Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
770/20.0T8VNG.P1.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: LUIS ESPÍRITO SANTO
Descritores: ANULAÇÃO DE DELIBERAÇÃO SOCIAL
SÓCIO
HERDEIRO
HERANÇA INDIVISA
CABEÇA DE CASAL
ASSEMBLEIA GERAL
CONVOCATÓRIA
DUPLA CONFORME
FUNDAMENTAÇÃO ESSENCIALMENTE DIFERENTE
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
EXCEÇÕES
LEGITIMIDADE SUBSTANTIVA
Apenso:

Data do Acordão: 11/02/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA (COMÉRCIO)
Decisão: REVISTA IMPROCEDENTE.
Sumário :

I – Tendo o acórdão recorrido confirmado a decisão de 1ª instância (sem qualquer voto de vencido), mas declarado a nulidade da sentença por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 615º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil, relativamente ao conhecimento da excepção de ilegitimidade substantiva do A., conhecendo da mesma em conformidade com o disposto no artigo 665º, nº 1, do dito diploma legal, com a conclusão de que assistia ao A. legitimidade substantiva para instaurar a presente acção, tal significa que não existe a menor coincidência entre o que foi objecto da sentença e do acórdão do Tribunal da Relação do Porto quanto a essa matéria.

II – Daí não poder falar-se em confirmação substantiva do decidido nessa parte, sendo a ratio decidendi do acórdão recorrido completamente diversa da que consta na sentença (que verdadeiramente nada disse ou motivou sobre a questão jurídica em apreço) pelo que, neste tocante, (e não em relação ao restante, em que houve de facto coincidência total entre os julgados), não se constituiu dupla conforme, nos termos do artigo 671º, nº 3, do Código de Processo Civil.

III - Perante a incerteza e indefinição quanto ao fundamento subjacente à designação do cabeça de casal da herança, bem como a correspondente qualidade de representante comum da contitularidade sobre a quota que pertencera ao falecido, atender-se-á preferencialmente à posição manifestada pelo conjunto de herdeiros, representativa da maioria das quotas hereditárias, que entenderam dar corpo à presente impugnação judicial, deferindo a sua representação comum ao A., nos termos do artigo 223º, nºs 1 e 2, do Código das Sociedades Comerciais, a quem assiste portanto legitimidade substantiva para instaurar a presente acção de anulação de deliberações sociais.

IV – Com efeito, são os herdeiros do sócio falecido (representados por quem entendam dever assumir a qualidade de representante comum) os portadores do interesse juridicamente relevante em colocar em crise a validade da uma Assembleia Geral da sociedade Ré para a qual foram convocados, mas na qual foram impedidos de participar pelo único sócio presente (titular de uma quota e que, quanto à quota sobrante, se arrogou, como cabeça de casal, representante comum dos restantes herdeiros), e que deliberou sobre todos os pontos da ordem de trabalhos, a solo, como muito bem lhe apeteceu.

V – Nesta sequência, é igualmente abusiva a conduta do sócio (e putativo/controvertido cabeça de casal) que usa agora os ditos poderes representativos para, sob o pretexto dos restantes herdeiros não serem sócios, vedar-lhes a possibilidade de actuação em juízo, coarctando-lhes ilegitimamente o seu direito de acção consagrado no artigo 2º do Código de Processo Civil e no artigo 20º da Constituição da República Portuguesa.

Decisão Texto Integral:

Revista nº 770/20.0T8VNG.P1.S1

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção).

I - RELATÓRIO.

Instaurou AA, em nome próprio, enquanto herdeiro de BB, e na qualidade de cabeça de casal da herança aberta por óbito de BB; CC; DD, menor, representado por sua mãe EE; FF; EE, contra PERPICOLA – COMERCIO DE ETIQUETAS E AUTOCOLANTES, LDA, com sede na Rua ..., freguesia de ..., concelho de ..., acção de anulação de deliberações sociais.

Essencialmente alegou:

Da acta n.º 37, onde se pode constatar que a 27 de Dezembro de 2019, pelas 17 horas, ficou consignado falsamente ter reunido um único sócio da Ré, nomeadamente, o sócio GG, e que tinha deliberado sobre a ordem de trabalhos constante da convocatória.

Nessa (Falsa) Assembleia o sócio GG, assumiu o papel de Presidente da Mesa da Assembleia; nessa (Falsa) Assembleia o sócio GG, sem mais sócios deliberou auto nomear-se gerente da Ré; nessa (Falsa) Assembleia o sócio GG, sem mais sócios deliberou auto fixar remuneração anual de € 10.500,00;

Deliberações essas que eram do total desconhecimento dos Autores até 9 de Janeiro de 2020, momento temporal em que tiveram acesso à acta após publicação na Conservatória de Registo Comercial.

Que nenhuma deliberação foi tomada no mencionado dia 27 de Dezembro de 2019, e mesmo que o tivesse sido, sempre teria sido sem a presença do Autor, porquanto, foi impedido de participar na Assembleia.

Que o aludido sócio se auto-intitulou gerente e fixou remuneração a si mesmo, com o único propósito de colmatar o estado de desemprego que enfrentava há longo tempo.

Tal deliberação, só podia ser fixada pelos sócios, e nunca pelo sócio GG, conduta violadora do disposto nos artigos 255º n.º 1 e 251º n.º 1 do CSC.

Acresce que, com a conduta descrita, os destinos da Ré ficam ao livre arbítrio do autoproclamado gerente, bastando a sua assinatura para obrigar a sociedade.

Subsidiariamente, caso assim não se entenda, a assembleia de 27 de Dezembro de 2019 foi convocada pelo GG na (falsa) qualidade de cabeça de casal da herança aberta por óbito de BB.

A representação desta quota cabe ao Autor AA, por inerência do exercício do cargo de cabeça de casal da herança

A assembleia geral de 27 de Dezembro de 2019 é nula, conforme dispõe o artigo 56.º, n.º 1, alínea a) do C.S.C. por a mesma ter sido convocada por uma entidade terceira à sociedade e, por isso, é considerada por lei como não convocada.

Concluiu formulando os seguintes pedidos:

A) ser declarada a anulação das deliberações tomadas na assembleia geral da ré no dia 27 de Dezembro de 2019.

B) ser ordenado o cancelamento da inscrição constante na certidão permanente de que o cargo de gerente compete a GG,

C) ser condenada ao pagamento de custas e demais encargos

D) serem declaradas nulas deliberações tomadas na assembleia geral da ré no dia 27 de Dezembro de 2019, uma vez que a assembleia é considerada como não convocada, nos termos do artigo 58.º, n.º 1, alínea a) do C.S.C.

E) ser ordenado o cancelamento da inscrição constante na certidão permanente de que o cargo de gerente compete a GG,

F) ser condenada ao pagamento de custas e demais encargos”.

Contestou a Ré, pugnando pela improcedência da acção, invocando a ilegitimidade activa.

Alegou essencialmente:

Nenhum dos autores tem a qualidade de sócio da sociedade pelo que não podem propor acção de anulação de deliberação social da sociedade de que não são sócios.

Acresce que aquele se arroga ainda a qualidade de cabeça de casal na herança aberta por óbito do primitivo sócio BB, qualidade que também não possui já que os Autores só em 8 de Abril de 2020 propuseram acção tendo em vista a remoção de GG do cargo de cabeça de casal.

Que a ausência de demonstração da sua qualidade de sócio e bem assim a falta de comunicação à sociedade de ser o representante de quota comum, impossibilita o autor AA de propor a presente acção.

Defende-se ainda por impugnação e conclui pela improcedência da acção.

Na audiência prévia, os Autores responderam à exceção dilatória da ilegitimidade, pugnando pela sua improcedência.

Alegaram essencialmente:

Todos os herdeiros legitimários de BB são unanimes em reconhecer o autor AA como cabeça de casal da herança aberta por óbito de BB e como representante comum da quota titulada por este na ré.

Existe apenas uma excepção: o autodesignado gerente da ré que também se pretende auto proclamar cabeça de casal da herança do seu pai.

Só existe uma habilitação de herdeiros válida.

A que foi realizada pelos autores e onde constam todas as disposições que o falecido BB realizou em vida.

A outra habilitação, a realizada pelo gerente da ré, é falsa e omissa quanto a questões tão essenciais como a existência de um testamento outorgado pelo de cujus.

Veio a ser proferido despacho saneador, tendo sido relegado o conhecimento das exceções para final, tendo sido fixado o objeto do litígio e selecionados os Temas da Prova.

Foi proferida sentença em 1ª instância que julgou como anulada a deliberação social reportada à Perpicola,Lda tomada no passado dia 27 de Dezembro de 2019,desprovida ficando este acto jurídico de qualquer efeito jurídico útil, mais determinando ,em decorrência, o cancelamento da inscrição constante na certidão permanente de que o cargo de gerente compete a GG.

Quanto à excepção de ilegitimidade substantiva do A. referiu-se na mesma sentença que:

Assente que tenho a legitidade activa dos A.A. como resultado da economia do provado à luz do que promana do art. 3ºº do C.P.Civil ,Em matéria de direito constituído, o Código das Sociedades Comerciais categoriza as deliberações inválidas nos seus arts.56º e 58º ( as deliberações nulas e artigo 59º as deliberações sociais anuláveis.),estatuindo as razões que poderão provocar um outro dos supra assinalados vícios (…).

Interposto recurso de apelação decidiu o Tribunal da Relação do Porto “julgar parcialmente procedente a apelação, considerando nula a sentença recorrida, por força do disposto no art. 615º nº 1 al d) do CPC., suprindo-se, porém, a nulidade, julgando, improcedente a exceção dilatória da ilegitimidade ativa e confirmando no demais a decisão recorrida”.

A propósito da questão da ilegitimidade substantiva do A., pode ler-se no acórdão do Tribunal da Relação do Porto:

“6.1 Da ilegitimidade ativa.

Na sentença ora sob recurso o tribunal julgou anulada a deliberação social reportada à Perpicola, Lda tomada no passado dia 27 de Dezembro de 2019, ficando desprovida ficando este ato jurídico de qualquer efeito jurídico útil, mais determinando, em decorrência, o cancelamento da inscrição constante na certidão permanente de que o cargo de gerente compete a GG.

Os fundamentos da anulação foram os seguintes:

“(…) Visando tal escopo, facto é que a atacada deliberação enferma de gritantes patologias ,na medida em que a deliberação foi tomada “uti singuli” sob os auspícios do Sr.GG (vd. que a Assembleia durou menos de um minuto como acervo circunstancial provado e apenas rubricada por este último), sendo (a todas as luzes) de considerar (vd. o apodado “id quod plemruque accidit “) que se encontrava lavrada de antemão ,para mais - e não obstante o teor do aviso convocatória (vd. a aí enunciada menção à presença dos sócios em tal deliberativo ato) facto é que foi vedada ao corpo de sócios qualquer ativa presencial participação na mesma ,sendo certo que este ato social se deve revestir do formalismo e rigor reclamado(cfr. os arts.53º a 55º do C.S.Comerciais) ,o que no caso presente manifestamente (manifestamente ) não se verificou ,neste sentido (claramente) militando o (indesmentível) clima conturbado e agressivo que rodeou tal ato .

Ou seja - e com a maior consideração e modesto respeito por divergente óptica o aqui saliento : convicto estou ,de arreigada forma ,que o sobredito ato social visou apenas prover a um interesse próprio do Sr.GG, materializado que foi à revelia dos remanescentes sócios (mormente do Sr.AA) e sem que a atacada assembleia se tenha rodeado das cautelas atinentes a tal ato, modestamente entendo que na sua configuração consubstanciou - e que me seja perdoada a figura – um verdadeiro “golpe palaciano” visando a prossecução de um desiderato circunscrito ao exclusivo interesse do Sr.GG, com a sua consequente anulação com estribo no estatuído no art. 58º nº1 b) do Código das Sociedades Comerciais.”.

Acontece que, como já tivemos oportunidade de apreciar, foi oportunamente invocada a ilegitimidade dos autores para intentarem a presente ação de anulação de deliberações sociais, o que constitui uma exceção dilatória que obsta ao conhecimento do mérito da causa, a qual não foi apreciada na sentença sob recurso, o que tem como consequência a nulidade da sentença nos termos já supra apreciados.

Dispõe o art. 665º nº 1 do CPC que, ainda que declare nula a decisão que põe termo ao processo, o tribunal de recurso deve conhecer do objeto da apelação. Trata-se da consagração da regra da substituição do tribunal recorrido, evitando dessa forma a remessa do processo ao tribunal recorrido, devendo a Relação proceder á apreciação do objeto do recurso, salvo se não dispuser dos elementos necessários. Só nesta eventualidade se justifica a devolução para o tribunal a quo.

Vejamos então, atenta a factualidade provada, se os presentes autos dispõem dos necessários elementos para que se conheça a exceção da ilegitimidade.

Dispõe o artigo 59.º nº 1 do Código das Sociedades Comerciais que “A anulabilidade pode ser arguida pelo órgão de fiscalização ou por qualquer sócio que não tenha votado no sentido que fez vencimento nem posteriormente tenha aprovado a deliberação, expressa ou tacitamente.”

Para além do órgão de fiscalização a legitimidade é conferida apenas ao sócio “que não tenha votado no sentido que fez vencimento nem posteriormente tenha aprovado a deliberação, expressa ou tacitamente”.

Alega a Ré que os Autores não têm a qualidade de sócios e como tal carecem de legitimidade para intentar a presente ação de anulação de deliberação social.

Vejamos se assim é.

O autor AA, declarou na petição inicial que intervém na acção “em nome próprio, enquanto herdeiro de BB, e na qualidade de cabeça de casal da herança aberta por óbito de BB”.

Os demais Autores, CC; DD, menor, representado por sua mãe EE; FF e EE intervêm na qualidade de herdeiros de BB.

Os autores para sustentar a sua legitimidade processual, alegaram que, por força do óbito do sócio BB daquele, sucederam-lhe como herdeiros:

a) Enquanto não for decidido o processo de divórcio, a sua mulher, HH

b) Seus filhos:

i. AA, aqui primeiro Autor;

ii. CC, aqui segundoAutor;

iii. GG, solteiro, maior, e

iv. DD, aqui terceiro Autor;

c) Um neto, de seu nome FF, aqui quarto Autor, filho do filho do de cujus e pré-falecido de seu nome II.

d) Os legatários que identificou e.

e) A herdeira testamentária EE, aqui quinta autora.

Que tais factos se encontram plasmados na escritura de habilitação de herdeiros, lavrada a 6 de Dezembro de 2019, no Cartório Notarial de ..., sito na Praça ..., exarada a fls 82 a 83 verso, do Livro n.º 254 de Notas para Escrituras diversas daquele Cartório.

Incumbe assim ao 1º autor, o exercício do cargo de cabeça de casal, pois é o filho mais velho do de cujus.

E, por inerência dessas funções, incumbe-lhe o cargo de representante comum da quota do falecido BB, de onde flui a sua legitimidade ativa, bem como a dos demais autores, todos herdeiros legitimários de BB.

Já sociedade Ré veio fundamentar a ilegitimidade activa arguida na alegação do seguinte:

O herdeiro GG outorgou em 24.11.2019 escritura de habilitação de herdeiros por óbito de seu pai onde assumiu o encargo de cabeça de casal, tendo comunicado à Ré tal qualidade.

Que o herdeiro GG era o único dos herdeiros que vivia com o autor da sucessão há mais de um ano, pelo que não tendo o cargo sido aceite pelo cônjuge sobrevivo é aquele que incumbe o cargo de cabeça de casal.

O Autor AA não é sócio nem cabeça de casal na herança de BB.

Assim sendo a ausência de demonstração da qualidade de sócio ou de representante de uma quota comum impossibilita que o Autor AA possa propor a presente acção.

Vejamos.

Alegitimidade processual do autor, assente no interesse direto em demandar, (cfr. art. 30º do CPC), emergente da utilidade derivada da procedência da ação, é um pressuposto processual que o autor deve cumprir no momento da apresentação da petição inicial.

Por outro lado, trata-se de um requisito que permite dar expressão ao princípio da igualdade das partes, e que cumpre a função de “assegurar que são partes processuais os sujeitos a que se destinam os efeitos materiais da sentença”.

Nesta matéria, provou-se que o sócio gerente da sociedade Ré, (nomeado na constituição da sociedade) faleceu a 23 de novembro de 2019.

Na data do seu falecimento, ou seja, na data da abertura da sucessão, aquele sócio era titular de uma quota societária no valor de 16.00.00 euros, de acordo com a certidão da Conservatória do Registo Comercial.

A gerência é o órgão encarregado do funcionamento interno da sociedade, da gestão dos negócios e actividades sociais, e da representação da sociedade em face de terceiros.

Os gerentes gozam, portanto, de poderes representativos e de poderes administrativos face à sociedade.

O nº 1 do artigo 253º do CS Comerciais, estabelece que por óbito dos gerentes das sociedades por quotas, com a falta definitiva de todos os gerentes, os sócios (todos eles) assumem os poderes de gerência, até que sejam designados novos gerentes.

Do exposto resulta que o óbito do gerente único da sociedade PERPICOLA, não provocou o vazio no exercício dos poderes de gerência, já que tais poderes passaram provisoriamente para os seus sócios até que novo gerente seja nomeado.

Torna-se, porém, necessário nomear novo gerente.

Para tal, um dos sócios, GG, um dos filhos daquele gerente, intitulando-se cabeça de casal e sócio da Ré, enviou carta registada, com aviso de receção, datada de 05/12/2019, ao filho mais velho do de cujus e seu irmão germano, aqui primeiro Autor, convocando-o para a realização de assembleia Geral ordinária, da sociedade Ré “Perpicola Etiquetas Lda ”.

O teor da convocatória é o seguinte:

“Nos termos dos artigos 248º e 375º do Código das Sociedades Comerciais, convoco todos os sócios da sociedade comercial acima identificados, para uma Assembleia Geral Ordinária, a realizar no próximo dia, 27 de Dezembro de 2019, pelas 17horas, na sede da sociedade sita na Rua ..., com a seguinte ordem de trabalhos: Deliberar sobre a nomeação de gerente, na sequência da morte do sócio e gerente BB, o que acarreta uma impossibilidade física e efectiva de continuar a desempenhar as funções de gerente; Deliberar sobre a retribuição do gerente.”

A convocatória achava-se assinada pelo herdeiro GG, na qualidade de sócio e na qualidade de cabeça de casal.

Nessa altura, bem como na data da realização da Assembleia Geral de sócios, o autor AA tinha efetivamente a qualidade de sócio, sendo titular de uma quota societária no valor de € 2.000,00, tendo sido nessa qualidade que foi convocado para a assembleia geral de sócios.

Essa era a situação que resultava do registo em vigor.

Com efeito, apesar daquele ter cedido a sua quota ao pai, BB, em data muito anterior (em 23.10.2012), a sociedade não levou a registo tal cessão, a qual só em data posterior à da realização da assembleia geral foi objeto de registo (através do Dep 23 de 27.01.2020, conforme certidão do registo Comercial junta aos autos).

Significa isto que quer na data da convocatória, quer na data em que realizou a assembleia geral aquele tinha a qualidade de sócio.

Dispõe o artigo dispõe o artigo 242.º-A do Código das Sociedade Comerciais (C.S.C.) que “Os factos relativos a quotas são ineficazes perante a sociedade enquanto não for solicitada, quando necessária, a promoção do respetivo registo”.

Esta norma prevalece sobre o princípio da livre invocabilidade entre as partes de factos sujeitos a registo ainda que não registados, consignado no nº 1 do artº 13º do Código do Registo Comercial (CRC), por aplicação da exceção prevista no nº 2 do indicado artigo (artº 13º nº 2 do CRC – “Exceptuam-se do disposto no número anterior os atos constitutivos das sociedades e respetivas alterações, a que se aplica o disposto no Código das Sociedades Comerciais e na legislação aplicável às sociedades anónimas europeia“.

Acontece, porém, que com o registo da transmissão da quota, em 27.01.2020, o autor AA deixou de ser sócio (em nome singular), o que significa que quando intentou esta ação (precisamente no dia 27.1.2020), já não era sócio e se o fosse, teria de entender-se que (nessa qualidade), perdera o interesse em agir.

De qualquer forma, não foi nessa qualidade que AA se apresentou em Juízo, mas sim na qualidade de representante comum da quota social pertencente aos herdeiros, enquanto cabeça de casal na herança de BB.

Também quando recebeu a convocatória para a Assembleia geral de Sócios, impugnou a qualidade invocada por GG de cabeça de casal na herança do falecido pai de ambos.

Resulta do art. 225º do C.S.C. que, falecendo um dos sócios na sociedade comercial por quotas, inexistindo no contrato social impedimento no sentido da quota não ser transmitida aos sucessores do falecido, e não deliberando a sociedade nos 90 dias seguintes ao conhecimento do falecimento do sócio, no sentido de amortizar a quota, adquiri-la, ou fazê-la adquirir por terceiro, a quota do falecido sócio transmite-se ipso jure para os sucessores do mesmo.

Nas palavras de Pinto Furtado,“De acordo com o direito societário, como é sabido, o falecimento de um sócio pode, em tese, dar origem à chamada triple option: ou a sociedade se dissolve; ou amortiza ou adquire a quota do falecido aos herdeiros; ou continua a sua existência integrando como seus sócios os herdeiros do falecido. (…) Em ambas [referindo-se às duas últimas opções], com o falecimento do sócio, os seus herdeiros ficam ipso iure encabeçados na sua quota ou nas respetivas ações - naquela hipótese até que sejam efetivamente amortizadas ou adquiridas; nesta, em definitivo. Ora, havendo pluralidade de herdeiros e enquanto a herança permanecer indivisa, passa naturalmente a verificar-se a contitularidade da participação social, expressamente contemplada e regulada nos arts. 222º, 224º e 303º C.S.C.” Estes sucessores do sócio falecido passam, então, a ser sócios da sociedade, funcionando porém nos limites da sua quota, de modo semelhante à regra geral civilística consignada para a contitularidade ou compropriedade de direitos, no art. 1405º, nº 1 do C.C., onde se lê que os “comproprietários exercem em conjunto todos os direitos que pertencem ao proprietário singular”.

Para a situação de “contitularidade” de quota social, o CSC prevê normas específicas previstas para o exercício dos direitos sociais, nos artigos 222º e ss do CSC., estabelecendo-se logo no nº 1 do art. 222º que “os contitulares da quota devem exercer os direitos a ela inerentes através de representante comum.”

Será o representante comum dos contitulares da quota (no caso os herdeiros de BB), que fica com os poderes para exercer todos os direitos sociais, no tocante à participação social indivisa (fora os casos previstos no artigo 223ºnº6, para os quais necessita, como qualquer outro representante comum, que lhe sejam conferidos poderes de disposição).

Cabe-lhe assim participar nas assembleias-gerais, nas deliberações sociais, exercer o inerente direito de voto, ou o direito a informação.

Bem se compreende esta regra, sendo fácil de adivinhar a perturbação que geraria a intervenção individual de cada contitular da quota, o que poderia mesmo inviabilizar a própria actividade societária.

Nos termos do arts. 223 ºnº1 e 303ºnº 4 do CSC esse representante comum pode ser designado por lei, por disposição testamentária ou, não havendo essa designação, por nomeação dos contitulares da quota/acção, nomeação essa que é tomada por maioria (nos termos do artigo 1407ºnº1 do CC), se outra regra não for convencionada e comunicada à sociedade, devendo a nomeação (como a destituição que pode ser deliberada nos mesmos termos) ser comunicada por escrito à sociedade. Não podendo obter-se a nomeação nesses termos, qualquer dos contitulares pode requerer ao tribunal a nomeação de representante comum (artigo 223ºnº3 do CSC).

O nº 4 da norma legal dispõe que a nomeação deve ser comunicada à sociedade por escrito, se bem que a sociedade pode dispensar tal comunicação.

Como escreve Raúl Ventura “o artigo 223ºnº1 e 3, prevê quatro modos de designação do representante comum dos contitulares de quota: por lei, por disposição testamentária, por nomeação dos contitulares, por nomeação do tribunal. “Um caso de designação por lei é o cabeça de casal”.

Pinto Furtado afirma mesmo que “o cabeça de casal será o caso mais corrente de designação legal do representante comum, que, como administrador dos bens da herança, (artigo 2087º nº 1 CC) pode intentar, sozinho, a acção de anulação de deliberação dos sócios”.

“Sendo ele um representante comum legal, não faz sentido, em semelhante hipótese, exigir-se o litisconsórcio necessário ativo de todos os herdeiros para o efeito – o que estaria em contradição, aliás, com o disposto no art. 2078º nº 1 CC mas, sobretudo, com a norma do nº 4 do art. 222º do presente Código, que cristalinamente legitima a relação que se estabeleça entre qualquer dos titulares e a sociedade”.

Vertendo estes ensinamentos para o caso em apreço, temos de concluir que, não tendo os contitulares da quota social – leia-se os herdeiros de BB - nomeado um representante comum, para exercer os direitos sociais, no tocante à participação social indivisa e sendo o testamento de BB omisso nesta matéria, restará encontrar o representante comum dos herdeiros do sócio falecido, na lei.

Entende maioritariamente a doutrina e a jurisprudência que, quando o art. 223º, nº 1 do C.S.C. se refere à designação do representante comum «por lei», pretende abarcar no seu dispositivo o art. 2087º, nº 1 do C.C., onde se lê que o “cabeça-de-casal administra os bens próprios do falecido e, tendo este sido casado em regime de comunhão, os bens comuns do casal”.

Logo, e por decorrência legal, as funções de representante comum da quota integrada em herança ainda indivisa pertencem ao cabeça-de-casal.

Não especificando o Código das Sociedades Comerciais nenhum concreto representante comum, entre os diversos contitulares não tendo estes nomeado um representante comum da quota, restará, preencher a hipótese de designação legal pelos casos em que, no Direito geral, interesses coletivos possam ser prosseguidos por um representante comum - e o caso que saltará logo à lembrança será do cabeça de casal, a quem, nos termos do artigo 2079º CC, incumbe a administração da herança até à sua liquidação e partilha.

Acontece que na situação em apreço, o conflito entre os herdeiros estende-se á questão de saber a quem cabe, por lei, as funções de cabeça-de-casal.

Foram, na verdade realizadas três escrituras notariais de habilitação de herdeiros, não coincidentes nessa questão.

Um dos filhos do falecido, GG, logo no dia do falecimento do pai, em 26.11.2019 apresentou-se no Cartório Notarial declarando que “foi nomeado cabeça de casal por acordo de todos os interessados, nos termos do art. 2084º do C.Civil”.

Mais tarde, em nova escritura veio declarar que afinal, “é cabeça de casal nos termos da alínea c) do nº 1 e nº 3 do artigo 2080”, tendo procedido á retificação da primeira escritura.

Por sua vez o filho mais velho do falecido, AA, outorgou escritura de habilitação de herdeiros em 6.12.2019, declarando o seguinte: “Em face da pendencia do processo de divórcio supra referido e na qualidade de descendente mais velho, nos termos do art. 2080º nºs 1 al c) e 2 e 4 do C.C incumbe-lhe o exercício do cargo de cabeça de casal”.

As declarações prestadas na primeira escritura foram reputadas de falsas pelos demais herdeiros, por inexistência do acordo aí declarado e também porque o outorgante GG declarou que o pai não outorgara testamento, quando existe testamento.

Dispõe o artigo 2080º do C.Civil que:

“1. O cargo de cabeça-de-casal defere-se pela ordem seguinte:

a) Ao cônjuge sobrevivo, não separado judicialmente de pessoas e bens, se for herdeiro ou tiver meação nos bens do casal;

b) Ao testamenteiro, salvo declaração do testador em contrário; c) Aos parentes que sejam herdeiros legais;

d) Aos herdeiros testamentários.

2. De entre os parentes que sejam herdeiros legais, preferem os mais próximos em grau.

3. De entre os herdeiros legais do mesmo grau de parentesco, ou de entre os herdeiros testamentários, preferem os que viviam com o falecido há pelo menos um ano à data da morte.

4. Em igualdade de circunstâncias, prefere o herdeiro mais velho.” Coloca-se a questão de saber se o cargo de cabeça de casal deve competir ao filho mais velho, nos termos do art. 2080º nº 4 do C Civil, caso em que o Autor AA terá legitimidade processual para intentar esta ação, ou se deverá competir a GG, nos termos do disposto no art. 2080º nº 3 parte final do C.Civil.

Em face da controvérsia que ocorre, por não estarem os herdeiros de acordo quanto àquele que deve exercer as funções de cabeça de casal e não havendo deliberação dos herdeiros para nomear representante comum da quota, encontramo-nos perante um impasse no exercício dos direitos dos herdeiros, no caso em apreço dos sócios, cotitulares da quota societária, na data da propositura da ação.

O artº 2º, nº 2, do CPC dispõe que “a todo o direito, exceto quando a lei determine o contrário, corresponde a acção adequada a fazê-lo reconhecer em juízo, a prevenir ou reparar a violação dele e a realizá-lo coercivamente, bem como os procedimentos necessários para acautelar o efeito útil da acção”. Este preceito concretiza no âmbito do processo civil o princípio fundamental do artº 20º da Constituição – acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva – cujo nº 1 diz que “a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos”.

A situação de indefinição que resulta dos autos relativamente ao representante comum entra em confronto com o aludido princípio constitucional do acesso ao direito.

Com efeito, a lei estabelece desde logo um prazo curto para ser intentada ação de anulação, (cfr. art. 59º nº 2 do CSC- que fixa o prazo de 30 dias), sendo que no caso em apreço, que se mostra incompatível desde logo com tal indefinição.

Não se justificaria assim, a recusa ou paralisação do direito de acção com base na circunstância de no momento da sua propositura não estar determinado (por designação ou por nomeação) o representante comum da quota, uma vez que os herdeiros que se apresentaram a juízo, em litisconsórcio inicial, representam a maioria representativa do valor total da participação social indivisa.

Considerando o disposto no art. 224º nº 1 do CSC, estas deliberações dos contitulares sobre o exercício dos seus direitos podem – ressalvados os casos previstos na parte final em que se exige o consentimento de todos os contitulares – ser tomados por maioria, nos termos do art. 1407º nº 1 do CC. Por força deste artigo e do art. 985º do mesmo diploma, para onde aquele remete, a maioria requerida é mais de metade dos contitulares que representem pelo menos metade do valor total das quotas (aqui participação social indivisa).

Ora no caso em apreço, os herdeiros que se apresentaram em Juízo a propor a presente ação de anulação, representam pelo menos 60% dos herdeiros, ou seja, representam a maioria dos herdeiros.

Senão vejamos.

A quota do cônjuge do de cujus (contra quem corre processo de divórcio), a quem em abstrato cabe uma quota da herança é de ¼ (cfr. artigo 2139º do C.Civil), e a quota do filho II, que subscreve a oposição a esta ação, na qualidade de legal representante da Ré, a quem cabe na herança 1/5, visto 5 serem os descendentes do falecido (ocupando o neto GG, aquela posição, por força do direito de representação do seu pai, pré-falecido, nos termos do art. 2138º do C.C), representam 40% dos herdeiros.

Os autores, por sua vez, representam uma maioria de 60% dos herdeiros sendo que esta percentagem é até maior se considerarmos o teor do testamento em que os aqui autores DD e EE, foram instituídos como herdeiros da quota disponível, que corresponde a 1/3 da herança nos termos do art. 2161º do C.C.

É assim nosso entendimento que, sob pena de violação do princípio constitucional contido no art. 20º da CRP e do princípio estabelecido no art. 2º nº 2 do CPC, a falta de nomeação de representante comum da quota e o desentendimento entre os herdeiros quanto a quem deva exercer as funções de cabeça de casal, existente na data de propositura da ação, mostra-se suprida pela intervenção conjunta dos contitulares da quota societária, que nessa qualidade têm a qualidade de sócios, desde que representem a maioria necessária, o que ocorre no caso em apreço.

Daí que, porque os Autores nesta ação de anulação de deliberação social, contitulares da quota societária, representam mais de metade do valor total da participação social indivisa, ou seja, preenchem a maioria necessária para deliberar o seu representante, têm de ser considerados parte legítima.

Acresce que de acordo com a missiva enviada pelo autor AA, a nomeação de representante iria ter lugar em momento prévio á realização da Assembleia Geral, para o que convocou os herdeiros, que compareceram, nomeadamente através dos seus mandatários, sendo que, apesar de tal nomeação não constituir uma acto societário que carecesse de ser realizado nas instalações da sociedade, o certo é que o herdeiro GG impediu a entrada dos herdeiros (com exceção da sua mãe, que já ali se encontrava), nas instalações da sociedade, impedindo dessa forma (apesar de ter sido informados das razões da presença daqueles) a nomeação do representante comum que iria participar nessa qualidade na assembleia geral que se iria realizar de seguida,

O bom senso não permite concluir que a reunião devesse ter julgar na rua…., sendo que todos os herdeiros se encontravam naquele local, para o efeito de nomearem representante comum, que os iria representar na assembleia geral de sócios,

Este comportamento do herdeiro GG que apenas deixou entrar nas instalações a sua mãe (as testemunhas referiram que foi uma das pessoas, que no final abandonou as instalações da Ré), não pode deixar de ser considerado abusivo nos termos do art. 334º do C.C., pelo que, também com este fundamento a exceção da ilegitimidade teria de ser julgada improcedente.

Nestes termos, julga-se improcedente a exceção dilatória arguida na contestação da ilegitimidade dos autores”.

Veio a R interpor recurso de revista, apresentando as seguintes conclusões:

A. Não obstante as duas decisões anteriormente proferidas nos presentes autos, certo é que o critério impeditivo da “dupla conforme” não se encontra preenchido, sendo, por isso, o presente recurso de revista admissível, nos termos do disposto.

B. Efetivamente, e conforme atrás se explanou com detalhe, quanto à questão objeto do presente recurso (a da ilegitimidade ativa dos Autores), apenas uma decisão foi proferida – a de segunda instância -, traduzindo-se o novo argumento utilizado em sede de decisão de recurso, num novo fundamento essencial da decisão: Se a primeira instância, como se referiu, julgou procedente a ação, declarando a nulidade da deliberação em crise no termos do disposto no art.º 58.º, n.º 1 alínea b) do Código das Sociedades Comerciais; a Relação do Porto julgou já improcedente a exceção dilatória alegada, com base no disposto nos artigos 1407.º, n.º 1 e artigo 985.º do Código Civil, sob pena de violação do disposto no artigo 20.º da CRP e no n.º 2 do art.º 2.º do CPP.

C. De igual forma, trata-se de questão essencial e central ao julgamento de toda a causa, não sendo um mero aspeto acessório da decisão recorrida.

Sendo claro que, existindo uma fundamentação essencialmente distinta entre a sentença de primeira instância e o Acórdão recorrido e fundamentando-se o presente recurso na violação de normas de direito substantivo e processual que preside à decisão de julgar improcedente a exceção dilatória alegada, deve o presente recurso ser admitido e julgado, nos termos do disposto no n.º 3 do art.º 671.º (a contrario) e das alíneas a) e b) do n.º 1 do art.º 674.º ambos do CPC.

D. A Recorrente alegou logo na sua contestação a ilegitimidade ativa dos Autores fundamentando a sua posição no disposto no n.º 1 dos art.º 56.º e 59.º do Código das Sociedades Comerciais e no facto de considerar que o Autor não poder ser tido, em circunstância alguma, como sócio da Recorrente, ou, sequer representante perante a mesma da quota indivisa sub judice.

E. Os Autores, nem são sócios da Recorrente, nem representam por qualquer forma a herança indivisa do titular da quota, que aliás é representada pelo sócio GG, carecendo, por isso, de legitimidade processual para intentar ações de anulação de deliberações sociais de órgãos da Recorrente.

F. Este entendimento em nada prejudica o direito dos Autores de acesso à tutela jurisdicional dos seus direitos, tendo, os mesmos, ao dispor inúmeros meios de que poderiam legitimamente ter lançado mão, mas, já não, a ação de anulação.

G. Os problemas entre os herdeiros são alheios à vida da sociedade que, evidentemente, responde perante os seus sócios, pelo que devem ser tratados em sede própria, nas ações próprias e com as causas de pedir legítimas.

H. É que, igualmente se sublinhe, ao contrário do que se refere no douto acórdão recorrido, não há indefinição quanto à posição de cabeça de casal.

I. O próprio Autor AA confessa nos artigos 30.º e 31.º da sua petição que o herdeiro GG outorgou em 24.11.2019 a habilitação de herdeiros por óbito de seu pai, onde assumiu o encargo de cabeça de casal. Mas mais, o Autor AA, somente no passado dia 08.04.2020, propôs uma ação (Processo nº 5383/20.3..., Juiz ..., Juízo Local Cível ...), com vista a remover o Cabeça de Casal GG, ação essa que não chegou sequer a pronunciar-se quanto à questão de fundo por o referido Autor da mesma ter desistido.

J. Pelo que, não pode restar qualquer dúvida de que o cabeça de casal da Herança é o herdeiro GG, competindo a este representar e exercer os poderes inerentes à quota indivisa. Sendo, de resto, essa a informação que a Ré obteve do referido cabeça de casal quer, nos termos do disposto no n.º 3 e 4 do art.º 223.º do CSC e que está suportada em documentos autênticos, quer pela comunicação que o sócio realizou á Recorrente em 20.01.2020, junta domo Doc. 1 com a Contestação nos presentes aos autos

K. Á data da morte do Sr. BB, os sócios registados eram o Sr. GG, o Sr. AA, e o falecido. Entretanto, a Recorrente foi informada que o Sr. BB doou a quota de que era titular ao seu filho GG. Assim, as pessoas convocadas para a Assembleia Geral de 27.12. foram, á data, os sócios da sociedade, e não outros, tudo em respeito das disposições legais.

Posteriormente, e de forma surpreendente, já que, até então, o próprio AA não o reconheceu, nem informou a Ré ou procedeu ao registo da alteração, veio a saber-se que o mesmo, afinal, já não seria sócio da Recorrente desde 2012, só que a cessão de quotas que outorgou com o seu pai, não foi atempadamente registada, apesar de ter recebido o dinheiro de tal cessão correspondente à transmissão operada.

L. Incompreensivelmente, o douto Acórdão recorrido, conclui que a atuação do sócio GG foi ilegal, chegando mesmo para sustentar tal ilegalidade, a alegar o Abuso de Direito para justificar a legitimidade processual dos Autores, sem fundamento, já que, como se referiu, o que está em causa não é a conduta de um dos herdeiros mas, unicamente, a legitimidade para os termos da presente ação de anulação: o facto de se ter enviado para alguém uma convocatória para uma Assembleia Geral não faz dessa pessoa sócia de uma sociedade, nem ganha, com tal comunicação, a pessoa em questão, qualquer direito sobre seja quem for.

M. Não restando dúvidas que os Autores são partes ilegítimas para a anulação da deliberação sub judice e que andou mal o douto Acórdão recorrido quando escolheu outro caminho interpretativo sem paralelo na letra e no espírito da lei, pelo que, é manifesto, a douta decisão recorrida viola o disposto no n.º 1 do art.º 56.º, no n.º 1 do art.º 59.º, no art.º 223.º todos do CSC e, ainda, no n.º 1 do art.º 1407 e no art.º 985.º ambos do código civil. A decisão em questão é também violadora no disposto no art.º 334.º do Código Civil quanto ao abuso de direito que, nos termos mencionados, não pode ser interpretado da forma que faz o tribunal a quo.

Contra-alegou o A. apresentando as seguintes conclusões:

1. Nas suas alegações, a Recorrente não só afirma que não existe dupla conforme porque a acórdão da Relação se pronuncia pela primeira vez quanto à exceção dilatória de ilegitimidade como se socorre do segundo critério subjetivo, defendendo a tese de que fundamentação jurídica são substancial e essencialmente distintas.

2. Contudo, a expressão “fundamentação essencialmente diferente” não nos permite atribuir uma eventual modificação na decisão da matéria de facto empreendida pela Relação, “tal evento não apresenta verdadeira autonomia, na medida em que uma modificação essencial da matéria de facto provada ou não provada apenas será relevante para aquele efeito quando implique uma modificação, também essencial, da motivação jurídica, sendo portanto, esta que servirá de elemento aferidor da diversidade ou da conformidade das decisões.”

3. A Ré pretende nas suas alegações simplificar o que não é simples, resumindo em apenas num artigo a fundamentação apresentada, tanto pelo Tribunal da 1.ª Instância como o Tribunal da Relação.

4. A primeira instância julgou a ação procedente não só com fundamento na al. b) do n.º 1 do art. 58.º do Código das Sociedades Comerciais (doravante designado por CSC), sendo este antes o “objetivo” da decisão tomada, destarte todos os vícios de que a mesma padece para que pudesse alcançar (ainda que provisoriamente) o sucesso.

5. Esta linha de fundamentação é comum à decisão proferida em Segunda Instância.

6. As duas decisões já proferidas, concluem, de forma unânime, que todas as circunstâncias que conduziram à deliberação impugnada e a própria deliberação em si padecem de vícios insanáveis perpetrados através de um comportamento abusivo do sócio GG e com o único objetivo de satisfazer os seus interesses.

7. Ainda que ambas as decisões subsumam as conclusões que alcançaram a normas jurídicas concretas distintas, elas não são diferentes e muito menos têm fundamentações essencialmente distintas.

8. Subsiste ainda a questão da pronúncia do Tribunal da Relação relativa à improcedência da exceção dilatória de ilegitimidade ativa.

9. Apesar de se tratar de uma decisão do Tribunal da Relação ex novo, substituindo-se ao tribunal de Primeira instância que dela não se pronunciou, a verdade é que da decisão proferida relativa à improcedência da exceção nada derivou que influísse na decisão de mérito da causa, motivo pelo qual não impede a verificação da dupla conforme.

10. No entanto, clarifica-nos a doutrina que “Para aferição da admissibilidade da revista, é atribuído relevo ao efeito processual que emana dos acórdãos que se traduzam na absolvição da instância, independentemente daquele que produziria a decisão da 1.ª instância sobre que incidiu. Daqui deriva, por exemplo, a irrecorribilidade do acórdão da Relação que, independentemente do teor da decisão da 1.ª instância, julgue improcedente a excepção de ilegitimidade (…).

11. Pelo que, é de concluir que a decisão referente à legitimidade ativa dos Autores não pode ser fundamento suficiente para servir de pretexto para o Venerando Tribunal volte a apreciar a anulabilidade de uma deliberação tão “enfermada de grandes patologias”, pelo que inadmissibilidade do recurso de revista interposto pela Ré, farão V/Exas. inteira e sã justiça.

12. A Ré, ora Recorrente, limitou-se indicar que o seu recurso de Revista tem como fundamento as al. a) e b) do n.º 1 do art. 674.º do CP, sucede que não identifica se se verificou, na sua opinião, um erro de interpretação da norma, erro de aplicação da norma ou erro de determinação da norma aplicável, ou sequer se considera haver uma violação ou errada aplicação da lei do processo e, especificamente, quais as normas do processo é que foram violadas ou erradamente aplicadas.

13. Pelo contrário, a Recorrente limita-se a indicar ambas as alíneas, apresentando a sua versão dos factos para que de entre as suas alegações V/Exas. presumissem o fundamento que melhor se adequasse.

14. Termos em que, deverá o presente recuso ser recusado também com fundamento na inobservância da obrigação legal prevista pelo art. 639.º n.º 1 e 2 do CPC cf. art. 674.º n.º 1 do mesmo diploma legal.

15. Caso assim não se entenda, o que apenas por mero raciocínio académico se concebe, sempre se dirá que não assiste razão à ora recorrente.

16. A ora Recorrente debate-se com a legitimidade processual ativa dos Autores, afirmando que o Tribunal da Relação do Porto faz uma interpretação dos art. 985.º do CC do art. 20.º da CRP que extravasa totalmente o espírito e a letra.

17. Contudo, para contrariar o entendimento da Veneranda Relação apenas defende que os Autores, aqui recorridos, continuam a dispor de meios jurisdicionais de tutela dos seus interesses, sem que, em momento algum, apresente uma única ação que pudesse acautelar os interesses dos herdeiros senão o pleito em questão.

18. Conforme se vislumbra, são tantos esse caminhos diversos que a Recorrente não conseguiu elencar sequer um que pudesse contrariar a conclusão a que o douto acórdão chegou, a de que a sua legitimidade processual se encontra suprida com a “intervenção conjunta dos contitulares da quota societária, que nessa qualidade têm a qualidade de sócios, desde que representem a maioria necessária(…) “(…) sob pena de violação do principio constitucional contido no art. 20.º da CRP e do princípio estabelecido no art. 2.º nº 2 do CPC(…).

19. Ainda assim, a ora Recorrente pretende ainda discutir a apreciação que ambos os Tribunais fizeram da prova produzida nomeadamente quanto ao facto de terem chegado à conclusão de que se verifica uma situação de indefinição relativamente ao exercício do cargo de cabeça de casal e, consequentemente, de representante comum da quota.

20. Tendo em consideração que ambos os Tribunais chegaram à mesma conclusão depois de livremente apreciada a extensa prova produzida, pretende agora a Recorrente que, ao arrepio do disposto no n.º 3 do art. 674.º do CPC, venham V/Exas. presumir uma conclusão diferente única e exclusivamente a partir das alegações da Recorrente.

21. No entanto, a Recorrente vai ainda mais longe nas suas alegações chamando à colação prova que nunca foi discutida em juízo, obliterando com toda a certeza o disposto no n.º 3 do art. 674.º do CPC quanto à cognição do Venerando Supremo Tribunal de Justiça.

22. Neste sentido, destarte os Autores reconhecerem o Autor AA como cabeça de casal, facto é que no âmbito dos presentes autos não cumpre apreciar e decidir a quem incumbe o cargo de cabeça de casal, mas sim verificar se, como herdeiros, que se viram impedidos de ter representação na assembleia sub judice por conta de um comportamento manifestamente condenável e abusivo do Sr. GG e se, tendo sido unânime, conforme supra se demonstrou, o entendimento de que existe indefinição quanto ao cabeça de casal, os Autores poderiam ou não impugnar as decisões totalmente arbitrárias tomadas pelo Sr. GG.

23. Conforme conclui, e bem, o douto acórdão recorrido, não assistia aos Autores outra forma de verem as suas pretensões atendidas ou, pelo menos discutidas, pelo que se encontrava violado o seu direito constitucionalmente consagrado ao acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva previsto no art. 20 da CRP.

24. Quanto ao fundamento invocado pelo douto acórdão recorrido a ora Recorrente nenhuma consideração tece. Possivelmente porque, face toda a prova produzida é inegável que assembleia, objeto da presente ação, viola disposições da lei, sendo anulável nos termos do disposto na al. c) do n.º 1 do art. 58.º do CSC, norma criada pelo legislador para “proteção dos sócios não participantes”.

25. Quanto às restantes considerações e apreciações decorridas em largos parágrafos das alegações de recurso, os mesmos constituem questões laterais e meramente acessórias do acórdão que em nada influíram a decisão da causa.

26. Face ao exposto, verifica-se que toda a argumentação da ora Recorrente deve improceder, mantendo-se na íntegra o que foi decidido no douto Acórdão proferido pela Veneranda Relação porquanto o recurso interposto carece de fundamento e se resume, a mais uma tentativa de “impor a sua verdade”.

II – FACTOS PROVADOS.

Foi dado como provado:

1-A Ré é uma sociedade comercial por quotas, com o capital social de € 20.000,00, e que tem como objeto a indústria e comércio de etiquetas e autocolantes.

2-Em 27 de Dezembro de 2019, constava da certidão da Conservatória do Registo Comercial o seguinte corpo societário:

-BB, detentor de uma quota social no montante de € 16.000,00;

-GG, detentor de uma quota social no montante de € 2.000,00 e;

c)AA, aqui Autor, detentor de uma quota social no montante de € 2.000,00, sendo que nesse mesmo dia foi apresentado o registo referido no facto 42.

3- Sucede que, por contrato de cessão de quotas celebrado em 23 de Outubro de 2012, o então sócio e aqui A. AA, cedeu a quota de que era titular a BB.

4- Tal cessão foi realizada pelo respetivo valor nominal de 2.000,00€, valor que foi integralmente pago aquando da celebração do contrato do contrato de cessão de quotas.

5- Passou assim, o mencionado BB, a ser detentor de duas quotas, uma no montante de 16.000,00€ e outra de montante de 2.000,00€.

6- Deste modo, dispõe a requerida de dois sócios, nomeadamente BB, com duas quotas de 16.000,00€ e outra de 2.000,00€ e II, detentor de uma quota social no montante de 2.000,00€.

7- A Ré não apresentou na conservatória de registo comercial a mencionada cessão de quotas operada entre o aqui primeiro A. e BB.

8- O primeiro A. apresentou em 27 de Janeiro de 2020 o contrato de cessão de quota social, supramencionado e a inscrição da sua quota em nome do cessionário, BB.

9- O gerente, BB, faleceu a 23 de novembro de 2019.

10- Achava-se casado, sob o regime da separação de bens, com HH. Sendo que entre o falecido BB e a mencionada HH, corria, como corre, termos o processo n.º 1320/14.2..., de divórcio sem consentimento do outro cônjuge, pelo Juízo de Família e Menores de ..., - Juiz ...,

11- O decujus, deixou testamento, lavrado a 6 de Novembro de 2019, lavrado no Cartório Notarial da Licenciada ..., sito na Rua ..., exarado a fls 93 a 93 verso, do Livro de Testamentos e Escrituras de Revogação e Testamento n.º 10-T daquele cartório.

12- Declarou no testamento que:

a) Lega a JJ, a quantia de cem mil euros, os quais deverão ser entregues por existência de saldo em contas bancarias, ou à custa de venda de património.

b) Lega a KK, … uma quota correspondente a 5% do capital social da sociedade “Perpicola – Comercio de Etiquetas e Autocolantes, Lda, NIPC .........20,… com o capital social de € 20.000,00. Que esta quota deverá resultar da divisão da quota de que é titular no valor nominal de dezasseis mil euros e que constitui seu bem próprio. Que estes legados são feitos por conta da quota disponível.

c) Que institui herdeiros, em comum e partes iguais, do remanescente da sua quota disponível, o seu filho DD e ainda mãe deste, EE.

13- Por força do óbito, sucederam-lhe como herdeiros:

a) a sua mulher, HH

b) Seus filhos:

i. AA, aqui primeiro Autor;

ii. CC, aqui segundo Autor;

iii. GG, NIF .......98, solteiro, maior, residente na Rua ..., e

iv. DD, aqui terceiro Autor;

c) Um neto, de seu nome FF, aqui quarto Autor, filho do filho do decujus e pré-falecido de seu nome II.

d) Os legatários identificados em 19 alínea a) e b) da presente peça.

e) A herdeira testamentária identificada em 19 alínea c) da presente peça, ou seja, EE, aqui quinta autora.

14-Tais factos encontram-se plasmados na escritura de habilitação de herdeiros, lavrada a 6 de Dezembro de 2019, no Cartório Notarial de ..., sito na Praça ..., exarada a fls 82 a 83 verso, do Livro n.º 254 de Notas para Escrituras diversas daquele Cartório.

15- No mesmo dia, tal habilitação de herdeiros foi levada a inscrição no Registo Central de Contribuinte, da Autoridade Tributária e Aduaneira, por meio do documento n.º ...........39.

16- Nesta escritura de habilitação participaram, além do cabeça de casal e primeiro autor, todos os demais autores, sendo que EE assumiu a sua dupla qualidade de herdeira testamentária e de legal representante do seu filho menor DD.

17-BB faleceu a ... de ... de 2019, e foi sepultado a ... de ... de 2019, pelas 10h30.

18- Nesse mesmo dia, o herdeiro GG, deslocou-se ao Cartório Notarial do ..., do Licenciado ..., sito na Rua ..., e celebrou escritura de Habilitação de herdeiros, exarada a fls. 75 a 76 verso, do Livro 174 daquele Cartório.

19- Na dita escritura de habilitação, foi declarado que o herdeiro GG havia sido nomeado cabeça de casal por acordo de todos os interessados, sendo certo que nomeação alguma se verificou com vista a tal.

19-A-Através de escritura outorgada no mesmo cartório notarial, em 3 de Janeiro de 2020, GG declarou “que rectifica a escritura de habilitação de herdeiros outorgada em ... de ... de 2019 exarada (….) deste Cartório notarial, no sentido de ficar a constar que é cabeça-de-casal nos termos da alínea c) do numero um e três do artigo 2080º e não como mero lapso foi declarado na escritura retificanda”.

20- Tal posto, os demais interessados apresentaram participação criminal, pela prática do crime de falsas declarações, contra o herdeiro GG, no DIAP do Porto, e que corre termos na ... Secção do DIAP ... com o processo n.º 82/20.9...

21- O decujus BB deixou testamento.

22- No universo comercial do grupo Perpicola, e a sociedade Ré Perpicola Etiquetas,Lda. que criava riqueza para o decujus e família, permitindo a aquisição de património, e sustentação do trem de vida.

23- Logo após a sobredita habilitação, o GG apresentou-se nas instalações da sociedade aqui Ré, e intitulando-se cabeça de casal, passou a exercer junto dos funcionários o cargo de gerente.

24- Seguidamente, intitulando-se cabeça de casal e sócio da Ré, enviou carta registada, com aviso de receção, datada de 5 de Dezembro de 2019, ao filho mais velho do decujus e seu irmão germano, aqui primeiro Autor, convocando-o para a realização de assembleia Geral ordinária, da sociedade Ré Perpicola Etiquetas Lda.

25- Teor da sobredita convocatória:

“Nos termos dos artigos 248º e 375º do Código das Sociedades Comerciais, convoco todos os sócios da sociedade comercial acima identificados, para uma Assembleia Geral Ordinária, a realizar no próximo dia, 27 de Dezembro de 2019, pelas 17horas, na sede da sociedade sita na Rua ..., com a seguinte ordem de trabalhos:

Deliberar sobre a nomeação de gerente, na sequência da morte do sócio e gerente BB, o que acarreta uma impossibilidade física e efetiva de continuar a desempenhar as funções de gerente; Deliberar sobre a retribuição do gerente.”

26- A convocatória achava-se assinada pelo herdeiro GG, na qualidade de sócio e na qualidade de cabeça de casal.

27- Em resposta, o primeiro Autor, AA, enviou missiva datada de 23 de Dezembro de 2019, na qual esclarecia, para além do mais, que o cargo de cabeça de casal não competia ao auto intitulado GG, e que os demais herdeiros iriam estar presentes no dia 27 de Dezembro de 2019, nas instalações da sociedade, em ordem a nomearem o representante comum da quota societária do decujus.

28- No dia 27 de Dezembro de 2019, o AA, compareceu nas instalações da sociedade ainda antes das 17h00.

29- Tendo sido recebido pelo herdeiro GG que o encaminhou para a sala de reuniões.

30- Aí deparou-se com a presença de terceiras pessoas, nomeadamente, os mandatários do mencionado GG, Sr. Dr. LL e ainda com a mãe daquele (GG), HH.

31- Cerca das 16h55, chegaram os demais convocados pelo Autor AA (e aqui também Autores) e seus mandatários, ou seja, o SR. Dr. MM, a Sra. Dr.ª NN e seu constituinte FF, aqui quarto Autor e a Sr.ª Dr.ª OO na qualidade de mandatária e procuradora dos herdeiros DD e EE, aqui terceiro autor.

32- Após contacto telefónico com o seu advogado, o Sr. AA referiu aos presentes na sala de reuniões que se iria deslocar à receção da sociedade para receber o seu mandatário e demais presentes.

33- Nesse acto foi acompanhado pelo mandatário do herdeiro GG, Sr. Dr. LL que, mal o primeiro autor passou o portão de acesso ao interior das instalações o fechou, referindo “aqui ninguém entra. Só entra o Sr. AA e o seu advogado.”.

34- Interpelado pelos demais colegas acerca de quem era, foi pelo mesmo referido que era o mandatário do sócio, aludindo ao herdeiro GG.

35- Seguidamente, dirigiu-se para a porta de entrada, referindo “AA, a assembleia vai começar”, e acto contínuo e imediato, bateu com a porta da rua, para não mais abrir, e com o aqui Autor AA, já perto da porta de entrada.

36-De imediato, o mandatário do primeiro Autor tocou à campainha, tendo respondido o mandatário do sócio GG a perguntar o que pretendia.

38- Solicitado que se apresentasse na receção para esclarecer os colegas do que se passava, puderam ouvir, “Saiam das nossas instalações, que depois eu desço”.

39- E todos ficaram no passeio à espera de receberem explicações, espera em vão.

40- De tal facto foi feita participação na PSP.

41- Os herdeiros, ainda na PSP, em consulta à certidão permanente da sociedade, verificaram que a quota societária que se encontrava registada em nome do decujus, no montante de 16.000,00€, e de que este era titular na sociedade “Perpicola Etiquetas, Lda”, já não fazia parte do acervo hereditário.

42- Constataram que, no que concerne à sociedade Perpicola, no dia 27 de dezembro de 2019, pelas 16h.53m.33ss, foi apresentado o registo de transmissão das quotas do decujus para o herdeiro GG.

43-O herdeiro GG convocou a Assembleia Geral da Ré na qualidade de cabeça de casal da herança de seu pai.

44-O sobredito acto social o sócio GG, sem mais sócios deliberou auto fixar remuneração anual de € 10.500,00.

45- Deliberações essas que eram do desconhecimento dos Autores até 9 de Janeiro de 2020, momento temporal em que tiveram acesso à acta após publicação na Conservatória de Registo Comercial.

46-A deliberação em causa foi tomada sem a presença do Autor Sr. AA, porquanto, foi lhe foi vedada a participação em tal acto social.

III – QUESTÕES JURÍDICAS ESSENCIAIS DE QUE CUMPRE CONHECER.

1 – Admissibilidade do presente recurso de revista. Inexistência de dupla conforme relativamente ao conhecimento da excepção de (i)legitimidade substantiva do A.

2- Excepção de (I)legitimidade substantiva do A.

Passemos à sua análise:

1 – Admissibilidade do presente recurso de revista. Inexistência de dupla conforme relativamente ao conhecimento da excepção de (i)legitimidade substantiva do A.

Dispõe o artigo 671º, nº 1, do Código de Processo Civil:

“Sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível, não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1ª instância, salvo nos casos previstos no artigo seguinte”.

No propósito de racionalizar e valorizar (selectivamente) o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, o legislador preocupou-se em estabelecer como requisito da dupla conforme a coincidência essencial do veredicto através da sua confirmação pelo Tribunal da Relação (por decisão unânime dos elementos que integram o colectivo de juízes desembargadores).

Por outro lado, e a partir da entrada em vigor da Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, a figura da dupla conforme passou a não abranger situações de frontal e absoluta divergência quanto aos fundamentos essenciais subjacentes às decisões, nos casos em que se verifica (entre o acórdão do Tribunal da Relação e a de 1ª instância) formal coincidência no plano estritamente dispositivo.

Nesse sentido, o mesmo resultado (final) proferido (improcedência do recurso e confirmação da sentença) não obsta à interposição de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, desde que o acórdão recorrido se tenha afastado de forma substantiva, essencial e significativa, do decidido na sentença de 1ª instância, trilhando percursos jurídicos perfeitamente distintos que nada têm a ver com os seguidos por esta.

Ou seja, a razão decisiva para o não funcionamento da dupla conforme consiste na adopção de uma fundamentação jurídica que diverge, no seu essencial, da razão de decidir perfilhada pela instância inferior.

Escreve a este propósito Abrantes Geraldes in “Recursos em Processo Civil”, Almedina 2022, 7ª edição, a páginas 422 a 425:

“O regime que foi consagrado acabou por resultar de um compromisso entre as duas tendências, levando à consagração, como regra geral, da inadmissibilidade de recurso em situações de dupla conforme, com excepção das três situações particulares enunciadas no nº 1 do artigo 672º.

Tal solução visou compatibilizar diversos interesses, contrapondo a um generalizado direito de interposição de recurso a necessidade de uma gestão equilibrada dos meios humanos e materiais.

(...) Trata-se de um regime equilibrado, na medida em que, é ponto assente que o direito de acesso aos tribunais não exige necessariamente o triplo grau de jurisdição, tanto assim que o Tribunal Constitucional vem rejeitando alegações de inconstitucionalidade.

Contra tal regime são frequentes as tentativas de contornar as exigências legais, mas a jurisprudência do Supremo encontra-se consolidada a respeito de todas as questões que estão associadas à figura da dupla conforme e ao mecanismo da revista excepcional”.

“A alusão à natureza essencial da diversidade de fundamentação claramente induz-nos a desconsiderar, para o mesmo efeito, discrepâncias marginais, secundárias, periféricas, que não representam efectivamente um percurso jurídico diverso”.

Referem sobre esta temática João de Castro Mendes e Miguel Teixeira de Sousa in “Manual de Processo Civil”, Volume II, Almedina, 2022, a página 196:

“A divergência entre os fundamentos das decisões afasta a dupla conforme sempre que se reflicta na condenação ou absolvição, ou seja, sempre que as decisões não incidam sobre eadem res”.

No caso concreto, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto confirmou, no essencial, a decisão de 1ª instância, sem qualquer voto de vencido.

Acontece, porém, que relativamente à invocada excepção de ilegitimidade substantiva do A., a decisão de 1ª instância limitou-se a “dá-la por assente”, havendo o acórdão recorrido, face à ausência de qualquer tipo de abordagem concreta e minimamente detalhada da questão, declarado a nulidade da sentença por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 615º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil.

Usando os seus poderes de substituição consignados no artigo 665º, nº 1, do Código de Processo Civil, o acórdão recorrido conheceu desenvolvidamente dessa questão jurídica, chegando à conclusão de que assistia à legitimidade substantiva ao A. para instaurar a presente acção.

O que significa que não existe a menor coincidência entre a sentença proferida em 1ª instância e o acórdão do Tribunal da Relação do Porto quanto ao conhecimento desta excepção de ilegitimidade substantiva.

Não se trata apenas de uma divergência não essencial na fundamentação ou da mera insuficiência de motivação verificada na sentença em causa.

Ao invés, o acórdão do Tribunal da Relação decidiu a nulidade da sentença por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 615º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil, precisamente pelo facto de a 1ª instância haver omitido, absolutamente e por completo, a apreciação jurídica que era devida.

Daí não poder falar-se, de modo algum, em coincidência entre o decidido nas duas instâncias, nem sequer mesmo, e em rigor, em confirmação substantiva do decidido nesse tocante.

O Tribunal da Relação usando os poderes de substituição que lhe são conferidos pelo artigo 665º, nº 1, do Código de Processo Civil conheceu em primeira (e única) mão aquilo que a sentença indevidamente ignorara, o que significa logicamente que a ratio decidendi do acórdão recorrido é completamente diversa do que consta na decisão de 1ª instância, que verdadeiramente nada disse ou motivou sobre o tema em apreço.

Logo, e relativamente a esta matéria (e não à restante relativamente à qual houve de facto coincidência total entre os julgados) não se constituiu dupla conforme.

Acrescente-se ainda que não se trata, neste tocante, de uma questão marginal relativamente ao fundo da causa, na medida que a eventual procedência da excepção de ilegitimidade substantiva do A. acarretará, desde logo e por consequência, a inviabilidade da procedência do pedido principal.

Assim sendo, a presente revista é admissível, embora o seu objecto se circunscreva exclusivamente à questão da invocada ilegitimidade substantiva do A.

2- Excepção de (I)legitimidade substantiva do A.

Alega essencialmente a Ré a este propósito:

O A. não pode ser considerado, em circunstância alguma, como sócio da sociedade ora recorrente, não representando perante esta a quota indivisa na herança de BB, seu falecido pai.

Não existe qualquer indefinição quanto à posição de cabeça de casal nesta herança, cargo que assiste a GG, uma vez que era o filho de decujus que com ele residia há mais de um ano, a contar da data do falecimento.

O facto de se ter enviado para alguém uma convocatória para uma Assembleia Geral não faz dessa pessoa sócia de uma sociedade, nem lhe atribui qualquer direito.

Pelo que não lhe assiste legitimidade para instaurar a presente acção de anulação de deliberações sociais de órgãos da recorrente.

Apreciando:

A única questão jurídica que se coloca na presente revista é a de saber se a herança indivisa do sócio falecido pode, ou não, para efeitos de instauração de acção de anulação de deliberação social, ser representada por outro herdeiro que não aquele que na Assembleia Geral da sociedade Ré era o titular de única participação social restante, no caso o sócio GG, e que se arrogou a qualidade de único representante comum da mesma herança enquanto de cabeça de casal em funções, ao abrigo do disposto no artigo 2080º, nº 3, do Código Civil.

A resposta afirmativa a esta questão significará por si só a legitimidade activa desse representante (o ora A. AA, que se encontra acompanhado dos restantes herdeiros de BB) para a instauração da presente acção de anulação de deliberações sociais.

Vejamos:

Nos termos do artigo 222º, nº 1, do Código das Sociedades Comerciais:

“Os contitulares de quota devem exercer os direitos a ela inerentes através de representante comum”.

Acrescenta o artigo 223º, nº 1, do mesmo diploma legal:

“O representante comum, quando não for designado pela lei ou disposição testamentária, é nomeado e pode ser destituído pelos contitulares. A respectiva deliberação é tomada por maioria, nos termos artigo 1407º, nº 1, do Código Civil, salvo se outra regra se convencionar e for comunicada à sociedade”.

Um dos casos típicos de designação do representante comum por efeito da lei é precisamente o do cabeça de casal, nos termos do artigo 2079º, do Código Civil, circunscrevendo-se, não obstante, o exercício das suas funções aos actos de administração da herança e não de disposição.

(Sobre este ponto, vide, entre outros, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2 de Abril de 2019 (relatora Catarina Serra), proferido no processo nº 246/08.3TYVNG.P1.S1; o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Outubro de 2013 (relator Gabriel Catarino), proferido no processo nº 994/11.0T2AVR.C1.P1, ambos publicados in www.dgsi.pt; Raúl Ventura, “Sociedade por Quotas”, Volume I, Almedina 1993, 2ª edição, a páginas 216 a 517 a 521); António Menezes Cordeiro, in “Manual de Direito das Sociedades. II. Das Sociedades em Especial”, Almedina 2006, a páginas 330 a 331).

Na situação sub judice, a certeza jurídica quanto ao desempenho das funções de cabeça de casal, na herança aberta por óbito de BB, determinaria à partida a qualidade de representante comum dos herdeiros, competindo-lhe assegurar e prosseguir os interesses relacionados com a participação social de que a herança é agora titular, designadamente a presença nessa qualidade na Assembleia Geral e a instauração de acções judiciais destinadas a impugnar as deliberações aí tomadas.

Acontece que o ora A. AA instaurou a presente acção em nome próprio e na qualidade de herdeiro da BB, bem como na de cabeça de casal na sucessão aberta por óbito deste.

Fez-se, neste contexto, acompanhar pelos restantes herdeiros de BB.

Porém, o dito AA havia cedido a sua quota a seu pai BB em 23 de Outubro de 2012.

Tal cessão apenas foi objecto de registo na Conservatória do Registo Comercial em 27 de Janeiro de 2020, ou seja, no mesmo dia em que a presente acção deu entrada em juízo.

O que significa que aquando da convocação da dita Assembleia Geral e durante a sua realização, o dito AA ainda mantinha formalmente a qualidade de sócio da Ré, nos termos gerais do artigo 242º-A, do Código das Sociedade Comerciais, tendo por isso mesmo sido convocado pelo sócio detentor da quota sobrante para comparecer.

Todavia, no momento da instauração da presente acção, encontrando-se a cessão da sua quota devidamente registada na Conservatória do Registo Comercial, AA já não era efectivamente sócio da Ré.

Resultará assim desse facto a sua ilegitimidade substantiva para a instauração da acção face ao disposto no artigo 59º, nº 1, do Código das Sociedades Comerciais, segundo o qual:

“A anulabilidade pode ser arguida pelo órgão de fiscalização ou por qualquer sócio que não tenha votado no sentido que fez vencimento nem posteriormente tenha aprovado a deliberação, expressa ou tacitamente”?

Afigura-se-nos que a resposta terá de ser negativa.

Não há dúvidas que, antes da Assembleia Geral em causa, se operou o fenómeno sucessório relativamente ao falecido sócio e gerente da Ré, BB, passando a titularidade da participação social deste na sociedade Ré para os seus herdeiros, nos termos gerais do artigo 2024º do Código Civil, onde se incluem os AA. e o dito GG.

(De resto, a própria necessidade de marcação desta Assembleia radicou no hiato gerado pelo óbito do sócio (maioritário) e gerente da R., havendo, portanto, que nomear novo gerente, fixando-lhe retribuição, e assegurar a prossecução da actividade do ente societário, mormente através da sua gestão corrente).

A contitularidade da quota em favor dos sucessíveis chamados pressupõe, em qualquer circunstância, a efectiva possibilidade de defesa dos direitos concernentes e associados à dita participação social por parte dos herdeiros do falecido, designadamente em termos da sua intervenção indirecta, por via da representação comum prevista no artigo 223º do Código das Sociedades Comerciais, na Assembleia Geral da Ré, e a possibilidade de posterior impugnação, no superior interesse da herança, das deliberações ilegais que aí tenham sido porventura tomadas.

O direito de acção relativo a essa mesma impugnação competirá, como se referiu, ao representante comum, neste caso, e por determinação legal, ao cabeça de casal da herança, prosseguindo os interesses dos sucessores que representa.

Cumpre ainda salientar que a representação da herança por parte do cabeça de casal encontra-se, em qualquer circunstância, imperativamente subordinada à prossecução dos legítimos interesses gerais de todos os sucessores do decujus, em termos equitativos, encontrando-se-lhe vedado o ilegítimo aproveitamento do cargo para benefício próprio e prejuízo dos restantes.

In casu, existe controvérsia e indefinição relativamente a qual dos herdeiros deveria verdadeiramente competir, nos termos da lei, as funções de cabeça de casal (existem duas escrituras de habilitação em sentidos precisamente opostos, uma outorgada pelo herdeiro GG e outro pelo herdeiro AA, ambos invocando pertencer-lhe o direito ao exercício das funções de cabeça de casal – o primeiro fundado no nº 3 do artigo 2080º do Código Civil e o segundo no nº 4 da mesma disposição legal).

Logo, perante a incerteza e indefinição relativamente ao fundamento subjacente à designação do cabeça de casal da herança, na qualidade de representante comum da contitularidade da quota que pertencera ao falecido BB, e enquanto a mesma se mantiver, atender-se-á preferencialmente à posição manifestada pelo conjunto dos herdeiros, representativa da maioria das quotas hereditárias em causa, que aliás entenderam dar corpo à presente impugnação judicial do deliberado na mencionada Assembleia, deferindo nesses termos, de forma clara e inequívoca, a sua representação comum ao A. AA, nos termos do artigo 223º, nºs 1 e 2, do Código das Sociedades Comerciais, a quem assiste portanto legitimidade substantiva para instaurar a presente acção.

De resto, no caso concreto e perante todo o circunstancialismo assente nos factos provados, não faz o sentido que a defesa dos interesses respeitantes à quota objecto da dita contitularidade fique entregue exclusivamente ao herdeiro que acumula a qualidade de sócio da única participação social restante com a de putativo/controvertido cabeça de casal, o que aliás teve por consequência prática e imediata encontrar-se o mesmo sozinho nessa Assembleia, ao arrepio e contra a vontade dos restantes herdeiros, a deliberar livremente o que bem entendeu, a seu belo prazer, sobre os destinos da sociedade, e que, assente nesse artificial pressuposto, pretenda agora retirar aos outros herdeiros a oportunidade (por não serem alegadamente sócios) de colocar em crise as deliberações resultantes exclusivamente da sua impositiva e incontrolada vontade.

Essa mesma situação correspondeu ao exercício de um pretenso direito como representante comum que foi realizado contra a vontade e o interesse dos seus representados, na medida em a pessoa física que presidiu à Assembleia da Ré decidiu, pura e simplesmente, impedir toda e qualquer participação dos restantes herdeiros por si convocados (que detinham aliás uma quota hereditária, em conjunto, bem superior à sua), vedando-lhes peremptoriamente o acesso à reunião, precisamente para poder, nas vestes formais de putativo/controvertido cabeça casal, fazendo livremente vingar a sua incontestada e soberana vontade em benefício próprio.

Ora, a legitimidade substantiva (enquanto qualidade do sujeito e pressuposto da titularidade, pela sua parte, do direito que invoca) depende do interesse material que é discutido nos autos e encontra-se intrinsecamente associado ao seu poder de produzir os efeitos que resultam da procedência ou improcedência da acção.

(Conforme referem João Castro Mendes e Miguel Teixeira de Sousa in “Manual de Processo Civil”, Volume I, AAFDL Editora, 2022, a página 340:

“O interesse em demandar e em contradizer é o elemento processual da legitimatio ad causam e o poder de produção de efeitos jurídicos constitui o elemento material da legitimidade processual. Ambos estes elementos são necessários para determinar quem é parte legítima.”

Sobre o conceito de legitimidade substantiva vide ainda o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Julho de 2023 (relator Manuel Capelo), proferido no processo nº 1423/19.7T8OER-A.L1.S1; o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de Abril de 2022 (relatora Catarina Serra), proferido no processo nº 6244/15.3T8VNF-B.G1.S1; o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de Outubro de 2018 (relator Ribeiro Cardoso), proferido no processo nº 5297/12.0TBMTS.P1.S2; o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Outubro de 2023 (relator Fernando Batista), proferido no processo nº 731/22.4T8VRL-A.G1.S1, todos publicados in www.dgsi.pt).

Na situação sub judice, é manifesto que perante a indefinição verificada relativamente à representação dos direitos associados à participação social que pertenceu ao falecido BB, são os herdeiros (representados por quem entendam dever assumir a qualidade de representante comum) os portadores do interesse juridicamente relevante em colocar em crise a validade de uma Assembleia Geral da sociedade para a qual foram convocados, mas em que foram surpreendentemente impedidos de participar pelo único sócio presente (titular de uma quota e que, quanto à quota sobrante, se arrogou, como cabeça de casal, representante comum) e que deliberou sobre os pontos da ordem de trabalhos, a solo, como muito bem lhe apeteceu.

Não se pode mesmo deixar de estranhar-se a invulgar desfaçatez do sócio GG ao socorrer-se de uma qualidade de cabeça de casal cujo fundamento legal sabia ser controverso (não fornecendo sequer os autos prova relativamente à situação prevista no nº 3 do artigo 2080º do Código Civil) para tentar, sem defesa possível, consolidar definitivamente a sua actuação na Assembleia Geral da Ré, excluindo totalmente o exercício do contraditório, numa clara confusão entre os interesses sociais e os seus (pessoais), deixando de fora impositivamente os sócios que convocou a participarem na reunião, e cumprindo de forma manifestamente desleal e inadequada as funções representativas de que se entendeu (unilateralmente) empossado.

Nesta sequência, o mesmo sócio e dito cabeça de casal, fechando o círculo da sua pretendida incontestabilidade, usa agora esses ditos poderes representativos para vedar a possibilidade de actuação em juízo dos restantes herdeiros, seus pretensos representados, contra a sua vontade, sob o pretexto de não serem sócios, coarctando-lhes o direito de acção consagrado no artigo 2º do Código de Processo Civil e no 20º da Constituição da República Portuguesa, o que bem revela a ilicitude desta sua conduta abusiva.

Concorda-se, portanto e inteiramente, com o acórdão recorrido quanto à legitimidade substantiva do A. para instaurar a presente acção (única matéria em discussão face à constituição de dupla conforme, nos termos do artigo 671º, nº 3, do Código de Processo Civil, na parte sobrante).

Nega-se, portanto, a revista.

IV – DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes do Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção) negar a revista, confirmando o acórdão recorrido.

Custas pelo recorrente.

Lisboa, 2 de Novembro de 2023.

Luís Espírito Santo (Relator)

Graça Amaral

Maria Olinda Garcia

V – Sumário elaborado pelo relator nos termos do artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil.