Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
9452/18.1T8PRT.P1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: ISABEL SALGADO
Descritores: RECURSO DE REVISTA
REVISTA EXCECIONAL
PRESSUPOSTOS
DUPLA CONFORME
SEGMENTO DECISÓRIO
ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
Data do Acordão: 11/02/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA EM PARTE
Sumário :
I. Em benefício do julgamento do mérito global na causa e razões de economia processual, aconselham a apreciação em deliberação prévia do Colectivo, dos pressupostos de admissão de cada um dos recursos interpostos; e por outro, sobrestar o conhecimento daqueles que preencham os requisitos de admissibilidade da revista ordinária até à decisão da Formação, no que reporta aos pressupostos específicos de recorribilidade excecional.

II. Não descaracteriza a dupla conforme, enquanto impedimento processual ao recurso de revista, nos termos gerais, a alteração da matéria de facto pelo Tribunal da Relação, que se revele inconsequente na solução jurídica alcançada no segmento decisório impugnado e, a economia nos efeitos jurídicos globais do acórdão.

III. O AUJ n.º 7/2022, no seu segmento uniformizador, veio considerar abrangidas pelo obstáculo de revista previsto no artigo 671.º, n.º 3, do CPC, situações, em que o acórdão da Relação apresenta um conteúdo mais favorável aos recorrentes do que a decisão do primeiro grau, salvo se as duas decisões tiverem assentado em fundamentações essencialmente diversas.

IV. No recurso subordinado -artigo 633º do CPC- a interpretação fundada na sua teleologia específica e, no princípio do dispositivo, obsta à interposição cumulativa, pela mesma parte, de um recurso independente e de um recurso subordinado, em função da estratégia processual do recorrente, e caso visem impugnar segmentos decisórios distintos.

V. O requisito negativo da dupla conforme, aplicável ao recurso de revista independente, vigora também na apreciação de admissibilidade do recurso subordinado, prosseguindo a jurisprudência fixada pelo AUJ n.º 1/2020.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

I . Da Instância

Sport Lisboa e Benfica e Sport ...SAD intentaram a presente ação comum contra, Futebol Clube..., Futebol Club..., SAD, F...., S.A., A..., S.A., AA, BB, CC e DD, pedindo que se condenem os Réus:

a) Pagarem aos autores o montante de €17.000.000,00 (dezassete milhões de euros), a título de indemnização equitativa pelos danos de difícil quantificação causados aos autores até à presente data, acrescido dos juros vincendos desde a citação às taxas legais aplicáveis até efetivo e integral pagamento;

b) Pagarem aos autores o montante de €784.579,56 (setecentos e oitenta e quatro mil quinhentos e setenta e nove euros e cinquenta e seis cêntimos), a título de indemnização pelos custos e despesas diretamente incorridos para mitigar os efeitos das lesões aos autores até à presente data, bem como no pagamento das quantias que se vencerem futuramente e que os autores tenham de incorrer com a mesma finalidade, acrescido aquele montante dos juros vincendos desde a citação às taxas legais aplicáveis até efetivo e integral pagamento;

c) Absterem-se de aceder, por qualquer meio, no todo ou em parte, direta ou indiretamente, à correspondência (ou suposta correspondência) privada dos autores, nomeadamente a relacionada com e-mails com o domínio@slbenfica.pt - ou identificados como tal - ou qualquer tipo de comunicações e documentos privados e/ou confidenciais dos autores, incluindo a correspondência e comunicações contendo dados dos autores e todos os documentos contendo segredos de negócio dos autores;

d) Absterem-se de publicar, ou divulgar, por qualquer meio, no todo ou em parte, direta ou indiretamente, a correspondência (ou suposta correspondência) privada dos autores, nomeadamente a relacionada com e-mails com o domínio @............ - ou identificados como tal - ou qualquer tipo de comunicações e documentos privados e/ou confidenciais dos autores, incluindo a correspondência e comunicações contendo dados dos autores e todos os documentos contendo segredos de negócio dos autores

e) Absterem-se de dar acesso por qualquer meio, no todo ou em parte, direta ou indiretamente, à correspondência (ou suposta correspondência) privada dos autores, nomeadamente a relacionada com e-mails com o domínio @............ - ou identificados como tal - ou qualquer tipo de comunicações e documentos privados e/ou confidenciais dos autores, incluindo a correspondência e comunicações contendo dados dos autores e todos os documentos contendo segredos de negócio dos autores; e ainda de relatar ou transmitir o seu conteúdo, por qualquer forma ou meio, a terceiros;

f) Retirarem e apagarem todos os suportes de comunicação dos réus que se encontrem (ou venham a ser) publicados, seja em meios digitais e/ou em papel, controlados pelos réus ou por terceiros, incluindo Youtube e outras plataformas similares, contendo alusões à correspondência (ou suposta correspondência) privada dos autores, nomeadamente a relacionada com e-mails com o domínio @............ - ou identificados como tal - ou qualquer tipo de comunicações e documentos privados e/ou confidenciais dos autores, incluindo a correspondência e comunicações contendo dados dos autores, e todos os documentos contendo segredos de negócio dos autores;

g) Entregarem ao Tribunal, nos termos e para os efeitos do art. 338º-C, n.º 1 do CPI, todos os suportes em seu poder contendo correspondência (ou suposta correspondência) privada dos autores, nomeadamente a relacionada com e-mails com o domínio @............ - ou identificados como tal - ou qualquer tipo de comunicações e documentos privados dos autores, incluindo a correspondência e comunicações contendo dados e segredos de negócio dos autores;

d) Absterem-se de publicar, ou divulgar, por qualquer meio, no todo ou em parte, direta ou indiretamente, a correspondência (ou suposta correspondência) privada dos autores, nomeadamente a relacionada com e-mails com o domínio @............ - ou identificados como tal - ou qualquer tipo de comunicações e documentos privados e/ou confidenciais dos autores, incluindo a correspondência e comunicações contendo dados dos autores e todos os documentos contendo segredos de negócio dos autores;

e) Absterem-se de dar acesso por qualquer meio, no todo ou em parte, direta ou indiretamente, à correspondência (ou suposta correspondência) privada dos Autores, nomeadamente a relacionada com e-mails com o domínio @............ - ou identificados como tal - ou qualquer tipo de comunicações e documentos privados e/ou confidenciais dos autores, incluindo a correspondência e comunicações contendo dados dos autores e todos os documentos contendo segredos de negócio dos autores; e ainda de relatar ou transmitir o seu conteúdo, por qualquer forma ou meio, a terceiros;

f) Retirarem e apagarem todos os suportes de comunicação dos réus que se encontrem (ou venham a ser) publicados, seja em meios digitais e/ou em papel, controlados pelos réus ou por terceiros, incluindo Youtube e outras plataformas similares, contendo alusões à correspondência (ou suposta correspondência) privada dos autores, nomeadamente a relacionada com e-mails com o domínio @............ - ou identificados como tal - ou qualquer tipo de comunicações e documentos privados e/ou confidenciais dos autores, incluindo a correspondência e comunicações contendo dados dos autores, e todos os documentos contendo segredos de negócio dos autores;

g) Entregarem ao Tribunal, nos termos e para os efeitos do art. 338º-C, n.º 1 do CPI, todos os suportes em seu poder contendo correspondência (ou suposta correspondência) privada dos autores, nomeadamente a relacionada com e-mails com o domínio @............ - ou identificados como tal - ou qualquer tipo de comunicações e documentos privados dos autores, incluindo a correspondência e comunicações contendo dados e segredos de negócio dos autores;

h) Entregarem ao Tribunal, nos termos e para os efeitos dos artigos 338º-C e 338º-H do CPI, a listagem com a identificação das entidades às quais os suportes referidos na alínea g) anterior foram – total ou parcialmente – entregues ou transmitidos;

i) Publicarem, a suas expensas, nos termos do disposto no artigo 338º-O do CPI, em dois jornais diários de circulação nacional e grande tiragem, o extrato da sentença condenatória, contendo a identificação dos autores e dos réus, bem como o teor integral das decisões condenatórias, no prazo máximo de 5 dias após o respetivo trânsito em julgado e, bem assim, através de nota lida no programa Universo Porto – da Bancada (ou, se este deixar de existir, o programa sucedâneo de cariz similar), ordenando-se concomitantemente a sanção pecuniária compulsória de €30.000,00 (trinta mil euros) por cada dia de atraso no cumprimento tempestivo da obrigação de publicação declarada;

j) Pagarem as quantias adicionais que vierem a ser reclamadas, a título de indemnização pelos danos supervenientes que a atuação dos réus continuará a causar aos autores, incluindo designadamente a título de aproveitamento de segredos de comércio das Autores, remetendo-se a sua liquidação para momento oportuno - após o seu conhecimento ou a sua ocorrência – ou em sede de execução de sentença, tudo com juros e o mais que for de lei;

k) Pagarem, ao abrigo do artigo 338º-N, n.º 4, do CPI e do artigo 829.º-A, do Código Civil, a sanção pecuniária compulsória para garantia do cumprimento do(s) pedido(s) condenatório(s) nas alíneas c) a h) supra, em valor que se sugere não inferior a €250.000,00 (duzentos e cinquenta mil euros), por cada infração da decisão judicial e/ou das injunções nela determinadas que venha a ocorrer desde a data da sua notificação aos Réus.

Para tal alegaram, que são concorrentes diretos nas competições desportivas nacionais e internacionais, e que os dois clubes são constituídos por uma multiplicidade de sociedades comerciais.

Afirmam que, o comportamento dos requeridos tem colocado em causa os princípios, normas de lealdade e usos honestos da concorrência; e, que os requeridos, de forma concertada, divulgam e prometem continuar a fazê-lo, alegados factos contidos em correspondência privada, trocada entre membros dos órgãos sociais e ... das requerentes.

Dizem que são distorcidas de forma intencional frases ou excertos de frases, atribuindo-lhes sentidos que deslustram a reputação e a imagem das requerentes.

Concluem que, os comportamentos dos requeridos são ilícitos à luz, nomeadamente, dos arts. 317º e 318º do Código da Propriedade Industrial. Identificam ainda os seus principais patrocinadores.

Alegam que para o desenvolvimento da sua atividade os requerentes dispõem de um sistema informático e serviços de comunicações, que contêm dados sigilosos. Mias alegam que o acesso, aproveitamento ou divulgação por terceiros da informação privilegiada secreta da SLB SAD seria idónea a influenciar de maneira sensível o preço dos valores mobiliários ou dos instrumentos subjacentes ou derivados; e que a divulgação de correspondência e comunicações privadas resulta de uma estratégia concertada do Grupo Futebol Clube..., que tem como objetivo imediato a descredibilização desportiva e social e o enfraquecimento económico das requerentes. Alegam, ademais um conjunto de factos em ordem a demonstrar a subordinação dos réus ao grupo Futebol Clube... e seus interesses; factualidade , que, na sua versão, fundamenta a inexistência de qualquer causa de exclusão da ilicitude da conduta dos réus ao abrigo da liberdade de expressão e de imprensa.

Terminam, alegando factos relativos aos danos já causados, ações a que deram causa, necessárias para mitigar a situação e seus custos, bem como os perigos de lesão grave e irreparável e, os danos existentes e potenciais do simples acesso e divulgação dos seus segredos.

Os réus apresentaram contestação, alegando, em suma que: os e-mails revelados pelo réu AA foram obtidos pelo mesmo de um modo lícito, por fonte anónima, não tendo havido qualquer acesso ilegítimo por este ou outro réu a correspondência ou comunicações dos autores, de natureza privada e confidencial; de entre os milhares destes e-mails, este réu só divulgou uma ínfima parte deles, depois de o seu conteúdo ser analisado e triado, em função do seu interesse público; e mesmo em relação aos e-mails e anexos, que foram selecionados, houve o cuidado de não se divulgar partes do seu teor irrelevante do ponto de vista do interesse público ou que dissessem respeito à vida íntima, familiar e sexual, de pessoas neles referidas; Dada (1) a veracidade das informações divulgadas; (2) o interesse público inerente ao conteúdo das respetivas correspondência e comunicações; (3) o estatuto de figura pública dos visados (Autores) pelas imputações do facto; (4) a sua qualidade de pessoa coletiva; (5) a circunstância de a divulgação ter ocorrido através de um órgão de comunicação social e de aos mesmos factos ter sido dada cobertura por outros meios de comunicação social e, ainda, (6) o cuidado que foi observado na seleção da informação (em função do interesse público e com proteção da vida privada dos próprios e de terceiros), não existe ilicitude dos atos que os autores imputam aos réus.

Por outro lado, a ter existido ato de concorrência desleal, só poderia o mesmo, traduzir-se num ato de «intromissão na concorrência». No entanto, um tal ato não foi praticado, já que a intenção da ré A..., S.A. e do réu AA foi, exclusivamente, a de informar o público em geral e os participantes ativos no mercado da indústria do futebol, em especial, sobre acontecimentos relevantes para a formação de opinião, atuando no exercício do seu direito de informar.

Aduzem ainda que, se entendesse que estarmos perante um ato de concorrência, o mesmo não seria desleal ou ilícito, na medida em que não foram divulgados factos falsos. Mesmo que o réu AA e o P.... ..... não tivessem procedido à revelação dos e-mails, sempre viriam a público (que mais não seja, em virtude da pendência dos processos-crime em curso e dos respetivos desenvolvimentos), como se comprova pelo facto de, após aqueles réus terem parado com a divulgação dos e-mails, continuarem a existir manchetes de jornal dedicadas, por motivos relacionados com o caso dos “e-mails do SLB”, a pessoas ligadas aos autores.

Terminam pedindo a sua absolvição do pedido.

A ré Futebol Club..., SAD deduziu um pedido reconvencional contra a autora Benfica..., pedindo a condenação desta no pagamento da quantia que se vier a liquidar. Para tal, alegou, em suma, que os e-mails em causa revelam um quadro de comportamento da autora, violador das regras de probidade, lealdade e verdade desportiva, o qual lhe provocou a perda da chance de ganhar as competições desportivas e, por via disso, viu diminuídas as suas receitas resultantes do patrocínio e sponsorização.


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Foi realizada audiência final, no decurso da qual os autores vieram apresentar articulado superveniente e liquidaram a quantia ilíquida por incidente.

Foi prolatada sentença que apresenta o seguinte segmento decisório:

Pelo exposto o tribunal julga a presente acção parcialmente procedente por provada e por via disso: 1. Absolve os RR A..., S.A.; BB; CC; e DD, de todos os pedidos contra si formulados; 2. Condena as RR. Futebol Clube...; Futebol Club..., SAD; F...., S.A.; e AA A PAGAREM ÀS AUTORAS A QUANTIA DE 523.023,04 EUROS (QUINHENTOS E VINTE E TRÊS MIL, VINTE E TRÊS EUROS E QUATRO CÊNTIMOS), ACRESCIDOS DE JUROS DE MORA DESDE A CITAÇÃO ATÉ INTEGRAL PAGAMENTO À TAXA CIVIL, A TÍTULO DE DANOS EMERGENTES; 3. CONDENA as RR. Futebol Clube...; Futebol Club..., SAD; F...., S.A.; e AA A PAGAREM ÀS AUTORAS A QUANTIA DE 1.430.000,00 (UM MILHÃO QUATROCENTOS E TRINTA MIL EUROS), ACRESCIDA DE JUROS À TAXA CIVIL DESDE O TRÂNSITO DA DECISÃO ATÉ INTEGRAL PAGAMENTO, A TÍTULO DE DANOS NÃO PATRIMONIAIS PELA DIVULGAÇÃO DA SUA CORRESPONDÊNCIA.4. CONDENA as RR. Futebol Clube...; Futebol Club..., SAD; F...., S.A. NO PAGAMENTO DA QUANTIA QUE SE LIQUIDAR EM EXECUÇÃO DE SENTENÇA RELATIVAMENTE AO DANO CAUSADO ÀS AA PELA APROPRIAÇÃO DESDE ABRIL DE 2017 ATÉ À DATA DA LIQUIDAÇÃO, DOS SEGREDOS DE NEGÓCIO CONSTANTES DOS FACTOS PROVADOS NSº128 A 134 E DOS ELEMENTOS CLÍNICOS DE ATLETAS CONSTANTES DO FACTO PROVADO Nº 133.5. JULGA-SE EXTINTO POR INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE O PEDIDO FORMULADO EM G) NOS TERMOS DO ART. 276º, AL E), DO CPC.6. JULGAM-SE IMPROCEDENTES TODOS OS DEMAIS PEDIDOS FORMULADOS PELA AUTORA ABSOLVENDO OS RESTANTES RR EM CONFORMIDADE.7. JULGA-SE IMPROCEDENTE POR NÃO PROVADO O PEDIDO RECONVENCIONAL FORMULADO E POR VIA DISSO ABSOLVE-SE A RECONVINDA DO MESMO.8. TODAS AS INJUNÇÕES DO PROCEDIMENTO CAUTELAR MANTÊM A SUA VALIDADE ATÉ AO TRÂNSITO EM JULGADO DESTA DECISÃO.”


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2. As Apelações

Foram apresentados quatro recursos interlocutórios, com subida em separado, apreciados pelo Tribunal da Relação, aquando do conhecimento dos recursos interpostos da sentença.

Das seguintes decisões interlocutórias do tribunal a quo:

• 1.º Recurso (apenso B) apresentado pelos autores contra o despacho que admitiu o pedido reconvencional apresentado pela ré Futebol Club..., SAD; a Relação concluiu pela extinção da instância por inutilidade superveniente;

• 2.º Recurso (apenso C) apresentado pelos réus, que teve por objecto a decisão da 1ª Instância proferida em sede de audiência prévia no dia .... .01.2019, que considerou ilícita a prova junta pelos réus e julgou procedente a nulidade invocada pelos autores; a Relação julgou improcedente o recurso e confirmou a decisão recorrida;

• 3.º Recurso (apenso E) apresentado pelos autores, relativo à decisão da 1ª Instância proferida na sessão de julgamento de ... .3.2019, na qual se permitiu que toda a prova existente nos autos – incluindo os e-mails referentes ao domínio @slbbenfica.pt, propriedade dos autores, acedidos ilegitimamente – fosse utilizada por ambas as partes; a Relação julgou improcedente o recurso e, confirmou aquela decisão;

• 4º recurso (apenso F) apresentado pelas autores, da decisão que admitiu a junção dos documentos apresentados pelo réu AA, com o seu requerimento de ... .4.2019,(art. 423º CPC); a Relação julgou procedente o recurso , por intempestiva a junção dos documentos e ordenou a sua devolução.


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Inconformados com a sentença na parte em que decaíram, os autores e os réus Futebol Clube..., Futebol Club..., SAD, F...., S.A. e AA interpuseram recurso.

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Foi proferido acórdão pelo Tribunal da Relação do Porto, que apresenta o seguinte segmento decisório:

“Nos termos expostos, acordam os juízes que constituem este tribunal em julgar parcialmente procedentes os recursos de apelação interpostos pelos autores Sport Lisboa e Benfica e “Sport ...SAD” e pelos réus Futebol Clube..., “Futebol Club..., SAD”, “F...., S.A.” e AA e, em consequência: 1. Absolvem-se os réus BB, CC e DD de todos os pedidos contra si formulados; 2. Condenam-se os réus Futebol Clube..., “Futebol Club..., SAD; “F...., S.A., “A..., S.A.” e AA a pagarem aos autores a quantia de 605.300,90€ (seiscentos e cinco mil e trezentos euros e noventa cêntimos), acrescida de juros de mora desde a citação até integral pagamento à taxa civil, a título de danos emergentes; 3. Condenam-se os réus Futebol Clube..., “Futebol Club..., SAD; “F...., S.A., “A..., S.A.” e AA a pagarem aos autores a quantia de 1.000.000,00 (um milhão de euros), acrescida de juros à taxa civil desde o trânsito da decisão até integral pagamento, a título de danos não patrimoniais pela divulgação da sua correspondência; 4. Condenam-se os réus Futebol Clube..., “Futebol Club..., SAD e “F...., S.A.” no pagamento da quantia que se liquidar em execução de sentença relativamente ao dano causado aos autores pela apropriação desde abril de 2017 até à data da liquidação, dos segredos de negócio constantes dos factos provados nsº128 a 134 e dos elementos clínicos de atletas constantes do facto provado nº 133; 5. Condenam-se os réus Futebol Clube..., “Futebol Club..., SAD; “F...., S.A., “A..., S.A.” e AA a absterem-se de aceder, por qualquer meio, no todo ou em parte, direta ou indiretamente, à correspondência privada dos autores, nomeadamente a relacionada com e-mails com o domínio @............ - ou identificados como tal - ou qualquer tipo de comunicações e documentos privados e/ou confidenciais dos autores, incluindo a correspondência e comunicações contendo dados dos autores e todos os documentos contendo segredos de negócio dos autores; 6. Condenam-se os réus Futebol Clube..., “Futebol Club..., SAD; “F...., S.A., “A..., S.A.” e AA a absterem-se de publicar, ou divulgar, por qualquer meio, no todo ou em parte, direta ou indiretamente, a correspondência privada dos autores, nomeadamente a relacionada com e-mails com o domínio @............ - ou identificados como tal - ou qualquer tipo de comunicações e documentos privados e/ou confidenciais dos autores, incluindo a correspondência e comunicações contendo dados dos autores e todos os documentos contendo segredos de negócio dos autores; 7. Condenam-se os réus Futebol Clube..., “Futebol Club..., SAD; “F...., S.A., “A..., S.A.” e AA a absterem-se de dar acesso por qualquer meio, no todo ou em parte, direta ou indiretamente, à correspondência privada dos autores, nomeadamente a relacionada com e-mails com o domínio @............ - ou identificados como tal - ou qualquer tipo de comunicações e documentos privados e/ou confidenciais dos autores, incluindo a correspondência e comunicações contendo dados dos autores e todos os documentos contendo segredos de negócio dos autores e ainda de relatar ou transmitir o seu conteúdo, por qualquer forma ou meio, a terceiros; 8. Condenam-se os réus Futebol Clube..., “Futebol Club..., SAD; “F...., S.A., “A..., S.A.” e AA a pagarem, ao abrigo do art. 829.º-A do Cód. Civil, sanção pecuniária compulsória para garantia do cumprimento das condenações efetuadas em 5., 6. e 7. no valor de 200.000,00€ (duzentos mil euros) por cada infração ao judicialmente determinado naqueles pontos; 9. Julga-se extinto por inutilidade superveniente da lide o pedido formulado em g) nos termos do art. 277º, al e), do CPC;

10. Julgam-se improcedentes todos os demais pedidos formulados pelos autores absolvendo-se os réus em conformidade; 11. Julga-se improcedente por não provado o pedido reconvencional formulado e por via disso absolve-se a reconvinda do mesmo.”


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3. Os recursos de Revista

Mantendo-se inconformados, foram apresentados os seguintes recursos de revista, nos termos gerais e, a título excecional:

i) Recurso de revista pelos réus Futebol Clube..., Futebol Club..., SAD e F...., S.A. e AA e pela ré A..., S.A.;

ii) Recurso de revista independente pelos autores;

iii) Recurso subordinado pelos autores.

Foram apresentadas respostas pelas respetivas contrapartes aos recursos independentes, assim como pelos réus ao recurso subordinado apresentado pelos autores.

4.Da Admissibilidade

Atento o disposto no artigo 652.º, nº1, 1/b) do CPC ex vi artigo 679.º do mesmo diploma , importa apreciar dos requisitos da admissibilidade dos recursos interpostos.

Em benefício do julgamento final do mérito global na causa, e razões de economia processual, aconselham a apreciação e deliberação prévia do Colectivo, acerca dos pressupostos de admissão de cada um dos recursos interpostos; e por outro lado, sobrestar o conhecimento daqueles que preencham os requisitos de admissibilidade da revista ordinária, até à decisão da Formação, no que reporta aos pressupostos específicos de recorribilidade excecional.

A )Do recurso independente interposto pelos autores SPORT LISBOA E BENFICA e SPORT ..., SAD

Os autores interpõem recurso independente, impugnando os seguintes pontos do acórdão recorrido: i) decisão de não aditamento à matéria de facto provada de três factos (nomeados como “facto dois”, “facto onze” e “facto doze”) que haviam sido alegados e que as recorrentes alegam terem sido admitidos por acordo pelos réus; ii) nulidade do acórdão, por existência de oposição entre os fundamentos e a decisão de absolvição dos réus ... iii) decisão de absolvição do pedido dos réus ... BB, CC e DD; iv) decisão de redução da indemnização atribuída aos autores, de €1.430.000,00 para €1.000.000,00, incluindo a condenação da ré A..., S.A., a título de danos não patrimoniais.

Os AA. alicerçam os seus pedidos na acção no instituto da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos.

Donde, importa convocar o critério firmado no AUJ n.º 7/2022 na aferição da existência de dupla conforme, impeditiva da revista nos termos gerais (artigo 671º, nº3, do CPC

De acordo com a jurisprudência ali fixada : “Em acção de responsabilidade civil extracontratual fundada em facto ilícito, a conformidade decisória que caracteriza a dupla conforme impeditiva da admissibilidade da revista, nos termos do artigo 671º, nº. 3, do CPC, avaliada em função do benefício que o apelante retirou do Acórdão da Relação, é apreciada, separadamente, para cada segmento decisório autónomo e cindível em que a pretensão indemnizatória global se encontra decomposta.”

Na síntese expressiva do acórdão do STJ de 15-12-2022 “ (..)face ao AUJ n.º 7/2022, de 20-09-2022: a. deve averiguar-se se há segmentos decisórios autónomos e cindíveis; b. em caso afirmativo, e em relação a cada um dos segmentos decisórios autónomos e cindíveis, deve averiguar-se se o acórdão do tribunal da Relação confirma a decisão do tribunal de 1.ª instância; c. em caso afirmativo, e em relação a cada um dos segmentos decisórios autónomos e distintos em que o acórdão da Relação confirme a decisão do tribunal de 1.ª instância, deve averiguar-se o confirma sem fundamentação essencialmente diferente.”1

No que concerne ao fundamento recursório indicado no ponto i), que se reconduz à imputação ao acórdão recorrido da violação de regras de direito probatório material (art. 674, nº3, do CPC), é pacífico na jurisprudência deste tribunal e acolhido também pela doutrina, que interferindo no modo como a Relação analisou a impugnação da decisão sobre a matéria de facto , constitui uma decisão da sua exclusiva competência justificando a revista normal.

De igual modo, quanto ao fundamento recursório elencado no ponto iv), relativo à redução da compensação atribuída a título de danos patrimoniais, em desabono das recorrentes (ponto 3) do dispositivo do acórdão recorrido).

Já quanto à decisão de absolvição do pedido dos réus ... BB, CC e DD, confirmada pelo Tribunal da Relação, sustentam os autores, numa argumentação que é disputada pelos réus, que não se verifica uma situação de dupla conforme, com base em argumentos de duas ordens de razão: os novos fundamentos avançados pelo Tribunal a quo a respeito da novel decisão de condenação da ré A..., S.A. também impactam na questão aqui em causa, desde logo por se referirem à atuação específica daqueles réus ... nos factos em apreço, traduzindo-se num percurso jurídico distinto do levado a cabo no acórdão recorrido; foram introduzidas modificações ao nível da matéria de facto, especialmente quanto aos factos n.os 198, 199, 200 e 201, aditados pela Relação do Porto à matéria assente, factualidade essa que diz respeito), à atuação concreta dos réus ... nas condutas ilícitas e danosas em apreço que causaram diretamente os danos suportados pelos autores.

De acordo com a jurisprudência estabilizada do STJ, o conceito de fundamentação essencialmente diferente não se basta com qualquer modificação ou alteração da fundamentação no iter jurídico que suporta o acórdão da Relação em confronto com a sentença de 1.ª instância, sendo antes indispensável que, naquele aresto, ocorra uma diversidade estrutural e diametralmente diferente no plano da subsunção do enquadramento normativo da mesma matéria litigiosa.

Neste sentido, se pronuncia ABRANTES GERALDES , defendendo que “a alusão à natureza essencial da diversidade da fundamentação claramente nos induz a desconsiderar, para o mesmo efeito, discrepâncias marginais, secundárias, periféricas, que não representa, efetivamente um percurso jurídico diverso. O mesmo se diga quando a diversidade de fundamentação se traduza apenas na recusa, pela Relação, de uma das vias trilhadas para atingir o mesmo resultado ou, do lado inverso, no aditamento de outro fundamento jurídico que não tenha sido considerado ou que não tenha sido admitido, ou no reforço da decisão recorrida através do recurso a outros argumentos, sem pôr em causa a fundamentação usada pelo tribunal de 1.ª instância” .

Em suma: estaremos perante uma fundamentação essencial diversa “quando a solução jurídica do pleito prevalecente na Relação tenha assentado, de modo radicalmente ou profundamente inovatório, em normas, interpretações normativas ou institutos jurídicos perfeitamente diversos e autónomos dos que haviam justificado e fundamentado a decisão proferida na sentença apelada – ou seja, quando tal acórdão se estribe decisivamente no inovatório apelo a um enquadramento jurídico perfeitamente diverso e radicalmente diferenciado daquele em que assentara a sentença proferida em 1ª instância” (acórdão do STJ de 19-02-2015).

Neste enquadramento da figura da dupla conforme, ocupemos-mos da situação em análise.

A 1.ª instância excluiu a responsabilidade dos réus ..., à luz do disposto no artigo 79.º do Código das Sociedades Comerciais , por considerar que apenas cabem na sua previsão os danos causados pelos ... sem a interferência da pessoa coletiva, e que os autores não demonstraram quaisquer ato isolados daqueles réus nos eventos lesivos.

A 2.ª instância prosseguiu idêntico percurso argumentativo, como emerge, v.g, do seguinte ponto da fundamentação no acórdão recorrido : “Tal como se salienta na sentença recorrida, este preceito pressupõe que a conduta pessoal dos ... tenha uma participação essencial no processo causal que provocou o dano, sem interferência – total ou parcial – da sociedade, sendo que no caso dos autos, face à factualidade que foi dada como assente, se constata que todos os atos danosos foram praticados através das sociedades, sem que nesse sentido se tenha provado qualquer ato isolado dos réus .... Não ficou demonstrado que tenha havido da parte dos ... dos réus um plano global de ataque aos autores e nenhuma ação própria, concreta e exclusiva lhes pode ser atribuída, não bastando para tal efeito a mera produção de afirmações retóricas ou irónicas.”

Observe-se que o acórdão recorrido vincou que (cfr. nota de rodapé n.º 121), as modificações empreendidas em sede de matéria de facto assente não conduziram a qualquer alteração da solução jurídica neste segmento; a qualquer alteração da solução jurídica e também a qualquer alteração da argumentação que a suportou.

Com efeito, como tem sido reiteradamente afirmado pela jurisprudência do STJ, não descaracteriza a dupla conforme, enquanto situação processual impeditiva do recurso de revista, nos termos gerais, as alterações factuais operadas pelo Tribunal da Relação sem reflexos na subsunção jurídica.

Em nossa análise os factos introduzidos na materialidade assente – nomeadamente, os realçados pelos autores, atinentes às declarações do réu ... BB e do réu AA – não determinaram qualquer alteração na solução jurídica dada à causa neste particular, não tendo o Tribunal da Relação divergido do quadro normativo mobilizado pelo Tribunal de Primeira Instância, o qual foi interpretado de modo congruente nos dois casos.1

Sob outra ótica, em adverso ao que sustentam os autores, a condenação em primeiro grau da ré A..., S.A. pelo Tribunal da Relação – alicerçada numa valoração diversa da matéria de facto provada e a um enquadramento jurídico parcialmente distinto do efetuado em primeiro grau - nenhuma implicação em sede de fundamentação de direito teve na decisão de absolvição dos réus .... Efetivamente, o facto de estes réus, pessoas singulares serem, também eles, ... de uma sociedade (A..., S.A.) que veio a ser condenada no pedido, não introduziu qualquer alteração na fundamentação jurídica nesta sede, não abalando o pressuposto que, na economia do acórdão recorrido, determinou a improcedência dos pedidos formulados contra os réus ... (a inexistência de uma ação própria destes lesiva dos direitos dos autores).

Concluímos, assim, que, quanto ao segmento decisório constante do ponto 1) do dispositivo do acórdão, o recurso de revista geral se mostra obstaculizado, em face da existência de dupla conforme (art. 671.º/3 do CPC). Tendo sido, neste particular, interposto recurso de revista excecional, a título subsidiário, com fundamento nas alíneas a) e b) do n.º 1 do art. 671.º do CPC, há que remeter os autos à Formação de apreciação preliminar para apreciação dos respetivos pressupostos recursórios.

Por último, a invocada nulidade do acórdão recorrido por existência de oposição entre os fundamentos e a decisão de absolvição dos réus ..., por revestir natureza acessória relativamente ao fundamento recursório precedentemente elencado, apenas deverá ser apreciada, na circunstância de a revista excecional quanto ao mesmo venha a ser admitida pela Formação

Como se pontifica no Acórdão do STJ DE 20.12.2017 , “ (..)apesar do artigo 674.º, n.º 1, alínea c), do CPC, estabelecer que a revista pode ter por fundamento as nulidades previstas nas alíneas b) a e) do artigo 615.º do CPC, aquela norma não pode deixar de ser conjugada com o preceituado no n.º 4 deste mesmo artigo, segundo o qual, tais nulidades só são arguíveis por via recursória quando da decisão reclamada caiba também recurso ordinário, ou seja, como fundamento acessório desse recurso.”

Apresentando a nulidade em crise uma conexão processual com um fundamento recursório que apenas admite revista excecional, o seu conhecimento pelo STJ deverá, pois, ficar dependente da admissibilidade desta mesma revista.

B) Dos recursos interpostos pelos réus Futebol Clube..., Futebol Club..., SAD, F...., S.A. e AA e pela ré A..., S.A.

Os RR interpõem recurso tendo por objecto os pontos 2 e 3 do dispositivo do acórdão recorrido, alegando que não foi confirmada a decisão proferida pela 1.ª instância, porquanto os respetivos montantes – ou o quantum indemnizatório - são distintos, sendo igualmente essencialmente diversa a fundamentação mobilizada pelas instâncias para esteirar as respetivas decisões.

Argumentam os recorrentes que “o Tribunal da Relação funda (em IV e VIII da fundamentação) a condenação refletida em 2 e 3 na aplicação direta do art.º 34º da Constituição da República (entendendo ocorrer colisão de direitos sujeita ao art.º 335º do Cód. Civil), enquanto o Tribunal de primeira instância a havia fundado nos art.ºs 483º e 76º do Cód. Civil”, acrescentando que “o Tribunal da Relação (em V da fundamentação) recusou a existência de concausalidade, que havia determinado em primeira instância a fixação, mediante redução, a quantificação do dano patrimonial.”

Em resposta, pugnam os autores pela inadmissibilidade da revista, sustando existir dupla conforme nesta matéria. Afirmam que o facto de o Tribunal a quo ter reduzido a indemnização fixada a título de danos não patrimoniais, de €1.430.000,00 para € 1.000.000,00, significa que esta decisão foi mais favorável aos réus do que aquela que havia sido tomada em primeiro grau, não impedindo a verificação da dupla conforme. Aduzem que a fundamentação da decisão contida no ponto 3 do dispositivo do acórdão do Tribunal da Relação do Porto se manteve essencialmente idêntica face ao decidido pelo Tribunal de 1.ª instância, não existindo diversidade nos aspetos essenciais da fundamentação jurídica, já que o Tribunal da Relação do Porto não fundou tal condenação apenas na aplicação do artigo 34.º da CRP, simplesmente reforçou o sentido da condenação dos réus no direito constitucionalmente consagrado no artigo 34.º da Lei Fundamental.

Analisando.

No caso, não gera dívida que os segmentos inerentes às condenações previstas nos pontos 2) e 3) do dispositivo decisório, por se reportarem a diversas categorias de danos (patrimoniais e não patrimoniais) assumem a categoria de segmentos decisórios autónomos e cindíveis, tendo em conta a análise das respetivas motivações subjacentes, cuja autonomia viabiliza a fragmentação da decisão para efeitos de aferição de dupla conformidade decisória.

Em relação aos danos patrimoniais (ponto 2 do dispositivo), o Tribunal de Primeira Instância condenou os réus Futebol Clube..., Futebol Club..., SAD; F...., S.A., A..., S.A. e AA no pagamento da quantia de €523.023,04 (quinhentos e vinte e três mil, vinte e três euros e quatro cêntimos), acrescida de juros de mora desde a citação até integral pagamento à taxa civil, tendo tal condenação sido elevada pelo Tribunal da Relação para o montante de 605.300,90€ (seiscentos e cinco mil e trezentos euros e noventa cêntimos), acrescida de juros de mora desde a citação até integral pagamento à taxa civil.

Assim sendo, quanto a este segmento, o recurso de revista é admissível, considerando que a decisão de primeiro grau não foi confirmada, tendo sido alterada em sentido mais gravoso aos interesses dos réus.

Já no que concerne aos danos não patrimoniais (ponto 3 do dispositivo), o Tribunal de Primeira Instância condenou os réus no pagamento da quantia de €1.430.000,00 (um milhão quatrocentos e trinta mil euros), acrescida de juros à taxa civil desde o trânsito da decisão até integral pagamento, devida pela divulgação da correspondência, tendo o Tribunal da Relação do Porto alterado tal condenação em sentido mais favorável aos réus, condenando-os a pagarem aos autores a quantia de 1.000.000,00 (um milhão de euros), acrescida de juros à taxa civil desde o trânsito da decisão até integral pagamento.

O citado AUJ n.º 7/2022, no seu segmento uniformizador, veio considerar abrangidas pela proibição contida no artigo 671.º, n.º 3, do CPC situações, como a presente, em que o acórdão da Relação apresenta um conteúdo mais favorável aos recorrentes do que a decisão da 1.ª instância (reformatio in mellius). Como se pode ler na fundamentação do AUJ, “tal entendimento teve por base a valorização do elemento racional-teleológico da norma, partindo da ideia de não fazer sentido, no plano racional, permitir à parte beneficiada com a decisão da Relação recorrer para o STJ, quando o não poderia fazer caso tivesse ocorrido confirmação da decisão de 1.ª instância.”

Significará no caso concreto que o segmento decisório em destaque será enquadrável no artigo 671.º, nº3, do CPC, afastando o requisito negativo da dupla conforme apenas se as duas decisões tiverem assentado em fundamentações essencialmente diversas.

Passemos à análise comparativa das fundamentações das instâncias.

A primeira instância considerou que a conduta das rés constituía um ilícito civil, nos termos do artigos 76.º e 483º, do Código Civil , encontrando-se “em conflito o direito de privacidade das AA e uma parte do direito de expressão das RR (a utilização de comunicar a sua opinião usando documentos ilicitamente na sua posse pertença de terceiros)”. Nesse pressuposto, usou da equidade para fixar a compensação monetária devida pelos danos não patrimoniais em consequência da divulgação da correspondência, por apelo ao critério da equidade.

O Tribunal da Relação não divergiu da matriz subjacente à operação de subsunção jurídica realizada pelo 1.º grau – , como emerge do exarado na página 279 do acórdão,: “Conforme se explanou no ponto IV deste acórdão, a propósito do recurso interposto pelos réus, a que ter responsabilidade civil destes pela divulgação dos mails apoia-se em exclusivo na violação do direito à inviolabilidade e ao sigilo da correspondência das autores constitucionalmente consagrado no art. 34º da Constituição da República, e consequentemente na cláusula geral do art. 483º do Cód. Civil.”

A tal não obsta a circunstância de a Relação ter assentado a ilicitude inerente à responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos na ofensa ao direito à inviolabilidade da correspondência, contemplado no artigo 34.º da Constituição, e deslocado o debate jurídico no equilíbrio necessário no caso concreto entre este e o direito de liberdade de expressão e informação, previsto no artigo 37º.

Isto é, a base de imputação manteve-se no domínio da responsabilidade extracontratual, ampliando apenas a argumentação jurídica de natureza supralegal( ou mesmo um obiter dictum), no propósito de reforçar e densificar a conclusão , segundo a qual, à semelhança do tribunal a quo, a conduta das rés constituía um ilícito civil por violar o direito de privacidade dos autores.

Do mesmo modo, também não traduz obstáculo o Tribunal da Relação ter recusado a aplicação do artigo 76.º do Código Civil, invocado pelo Tribunal de Primeira Instância para fundar a ilicitude civil da conduta dos réus, por assumir índole marginal na economia da fundamentação e, mais do que isso, ser inconsequente na alteração do resultado quanto ao pressuposto da ilicitude.

Os réus baseiam, por outro lado, a essencial diversidade entre as fundamentações do acórdão recorrido e a sentença apelada na circunstância de o Tribunal da Relação ter recusado a existência de concausalidade.

Sob este ângulo, também aqui a tese dos recorrentes não colhe, porquanto o diverso entendimento das instâncias quanto à suscetibilidade de redução da indemnização se reportou, não aos danos não patrimoniais (que respeitam ao segmento decisório cuja admissibilidade recursória se aprecia), mas aos danos patrimoniais (cujo segmento decisório já se demonstrou ser passível de revista, nos termos gerais).

Por conseguinte, neste segmento em recurso , ocorre dupla conforme decisória obstativa da admissibilidade da revista, nos termos gerais (artigo 671.º, nº3, do CPC).

Tendo em conta que as rés interpuseram, a título subsidiário, recurso de revista excecional, com fundamento nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 671.º do CPC, e estando reunidos os respetivos pressupostos gerais de recorribilidade, deve o processo ser remetido à Formação de apreciação preliminar, a quem compete, nos termos do disposto no artigo 672., nº3, o CPC, aferir da presença dos pressupostos específicos de admissibilidade da revista excecional deduzida.

No que diz respeito ao segmento decisório atinente ao ponto 4 do dispositivo, que se reporta à condenação emergente da dita apropriação dos “segredos de negócio” e dos “elementos clínicos”, parece seguro que o acórdão recorrido confirmou a decisão do Tribunal de Primeira Instância, sem apelo a fundamentação essencialmente diversa. Verifica-se, também aqui, uma situação de dupla conforme, pelo que, estando reunidos pressupostos gerais de recorribilidade e tendo sido interposta revista excecional ao abrigo do disposto no artigo 672.º, nº1, al a)b)c), implica a intervenção da Formação para apreciar dos respetivos fundamentos recursórios invocados.

Por último, e uma vez que a ré A..., S.A., absolvida de todos os pedidos contra si deduzidos em primeira instância, foi condenada pelo Tribunal da Relação, dúvidas não subsistem, à luz dos preceituado nos artigos 629.º, nº1, 631.º, nº1 e 671.º, nº1 e nº3, a contrario sensu, do Código de Processo Civil, que o recurso de revista por si interposto quanto aos segmentos constantes dos pontos 2) e 3) do dispositivo do acórdão recorrido, se mostra admissível nos termos gerais.

C ) Do recurso subordinado interposto pelos autores SPORT LISBOA E BENFICA e SPORT ..., SAD

Os autores vêm, a título cumulativo, interpor recurso subordinado, visando a decisão, prevista no ponto 4) do dispositivo do acórdão recorrido, concernente à condenação dos réus Futebol Clube..., Futebol Club..., SAD e F...., S.A. no pagamento da quantia que se liquidar em execução de sentença relativamente ao dano causado aos autores pela apropriação desde abril de 2017 até à data da liquidação, dos segredos de negócio constantes dos factos provados nsº128 a 134 e dos elementos clínicos de atletas constantes do facto provado nº 133.

Os recorrentes pretendem por esta via que a referida liquidação seja feita no processo de declaração, por via da aplicação da equidade, nos termos previstos no artigo 566.º, n.º 3 do CC, e apresentam o presente recurso a título duplamente subsidiário: para o caso de o STJ vir a considerar admissível o recurso interposto pelos réus relativamente ao segmento decisório em apreço; e para o caso de o STJ considerar que o Tribunal da Relação do Porto andou mal ao relegar para execução de sentença a liquidação dos referidos danos.

Em sede de resposta, pugnam os réus pela inadmissibilidade do recurso em apreço alegando que, à luz do preceituado no n.º 1 do artigo 633.ºdo CPC, tendo os autores interposto recurso independente de revista do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação, está-lhes vedado interpor, cumulativamente, recurso subordinado do mesmo acórdão.

Objetam , ainda, que, verificando-se uma situação de dupla conforme quanto ao fundamento recursório em crise, e de acordo com a jurisprudência fixada pelo AUJ n.º 1/2020, o recurso subordinado não poderá deixar de assumir a veste de recurso de revista excecional, tendo os recorrentes incumprido os ónus de alegação consagrados no n.º 2 do artigo 672.º do CPC.

Apreciemos.

Segundo o que estatui o n.º 1 do artigo 633.º do CPC, “se ambas as partes ficarem vencidas, cada uma delas pode recorrer na parte que lhe seja desfavorável, podendo o recurso, nesse caso, ser independente ou subordinado.”

Ensina ABRANTES GERALDES, confrontado com uma decisão que, em parte, se lhe afigura desfavorável, o interessado tem o ónus de a impugnar, devendo fazê-lo no prazo normal. No entanto, “por vezes uma das partes faz depender a sua atuação da posição adotada pela parte contrária: optando por se abster de recorrer na parte em que a decisão lhe é desfavorável, reserva, contudo, o exercício do direito para a eventualidade de a parte contrária, também vencida, interpor recurso.”

No caso, os autores impugnaram partes distintas da mesma decisão por duas vias; através de recurso independente e através de recurso subordinado, interposto em momento subsequente à apresentação do recurso de revista pelos réus.

Não acompanhamos a argumentação expendida pelos réus.

Com efeito, a norma em análise, interpretada à luz da sua teleologia específica e do princípio do dispositivo que a enforma, obste à interposição cumulativa, pela mesma parte, de um recurso independente e de um recurso subordinado, em função da estratégia processual do recorrente, contanto – claro está - que os recursos respeitem a objetos diversos, isto é, a segmentos decisórios distintos da decisão recorrida.

Anote-se em suporte, que a razão subjacente à figura do recurso subordinado se prende com a salvaguarda da igualdade no acesso ao recurso entre as contrapartes reciprocamente vencidas. Em causa está, pois, a necessidade de preservar o direito ao recurso “da contraparte parcialmente vencedora e que se conformara com o decaimento no restante do objeto processual, pressupondo que o seu vencimento parcial não seria impugnado.”

Em outra abordagem: a possibilidade de uma mesma parte interpor recurso independente e recurso subordinado visando objetos diversos encontra na lei correspondência verbal (cfr. artigo 9.º, nº2, do CC), tendo em conta que a conjunção alternativa “ou”, que aponta para o estabelecimento de uma faculdade alternativa, deverá ser entendida como se reportando a um mesmo objeto de recurso. Isto é: se a parte vencida recorrida pretender impugnar o mesmo segmento decisório deverá fazê-lo através de recurso independente “ou” através de recurso subordinado, excluindo-se estes meios impugnatórios mutuamente.

Todavia, se a parte tiver inicialmente interposto recurso independente dirigido a determinados segmentos decisórios – ao mesmo tempo que se conformou com outros que lhe foram desfavoráveis -, não deverá a mesma ver precludida a possibilidade de interpor recurso subordinado visando aqueles últimos se quanto a estes for surpreendida por um recurso da contraparte. É uma faculdade que lhe assiste e que traz consigo um risco, já que a posição do recorrente subordinado é processualmente vulnerável, ocorrendo a caducidade do recurso subordinado em caso de desistência do recurso principal, de o mesmo ficar sem efeito ou de o tribunal dele não tomar conhecimento (art. 633.º/3 do CPC).

Os interesses de justiça processual e da igualdade das partes, que teleologicamente suportam o regime do recurso subordinado , concorrem no sentido da interpretação propugnada, que apresenta a vantagem de desincentivar a litigiosidade, desestimulando a interposição de recursos a título profilático (em situações em que as partes se conformariam com o que foi decidido, mas que recorreriam para não correrem o risco de se verem impedidas de reagir na eventualidade de a parte contrária apresentar recurso).

Estabelecida a possibilidade de a mesma parte interpor, a título cumulativo, recurso independente e recurso subordinado com distintos objetos, prossigamos na análise da admissibilidade do recurso subordinado interposto pelos autores, recuperando o que estatui a norma do n.º 5 do art. 633.º do CPC: “se o recurso independente for admissível, o recurso subordinado também o será, ainda que a decisão impugnada seja desfavorável para o respetivo recorrente em valor igual ou inferior a metade da alçada do tribunal de que se recorre.”

No caso sub judice , verifica-se uma situação de decaimento recíproco em que os autores, recorridos, dirigiram o seu recurso subordinado à decisão, previamente impugnada recursivamente pelos réus Futebol Clube..., Futebol Club..., SAD e F...., S.A. de condenação destes no pagamento de uma quantia a liquidar em execução de sentença pela apropriação dos segredos de negócio e dos elementos clínicos de atletas (em causa está um pedido divisível).

Acresce que, o requisito negativo da dupla conforme, aplicável ao recurso de revista independente (artigo 671.º, nº3 do CPC), vigora igualmente em relação ao recurso subordinado, tendo o AUJ n.º 1/2020 fixado jurisprudência no sentido de que “o recurso subordinado de revista está sujeito ao n.º 3 do artigo 671.º, a isso não obstando o n.º 5 do art. 633.º do mesmo Código.”

No caso, revela-se, pois, seguro que esta dupla conforme se verifica, considerando que o acórdão recorrido confirmou, com fundamentação análoga, a decisão de relegar para execução de sentença a quantia inerente à condenação em causa.

Tendo os autores, no seu requerimento de interposição de recurso, invocado a norma do artigo 672.º, nº1, do CPC, igualmente neste segmento, caberá à Formação apreciar a verificação dos respetivos pressupostos de impugnação excecional.

5. Decisão

Pelo exposto, delibera-se :

a) No que concerne aos recursos interpostos pelos AA. e pelos RR., Futebol Clube..., Futebol Club..., SAD, F...., S.A.. e AA e pela ré A..., S.A., verificados os pressupostos gerais de recorribilidade e de revista ordinária vão admitidos nos segmentos recursivos não excluídos em 2., rejeitando quanto aos fundamentos ali identificados ;

b) Encontrando-se reunidos os pressupostos gerais de recorribilidade e a situação de dupla conforme decisória, remetam-se os autos à Formação a fim de apreciar dos pressupostos de admissibilidade dos recursos de revista excecionais apresentados: i.)pelos autores SPORT LISBOA E BENFICA e Sport ...SAD, quanto ao segmento decisório constante do ponto 1) do dispositivo do acórdão (recurso independente); ii) pelos réus Futebol Clube..., Futebol Club..., SAD, F...., S.A. e AA quanto aos segmentos decisórios constantes dos pontos 3) e 4) do dispositivo do acórdão recorrido; iii)- pelos autores SPORT LISBOA E BENFICA e Sport ...SAD, quanto ao segmento decisório constante do ponto 4) do dispositivo do acórdão recorrido (recurso subordinado);

c) Sobrestar a apreciação dos recursos indicados em a) até à decisão pela Formação no âmbito de b), com vista à sua apreciação conjunta.


Lisboa, 2 de Novembro de 2023

Isabel Salgado (relatora)

Maria Graça Trigo

Catarina Serra

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1. Sublinhado inclusive no texto final do aresto.