Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
83607/21.5YIPRT.G1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: MARIA DA GRAÇA TRIGO
Descritores: RECURSO DE REVISTA
REVISTA EXCECIONAL
VALOR DA CAUSA
INADMISSIBILIDADE
VIOLAÇÃO DAS REGRAS DE COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL
EXTEMPORANEIDADE
REJEIÇÃO DE RECURSO
Data do Acordão: 11/02/2023
Nº Único do Processo:
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: RECLAMAÇÃO INDEFERIDA
Sumário :
No caso dos autos, estando precludida a faculdade de se invocar a violação das regras de competência dos tribunais de trabalho (art. 97.º, n.º 2 do CPC), não tem aplicação a previsão do art. 629.º, n.º 2, al. a), do CPC, pelo que o recurso não é admissível com este fundamento.
Decisão Texto Integral:

Acordam em conferência no Supremo Tribunal de Justiça


I. Foi proferida a seguinte decisão da relatora:

«1. Nos presentes autos veio a ré interpor recurso de revista, por via excepcional, do acórdão da Relação que, julgando o recurso de apelação improcedente, confirmou a decisão recorrida, sem voto de vencido e com fundamentação convergente.

Por despacho do relator do Tribunal da Relação considerou-se – correctamente – que o valor da causa (€17.141,95 – cfr. despacho saneador proferido em 07/10/2021), não permitindo recurso de revista nos termos gerais (cfr. art. 629.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), não permite também a admissibilidade do recurso por via excepcional.

Porém, no mesmo despacho, entendeu-se que, tendo a recorrente invocado que a competência para o conhecimento da causa cabe aos tribunais de trabalho e não aos tribunais comuns, o recurso seria admissível, por via normal, ao abrigo da previsão do art. 629.º, n.º 2, alínea a), do CPC.

Assim seria se a questão da incompetência dos tribunais comuns tivesse sido oportunamente suscitada, atendendo ao regime do art. 97.º, n.º 2, do CPC:

«A violação das regras de competência em razão da matéria que apenas respeitem aos tribunais judiciais só pode ser arguida, ou oficiosamente conhecida, até ser proferido despacho saneador, ou, não havendo lugar a este, até ao início da audiência final.».

Compulsados os autos, verificou-se, porém, que, diversamente do exigido legalmente, a questão da violação das regras de competência dos tribunais de trabalho, que, tal como os tribunais comuns, integram os tribunais judiciais (cfr. art. 81.º, n.º 1 e 3, da Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais), não foi atempadamente suscitada. Cfr., neste sentido, os acórdãos deste Supremo Tribunal de 09-05-2023 (proc. n.º 4105/21.6T8VNG.P1.S1), não publicado, de 15-09-2021 (proc. n.º 290/07.8GBPNF-G.P1.S1) e de 22-02-2017 (proc. n.º 1519/15.4T8LSB.L1.S1), ambos consultáveis em www.dgsi.pt.

2. Ao abrigo do art. 655.º do CPC, foram as partes notificadas para, querendo, se pronunciarem sobre a possibilidade de não conhecimento do recurso por não ter aplicação ao caso dos autos a previsão do art. 629.º, n.º 2, alínea a), do CPC.

3. Veio a recorrente pronunciar-se nos termos seguintes:

«1. Salvo o devido respeito, a repartição da competência em razão da matéria entre as diferentes categorias de tribunais tem por base o princípio da especialização, do qual resulta, por um lado, a competência residual dos tribunais judiciais para todas as causas não atribuídas a outra ordem jurisdicional e, por outro, a competência exclusiva de tribunais especializados em função da natureza das questões em litígio (n.º 1 do art. 211.º e n.º 3 do art. 212.º, ambos da CRP e art. 26.º da LOTJ).

2. Princípio que decorre da garantia fundamental de acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos constante do n.º 1 do artigo 20º da CRP.

3. O legislador decidiu, e bem, criar a jurisdição laboral em razão da sua necessária especialização em nome dos comandos constitucionais supra indicados.

4. E foi igualmente em nome da necessária especialização que foram estabelecidos as regras de incompetência absoluta nos artigos 96º e seguinte do CPC.

5. Incompetência absoluta que é de conhecimento oficioso.

6. Ora, a interpretação do artigo 97º n.º 2 do CPC que consta do douto despacho não só viola os comandos constitucionais, supra indicados.

7. Inconstitucionalidade que expressamente se invoca e, salvo melhor opinião, há-de fundamentar a inaplicação da norma invocada no despacho a que se responde.».

Invoca a recorrente a inconstitucionalidade da norma do art. 92.º, n.º 2, do CPC por, alegadamente, desrespeitar a garantia constitucional de acesso ao direito e aos tribunais (art. 20.º, n.º 1, da Constituição), assim como as normas dos arts. 211.º e 212.º da Constituição.

Entende-se que a previsão, no art. 211.º da Constituição, da possibilidade de existência de tribunais com competência específica e de tribunais especializados para o julgamento de matérias determinadas em nada é contrariada pela preclusão prevista no art. 97.º, n.º 2, do CPC, da possibilidade de se invocar a violação das regras de competência em razão da matéria que apenas respeitem aos tribunais judiciais.

Entende-se também que este regime de preclusão, não desrespeitando a proporcionalidade dos ónus e cominações processuais, não põe em causa a garantia constitucional de acesso ao direito e aos tribunais (art. 20.º, n.º 1, da Constituição).

Esclareça-se, por fim, que as normas do art. 212.º da Constituição, por respeitarem aos tribunais administrativos e fiscais, não são susceptíveis de [ser] contrariadas pelo regime do art. 97.º, n.º 2, do CPC.

4. Assim, estando precludida a faculdade de se invocar a violação das regras de competência dos tribunais de trabalho (art. 97.º, n.º 2 do CPC), não tem aplicação a previsão do art. 629.º, n.º 2, alínea a), do CPC, pelo que não se admite o recurso.».

II. Desta decisão veio a Recorrente impugnar para a conferência, alegando nos termos seguintes:

“1. Salvo o devido respeito, a repartição da competência em razão da matéria entre as diferentes categorias de tribunais tem por base o princípio da especialização, do qual resulta, por um lado, a competência residual dos tribunais judiciais para todas as causas não atribuídas a outra ordem jurisdicional e, por outro, a competência exclusiva de tribunais especializados em função da natureza das questões em litígio (n.º 1 do art. 211.º e n.º 3 do art. 212.º, ambos da CRP e art. 26.º da LOTJ).

2. Princípio que decorre da garantia fundamental de acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos constante do n.º 1 do artigo 20º da CRP.

3. O legislador decidiu, e bem, criar a jurisdição laboral em razão da sua necessária especialização em nome dos comandos constitucionais supra indicados.

4. E foi igualmente em nome da necessária especialização que foram estabelecidas as regras de incompetência absoluta nos artigos 96º e seguinte do CPC.

5. Incompetência absoluta que é de conhecimento oficioso.

6. Ora, a interpretação do artigo 97º n.º 2 do CPC que consta do douto despacho não só viola os comandos constitucionais, supra indicados.

7. Inconstitucionalidade que expressamente se invoca e, salvo melhor opinião, há-de fundamentar a inaplicação da norma invocada no despacho a que se responde.”.

Insiste a Recorrente nos seguintes argumentos:

• A incompetência absoluta em razão da matéria é sempre de conhecimento oficioso;

• A norma do art. 97.º, n.º 2, do CPC padece de inconstitucionalidade.

Vejamos.

Tal como se afirma na decisão singular impugnada, nos termos do art. 97.º, n.º 2, do CPC, «[a] violação das regras de competência em razão da matéria que apenas respeitem aos tribunais judiciais só pode ser arguida, ou oficiosamente conhecida, até ser proferido despacho saneador, ou, não havendo lugar a este, até ao início da audiência final, razão pela qual improcede o primeiro argumento da Recorrente.

Quanto à invocada inconstitucionalidade desta norma, reitera-se que o facto de o art. 211.º da Constituição, no seu n.º 2, prever – sem impor – que, «[n]a primeira instância pode haver tribunais com competência específica e tribunais especializados para o julgamento de matérias determinadas», não é, de forma alguma, desrespeitado pelo regime preclusivo previsto na referida norma do n.º 2 do art. 97.º do CPC.

Regime preclusivo este que, atendendo a que os tribunais de trabalho, tal como os tribunais comuns, integram a categoria dos tribunais judiciais (cfr. art. 81.º, n.º 1 e 3, da Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais), tampouco desrespeita a proporcionalidade dos ónus e cominações processuais, não pondo em causa a garantia constitucional de acesso ao direito e aos tribunais consagrada no art. 20.º, n.º 1, da Constituição.

3. Pelo exposto, indefere-se a impugnação.

Custas pelo Recorrente.

Lisboa, 2 de Novembro de 2023

Maria da Graça Trigo (relatora)

Ana Paula Lobo

Fernando Baptista