Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2808/13.8TAVNG.P1-B.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: LOPES DA MOTA
Descritores: RECUSA DE JUÍZ
DISTRIBUIÇÃO
NULIDADE PROCESSUAL
ACÓRDÃO
NULIDADE DE ACÓRDÃO
Data do Acordão: 11/08/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: ACLARAÇÃO INDEFERIDA
Sumário :
I. Já no anterior requerimento pretendia o requerente que os juízes que subscreveram o acórdão se afastassem e que o incidente de recusa fosse remetido à distribuição. O que, como se consignou no acórdão, não foi conhecido por se haver formado caso julgado formal, não havendo, como se disse, motivo que pudesse afetar a composição do tribunal ou traduzir violação das regras da competência do tribunal. E que, assim, pudesse constituir causa de qualquer das nulidades processuais que agora invoca [al. a) e e) do artigo 119.º do CPP].

II. Pelo que, tratando-se de matéria já decidida, se indefere a arguição de nulidade.

III. Quer a publicação da portaria exigida pela Lei n.º 55/2021, quer a sua preparação, ou não, em tempo dizem respeito ao “motivo de natureza normativa” referido no acórdão, nele se incluindo.

IV. Pelo que igualmente se indefere a arguição.

V. O acórdão não emitiu pronúncia sobre as alegadas inconstitucionalidades por, quanto a elas, não serem colocadas quaisquer questões concretas de ordem normativa de conformidade com a Constituição, pelo que não podia o tribunal dar-lhes resposta.

VI. Com estes fundamentos se indefere o requerimento de arguição de nulidades.

Decisão Texto Integral:

Acordam na 3.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:



I. Relatório

1. AA, recorrente, notificado do acórdão de 23 de julho de 2023, que indeferiu a reclamação para a conferência da decisão sumária que rejeitou o recurso por si interposto, dele vem “apresentar reclamação” por alegada verificação de nulidades.

O que faz nos seguintes termos:

«Quanto à Decisão da Reclamação e (aparentemente) do requerimento de Recusa - que havia apresentado no passado dia 10 de julho através dos Requerimentos que têm as referências CITIUS ....21 e ...20 de 10/07/2023 – vem arguir as seguintes nulidades.

1. Nulidade prevista nas alíneas a) e e) do artigo 119.º do Código de Processo Penal, por terem sido Vossas Excelências a decidir essa Reclamação, não obstante serem os juízes visados – estando por isso impedidos de intervir no julgamento e decisão em causa, por força da alínea c) do n.º 1 do respetivo artigo 45.º.

SEM PRESCINDIR:

2. Nulidade prevista (por remissão do artigo 425.º n.º 4) no artigo 379.º n.º 1 alínea b) do mesmo código, por omissão de pronúncia acerca das seguintes questões colocadas pelo aqui Reclamante:

Nos Requerimentos de 10 de julho (também) decididos pelo Acórdão de 13 de julho aqui em causa o aqui Reclamante suscitou duas questões novas – novas, relativamente aos anteriores requerimentos e decisões, inclusivamente do Tribunal Constitucional, e face à objetiva novidade dos factos (novos) agora invocados:

2.1.A primeira é a questão nova que se fundamenta no facto da publicação da Portaria n.º 86/2023 do Ministério da Justiça e no facto da sua entrada em vigor (de acordo com o respetivo artigo 8.º n.º 1), por confirmar o sempre defendido pelo aqui Reclamante a esse respeito e determinara efetiva da efetiva interpretação normativa unânime que os Tribunais e os Senhores Juízes, nomeadamente Vossas Excelências, fizeram da Lei nº 55/21 das disposições que introduziu no Código de Processo Civil relativamente ao processo de distribuição de processos nos tribunais superiores e dos respetivos artigos 3.º e 4.º, no sentido de que a entrada em vigor do novo artigo 213.º do CPC dependia da entrada em vigor e /ou a da publicação da Portaria, com efeitos à data da entrada em vigor da própria Lei – isto é, desde 13 de outubro de 2021 – cf. pontos 2. a 6 (e 7 e 8) dos Requerimentos.

2.2.A segunda questão, igualmente nova é a que se mostra exposta nos pontos 12. a 14. dos Requerimentos e se fundamenta no conhecimento então (aquando da apresentação dos Requerimentos em causa) adquirido pelo aqui Reclamante de que o Senhor Relator, Exmo. Juiz Conselheiro Doutor BB desempenhou em comissão de serviço o cargo e funções de ... do Gabinete da Ministra da Justiça até ... de ... de 2021, data em que foi declarada a cessão a seu pedido,

“O que (como expressamente e autonomamente se alegou nos Requerimentos) – conjugado com o facto consabido e notório de nessa data estar em curso há mais de 1 mês o prazo de 2 meses para o Governo regulamentar as Leis em causa cujo cumprimento era da responsabilidade da Ministra da Justiça – parece constituir também motivo sério e fundamentado para justificar suspeitas objetivas aparentes quanto à imparcialidade do Exmo. Senhor Juiz Conselheiro Doutor BB para decidir questão relativa à falta de regulamentação durante ano e meio de lei sobre o processo penal e especialmente o direito e garantia fundamental ao juiz legal, especialmente, considerando e relevando, a natureza das funções politicas de ... do Gabinete da Ministra da Justiça que exerceu em comissão de serviço no período em causa e as funções judiciais aqui em causa neste momento.

3. Nulidade prevista (por remissão do artigo 425.º n.º 4) no artigo 379.º n.º 1 alínea b) do mesmo código, por omissão de pronúncia acerca de todas as questões de inconstitucionalidade suscitadas – excepto quanto à norma do artigo 42.º n.º 1, única sobre a qual o Acórdão se pronuncia, e com toda a razão, uma vez que invocação se deve a evidente lapso do signatário, que o reconhece e lamenta – acerca das seguintes questões colocadas pelo aqui Reclamante,

4. Uma vez que nessa parte a decisão é desde logo nula por falta de fundamentação, nos termos também da alínea a) do n.º 1 do artigo 379.º, violando o disposto nos artigos 97.º n.º 5 e no artigo 374.º n.º 2 do Código e o artigo 205.º n.º 1 da Constituição.

Suscita a este respeito a inconstitucionalidade dos artigos 97.º n.º 5, 374.º n.º 2 e 379.º n.º 1 alíneas a) e c) do Código de Processo Penal e dos artigos 70.º n.º 1 alínea b) e 72.º n.º 2 da Lei do Tribunal Constitucional na interpretação normativa que permita considerar cumprido o dever de fundamentação das decisões judiciais relativamente a uma decisão de não conhecer questão de constitucionalidade suscitada nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 70.º n.º 1 alínea b) e 72.º n.º 2 da Lei do Tribunal Constitucional que se mostre justificada apenas com a mera afirmação de que a questão da constitucionalidade não estava adequadamente formulada.

As três questões em causa são e carecem de decisão necessariamente prévia a qualquer outra decisão neste processo, e não podiam deixar de ter sido expressamente e autonomamente apreciadas e decididas antes de qualquer outra.

Termos em que,

Requer sejam as nulidades arguidas declaradas nos termos e com os efeitos legais.»

2. O Exmo. Procurador-Geral Adjunto neste tribunal pronuncia-se sobre o requerimento agora apresentado dizendo:

«(…)

3 – A primeira das invocadas nulidades dirige-se ao Colectivo de Juízes Conselheiros que decidiram a reclamação para a conferência oposta à decisão sumária proferida em 12.05.2022 (que havia rejeitado, por manifestamente improcedente, o recurso interposto pelo arguido AA para este Supremo Tribunal de Justiça do acórdão de 08.09.2021 do Tribunal da Relação do Porto, relembre-se), considerando o recorrente estar em causa (…) a nulidade prevista nas alíneas a) e e) do artigo 119.º do Código de Processo Penal, por terem sido Vossas Excelências a decidir essa Reclamação, não obstante serem os juízes visados – estando por isso impedidos de intervir no julgamento e decisão em causa, por força da alínea c) do n.º 1 do respetivo artigo 45.º1 1

Se bem se compreende o recorrente/requerente, a invocada nulidade decorre do incidente de recusa de juiz por si apresentado em 10.07.2023 (cfr. referência Citius ....20), baseado, uma vez mais, numa muito particular compreensão do procedimento relativo à distribuição dos processos, que o leva a considerar (transcrição, sem destaques):

(…)

1.

Por força da publicação no passado dia 27 de março da Portaria n.º 86/2023, de 27 de Março (que regulamentou finalmente a Lei n.º 55/21 e a Lei n.º 56/21 de 13 de agosto) ficou definitivamente esclarecido, no que importa também a este processo, que a redação do artigo 213.º do Código de Processo Civil introduzida pela Lei n.º 55/21, não carecia de regulamentação alguma, por se tratar de normas auto exequíveis.

E, por essa razão, a Portaria omite qualquer referência ou esclarecimento relativamente aos novos pressupostos e tramites legais do processo de distribuição de processos nos tribunais superiores introduzidos pela Lei n.º 55/21 – esclarece apenas o que deve constar da acta, que não é mais nem diferente do que a lei processual penal já exigia para os documentos escritos e para os autos; acrescenta que os resultados de cada operação de distribuição constam em anexo à ata e que declarada a conclusão da distribuição, a ata é assinada pelo juiz, pelo magistrado do Ministério Público, pelo oficial de justiça e pelo advogado; e que a prazo o algoritmo poderá se consultado.

O que significa que

2.

A falta do regulamento ou da publicação do regulamento não é mais justificação para o não cumprimento dos novos requisitos legais do processo de distribuição de processos nos tribunais superiores.

Ora,

3.

A publicação da Portaria - posterior às decisões antes tomadas neste processo de recurso pelo Tribunal Constitucional e nos seus incidentes - determina a revogação efetiva da interpretação normativa unânime que os Tribunais e os Senhores Juízes, nomeadamente Vossas Excelências, fizeram da Lei nº 55/21 das disposições que introduziu no Código de Processo Civil relativamente ao processo de distribuição de processos nos tribunais superiores e dos respetivos artigos 3.º e 4.º, no sentido de que a entrada em vigor do novo artigo 213.º do CPC dependia da entrada em vigor e /ou a da publicação da Portaria,considerando o reclamante que na mesma não foram observados os ditames consignados nos artigos 213.º e 204.º do Código de Processo Civil (C.P.C.), na redacção que lhes foi dada pela Lei n.º 55/2021, de 13 de Agosto, ex vi artigo 4.º do C.P.P.

(…).

Não é esta a primeira vez que o recorrente/requerente suscita tal problemática.

Disso dá conta, precisamente, o acórdão de 13.07.2023 em apreço, onde se refere:

(…)

23. Por requerimentos apresentados no dia 10.7.2023 (ref. Citius ....20 e ....21), vem agora, o recorrente, mais uma vez – face à publicação da Portaria n.º 86/2023, de 27 de março (que regulamenta a Lei n.º 55/2021), que, pela sua natureza, não adiciona qualquer elemento normativo novo –, repetir pedidos e argumentos substancialmente idênticos aos já usados no presente processo (e em vários outros pendentes ou recentemente decididos neste tribunal), quer no incidente de recusa do relator, da Senhora Conselheira Adjunta e do Presidente da Secção – que foram processados e julgados nos apensos –, quer na reclamação para a conferência.

Retoma, ad nauseam, com invocação de idênticas inconstitucionalidades, os argumentos de que a Lei n.º 55/2021, que alterou o artigo 213.º do CPC, se encontrava em vigor; que, em consequência, a constituição do coletivo para julgar a reclamação se mostra ferida de nulidade, por violação das regras legais de composição e de competência do tribunal do artigo 213.º do CPC e do artigo 4.º do CPP; que as ilegalidades resultantes da inobservância do artigo 213.º do CPC, na nova redação, determinam objetivamente o risco de a intervenção dos juízes que devem decidir a reclamação ser considerada suspeita, por existir motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre essa imparcialidade.

Pelo que, apresenta requerimento de recusa “dos Senhores Juízes Conselheiros Doutor BB, Doutora CC e Doutor DD”, que agora compõem o tribunal que deve decidir a reclamação, requerendo “se dignem mandar remeter à distribuição, nos termos legais” e “renova as arguições de nulidade deduzidas no processo, nomeadamente, na reclamação para a conferência e agora, que pede sejam declaradas nos termos e com as consequências legais”.

(…)

Sobre esta matéria também já o Ministério Público tomou posição, em parecer de 24.06.2022, sendo de concluir, como aí, pela insubsistência da pretensão do recorrente/requerente, neste particular.

O mesmo é dizer que não ocorre a invocada nulidade (insanável) a que se referem as alíneas a) e e) do artigo 119.º do Código de Processo Penal (C.P.P.).

4 – No que se refere às demais nulidades, por omissão de pronúncia, só uma leitura menos atenta daquele acórdão de 13.07.2023 permite compreender a apresentação do requerimento em análise.

Considere-se, então, o que naquela decisão se diz, a tal respeito:

(…)

24. O requerimento de recusa fundamenta-se, mais uma vez, num motivo de natureza normativa – a alteração das regras de distribuição (artigo 213.º do CPP) –, não em qualquer razão, em qualquer facto, pessoalmente relacionado com qualquer dos juízes indicados, que possa ter a virtualidade de constituir motivo (de facto) sério e grave adequado a gerar desconfiança sobre a imparcialidade de cada um deles (artigo 43.º, n.º 1, do CPP).

Nestes autos (supra, 8.1, e 9 a 12) já foi decidido por acórdãos transitados em julgado que as razões invocadas não constituem motivo de recusa, tendo os requerimentos do recorrente de recusa dos juízes que inicialmente deveriam constituir o tribunal sido rejeitados. A alteração da composição do tribunal, que agora, dado o tempo decorrido (mais de um ano), deve decidir a reclamação, é irrelevante para o efeito pretendido pelo recorrente. Os requerimentos de recusa foram rejeitados quanto ao relator e ao Presidente da Secção e o motivo invocado, não procedente, é, pela sua natureza, válido para os juízes que agora devem intervir por força da lei.

Assim, formado caso julgado formal (artigo 620.º do CPC ex vi artigo 4.º do CPP) quanto a esta questão, dela não há que conhecer.

Quanto à renovação da arguição das nulidades, sendo inútil, uma vez que delas se conhece na presente decisão, também não há que emitir qualquer pronúncia autónoma, que sempre seria, também ela, um ato inútil, não permitido (artigo 130.º do CPC).

(…)

“A omissão de pronúncia, como é sabido, constitui um vício da decisão que se verifica quando o tribunal se não pronuncia sobre questões cujo conhecimento a lei lhe imponha, sejam as mesmas de conhecimento oficioso ou sejam suscitadas pelos sujeitos processuais.

Porém, como vem sendo entendimento uniforme deste Supremo Tribunal de Justiça, “a falta de pronúncia que determina a existência de vício da decisão incide sobre as questões e não sobre os motivos ou argumentos invocados pelos sujeitos processuais, ou seja, a omissão resulta da falta de pronúncia sobre as questões que cabe ao tribunal conhecer e não da falta de pronúncia sobre os motivos ou as razões que os sujeitos processuais alegam em sustentação das questões que submetem à apreciação do tribunal, entendendo-se por questão o dissídio ou problema concreto a decidir e não os simples argumentos, razões, opiniões ou doutrinas expendidos pela parte em defesa da sua pretensão. Por isso, como se defende neste Supremo Tribunal2, apenas a total falta de pronúncia sobre as questões levantadas pelas partes ou que sejam de conhecimento oficioso constitui omissão de pronúncia e, mesmo assim, desde que a decisão de tais questões não esteja prejudicada pela solução dada a outra ou outras” – Ac. STJ de 26/10/2016, Proc. 122/10.OTACBC.GI-A.S134.

Ora, como resulta patente na decisão ora sob censura, mormente no excerto acabado de transcrever, o Tribunal pronunciou-se sobre as questões suscitadas pelo recorrente/requerente.

Poderá o recorrente/requerente não concordar com a decisão (aliás, o que perpassa do requerimento não é senão a sua discordância com tal decisão, e o que visa mais não é do que a alteração do assim decidido), mas o que não se poderá pretender é que tenha o Tribunal incorrido em omissão de pronúncia sobre questões que se lhe impunham apreciar e decidir.

5 – Assim, e pelo que antecede, entende o Ministério Público deverem ser julgadas improcedentes as nulidades arguidas ao acórdão que indeferiu a reclamação da decisão sumária que havia rejeitado, por legalmente inadmissível, o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça.»

Decidindo.

II. Fundamentação

3. Nos termos do artigo 613.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, aplicável ex vi artigo 4.º do CPP, proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa, sendo, porém, lícito ao juiz retificar erros materiais, suprir nulidades e reformar a sentença.

4. O artigo 379.º do CPP, sob a epígrafe “nulidade da sentença”, aplicável aos acórdãos proferidos em recurso ex vi artigo 425.º, n.º 4, do mesmo diploma, especifica os motivos de nulidade da sentença em processo penal.

Dispõe este preceito que é nula a sentença:

“(…)

c) Quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.

5. Alega o requerente – quanto à Decisão da Reclamação e (aparentemente) do requerimento de Recusa - que havia apresentado no passado dia 10 de julho através dos Requerimentos que têm as referências CITIUS ....21 e ...20 de 10/07/2023» – a verificação:

(1) Da «Nulidade prevista nas alíneas a) e e) do artigo 119.º do Código de Processo Penal, por terem sido Vossas Excelências a decidir essa Reclamação, não obstante serem os juízes visados – estando por isso impedidos de intervir no julgamento e decisão em causa, por força da alínea c) do n.º 1 do respetivo artigo 45.º»,

(2) Da «Nulidade prevista (por remissão do artigo 425.º n.º 4) no artigo 379.º n.º 1 alínea b) do mesmo código, por omissão de pronúncia acerca das seguintes questões colocadas pelo aqui Reclamante» («questões novas», como lhe chama): uma relacionada com a publicação da Portaria n.º 86/2023, do Ministério da Justiça, e outra com a circunstância de o relator, no tempo parcialmente coincidente com o prazo de elaboração e publicação da portaria exigida pela Lei n.º 55/2021, ter exercido funções no Gabinete da então Ministra da Justiça; e

(3) Da nulidade «por falta de fundamentação, nos termos também da alínea a) do n.º 1 do artigo 379.º» do CPP.

6. O acórdão de 23 de julho de 2023 conheceu destas questões nos seguintes termos:

«23. Por requerimentos apresentados no dia 10.7.2023 (ref. Citius ....20 e ....21), vem agora, o recorrente, mais uma vez – face à publicação da Portaria n.º 86/2023, de 27 de março (que regulamenta a Lei n.º 55/2021), que, pela sua natureza, não adiciona qualquer elemento normativo novo –, repetir pedidos e argumentos substancialmente idênticos aos já usados no presente processo (e em vários outros pendentes ou recentemente decididos neste tribunal), quer no incidente de recusa do relator, da Senhora Conselheira Adjunta e do Presidente da Secção – que foram processados e julgados nos apensos –, quer na reclamação para a conferência.

Retoma, ad nauseam, com invocação de idênticas inconstitucionalidades, os argumentos de que a Lei n.º 55/2021, que alterou o artigo 213.º do CPC, se encontrava em vigor; que, em consequência, a constituição do coletivo para julgar a reclamação se mostra ferida de nulidade, por violação das regras legais de composição e de competência do tribunal do artigo 213.º do CPC e do artigo 4.º do CPP; que as ilegalidades resultantes da inobservância do artigo 213.º do CPC, na nova redação, determinam objetivamente o risco de a intervenção dos juízes que devem decidir a reclamação ser considerada suspeita, por existir motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre essa imparcialidade.

Pelo que, apresenta requerimento de recusa “dos Senhores Juízes Conselheiros Doutor BB, Doutora CC e Doutor DD”, que agora compõem o tribunal que deve decidir a reclamação, requerendo “se dignem mandar remeter à distribuição, nos termos legais” e “renova as arguições de nulidade deduzidas no processo, nomeadamente, na reclamação para a conferência e agora, que pede sejam declaradas nos termos e com as consequências legais”.

24. O requerimento de recusa fundamenta-se, mais uma vez, num motivo de natureza normativa – a alteração das regras de distribuição (artigo 213.º do CPP) –, não em qualquer razão, em qualquer facto, pessoalmente relacionado com qualquer dos juízes indicados, que possa ter a virtualidade de constituir motivo (de facto) sério e grave adequado a gerar desconfiança sobre a imparcialidade de cada um deles (artigo 43.º, n.º 1, do CPP).

Nestes autos (supra, 8.1, e 9 a 12) já foi decidido por acórdãos transitados em julgado que as razões invocadas não constituem motivo de recusa, tendo os requerimentos do recorrente de recusa dos juízes que inicialmente deveriam constituir o tribunal sido rejeitados. A alteração da composição do tribunal, que agora, dado o tempo decorrido (mais de um ano), deve decidir a reclamação, é irrelevante para o efeito pretendido pelo recorrente. Os requerimentos de recusa foram rejeitados quanto ao relator e ao Presidente da Secção e o motivo invocado, não procedente, é, pela sua natureza, válido para os juízes que agora devem intervir por força da lei.

Assim, formado caso julgado formal (artigo 620.º do CPC ex vi artigo 4.º do CPP) quanto a esta questão, dela não há que conhecer.

Quanto à renovação da arguição das nulidades, sendo inútil, uma vez que delas se conhece na presente decisão, também não há que emitir qualquer pronúncia autónoma, que sempre seria, também ela, um ato inútil, não permitido (artigo 130.º do CPC).»

7. Já no anterior requerimento pretendia o requerente que os juízes que subscreveram o acórdão se afastassem e que o incidente de recusa fosse remetido à distribuição. O que, como se consignou no acórdão, não foi conhecido por se haver formado caso julgado formal, não havendo, como se disse, motivo que pudesse afetar a composição do tribunal ou traduzir violação das regras da competência do tribunal. E que, assim, pudesse constituir causa de qualquer das nulidades processuais que agora invoca [al. a) e e) do artigo 119.º do CPP].

Pelo que, tratando-se de matéria já decidida, em concordância com o parecer do Ministério Público, se indefere a arguição de nulidade.

8. Quanto às arguidas nulidades do acórdão por omissão de pronúncia e falta de fundamentação, carece igualmente o requerimento de fundamento.

Abrangendo as duas ditas «questões novas», o acórdão emitiu sobre elas pronúncia que fundamentou nos seguintes termos: «O requerimento de recusa fundamenta-se, mais uma vez, num motivo de natureza normativa – a alteração das regras de distribuição (artigo 213.º do CPP) –, não em qualquer razão, em qualquer facto, pessoalmente relacionado com qualquer dos juízes indicados, que possa ter a virtualidade de constituir motivo (de facto) sério e grave adequado a gerar desconfiança sobre a imparcialidade de cada um deles (artigo 43.º, n.º 1, do CPP)».

Quer a publicação da portaria exigida pela Lei n.º 55/2021, quer a sua preparação, ou não, em tempo – matéria obviamente estranha às competências do agora relator no âmbito das funções (não judiciais) que exerceu na Presidência Portuguesa do Conselho da União Europeia na área da Justiça (cfr. Despacho n.º 6350/202, da Ministra da Justiça, DR 2.ª série C, 16.06.2020), irrelevante para o efeito pretendido pelo requerente – dizem respeito ao “motivo de natureza normativa” referido no acórdão, nele se incluindo.

Pelo que, também em concordância com o Ministério Público, igualmente se indefere a arguição.

9. Finalmente invoca o requerente a «inconstitucionalidade dos artigos 97.º n.º 5, 374.º n.º 2 e 379.º n.º 1 alíneas a) e c) do Código de Processo Penal e dos artigos 70.º n.º 1 alínea b) e 72.º n.º 2 da Lei do Tribunal Constitucional na interpretação normativa que permita considerar cumprido o dever de fundamentação das decisões judiciais relativamente a uma decisão de não conhecer questão de constitucionalidade suscitada nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 70.º n.º 1 alínea b) e 72.º n.º 2 da Lei do Tribunal Constitucional que se mostre justificada apenas com a mera afirmação de que a questão da constitucionalidade não estava adequadamente formulada.»

Alega que «As três questões em causa são e carecem de decisão necessariamente prévia a qualquer outra decisão neste processo, e não podiam deixar de ter sido expressamente e autonomamente apreciadas e decididas antes de qualquer outra.»

Embora o não explicite, a arguição destas inconstitucionalidades parece referir-se aos pontos 16, 20 e 21 do acórdão que agora pretende colocar em crise.

Como aí se explicitou, não se emitiu pronúncia sobre as alegadas inconstitucionalidades por, quanto a elas, não serem colocadas quaisquer questões concretas de ordem normativa de conformidade com a Constituição.

E, não sendo colocadas, não podia o tribunal dar-lhes resposta.

De notar que, diferentemente do que agora vem alegado, o acórdão cuja nulidade o requerente pretende ver declarada não afirmou que «a questão da constitucionalidade não estava adequadamente formulada.»

10. Com efeito, afirma-se no acórdão:

10.1. No ponto 16:

«16. Diz o requerente que esta interpretação da lei [segundo a qual «a falta de regulamentação da Lei n.º 55/2021 não é suscetível produzir o efeito pretendido pelo requerente»] é inconstitucional, por violação «por violação do Princípio da Separação e Interdependência de Poderes, por violação da organização constitucional da República Portuguesa como Estado de Direito Democrático baseado na Soberania Popular e por violação, assim, dos artigos 2.º, 108.º, 110.º, 111.º n.º 1, 112.º n.º 5, 161.º alíneas c) e o), 165.º n.º 1 alíneas b) e p), 199.º alínea c) e 202.º e 203.º da Constituição

Mas não indica as razões, os fundamentos, que o levam a fazer esta afirmação, nem os argumentos que justificam a conclusão.

Pelo que, devendo concluir-se que não vem formulada qualquer questão de constitucionalidade e não se colocando ao tribunal qualquer problema de conformidade constitucional desta interpretação, que, como se vê, convoca a seu favor doutrina da mais elevada autoridade, não há que emitir pronúncia sobre a constitucionalidade das indicadas normas.»

10.2. No ponto 20:

«20. Suscita o requerente, a este este respeito, «a inconstitucionalidade desta norma da alínea c) do artigo 40.º do Código de Processo Penal se interpretada no sentido de não incluir na previsão deste alínea os julgamentos feitos no mesmo processo de recurso, uma vez que entendem que nessa interpretação a norma viola o disposto nos artigos 20.º n.ºs 1 e 4, 29.º, 202.º n.ºs 1 e 2 e 203.º da Constituição, nos artigos 2.º e 9.º n.º 1 do Código de Processo Penal e no artigo 2.º n.ºs 1 e 3 da Lei de Organização do Sistema de Justiça, por violar o principio, garantia e direito à presunção de inocência, direito, garantia e principio fundamental do Processo Criminal, universalmente reconhecido nos países que adotaram e respeitam o “Estado de Direito Democrático

Mas também aqui não indica as razões, os fundamentos, que o levam a fazer esta afirmação, nem os argumentos que justificam a conclusão.

Pelo que, devendo igualmente concluir-se que não vem formulada qualquer questão de constitucionalidade, nem se colocando ao tribunal qualquer problema relacionado com a conformidade constitucional da norma na interpretação que lhe é dada, não há que emitir pronúncia sobre a constitucionalidade.»

10.3. E no ponto 21:

«21. Finalmente, suscita o requerente a inconstitucionalidade do n.º 2 do artigo 41.º do CPP «se interpretada no sentido de se limitar apenas aos casos de impedimentos previstos nos artigos 39.º e 40.º do mesmo código, por violação do disposto nos artigos 20.º n.ºs 1 e 4, 29.º, 202.º n.ºs 1 e 2 e 203.º da Constituição.» (supra, 8.2., 2 a 7).

O n.º 2 do artigo 41 é citado na decisão sumária a propósito da recorribilidade de recurso da decisão que indefere o requerimento de impedimento (ponto, 10), aí se dizendo que «A possibilidade de recurso da decisão que indefere o requerimento de declaração de impedimento do juiz apresentado nos termos do n.º 2 do artigo 41.º do CPP encontra-se expressamente prevista no n.º 1 do artigo 42.º do mesmo diploma, que dispõe nos seguintes termos (…)». É também referido no ponto 16 da decisão sumária, onde se diz: «Ora, nos termos do n.º 2 do artigo 41.º do CPP, a declaração de impedimento pode ser requerida pelo Ministério Público ou pelo arguido, pelo assistente ou pelas partes civis logo que sejam admitidos a intervir no processo, em qualquer estado deste, devendo o juiz visado proferir despacho no prazo máximo de cinco dias.»

Na referência que lhe é feita, não lhe é conferida qualquer dimensão normativa quanto ao âmbito dos casos que podem utilizar o meio processual aí previsto, como pretende o recorrente.»

12. Assim sendo, não se reconhece que o acórdão possa estar afetado de qualquer interpretação de norma em desconformidade com a Constituição.

III. Decisão

13. Pelo exposto, decide-se em conferência indeferir o requerimento de arguição de nulidades.

Condena-se o recorrente em custas, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC, nos termos do artigo 8.º, n.º 9, e da Tabela III do Regulamento das Custas Judiciais.

Supremo Tribunal de Justiça, 8 de novembro de 2023.

José Luís Lopes da Mota (relator)

Maria Teresa Féria de Almeida

Sénio Manuel dos Reis Alves

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1. Decerto ter-se-á querido escrever 40.º.

2. Cfr., entre outros, o acórdão de 14.04.29, proferido no Processo n.º 92/13.2YFLSB.

3. No mesmo sentido, cfr., a título meramente exemplificativo, os Acs. deste STJ de 10/12/2020, Proc. 936/18.2PBSXL.S1 e de 6/11/2019, Proc. 30/16.0T9CNT.C2-A.S1.

4. Cfr. acórdão de 11.10.2023 do S.T.J (processo n.º 813/22.2JABRG.G1.S1, 3ª Secção).