admitir-se várias construções, nomeadamente: i) defender que quando o fundo realiza uma operação de venda de um imóvel, como vendedor intervêm, pelo menos, uma pessoa jurídica singular ou colectiva (o fundo divide-se em unidades e elas pertencem a pessoas); ii) defender que como vendedor aparece uma pessoa jurídica por equiparação, sob pena de não se compreender que possa ser existido uma manifestação de vontade, necessária à formação do contrato, sem um sujeito a quem a mesma se impute[12]; iii) defender que a intervenção jurídica dos fundos de investimento de tipo contratual é realizada através de uma sociedade gestora que, actuando em nome e por conta daquele, permite que os efeitos jurídicos se produzam na sua esfera patrimonial – positiva e negativamente [13].

Não cabe tomar posição sobre a melhor construção jurídica em tese, ainda que ao decidir o caso concreto se tenha de pressupor que há uma opção de base; porque o tribunal é chamado a decidir “o caso”, chama-se a atenção para as considerações que se seguem.

Na sua qualidade de fundo de investimento, o AA tem por objecto a gestão de investimento imobiliário, obtendo capitais juntos de investidores, e procedendo à sua aplicação, nos termos previstos na lei e respectivos regulamentos, destacando-se o facto de com essas aplicações de capitais se conseguir uma repartição de riscos.

Considerando que a aplicação dos capitais obtidos junto dos participantes/investidores num conjunto diversificado de activos se traduz, nomeadamente na aquisição de imóveis, liquidez, participações em sociedades imobiliárias, etc., e que a valorização destes activos constitui o objectivo da sua actividade principal, não se pode deixar de salientar que, na execução desta actividade, o fundo vem a beneficiar de operações resultantes da compra e da venda de imóveis, e que tais compras e vendas estão funcionalizadas à finalidade de obtenção de lucros através da gestão de investimentos imobiliários[14].

Dito de outro modo, há aqui que operar a distinção entre a actividade normal e principal do fundo, face às actividades que são acessórias à realização da primeira e sem a qual esta não se poderia concretizar, distinção que, aliás, já é também propugnada por alguma doutrina[15].

Saber se a uma operação de venda de um imóvel (do fundo) se aplica o regime do DL 67/2003 é, no essencial, definir quando é que existe uma relação de consumo, já que este diploma trata das vendas de bens de consumo e das garantias a ela relativas[16].

Porque o DL 67/2003 se aplica a relações de consumo, como resulta inequivocamente do seu Artigo 1.º-A [17], porque a definição de consumidor e sua tutela se enquadram ainda na LDC, que também trata do tema no Artigo 2.º[18], não pode deixar de se efectuar uma leitura conjugada dos dois diplomas legais, quando se procura delimitar o âmbito de aplicação do regime de vendas de bens de consumo e das garantias a ela relativas[19].

Resulta também inequívoco da LDC – art.º 4.º (Direito à qualidade dos bens e serviços) – que “os bens e serviços destinados ao consumo devem ser aptos a satisfazer os fins a que se destinam e a produzir os efeitos que se lhes atribuem, segundo as normas legalmente estabelecidas, ou, na falta delas, de modo adequado às legítimas expectativas do consumidor.”

Da conjugação dos dois diplomas resulta assim: i) protecção acrescida da posição do comprador-consumidor; ii) protecção do consumidor quando o mesmo intervenha no contrato aquisitivo no âmbito de uma relação de consumo; iii) delimitação da relação de consumo por contraposição a uma relação que não o é.

Para que a relação de consumo exista é necessário que a mesma se estabeleça entre um profissional e um consumidor – art.º 1.º -A do DL 67/2003.

Consumidor é aquele, nas palavras da lei [art.º1º-B, al. a)], “a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios, nos termos do n.º 1 do artigo 2.º da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho”.

11. Feitas estas considerações, atentemos de novo no caso dos autos.

O AA, através da sua sociedade gestora, veio a beneficiar da aquisição de diversas fracções de um prédio constituído em propriedade horizontal, tendo como contraparte (vendedor) uma sociedade por quotas, que havia sido a construtora das fracções (.............., Lda).

Não há dúvidas de que as fracções adquiridas para o AA, através da sua sociedade gestora, estavam destinadas a um uso profissional, não sendo o FUNDO consumidor para efeitos de tutela da relação de consumo a que se reporta o DL 67/2003: as aquisições foram realizadas com o objectivo de dar cumprimento ao fim justificativo da própria existência como fundo de investimento – valorização do património em que se investe para repartição de benefícios obtidos com o investimento pelos titulares das unidades de participação.

Mais tarde o AA, através da sua sociedade gestora, viu sair do património as fracções adquiridas (conforme supra); as fracções foram vendidas a pessoas que as compraram com o objectivo de nelas morarem/habitarem – as fracções eram moradias destinadas a habitação[20]. Claramente nestas circunstâncias os compradores que adquiriram fracções para nelas morarem são considerados consumidores – pessoas a quem foram transmitidos direitos destinados a uso não profissional (morar).

Se não há dúvidas que os compradores das moradias que as adquiriram com o objectivo de nelas habitarem são consumidores – e gozam da tutela do DL 67/2003 – para que assim se conclua é também fundamental que o vendedor (contraparte nas aquisições dos consumidores) esteja obrigado, por lei, a respeitar os direitos desses consumidores, por entre ambos ter sido realizada uma operação de consumo.

Terá o AA integrado relações de consumo, no sentido exigido pelo DL 67/2003?

Estamos em crer que sim.

O AA, nas operações indicadas, realizadas pela sua sociedade gestora - que ao alienar as fracções anteriormente adquiridas, fê-lo no cumprimento do objecto do fundo e com vista à realização da finalidade para o qual foi constituído -, procurou beneficiar os titulares das unidades de participações através de operações económicas tendentes a valorizar os activos obtidos daqueles mesmos participantes.

Assim, pode dizer-se que as operações de venda foram realizadas no âmbito de uma actividade económica profissional, ainda que no exercício de actividade acessória ao objecto principal. A relação de venda das moradias, no caso dos autos, em favor do AA pela sua sociedade gestora é uma relação estabelecida entre um profissional e um consumidor, merecedora da tutela do DL 67/2003.

O recorrente discorda desta conclusão. Na sua opinião o AA não pode ser qualificado como vendedor porque não é uma pessoa, nem singular, nem colectiva.

 Que dizer?

12. Várias dúvidas se suscitam a este propósito: poderão estas actividades de venda de imóveis (fracções) deixar de ser enquadradas no âmbito do DL 67/2003 pelo facto de o vendedor ter uma estatuto jurídico distinto da situação habitual em Direito em que os contratos são celebrados entre duas entidades jurídicas distintas encabeçadas por pessoas (singulares ou colectivas)? Pode configurar-se ter existido negócio jurídico de venda sem que o vendedor tenha personalidade jurídica, mas tão só lhe seja atribuído o estatuto de património autónomo? Como intervêm os patrimónios autónomos na ordem jurídica quando realizam operações do mesmo tipo? Não há pessoa jurídica por trás do património autónomo?

As respostas não são lineares.

Não há normas jurídicas que possam ser convocadas para responder, de modo directo às interrogações. Tal não significa que o ordenamento jurídico não apresente solução para as mesmas. Para o efeito, devemos considerar vários conceitos, distinções, princípios e regras.

O conceito de pessoa jurídica e o de património autónomo são distintos e cumprem funções diversificadas. O conceito de pessoa jurídica visa identificar o sujeito do direito ou o vinculado ao cumprimento da obrigação; o conceito de património autónomo aparece, em regra, como elemento fundamental na identificação da responsabilidade e/ou na delimitação do âmbito patrimonial da mesma (ou como objecto).

O que define um património autónomo (perfeito) é o facto de um acervo de bens e direitos (perspectiva activa) apenas responder por certas dívidas do seu titular e de, por essas dívidas, só aquele acervo responder.

Sujeito, pessoa, património e património autónomo são realidades (ou criações jurídicas) que não se confundem e que aqui não podem ser assimiladas, nem contrapostas como se de espécies do mesmo género se tratassem.

A existência de patrimónios autónomos, a quem a lei reconhece nomeadamente personalidade judiciária, sem que os mesmos tenham personalidade jurídica própria (não constituindo assim uma pessoa jurídica), tem uma razão de ser. Essa razão de ser não é a falta de um sujeito – pessoa singular ou colectiva – titular do património, mas, especialmente no caso dos OIC, a conveniência de facilitar o modo de intervenção jurídica (e judicial) quando existe uma pluralidade de pessoas que são titulares desse património, cuja determinação e individualização pode ser difícil, e/ou a exigência de intervenção de todos inconveniente.

Os patrimónios autónomos, em geral, têm titular. Os fundos de gestão de investimento imobiliário, enquanto património autónomo, em especial, também têm titulares. Os titulares do fundo enquanto património autónomo são os detentores das unidades de participação[21].

Na verdade, um FII é, como diz, Remédio Marques um “acervo patrimonial, este, que pertence, em regime de propriedade de mão comum, ao colectivo dos múltiplos titulares das unidades de participação”[22], sendo “razões pragmáticas ligadas à dificuldade de exigir a coligação ou o litisconsórcio (activo ou passivo) dessas unidades de participação (…) que permite sustentar a extensão teleológica (deste) artigo 6.º (do CPC) a outras realidades juridicamente não personificadas”.

 A mesma ideia é colhida na doutrina mais especializada dos fundos de investimento [23].

Assim, porque o legislador não considerou adequado que esse conjunto de titulares de unidades de participação venham todos a actuar na ordem jurídica por si próprios, os FII são organizados de forma a serem geridos por uma entidades gestora que actua[24], no interesse dos titulares das unidades de participação[25], exercendo direitos e cumprindo deveres.

Trata-se de uma opção legal, não exclusiva do regime dos fundos de investimento que permite aos fundos, no cumprimento do objectivo para o qual foram criados, com a intervenção da sociedade gestora, venham a beneficiar de relações comerciais e/ou contratuais que se estabelecem com outras entidades: por isso os fundos aparecem “representados” aquando da celebração de escrituras públicas, do pagamento de taxas e impostos e de todos os actos jurídicos praticados em seu benefício, o que nos pode conduzir a afirmar que há uma actuação jurídica dos fundos, em sentido impróprio, que é levada a cabo através de uma sociedade gestora, com natureza de sociedade comercial, que tem por objecto principal a administração de um ou mais fundos.

Apesar de a lei não reconhecer aos fundos nem personalidade nem capacidade jurídica nos termos e moldes tradicionais aplicáveis à generalidade das pessoas (físicas e colectivas, ainda que em moldes diferentes), ainda assim não há dúvidas de que os fundos são criações jurídicas que, para os efeitos que aqui relevam, devem ser integrados no conceito de vendedor[26], para o efeito de se considerar que a responsabilidade dali derivada onera o fundo como património. Essa responsabilidade terá de ser posta em prática através da sociedade gestora do fundo, que o representa em juízo, e através da qual o fundo realiza os objectivos para que foi constituído.

Outra solução não se compreenderia à luz da unidade do sistema jurídico quando o fundo tem um tratamento público equivalente ao dado aos sujeitos [veja-se o modo como os imóveis pertencentes ao património figuram indicados no registo predial, o modo como se descreve a sua intervenção nos contratos de alienação de imóveis (vd. estes autos)  e a própria existência de um número de identificação fiscal próprio].

Não nos parece, assim, que a questão colocada pelo recorrente, no sentido de não serem vendedores por não serem pessoa, possa ser julgada procedente.

Estamos, assim, em crer que a fundamentação apresentada no acórdão recorrido é totalmente merecedora de apoio.

Adicionalmente, sempre se poderia dizer ainda: uma interpretação literal da norma, tal como proposta pelos recorrentes, deixaria de fora da garantia os contratos que não são de venda, ao arrepio do objectivo legal de incluir certas prestações de serviço, empreitadas, locações no âmbito da garantia do consumidor; a referência a vendedor pessoa singular ou colectiva deve ser vista como um modo de expressar do legislador reportado às situações normais, em que há habitualmente uma pessoa singular ou colectiva de identificação fácil a intervir no negócio, sem que se pretenda aqui excluir os casos especiais, como será o da intervenção de um património autónomo[27]; o sentido útil da norma sairia completamente desvirtuado se, como no caso dos autos, a venda realizada a partir do património autónomo fosse excluída da garantia que se quis instituir em favor do comprador, quando o destino do bem é o uso privado e a generalidade dos consumidores não tem conhecimentos jurídicos suficientes (nem os mesmos seriam exigíveis) para compreender a especificidade do património autónomo que figura como “vendedor”; só por excesso de formalismo se poderia aceitar a tese dos recorrentes.

As considerações efectuadas para o AA são de aplicação ao BB.

13. Nas suas alegações os recorrentes aludem ainda a uma outra problemática sem a incluírem nas conclusões (que limitam o âmbito do recurso e do conhecimento por este STJ). Ainda assim fica aqui uma palavra: diz-se que a sociedades gestora tomaram decisões das quais, porventura, resultaram prejuízos para o fundo.

Trata-se naturalmente de outro problema que não o discutido nos autos – o de saber em que medida a entidade gestora responde perante o fundo pelos actos praticados. Tal discussão está completamente arredada do processo: é uma outra discussão, nunca surgida e sobre a qual não foi tomada posição pelo tribunal recorrido. Sobre ela não poderia assim haver pronúncia do tribunal em recurso.


III. Decisão
Termos em que é negada a revista e se confirma o acórdão recorrido.

Custas pelos recorrentes.

Lisboa, 13 de Novembro de 2018

Fátima Gomes (Relatora)

Acácio das Neves

Maria João Vaz Tomé

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[1] São públicos os elementos relativos ao fundo, que podem ser vistos em http://web3.cmvm.pt/sdi/fundos/docs/A485700-FRG0033351189020160913.pdf - regulamento de gestão e elementos da entidade gestora. Desde 30 de Outubro de 2014 a gestão do fundo passou a ser exercida pela ... – Sociedade Gestora de Fundos de Investimento Imobiliário, S.A (deliberação do Conselho Directivo da CMVM); anteriormente a gestão tinha sido exercida pela ..., SA.
As entidades gestoras de OIC autorizadas a exercer essa actividade em Portugal são intermediários financeiros em valores mobiliários – art.º 293.º, n.º1, al. b) Código dos Valores Mobiliários – estando sujeitas a registo na CMVM (art.º 295.º).

[2] Um fundo de investimento aberto é constituído por unidades de participação (UP) em número variável: o número de unidades de participação varia de acordo com a procura do mercado, tendo o investidor a possibilidade de, em qualquer momento, realizar subscrições ou resgates; um FII fechado é constituído por UP em número fixo, estabelecendo-se esse número no momento de subscrição. O aumento do número apenas pode realizar-se nos definidos no Regulamento de Gestão. O reembolso das UP ocorre na data de liquidação do fundo.
[3] Cf. Engrácia Antunes, Os Instrumentos Financeiros, 3ª ed., Almedina, 2017, para a diferença entre FII e fundos de gestão de património imobiliário (BB) – p. 135, em que as unidades de participação também são valores mobiliários – art.º 8.º do DL 316/93, de 21 de Setembro.

[4] O DL 60/2002 foi revogado pela Lei n.º 16/2015, de 24 de Fevereiro, diploma que aprovou o Regime Geral dos Organismos de Investimento Colectivo (já modificado pelos DL n.º 124/2015, de 07/07, DL n.º 77/2017, de 30/06, Lei n.º 104/2017, de 30/08, DL n.º 56/2018, de 09/07 e Lei n.º 35/2018, de 20/07, com a Rectificação n.º 31/2018, de 07/09), e que também revogou o anterior regime jurídico dos organismos de investimento colectivo (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 63-A/2013, de 10 de Maio).

[5] Não que a personificação jurídica do fundo seja uma impossibilidade legal. Neste sentido, cf. o movimento legal no sentido de admitir que existam OIC personificadas, realidade que em Portugal passou a ser possível desde, pelo menos, o DL 71/2010, de 18 de Junho. O Decreto-Lei 71/2010, de 18 de Junho Decreto-Lei procedeu à alteração do regime jurídico dos organismos de investimento colectivo (aprovado pelo Decreto-lei n.º 252/2003, de 17 de Outubro) e do regime jurídico dos fundos de investimento imobiliário (aprovado pelo Decreto-lei n.º60/2002, de 20 de Março) e passou prever a constituição de Fundos de Investimento Imobiliário sob forma societária – designados por sociedades de investimento imobiliário (SIIMO) – e a constituição de organismos de investimento colectivo sob forma societária (OICVM) – designados por sociedades de investimento mobiliário (SIM), passando a ser possível contrapor Fundos de Investimento Imobiliários contratuais (conforme são designados no preambulo do diploma) a Fundos de Investimento Imobiliários sob a forma societária. As SIIMO são instituições de investimento colectivo dotadas de personalidade jurídica, que assumem a forma de sociedade anónima de capital variável (SICAVI) ou fixo (SICAFI), e cujos activos são por elas detidos em regime de propriedade e geridos a título fiduciário, pelas próprias ou por terceira entidade contratada, de modo independente e no exclusivo interesse dos accionistas.
[6] Paulo Câmara, Manual de Direito dos Valores Mobiliários, 2ª ed., 2011, p. 775 – desde o DL 229-C/88, de 4 de Julho até ao DL 71/2010, de 18 de Junho. Para evolução posterior, cf. Engrácia Antunes.

[7] Engrácia Antunes, Os instrumentos financeiros, 2017, p. 133.

É discutível qual a natureza jurídica da titularidade sobre o património comum do fundo – compropriedade, comunhão em mão comum ou propriedade fiduciária[7], mas não o facto de os titulares das unidades de participação serem titulares de uma quota-parte desse património comum.
[8] Paulo Câmara, obra citada, p. 773 e ss: são patrimónios autónomos tipicamente constituídos para permitirem o aforro colectivo segundo um princípio de divisão de riscos; a sua gestão deve ser exercida no interesse exclusivo dos participantes
[9] Sociedades Comerciais, Valores Mobiliários, Instrumentos Financeiros e Mercados, Coimbra Editora, Vol. 2, 2013, p. 142 e ss.
[10] Engrácia Antunes, Os instrumentos financeiros, 2017, nota 286, p. 135.
[11] A representação dos fundos R. e interveniente nos autos está devidamente assegurada pela sociedade gestora.
[12] Cf. a obra Da contitularidade de Direitos no Direito Civil, UCEditora, 2015, p. 438 e ss, da autoria de ELSA VAZ SEQUEIRA, para uma visão comparada das situações possíveis e do relevo da distinção entre pessoa, sujeito e modos como o Direito trata situações a quem não confere, de forma explícita, personalidade jurídica, mas que são admitidas a intervir juridicamente – com eventuais limitações de actuação. Tratando-se de estudo dedicado ao direito civil não se encontrou referência explícita aos fundos de investimento, mas a identidade de pensamento e reconhecimento de intervenção são de aplicar, com as necessárias adaptações. A fls. 452 afirma: “Tudo somado, isto significa que é pessoa quem a lei directa ou indirectamente reconhece como tal. Aqueles que o ordenamento jurídico identifica como «centro de imputação de situações jurídicas» e que, por isso, pode ser titular de um direito ou achar-se adstrito a um dever”.
[13] No caso dos autos os contratos de venda das moradias foram outorgados pelo AA, na qualidade de vendedor, através da sociedade gestora – cf. documentos dos autos – nomeadamente a fls. 34, 57,67, 94, 119, 123, 132, 142, 147, 155, 159, 165, 553 verso ou a fls 563; na fl. 554 verso (e também na fls. 565) a venda desta moradia foi realizada para revenda tendo sido outorgantes a AA como vendedora e a Invictus, SA, como compradora – suscitando-se a dúvida de saber se aqui a venda é de bem de consumo abrangida pelo DL 67/2003 – em todos os outros contratos a compra das moradias foi realizada por pessoa singular/res com objectivo de a destinar a habitação; a fls. 555 e ss consta contrato de venda de moradia outorgado já depois da entrada desta acção em juízo, declarando-se que o bem é usado (7anos) e tem defeitos e vícios, conhecidos dos adquirentes, e que o preço foi fixado em face disso.

[14] Tem-se entendido que o activo dos Fundos de Investimento Imobiliário pode ser constituído por imóveis, liquidez, participações em sociedades imobiliárias e unidades de participação noutros Fundos de Investimento Imobiliário.

Por seu turno, os imóveis podem integrar o activo a título de direito de propriedade, de superfície, arrendamento ou exploração, o que confirma que aos fundos é permitida a aquisição de imóveis para arrendamento, revenda ou para ainda o desenvolvimento de projectos de construção e de reabilitação de imóveis.
[15] Cf. MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, Vol. III, 2016, p. 137, sobre o âmbito de aplicação do art.º1º-A, n.º1 do DL 67/2003: “esta garantia é, no entanto, restrita aos contratos celebrados entre profissionais e consumidores, ou seja entre pessoas que fornecem bens de consumo com carácter profissional no exercício de uma actividade económica que visa a obtenção de benefícios e pessoas que adquirem esses bens de consumo, destinando-os a uso não profissional” …tem sido controvertida a questão da aplicação deste regime aos casos de bens adquiridos com fins simultaneamente profissionais e não profissionais, mas parece-nos que qualquer aplicação profissional do bem, mesmo que não exclusiva, implicará a não aplicação do regime desta garantia”; … também parece que esta garantia não se poderá aplicar a casos de aquisição de um bem de consumo a um profissional, quando este não esteja a actuar no âmbito da sua actividade normal. Mas a garantia aplica-se a casos de a actividade ser exercida profissionalmente – ainda que a título acessório à actividade principal” (p. 138).
Este autor chega mesmo a exemplificar a situação de actividade principal e acessória, comentando um aresto deste STJ, de 7/5/2014 (Gabriel Catarino), disponível em CJ STJ, n.22, 2014, vol. 2, p. 77-84 (cf. nota 313, p. 138 – “Concordamos por isso com a posição do Ac. do STJ (…) onde se considerou como vendedora para efeitos de aplicação do regime da venda de bens de consumo a instituição de crédito que vende a particulares os imóveis que adquiriu por dação em cumprimento”.
[16] É este o objecto do diploma, que não é a Lei de defesa do Consumidor em si mesma, ao contrário do que vem repetidamente indicado nos autos – a LDC consta da Lei n.º 24/96 de 31 de Julho, alterada sucessivamente em 1996, 1998, 2003, 2013 e 2014.
[17] Âmbito de aplicação: 1 - O presente decreto-lei é aplicável aos contratos de compra e venda celebrados entre profissionais e consumidores. 2 - O presente decreto-lei é, ainda, aplicável, com as necessárias adaptações, aos bens de consumo fornecidos no âmbito de um contrato de empreitada ou de outra prestação de serviços, bem como à locação de bens de consumo.
[18] Definição e âmbito: “Considera-se consumidor todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios”)

[19] A qualidade de consumidor é muito discutida, em Portugal; não havendo um consenso sobre o sentido; em geral aceita-se até que existem vários sentidos para a qualidade de consumidor, que seria mais de carácter relacional, e dependente da legislação a aplicar - variando em duplo sentido – cf. assim, nomeadamente Teresa Estévez Abeleira, “Análisis de la noción de consumidor en el derecho português desde la perspectiva del derecho español”, in AA. VV, Estudos de Direito do Consumo (Director António Pinto Monteiro), Coimbra, 2016, n.10, p. 31-70.

[20] As situações de excepção encontradas nos autos estão já identificadas – reportam-se a duas moradias vendidas a empresa sob a forma de sociedade comercial que indicou ter por objectivo proceder à sua revenda.
[21] Paulo Câmara, Manual de Direito dos Valores Mobiliários, 2ª ed., 2011, p.783 – as unidades de participação são valores mobiliários que representam quotas ideais detidas por cada participante sobre o património reunido para o investimento; contrariamente aos comproprietários, os participantes não podem pedir a divisão da coisa comum; (p. 788) – as especificidades dos FII resultam da natureza dos activos em que os fundos investem.
[22] REMÉDIO MARQUES, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, Coimbra Editora, 3ª edição, pp.354-355.
[23] Alexandre Brandão da Veiga, Fundos de Investimento Mobiliário e Imobiliário – Regime Jurídico, Almedina, Coimbra, 1999, pp. 407-408.
[24] Paulo Câmara, Manual de Direito dos Valores Mobiliários, 2ª ed., 2011, p. 780 e ss, analisando os deveres das sociedades gestoras. Estas sociedades auferem uma remuneração pela sua actividade – 781.
[25] Pode discutir-se o que significa actuar em nome dos titulares e que efeitos daí decorrem. O tema tem já desenvolvimento em Portugal (vários estudos da autoria da aqui adjunta MARIA JOÃO VAZ TOMÉ, nomeadamente “Sobre o contrato de mandato sem representação e o Trust”, in ROA, Dez. 2007, Vol. III, disponível em www.oa.pt; “A propósito dos fundos de investimento imobiliário fechados de subscrição particular: duas questões”, in AA. VV., DIREITO DOS VALORES MOBILIÁRIOS, vol. VIII, 2008; “Alguns aspectos dos fundos de investimento mobiliário abertos «private»”, in Jornadas - Sociedades Abertas, Valores Mobiliários e Intermediação Financeira (coorden. Maria de Fátima ribeiro), Almedina, 2007, p. 123 e ss, em especial na p. 132 onde afirma: “os poderes da sociedade gestora de negociar … sem qualquer possibilidade de intervenção dos participantes exprimem, em último recurso, a cisão legalmente consagrada, entre a «titularidade (jurídico-material)» dos participantes do património dos fundos e a «legitimidade/titularidade (jurídico-formal)» da sociedade.”; “à autonomia  das opções de gestão, por parte da sociedade, não corresponde a respectiva assumpção do risco relativo à gestão, que corre sempre por conta dos participantes” – p. 133), mas não vai ser aqui desenvolvido.
[26] Mais correctamente aplicável à sociedade gestora que intervém nos actos relativos à gestão do património.
[27] Pode atentar-se no regime do Código dos Valores Mobiliários onde os OIC aparecem qualificados como investidores qualificados (art.º 30.º), ao lado de entidades personificadas, compreendendo-se que o objectivo da sua qualificação como investidor é completamente alheio ao facto de não ser pessoa física ou jurídica. Um investidor não é quem investe? Como pode alguém investir se não for pessoa jurídica ou pelo menos haver equiparação para certos efeitos?