Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | 1.ª SECÇÃO | ||
Relator: | JORGE LEAL | ||
Descritores: | RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL ACIDENTE DE VIAÇÃO DANO BIOLÓGICO DANOS PATRIMONIAIS DANOS NÃO PATRIMONIAIS DANOS FUTUROS CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO EQUIDADE PRINCÍPIO DA IGUALDADE | ||
Data do Acordão: | 07/04/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA | ||
Sumário : | I - O dano biológico, reconhecido como um dano à integridade psico-física do lesado, que afeta de forma relevante a funcionalidade do corpo nas suas vertentes física e mental, pode assumir-se como um dano patrimonial, se tiver reflexos na situação patrimonial do lesado (seja no presente, seja no futuro). II - Tem sido orientação reiterada da jurisprudência do STJ que estando em causa a fixação de indemnização orientada por critérios de equidade, o que significa que, em rigor, não se está perante a resolução de uma “questão de direito”, ao STJ compete tão somente a verificação acerca dos limites e pressupostos dentro dos quais se situou o referido juízo equitativo, formulado pelas instâncias face à ponderação casuística da individualidade do caso concreto, sendo certo que a sindicância do juízo equitativo não afasta a necessidade de ponderar as exigências do princípio da igualdade, ao abrigo do art. 13.º da CRP e do art. 8.º, n.º 3, do CC. III - No caso de uma lesada, de 45 anos de idade, que à data do acidente exercia a profissão de Country Manager Portugal, que ficou com um défice funcional permanente da integridade física fixável em 4 pontos, que lhe diminui a capacidade física e de ganho embora seja compatível com o exercício da sua atividade profissional, padecendo de dores que lhe dificultam o descanso, o que lhe causa dificuldades de concentração, raciocínio e memorização, tornando penosa a realização de longas viagens de carro que são frequentes no exercício da sua profissão, é equitativa uma indemnização por danos patrimoniais no valor de € 35 000,00 IV - É equitativa a atribuição da quantia de € 20 000,00 para compensar um quadro de sofrimento físico e psicológico caraterizado por um quantum doloris de 3/7, repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer fixável no grau 1/7, perturbações significativas no sono e na vida sexual, perda de autonomia na realização de tarefas domésticas e na movimentação de objetos pesados, irritabilidade, desconforto constante, insegurança, baixa capacidade de atenção e concentração, baixa tolerância à frustração. | ||
Decisão Texto Integral: |
Acordam os juízes no Supremo Tribunal de Justiça I. RELATÓRIO 1. AA intentou ação declarativa de condenação na forma comum contra Seguradoras Unidas, S.A., atualmente denominada Generali Seguros, S.A. A A. alegou, em essência, os danos de natureza patrimonial e não patrimonial que sofreu em virtude de acidente de viação ocorrido no dia 17 de junho de 2017, em que foram intervenientes o veículo com a matrícula ..-DG-.., conduzido por si, e o veículo com a matrícula ..-..-PC, pertencente a BB e na ocasião conduzido por CC, cuja ocorrência imputa à conduta culposa deste último, mais alegando que a responsabilidade civil por danos causados a terceiros por este veículo PC estava transferida para a R., mediante contrato de seguro titulado pela apólice n.º ...05. A A. concluiu pedindo a condenação da R.: a) A pagar-lhe a quantia de 99.935,58 €, acrescida dos juros de mora contados à taxa legal nos termos do artigo 38.º, n.º 2 do DL 291/2007 de 21 de agosto, desde a citação da ré para contestar a presente ação até integral e efetivo pagamento. b) A pagar-lhe as quantias relativas a acompanhamento médico regular da especialidade de ortopedia (pelo menos uma vez por ano), a sessões de tratamentos de fisioterapia (pelo menos duas vezes por ano, numa quantidade de sessões que o médico ortopedista vier a determinar) e respetivas despesas de deslocação e compensação das dores que as mesmas provocarão, ajuda de terceira pessoa nas lides domésticas, bem como as decorrentes do uso frequente de analgésicos, atentas as dores de que com regularidade é acometida, em montantes a liquidar em momento posterior. 2. A R. apresentou contestação, aceitando a dinâmica do acidente descrita pela A. e a celebração do contrato de seguro invocado por esta, impugnando os danos alegados na petição inicial. 3. Proferido despacho saneador, identificado o objeto do litígio, enunciados os temas de prova e produzida a prova pericial, veio a realizar-se audiência de julgamento, no decurso da qual a A. veio ampliar o pedido em 4.552,39 €, correspondente às despesas com tratamentos médicos e fisioterapia entretanto suportados por si, passando assim o pedido «a ser de € 104 487,97, que a Ré deve ser condenada a pagar ao A., acrescida de juros vencidos desde a citação sobre € 99.935,58 e sobre € 4552,39 desde a data da notificação do processo até integral e efectivo pagamento, mantendo-se o pedido de condenação do Réu em prestação de facto, melhor descrita na p.i.» 4. Cumprido o contraditório e concluída a audiência de julgamento, foi proferida sentença, que terminou com o seguinte dispositivo: «Julgo parcialmente procedente a presente acção, e, em consequência, condeno a R. a pagar à A. a quantia de 87.480,89 € (oitenta e sete mil quatrocentos e oitenta euros e oitenta e nove cêntimos) acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal de 4% ao ano, desde a citação até integral pagamento, e absolvo-a do restante peticionado». 5. Tendo a R. interposto recurso de apelação e, subordinadamente, também a A., veio a ser proferido acórdão que culminou com o seguinte dispositivo: “Pelo exposto, os juízes do Tribunal da Relação do Porto julgam parcialmente procedentes ambos os recursos, consequentemente, revogam parcialmente a sentença recorrida e condenam a ré a pagar à autora: 1. A quantia global de 75.260,89 €, acrescida de juros de mora, à taxa legal supletiva aplicável aos juros civis, calculados nos seguintes termos: a) Sobre a quantia de 50.738,50 €, desde a data da citação da ré para a presente acção até integral pagamento; b) Sobre a quantia de 4.522,39 €, desde a data da notificação à ré do requerimento de ampliação do pedido até integral pagamento; c) Sobre a quantia de 20.000,00 €, desde a data da notificação à ré do requerimento de ampliação do pedido até integral pagamento. 2. A quantia que se vier a apurar em liquidação posterior relativamente às despesas da autora com acompanhamento médico, tratamentos de fisioterapia, respectivas despesas de deslocação, medicação e ajuda de terceira pessoa, a tempo parcial, nas lides domésticas. Custas dos recursos por ambas as partes, em igual proporção (artigo 527.º do CPC)”. 6. A R. interpôs recurso de revista desse acórdão, tendo apresentado alegação em que formulou as seguintes conclusões: I. A indemnização arbitrada pela incapacidade ou défice funcional permanente de 4 pontos sofrido pela Autora revela-se totalmente desproporcionada e, até mesmo, violadora dos princípios da equidade e da igualdade quando comparado com outras decisões dos tribunais superiores – veja-se, a título de exemplo, os seguintes acórdãos: Ac. do STJ de 03.02.2022, (proc. nº 24267/15.0T8SNT.L1.S1) (relator Tibério Nunes da Silva); Ac. do STJ de 18.03.2021 (proc. nº 1337/18.8T8PDL.L1.S1 (relator Ferreira Lopes); Ac. do STJ de 21.01.2021 (proc. nº 6705/14.1T8LRS.L1.S1) (relatora Maria dos Prazeres Pizarro Beleza); Ac. do STJ de 29.10.2020, (proc. nº 111/17.3T8MAC.G1.S1) (relatora Maria da Graça Trigo), Ac. do STJ de 07.03.2019, (proc. nº 203/14.0T2AVR.P1.S1) (relator Tomé Gomes); Ac. do STJ de 30.05.2019 (proc. nº 3710/12.6TJVNF.G1.S1) (relator Bernardo Domingos); Ac. do STJ de 29.10.2019 (proc. nº 7614/15.2T8GMR.G1.S1) (relator Henrique Araújo); Ac. do STJ de 10.12.2019 (proc. nº 497/15.4T8ABT.E1.S1) (Relator António Magalhães) e Ac. do STJ de 10.12.2019 (proc. nº 497/15.4T8ABT.E1.S1). II. No presente caso temos uma sinistrada com 45 anos de idade à data do acidente, com um défice funcional permanente de 4 pontos, sendo este compatível com o exercício da profissão habitual, pelo que o valor a arbitrar à mesma não deverá ser superior a € 20.000,00 ou, quanto muito, 25.000,00, requerendo-se, nessa medida, seja a decisão recorrida revogada nesta parte, substituindo-se a mesma por uma outra que determine tais montantes. III. Também no que tange aos danos não patrimoniais o tribunal recorrido pecou por excesso, condenando a ré em valor muito superior ao devido atentas as consequências do sinistro para a autora - quantum doloris de 3/7, repercussão nas actividades físicas e de lazer de grau 1 e sem qualquer dano estético – e tendo uma vez mais por referência decisões de tribunais superiores em situações similares – veja-se os supra referidos acórdãos de 10.02.2022, de 30.05.2019 e de 29.10.2019 e ainda o Ac. do STJ de 14.12.2017 (proc. nº 589/13.4TBFLG.P1.S1) (relator Fernanda Isabel Pereira); Ac. do STJ de 02.06.2016 (2603/10.6TVLSB.L1.S1) (relator Tomé Gomes). Pelo que, também neste ponto, deverá a sentença recorrida ser revogada, substituindo-se a mesma por decisão que condenatória da ré em montante não superior a € 10.000,00 a título de danos não patrimoniais. IV. Pese embora a decisão recorrida afirme expressamente ter procedido à actualização do montante fixado a título de dano não patrimonial à data da sentença proferida, na sua parte decisória condenou a ré no pagamento de juros sobre tal quantia desde a data da ampliação do pedido, o que se impõe corrigir. V. Os montantes indemnizatórios a arbitrar, quer a título de danos patrimoniais, quer a título de danos não patrimoniais, devem ser determinados actualizados à data da sentença proferida, pelo que sobre os mesmos apenas deverão incidir juros desde essa data, devendo a decisão proferida ser substituída por outra que assim o determine. A recorrente terminou pedindo que o recurso fosse julgado procedente nos exatos termos supra concluídos, revogando-se a decisão recorrida e substituindo-se a mesma por outra que condenasse a R. conforme defendido. 7. A A. contra-alegou, rematando com as seguintes conclusões: A) Pretende a Recorrente, com o recurso interposto, ver reapreciados três segmentos do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto - concretamente o montante fixado para compensação dos danos patrimoniais futuros (a) o montante fixado a título de danos não patrimoniais (b) e os termos da condenação em juros (c) - estando, duas das pretensões da Recorrente, votadas ao insucesso, devendo ser mantida a douta decisão recorrida, sendo atendível apenas parte da pretensão relativa à contabilização dos juros. B) Fixou, o Venerando Tribunal a quo, em 50.000,00€ o montante adequado para promover a compensação de dano biológico sofrido pela A. (Recorrida) considerando a gravidade e dimensão das consequências na vida da Recorrida, bem evidenciadas na decisão de matéria de facto definitivamente fixada por aquele Tribunal. C) Os facto provados evidenciam a gravidade das sequelas que, de forma permanente, acompanham e acompanharão a Recorrida e que não só lhe impõem maiores sacrifícios e esforços no desempenho da sua atividade profissional, mas também se podem revelar fontes de diminuição da sua produtividade, o que, atenta a função desempenhada, as responsabilidades inerentes à mesma e a total disponibilidade exigida para o seu exercício, poderá mesmo condicionar – e, no limite pôr em causa – a desejável progressão na empresa. D) No exercício da sua atividade tinha (e tem) necessidade de efetuar frequentes deslocações – o que, desde o acidente lhe causa grandes incómodos e para o que está, naturalmente, condicionada - sendo óbvio que no exercício de um trabalho desta responsabilidade, lhe será, sempre, exigida uma postura de disponibilidade física e mental, aliás, próprias de uma pessoa com a sua idade e posição profissional. E) A afetação do dia a dia da Recorrida no trabalho importa um significativo acréscimo de esforço físico no desempenho da sua atividade profissional, com limitações, não despiciendas, da sua disponibilidade para desempenhar a sua atividade (disponibilidade não só esperada, mas seguramente “exigida” pela sua empregadora), que não deixarão de penalizar a A. na sua perspetiva de progressão na carreira profissional. F) Todos estes pressupostos de facto foram seguramente tidos em conta no douto acórdão recorrido que viria a concluir, de forma sustentada e com expressa indicação dos pressupostos de que partiu e do raciocínio seguido, dever fixar em 50.000,00€ o montante adequado para a respetiva compensação, o que não deve ser alterado. G) Também sem razão, pretende, a Recorrente questionar o montante fixado pelo Venerando Tribunal a quo para compensação de dano não patrimoniais sofridos pela Recorrida – 20.000,00€- pugnando pela sua redução a 10.000,00€. H) Uma simples apreciação dos factos provados relevantes na consideração deste dano, inibirá a ponderação de alterar tal montante, por se revelar equitativamente fixado e concordante com os critérios jurisprudenciais enunciados no douto acórdão recorrido, devendo, assim, ser mantido. I) Apenas parcialmente e no que respeita aos juros sobre o montante compensatório dos danos não patrimoniais, assistirá razão à Recorrente, dela carecendo, totalmente na parte respeitante aos juros sobre o montante compensatório dos danos patrimoniais, devendo, os primeiros ser considerados desde a data da sentença em primeira instância e os segundos desde a data da citação da Ré para a presente ação, tal como decidido pelo Venerando Tribunal a quo. J) O douto acórdão proferido fez boa interpretação dos factos assentes e consequentemente uma aplicação irrepreensível das disposições insertas nos artigos 483º e 496º , ambos do Código Civil. A recorrida terminou pedindo que fosse tão só dado provimento ao recurso na parte interposta sob o ponto III), respeitante à consideração dos juros de mora sobre o montante atribuído para compensação do dano não patrimonial desde a data da prolação da decisão da 1.ª Instância e negando provimento ao recurso relativo à consideração dos juros sobre os danos patrimoniais futuros e, bem assim, aos restantes pontos do recurso. 8. A Relação proferiu acórdão em que procedeu à retificação do dispositivo do acórdão anterior, no que concerne à alínea c) do n.º 1, aí passando a figurar que os juros de mora sobre a quantia de 20 000,00 € seriam devidos “desde a data da sentença proferida pela primeira instância até integral pagamento”. 9. Foram colhidos os vistos legais. II. FUNDAMENTAÇÃO 1. As questões suscitadas pela recorrente e que constituem o objeto deste recurso são as seguintes: valor da indemnização devida à A./recorrida pelo dano biológico sofrido, na vertente patrimonial; valor da indemnização devida à A./recorrida a título de danos não patrimoniais; data de vencimento dos juros de mora que incidem sobre os valores indemnizatórios. 2. Primeira questão (valor da indemnização devida à A./recorrida pelo dano biológico sofrido, na vertente patrimonial) 2.1. As instâncias (com alterações introduzidas pela Relação) deram como provada a seguinte Matéria de facto 1. No dia 17 de Julho de 2017, pelas 14.30, ocorreu um acidente de viação entre o veículo matricula ..-DG-.., conduzido pela A., e o veículo matrícula 51-01- PC, propriedade de BB e na ocasião conduzido por CC. 2. O acidente ocorreu no cruzamento existente entre a avenida ...e a rua ..., em .... 3. No dia 17 de Junho, a A. conduzia o veículo matrícula ..-DG-.., marca BMW, cor preta, na Avenida ..., sentido sul-norte. 4. A A. conduzia na referida avenida em fila de trânsito, a cerca de 5 km/hora, de modo lento e atento à circulação dos demais veículos na via. 5. Quando chegou ao cruzamento existente entre a referida Avenida e rua ..., a A. verificou que podia passar o cruzamento, motivo pelo qual a mesma avançou, tendo tido necessidade de parar o seu veículo imediatamente antes da passadeira, uma vez que se encontrava em fila de trânsito. 6. Para que efectuasse o cruzamento, foi cedida a passagem à A. por CC, condutor do veículo de matrícula ..-..-PC, marca Volkswagen polo, cor azul, que se encontrava parado a cerca de um metro e meio da passadeira sita na rua .... 7. Existe na rua ..., um sinal vertical de cedência de prioridade a quem passe na .... 8. Quando se encontrava já parada há mais de 20 segundos, imediatamente antes da passadeira na Avenida ..., foi o veículo conduzido pela Autora embatido na sua parte lateral traseira direita, pela parte frontal direita do veículo matrícula ..-..-PC, conduzido por CC, que arrancou inopinadamente o seu veículo para entrar na avenida ..., no sentido norte-sul (sentido proibido pelo sinal de trânsito ali existente), embateu no veículo conduzido pela A. e continuou a sua marcha. 9. O referido CC não respeitou devidamente o sinal vertical existente no cruzamento e calculou erradamente o espaço útil existente para realizar a manobra de mudança de direcção. 10. O acidente acima descrito ocorreu por culpa exclusiva do condutor do veículo matrícula ..-..-PC, propriedade de BB. 11. Que ao tempo do acidente tinha a sua responsabilidade pelos riscos decorrentes da circulação do seu veículo transferida para a Ré através da apólice n.º ...05, a qual se encontrava válida e em vigor. 12. Pelo que a Ré assumiu em 19 de Dezembro de 2017 a responsabilidade do condutor do veículo seguro pela produção do acidente e a sua própria responsabilidade pela regularização dos danos decorrentes do sinistro ocorrido no dia 17 de Julho. 13. Nesse mesmo dia, a A. começou a sentir dores na coluna cervical e dorsal, o que a levou a recorrer às urgências do Hospital .... 14. Tendo realizado um raio-x, o mesmo não revelou sinais aparentes de lesões, mas assinalou que a A. “tem contratura dos músculos para-vertebrais. Deve fazer repouso e tomar medicação prescrita”. 15. Apesar das prescrições feitas, a verdade é que três semanas depois a A. sentiu-se a piorar, o que motivou que no dia 7 de Agosto de 2017 tenha sentido necessidade de recorrer novamente ao serviço de urgência do Hospital ... 16. A A. ainda se encontrava com contractura muscular, apesar de aplicar calor localmente e de seguir a medicação, tendo os médicos concluído que se a A. não melhorasse deveria iniciar tratamento de fisioterapia. 17. A A. foi indicada para iniciar o tratamento de fisioterapia, o que fez. 18. Apesar do acompanhamento no tratamento de fisioterapia, a A. ainda se sentia com dores, o que a levou a procurar um médico especialista no Hospital ..., o que fez no dia 28 de dezembro de 2017. 19. Tendo sido vista no Hospital ..., consta do relatório elaborado pelos médicos que a A. sofreu um acidente de viação que levou a “inicio de cervicalgia, que entretanto melhorou, manteve dorsalgia e lombalgia. EO – Dorsalgia a nível de D4D6, dor à percussão das espinhosas. Sequelas de fractura espinhosa/transversa, edema local?”, tendo tal avaliação motivado o pedido de RMN. 20. Na consulta de acompanhamento, em 25 de Janeiro de 2018, foi a A. informada de que a ressonância pedida “mostra hipersinal espinhosas de D2 D3 e D4”, motivo pelo qual foi novamente medicada e pedida MFR 21. Apesar da medicação e da realização de novos exames, a situação clínica da A. não melhorou, motivo pelo qual em 28 de Junho de 2018, os médicos do Hospital ... após a realização da MFR consideraram a situação clinica da A. estabilizada com manutenção da Dorsalgia. 22. Foi a A. considerada estabilizada, mas com danos, motivo pelo qual lhe foi atribuída no dia 28 de Junho de 2018 a consolidação médico-legal e a fase sequelar. 23. A A. teve, assim, alta, ficando a padecer de sequelas permanentes que afetam o seu dia-a-dia. 24. A A, apesar da alta, em resultado das lesões que sofreu no acidente, ficou a padecer, de dor à palpação da musculatura para-vertebral; dor à palpação e percussão das espinhosas de D2 a D4 e ainda de mobilidade diminuída pelas queixas álgicas. 25. Devido às lesões sofridas a A. não consegue realizar quaisquer tarefas que impliquem a movimentação de objetos pesados nem tão pouco realizar tarefas domésticas como aspirar e limpar a sua casa. 26. Não consegue correr e tem até dificuldades em caminhar em pisos irregulares ou desnivelados, e deitar-se na areia da praia, durante um longo período, atentas as dores sofridas 27. A A. não consegue estar muito tempo de pé, nem muito tempo sentada a trabalhar no computador, sem sentir dores na sua coluna. 28. Deixou de conseguir fazer longas viagens a conduzir – o que necessita fazer em virtude do seu trabalho – tendo passado a socorrer-se do auxílio de terceira pessoa para conduzir o seu veículo nas suas viagens profissionais de longa distância. 29. A A. não consegue deitar-se muito tempo na sua cama, sem sentir desconforto e dores na sua coluna. 30. Sendo que viu e ainda vê condicionada e perturbada a sua vida sexual, por virtude do quadro sequelar descrito. 31. Em virtude do acidente, deixou, ainda, a A. de conseguir efectuar programas familiares desportivos, tendo deixado de conseguir andar de bicicleta e de efectuar desportos aquáticos nas férias. 32. Revela a A. nervosismo, irritabilidade, desconforto constante, insegurança, baixa capacidade de atenção e concentração, baixa tolerância à frustração, comportamento de evitamento, medos recorrentes e redução de autonomia. 33. Evita o convívio social prolongado, tendo passado as suas lesões a influenciar o modo como gere a sua vida. 34. A A. deixou de ir às compras sozinha, pois não consegue suportar o peso dos sacos e deixou de trabalhar em casa no sofá com o seu computador por não conseguir manter uma postura relaxante, antes lhe aumentando a sensação de dor. 35. Perdeu qualidade no seu sono, vendo-se privada de conseguir descansar sete horas seguidas atentas as dores e desconforto que sente quando se deita, o que lhe causa dificuldades de concentração, raciocínio e memorização. 36. Antes do acidente, a A. havia iniciado um novo emprego, que não apenas exige muita responsabilidade, como igualmente disponibilidade e possibilidade (física) para fazer longas distâncias de carro, nomeadamente P...-A... e P...-E.... 37. A manutenção das limitações e das dores decorrentes do acidente e a previsibilidade do seu agravamento com o decorrer dos tempos são factor desestabilizador na vida familiar, social e profissional da A. 38. As descritas sequelas que afetam a A implicam que seja portadora de um défice funcional para integridade física e psíquica, que lhe diminui a capacidade física e de ganho. 39. As sequelas da A. são compatíveis com o exercício da sua actividade profissional, mas implicam esforços suplementares. 40. Em virtude das lesões sofridas, a A. ficou a depender permanentemente de medicação regular e ficou a depender de acompanhamento médico, pelo menos de seis em seis meses, e de tratamentos de fisioterapia, nos termos e durante período a definira pelo(s) médico(s) assistente(s) (alterado pela Relação). 41. A A. passou a ter dificuldade em realizar quaisquer tarefas domésticas que impliquem necessidade de movimentar a coluna, como fazer a cama, de tirar a loiça da máquina, de aspirar e limpar a casa e de passar a ferro. 42. (eliminado pela Relação) 43. Até à presente data, a A. necessitou dos seguintes tratamentos e incorreu nas seguintes despesas: • Fisioterapia – 30/07/2018 - 40,00 € • Fisioterapia – 2/08/2018 – 25,00 € • Consulta de ortopedia – 15/11/2018 – 70,00 € • Ressonância magnética – 19/11/2018 – 250,00 € • Fisioterapia – 20/11/2018 – 40,00 € • Fisioterapia – 22/11/2018 – 40,00 € • Consulta Ortopedia – 29/11/2018 – 70,00 € • Medicamentos – 10/12/2018 – 13,50 € • Fisioterapia – 29/12/2018 – 30,00 € • Fisioterapia – 2/01/2019 – 40,00 € • Fisioterapia – 15/01/2019 – 40,00 € • Fisioterapia – 28/01/2019 – 40,00 € • Fisioterapia – 11/02/2019 – 40,00 € • Fisioterapia – 25/02/2019 – 40,00 € • Fisioterapia – 10/04/2019 – 45,00 € • Fisioterapia – 17/04/2019 – 45,00 € • Medicamentos – 22/04/2019 – 17,73 € • Fisioterapia – 30/04/2019 – 45,00 € • Fisioterapia – 17/06/2019 – 45,00 € • Medicamentos – 17/08/2019 – 9,74 € • Fisioterapia – 30/07/2019 – 45,00 € • Fisioterapia – 5/08/2019 – 45,00 € • Fisioterapia – 27/09/2019 – 45,00 € • Fisioterapia – 21/10/2019 – 45,00 € • Fisioterapia – 28/10/2019 – 45,00 € • Consulta Ortopedia – 31/10/2019 – 70,00 € • Medicamentos – 29/11/2019 – 28,72 € • Fisioterapia – 10/12/2019 – 45,00 € • Fisioterapia – 9/01/2020 – 45,00 € • Fisioterapia - 13/01/2020 – 45,00 € • Fisioterapia – 10/02/2020 – 45,00 € • Fisioterapia – 15/02/2020 – 45,00 € • Medicamentos – 2/03/2020 – 19,38 € • Fisioterapia – 10/03/2020 – 45,00 € • Fisioterapia – 17/08/2020 – 35,00 € • Fisioterapia – 25/08/2020 – 45,00 € • Fisioterapia – 23/12/2020 -75,00 € • Fisioterapia – 7/01/2021 – 150,00 € • Medicamentos – 15/01/2021 – 6,18 € • Medicamentos – 18/01/2021 – 5,54 € • Fisioterapia – 22/01/2021 – 300,00 € • Fisioterapia – 29/01/2021 – 150,00 € • Fisioterapia – 4/02/2021 – 150,00 € • Fisioterapia – 11/02/2021 – 150,00 € • Fisioterapia – 19/02/2021 – 75,00 € • Fisioterapia – 25/02/2021 – 150,00 € • Fisioterapia – 4/03/2021 – 45,00 € • Fisioterapia – 25/03/2021 – 75,00 € • Fisioterapia – 31/03/2021 – 30,00 € • Fisioterapia – 29/04/2021 – 75,00 € • Consulta de Ortopedia – 31/05/2021 – 80,00 € • Fisioterapia – 10/08/2021 – 45,00 € • Fisioterapia – 12/08/2021 – 45,00 € • Consulta de Ortopedia – 28/09/2021 – 70,00 € • Fisioterapia – 14/10/2021 – 80,00 € • Fisioterapia – 2/11/2021 – 160,00 € • Fisioterapia – 4/11/2021 – 80,00 € • Fisioterapia – 8/11/2021 – 80,00 € • Fisioterapia – 15/11/2021 – 80,00 € • Fisioterapia – 25/11/2021 – 80,00 € • Fisioterapia – 2/12/2021 – 80,00 € • Fisioterapia – 6/12/2021 – 80,00 € • Medicamentos – 7/12/2021 – 16,69 € • Fisioterapia – 13/12/2021 – 80,00 € • Fisioterapia – 20/12/2021 – 80,00 € • Fisioterapia – 30/12/2021 – 45,00 € • Fisioterapia – 13/01/2022 – 80,00 € • Medicamentos – 19/01/2022 – 15,15 € • Fisioterapia – 19/01/2022 – 80,00 € • Fisioterapia – 24/01/2022 – 80,00 € • Fisioterapia – 7/02/2022 – 160,00 € • Fisioterapia – 16/02/2022 – 80,00 € • Fisioterapia – 17/02/2022 – 45,00 € • Fisioterapia – 22/02/2022 – 80,00 € • Medicamento – 27/02/2022 – 39,38 € • Fisioterapia – 9/03/2022 – 80,00 € • Fisioterapia – 17/03/2022 – 80,00 € • Fisioterapia – 22/03/2022 – 80,00 € • Medicamentos – 22/03/2022 – 63,88 € 44. A A. nasceu em 23 de Outubro de 1971. 45. Na altura do acidente, exercia a profissão de Country Manager Portugal, profissão esta a que corresponde um salário líquido mensal de €2.859,19. 46. No futuro, o A. carecerá do auxílio de terceira pessoa para limpeza e passar a ferro a tempo parcial (alterado pela Relação). 47. Em consequência do acidente a A. ficou com um défice funcional permanente da integridade física fixável em 4 pontos (alterado pela Relação). 48. Sofreu repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer fixável no grau 1/7 e um quantum doloris de 3/7. 49. A A. suportou despesas de deslocação em virtude dos tratamentos clínicos supra referidos. As instâncias enunciaram os seguintes Factos não provados • A A. tenha deixado de conseguir ir à praia ou de deitar-se na areia a descansar. • A diminuição da capacidade física e de ganho da A. seja de 4 pontos. (este facto foi incluído no facto provado n.º 47, em consequência de alteração introduzida pela Relação). • A A. tenha tido mais despesas não suportadas pela R. para além das supra referidas em 43) e 49) dos Factos Provados. 2.2. O Direito Provou-se que o acidente objeto da ação foi causado, ilícita e culposamente, pelo condutor do veículo de matrícula ..-..-PC. A responsabilidade civil do detentor desse veículo, pelos acidentes emergentes da sua circulação (artigos 483.º e 503.º do CC), havia sido transferida para a seguradora ora R. (artigos 4.º, 6.º e 11.º do Dec.-Lei n.º 291/2007, de 21.8). O responsável pelo facto ilícito deve indemnizar os danos causados pela sua conduta. Nos termos do art.º 562.º do CC, “[q]uem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.” Sobre o nexo de causalidade entre o evento e o dano estipula o art.º 563.º que “[a] obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.” A obrigação de indemnização compreende não só os chamados “danos emergentes”, como os “lucros cessantes” (as duas categorias são mencionadas na lei como “prejuízo causado” e “benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão” – n.º 1 do art.º 564.º do Código Civil). Na fixação da indemnização o tribunal pode atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis (art.º 564.º n.º 2 do Código Civil). Em princípio a indemnização deverá visar a reconstituição natural, sendo fixada em dinheiro quando a reconstituição natural não for possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor (n.º 1 do art.º 566.º do Código Civil). A indemnização em dinheiro terá como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos (n.º 2 do art.º 566.º). Se não puder ser averiguado o valor exato dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados (n.º 3 do art.º 566.º). Em relação aos danos não patrimoniais, estabelece o n.º 1 do art.º 496.º do Código Civil que serão ressarcíveis aqueles que, “pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”. No número 3 do mesmo artigo estipula-se que “o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no art.º 494.º”, ou seja: “grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso”. Na impossibilidade de fazer desaparecer o prejuízo, com a indemnização por danos não patrimoniais procura proporcionar-se ao lesado meios económicos que de alguma forma o compensem do padecimento sofrido. Por outro lado, sanciona-se o ofensor, impondo-lhe a obrigação de facultar ao lesado um montante pecuniário, substitutivo do prejuízo inflingido. Temos, pois, que o legislador português, no que concerne aos danos ressarcíveis, distingue entre danos patrimoniais e danos não patrimoniais, encarados quanto à suscetibilidade de avaliação pecuniária: enquanto os danos patrimoniais, mesmo que atinjam interesses não patrimoniais, como a saúde, a honra, o bom nome, se refletem no património do lesado (v.g., pela perda de ganho resultante de incapacidade para o trabalho, ou de recusa de contratos de prestação de serviços em virtude de desprestígio), em termos que fundamentam, se não a restauração natural, a atribuição de uma verba pecuniária equivalente (indemnização), os danos não patrimoniais constituem prejuízos que não se repercutem no património do lesado, mas tão só afetam interesses de ordem não patrimonial (v.g., sofrimento causado por ofensas à saúde, honra, bom nome), mas que se considera que justificam a imposição ao lesante de uma obrigação pecuniária, que reveste a natureza de uma compensação/satisfação (vide, v.g., Antunes Varela, Das Obrigações em geral, vol. I, 8.ª edição, 1994, Almedina, pp. 611-613). O dano biológico, reconhecido como um dano à integridade psico-física do lesado, que afeta de forma relevante a funcionalidade do corpo nas suas vertentes física e mental, pode assumir-se tanto como um dano patrimonial, se tiver reflexos na situação patrimonial do lesado (seja no presente, seja no futuro), quer como dano não patrimonial, na medida em que as consequências do deficit funcional sofrido não tenham tradução económica para o lesado, implicando, por exemplo, uma maior penosidade na realização de algumas tarefas, mas sem inerente perda de rendimentos (cfr., v.g., STJ, 27.10.2009, 560/09.0YFLSB; STJ, 20.5.2010, 103/2002.L1.S1; STJ, 26.01.2012, 220/2001-7.S1; STJ, 20.01.2010, 203/99.9 TBVRL.P1.S1; na doutrina, cfr. Maria da Graça Trigo, “Adopção do conceito de “dano biológico” pelo direito português”, in ROA, 2012, ano 72, vol. I, páginas 147 a 178). No que concerne à vertente dos danos patrimoniais, a primeira instância atribuiu à A., a título de indemnização por lucros cessantes/défice funcional permanente, a quantia de € 30 000,00. Para tal levou em consideração que a A. ficou a padecer de um défice funcional de 3 pontos. A R. impugnou esse valor. Na sua apelação a R. entende que essa indemnização é excessiva, face aos valores praticados pela jurisprudência. Propugnou como razoável o montante de € 15 000,00. Por sua vez a A., em apelação subordinada, defendeu que deveria dar-se como provado um défice funcional permanente de integridade física de 7 pontos e que o consequente valor indemnizatório deveria ser fixado em € 60 500,00. A Relação alterou a decisão de facto, fixando em 4 pontos o défice funcional permanente padecido pela A. em consequência das lesões causadas pelo sinistro. E fixou a indemnização pelas “consequências patrimoniais do dano biológico” em € 50 000,00. A seguradora R. recorreu de novo, agora para este Supremo Tribunal, pugnando pela redução daquele valor para um montante que não ultrapasse os € 20 000,00, € 25 000,00. Vejamos. Ficou provado que em consequência do sinistro destes autos a A. ficou a padecer de sequelas permanentes, que se traduzem em dor à palpação da musculatura para-vertebral; dor à palpação e percussão das espinhosas de D2 a D4 e ainda de mobilidade diminuída pelas queixas álgicas. Devido às lesões sofridas a A. não consegue realizar quaisquer tarefas que impliquem a movimentação de objetos pesados nem tão pouco realizar tarefas domésticas como aspirar e limpar a sua casa. Não consegue correr e tem até dificuldades em caminhar em pisos irregulares ou desnivelados, e deitar-se na areia da praia, durante um longo período, atentas as dores sofridas. A A. não consegue estar muito tempo de pé, nem muito tempo sentada a trabalhar no computador, sem sentir dores na sua coluna. Deixou de conseguir fazer longas viagens a conduzir – o que necessita fazer em virtude do seu trabalho – tendo passado a socorrer-se do auxílio de terceira pessoa para conduzir o seu veículo nas suas viagens profissionais de longa distância. Perdeu qualidade no seu sono, vendo-se privada de conseguir descansar sete horas seguidas atentas as dores e desconforto que sente quando se deita, o que lhe causa dificuldades de concentração, raciocínio e memorização. Antes do acidente, a A. havia iniciado um novo emprego, que não apenas exige muita responsabilidade, como igualmente disponibilidade e possibilidade (física) para fazer longas distâncias de carro, nomeadamente P...-A... e P...-E.... A manutenção das limitações e das dores decorrentes do acidente e a previsibilidade do seu agravamento com o decorrer dos tempos são fator desestabilizador na vida familiar, social e profissional da A.. As descritas sequelas que afetam a A implicam que seja portadora de um défice funcional para integridade física e psíquica, que lhe diminui a capacidade física e de ganho. As sequelas da A. são compatíveis com o exercício da sua atividade profissional, mas implicam esforços suplementares. A A. nasceu em ... de 1971. Na altura do acidente, exercia a profissão de Country Manager Portugal, profissão esta a que corresponde um salário líquido mensal de € 2.859,19. Em consequência do acidente a A. ficou com um défice funcional permanente da integridade física fixável em 4 pontos (cfr. n.ºs 24 a 28, 32, 35 a 39, 45, 47 dos factos provados). Ficou, pois, provado que em resultado do acidente a A. passou a sofrer de um défice funcional permanente relevante, que necessariamente afeta a sua capacidade de trabalho, reduzindo a sua eficiência, qualidade e produtividade. Assim, é de prever que esse handicap atual e futuramente se reflita no património da A., através da perceção de rendimentos fruto da sua força de trabalho inferiores àqueles com que a A. podia legitimamente contar se mantivesse as qualidades físicas e psíquicas que tinha antes do acidente. Verifica-se, assim, um dano patrimonial futuro, previsível, nos termos e para os efeitos previstos no n.º 2 do art.º 564.º do Código Civil. Tal dano futuro terá de ser quantificado com recurso à equidade (artigos 564.º n.º 2 e 566.º n.º 3 do Código Civil). Nos casos em que a incapacidade permanente é suscetível de afetar ou diminuir a potencialidade de ganho por via da perda ou diminuição da remuneração, os tribunais têm procurado fixar a indemnização por apelo à atribuição de um capital que se extinga ao fim da vida (ativa ou total) do lesado e seja suscetível de lhe garantir, durante aquela, as prestações periódicas correspondentes à sua perda de ganho. Para o efeito, têm sido utilizadas várias fórmulas e tabelas financeiras, na tentativa de se alcançar um critério uniforme (cfr., enunciando algumas, STJ, 5.5.1994, CJSTJ, ano II, tomo II, pág. 86; Relação de Coimbra, 4.4.1995, CJ, ano XX tomo II, pág. 23; na internet, dgsi, acórdão do STJ, de 04.12.2007, processo 07A3836). Porém, mesmo nesses casos, a jurisprudência não esquece que as referidas fórmulas “não se conformam com a própria realidade das coisas, avessa a operações matemáticas, certo que não é possível determinar o tempo de vida útil, a evolução dos rendimentos, da taxa de juro ou do custo de vida”, acrescendo que “não existe uma relação proporcional entre a incapacidade funcional e o vencimento auferido pelo exercício profissional em termos de se poder afirmar que ocorre sempre uma diminuição dos proventos na medida exatamente proporcional à da incapacidade funcional em causa.” “Assim, neste caso as mencionadas tabelas só podem ser utilizadas como meramente orientadoras e explicativas do juízo de equidade a que a lei se reporta” (acórdão do STJ, de 17.11.2005, processo 05B3436). De resto, essas fórmulas divergem entre si, variando quanto às taxas de juros remuneratórias de aplicações financeiras a levar em consideração, assim como à eventual aplicação de taxas de atualização das prestações e seu valor. A Portaria n.º 377/2008 de 26 de maio, alterada pela Portaria n.º 679/2009, de 25 de junho, estabelece, no anexo III, uma fórmula de cálculo do dano patrimonial futuro, acompanhada de uma tabela prática de aplicação. Essa Portaria fixa os critérios e valores orientadores para efeitos de apresentação aos lesados por acidente automóvel, de proposta razoável para indemnização do dano corporal, nos termos do disposto no capítulo III do título II do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de agosto. Ou seja, regulamenta aspetos do atual regime do sistema do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, que foi aprovado pelo Dec.-Lei nº 291/2007, de 21 de agosto e entrou em vigor em 20 de outubro de 2007 (art.º 95.º). Tem em vista o procedimento que as seguradoras devem adotar a fim de obterem a composição amigável e célere dos litígios emergentes de sinistros automóveis, no âmbito do dano corporal. Os critérios e valores aí referidos não são definitivos nem vinculativos, não se impondo aos tribunais, conforme decorre do n.º 2 do art.º 1.º da Portaria (“as disposições constantes da presente portaria não afastam o direito à indemnização de outros danos, nos termos da lei, nem a fixação de valores superiores aos propostos”) e do seu preâmbulo (“… importa frisar que o objetivo da portaria não é a fixação definitiva de valores indemnizatórios mas, nos termos do nº 3 do artigo 39.º do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de agosto, o estabelecimento de um conjunto de regras e princípios que permita agilizar a apresentação de propostas razoáveis, possibilitando ainda que a autoridade de supervisão possa avaliar, com grande objetividade, a razoabilidade das propostas apresentadas.”; cfr. ainda, v.g., STJ, 01.6.2011, 198/00.8GBCLD.L1.S1). Posto isto, a tabela prática supra referida pode servir como ponto de partida para a tarefa de se fixar a indemnização ora sub judice. Anotar-se-á que a fórmula aí prevista (introduzida pela Portaria n.º 679/2009) reproduz aquela que foi proposta pela Relação de Coimbra no acórdão de 04.04.1995, supra referido, divergindo apenas quanto à taxa de juro considerada (a Relação previa 7%, a Portaria prevê 5%) e quanto à taxa de atualização anual das prestações (a Relação previa 6%, a Portaria prevê 2%). Constata-se igualmente que, embora a fórmula introduzida pela Portaria n.º 679/2009 ao anexo III seja diferente da inicialmente prevista pela Portaria n.º 377/2008 (sendo a fórmula mais recente menos favorável aos lesados), não foram introduzidas alterações à tabela prática – pelo que deverá ser esta a tabela a aplicar, sendo certo que tal não prejudicará os lesados. A Portaria estabelece que as idades a considerar para os seus efeitos serão as da data do acidente (art.º 12.º) e que para o cálculo do tempo durante o qual a prestação se considera devida se presume que o lesado se reformaria aos 70 anos de idade (alínea b) do n.º 1 do art.º 7.º da Portaria). Embora a Portaria apenas preveja a apresentação de proposta razoável para danos patrimoniais futuros em caso de dano corporal de que resultem situações de incapacidade permanente absoluta ou de incapacidade para a profissão habitual, a aludida tabela é adaptável a situações de incapacidade parcial, bastando aplicar os fatores aí previstos à prestação (remuneração) anual correspondente à percentagem de incapacidade a ter em consideração. Quanto ao rendimento da A., levar-se-á em consideração o valor anual de € 2 859,19 x 14 = € 40 028,00 (n.º 45 da matéria de facto). Assim, aplicando-se a IPP de 4%, obtem-se uma prestação anual de € 1 601,12. Tendo a A., à data do acidente, 45 anos de idade, tinha ainda pela frente 25 anos de vida ativa (nos termos da Portaria), pelo que segundo a tabela aplicar-se-ia o fator de 18,043, obtendo-se o valor de € 28 889,00. Posto isto, o método fundamental utilizado pela jurisprudência para este tipo de situações é a comparação com outras decisões judiciais, tendo nomeadamente em vista o disposto no art.º 8.º n.º 3 do Código Civil. Sendo certo que, no que concerne ao papel do Supremo Tribunal de Justiça nesta matéria, tem sido orientação reiterada da jurisprudência deste Supremo Tribunal que estando em causa a fixação de indemnização orientada por critérios de equidade, o que significa que, em rigor, não se está perante a resolução de uma “questão de direito”, não compete ao STJ a determinação exata do valor pecuniário a arbitrar, mas tão somente a verificação acerca dos limites e pressupostos dentro dos quais se situou o referido juízo equitativo, formulado pelas instâncias face à ponderação casuística da individualidade do caso concreto, sendo certo que a sindicância do juízo equitativo não afasta a necessidade de ponderar as exigências do princípio da igualdade, ao abrigo do art.º 13.º da CRP e do art.º 8.º n.º 3 do Código Civil (cfr., v.g., acórdão de 06.4.2015, processo 1166/10.7TBVCD.P1.S1, acórdão de 24.02.2022, processo n.º 1082/19.7T8SNT.L1.S1 e acórdão do STJ de 06.6.2023, processo n.º 9934/17.2T8SNT.L1.S1). No caso destes autos, as instâncias procederam ao exame das particularidades do caso concreto em si, sem se deterem na apreciação da casuística jurisprudencial eventualmente julgada pertinente. Realizemos nós essa tarefa. Analisando decisões recentes do Supremo Tribunal de Justiça, nelas se incluindo as indicadas pela recorrente, constata-se que: a) No caso de um ciclista, com 48 anos de idade à data do acidente, professor do ensino secundário, que sofreu várias fraturas e veio a ficar afetado de défice funcional permanente de 31%, foi atribuída uma indemnização, por dano biológico na vertente patrimonial, de € 125 000,00 (STJ, 29.10.2020, processo 2631/17.0T8LRA.C1.S1); b) A um lesado com 62 anos de idade, que ficou afetado de défice funcional permanente de 9,71%, foi considerado equitativo o valor indemnizatório de € 32 000,00 (STJ, 29.10.2020, processo 111/17.3T8MAC.G1.S1); c) A um ciclista, estudante, de 19 anos de idade, que ficou afetado com défice funcional permanente de 3%, foi atribuída indemnização por dano patrimonial futuro de € 15 000,00 (STJ, 11.11.2020, processo 16576/17.0T8PRT.P1.S1); d) A um peão de 45 anos de idade, que ficou afetado com défice funcional permanente parcial de 5%, atribuiu-se a indemnização de € 12 500,00 (STJ, 12.11.2020, 4212/18.2T8CBR.C1.S1); e) A dois lesados, de 45 e 51 anos de idade, que ficaram afetados, respetivamente, de défice funcional permanente de 28% e 8%, o STJ atribuiu, respetivamente, indemnização por dano patrimonial futuro, de € 40 000,00 e € 10 000,00 (STJ, 12.11.2020, processo 317/12.1TBCPV.P1.S1); f) A um operador agrícola de 33 anos de idade, que ficou afetado com défice funcional permanente parcial de 16%, com impossibilidade de exercer a atividade profissional habitual, foi atribuída indemnização no valor de € 120 000,00 (STJ, 10.02.2020, processo 8040/15.9T8GMR.G1.S1); g) A um lesado com 32 anos de idade, que ficou afetado com défice funcional permanente parcial de 4%, foi atribuída indemnização por dano patrimonial no valor de € 20 000,00 (STJ, 14.01.2021, processo 2545/18.7T8VNG.P1.S1) h) A uma lesada com 35 anos de idade, cabeleireira, que ficou afetada de uma IPP de 12%, foi julgada equitativa a indemnização de € 60 000,00 (STJ, 06.6.2023, processo 9934/17.2T8SNT.L1.S1); i) A um lesado com 34 anos de idade, que ficou afetado de IPP de 9%, com significativa repercussão negativa na sua profissão de serralheiro, o STJ julgou equitativa a indemnização de € 50 000,00 (STJ, 24.02.2022, processo 1082/19.7T8SNT.L1.S1); j) A um professor com 50 anos de idade, IPP de 10 pontos, o STJ considerou equitativa a indemnização de € 35 000,00 (STJ, 03.02.2022, processo 24267/15.0); k) A uma vítima de 50 anos, IPP de 13%, indemnização no valor de € 45 000,00 (STJ 18.3.2021, processo 1337/18.8); l) A uma vítima com 32 anos, IPP de 27 pontos, indemnização no valor de € 90 000,00 (STJ 21.01.2021, processo 6705/14.1); m) A uma vítima de 35 anos, IPP de 19 pontos, indemnização no valor de € 40 000,00 (STJ 07.3.2019, processo 203/14); n) A uma estudante de 17 anos, IPP de 14 pontos, indemnização no valor de € 80 000,00 (STJ 30.5.2019, processo 3710/12.6); o) A um empresário com 34 anos, IPP de 16 pontos, indemnização de € 36 000,00 (STJ 29.10.2019, processo 7614715.2); p) A uma vítima com 17 anos, IPP entre 14,5 a 21,6 pontos, indemnização de € 70 000,00 (STJ 10.12.2019, processo 497/15.4). No caso destes autos, temos uma lesada com 45 anos de idade, que ficou afetada com défice funcional permanente parcial de 4%. O montante atribuído pela Relação (€ 50 000,00) fica manifestamente além dos valores acima indicados, atendendo aos casos concretos em causa. Quanto ao valor fixado pela primeira instância, de € 30 000,00, assente numa IPP de 3%, ficará aquém do valor justo, se se atentar a que a lesada exercia e exerce uma função que exige muita responsabilidade, como igualmente disponibilidade e possibilidade (física) para fazer longas distâncias de carro, sendo certo que as dores de que padece lhe dificultam o descanso, o que lhe causa dificuldades de concentração, raciocínio e memorização. Assim, reputa-se adequada a atribuição de uma indemnização no valor de € 35 000,00. Nesta parte, pois, a revista merece parcial acolhimento. 3. Segunda questão (valor da indemnização devida à A./recorrida a título de danos não patrimoniais) A primeira instância atribuiu à A., a título de indemnização por danos não patrimoniais, a quantia de € 4 000,00, “reportada à data da citação”. Na apelação subordinada a A. propugnou a fixação de indemnização por danos não patrimoniais no valor de € 30 000,00. A Relação fixou a indemnização por danos não patrimoniais em € 20 000,00. Na revista, a recorrente defende como sendo equitativo o valor de € 10 000,00. Vejamos. A lei manda fixar o montante compensatório dos danos não patrimoniais equitativamente, tendo em atenção “o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso”. Quanto ao grau de culpabilidade do agente, in casu é qualificável de grave. De facto, o acidente deveu-se por culpa exclusiva do condutor segurado na R., que embateu inopinadamente no veículo conduzido pela A., desrespeitando a prioridade de que esta beneficiava num cruzamento e violando, ainda, um sinal de sentido proibido (n.ºs 1 a 10 dos factos provados). No que concerne à ponderação da situação económica do agente e do lesado, a não discriminação em razão da situação económica (art.º 13.º n.º 2 da CRP) impõe que essa ponderação se limite tão só ou sobretudo a situações de verdadeira desproporção, no sentido lesado rico/lesante pobre, encontrando-se aqui como fundamento o não desperdício de recursos económicos quando o lesado apresenta uma folgada situação económica e o lesante carece de meios (neste sentido, Maria Manuel Veloso, “Danos não patrimoniais”, in Comemorações dos 35 anos do Código Civil e dos 25 anos da Reforma de 1977, volume III, FDUC, Coimbra Editora, 2007, páginas 540 a 542). Aliás, no já distante dia 14 de março de 1975, a Resolução (75) 7 do Comité de Ministros do Conselho da Europa, que exortava os estados membros a levarem em consideração determinados princípios no que concerne à reparação dos danos no caso de lesões corporais e de morte em matéria de responsabilidade extracontratual, defendia que o cálculo da indemnização das lesões corporais deve efetuar-se independentemente da situação económica da vítima. No fundo, é na análise das “demais circunstâncias do caso” que se encontrarão os reais pontos de referência do montante a arbitrar. Análise essa em que, como já acima se aduziu a propósito da fixação da indemnização pelo dano biológico na vertente patrimonial, e sempre tendo em conta o papel de mero controle a efetuar pelo STJ quanto ao uso do juízo de equidade, não se pode ignorar a ponderação feita noutras decisões judiciais, tendo nomeadamente em vista o disposto no art.º 8.º n.º 3 do Código Civil. Averiguando situações abordadas pelo STJ, nelas se incluindo as indicadas pela recorrente, verifica-se que foram atribuídas indemnizações, por danos não patrimoniais, no valor de € 75 000,00 (acórdão de 29.10.2020, lesado com 48 anos de idade, quantum doloris 6/7, dano estético 5/7), € 17 500,00 (acórdão de 11.11.2020, lesado com 19 anos de idade, 3/7 quantum doloris, 3/7 dano estético), € 22 500,00 (acórdão de 12.11.2020, peão com 45 anos de idade, 3/7 dano estético, 6/7 quantum doloris), € 50 000,00 (acórdão de 12.11.2020, lesado com 51 anos de idade, 4/7 quantum doloris, 3/7 dano estético), € 85 000,00 (acórdão de 12.11.2020, lesada com 45 anos de idade, dano estético de 1/5, quantum doloris de 5/7), € 55 000,00 (acórdão de 10.02.2020, lesado com 33 anos de idade, quantum doloris de 6/7, dano estético de 5/7), € 25 000,00 (acórdão de 16.12.2020, lesado de 43 anos de idade, 5/7 quantum doloris e 4/7 dano estético), € 60 000,00 (acórdão de 10.02.2022, lesado de 21 anos, dano estético 5/7, repercussão em atividades de desporto e de lazer 5/7, quantum doloris 7/7), € 25 000,00 (acórdão de 30.5.2019, vítima com 17 anos de idade, quantum doloris 5/7, dano estético 3/7, repercussão em atividades desportivas e de lazer 1/7), € 30 000,00 (acórdão de 29.10.2019, vítima com 34 anos de idade, quantum doloris 4/7, dano estético 3/7, efeito permanente em atividades desportivas e de lazer 3/7), € 30 000,00 (acórdão de 14.12.2017, vítima com 34 anos, quantum doloris 5/7, dano estético 3/7, repercussão em atividades desportivas e de lazer 3/7) e € 35 000,00 (acórdão de 02.6.2016, vítima com 47 anos, quantum doloris 5/7, dano estético 2/7). Volvendo ao caso destes autos, provou-se que desde o dia do acidente, ocorrido em 17.7.2017, que a A. padece de dores na coluna cervical e dorsal. Devido às lesões sofridas a A. não consegue realizar quaisquer tarefas que impliquem a movimentação de objetos pesados nem tão pouco realizar tarefas domésticas como aspirar e limpar a sua casa. Não consegue correr e tem até dificuldades em caminhar em pisos irregulares ou desnivelados, e deitar-se na areia da praia, durante um longo período, atentas as dores sofridas. A A. não consegue estar muito tempo de pé, nem muito tempo sentada a trabalhar no computador, sem sentir dores na sua coluna. A A. não consegue deitar-se muito tempo na sua cama, sem sentir desconforto e dores na sua coluna. Tais sequelas perturbam a sua vida sexual. A A. deixou de poder efetuar programas familiares desportivos, tendo deixado de conseguir andar de bicicleta e de efetuar desportos aquáticos nas férias. A A. revela nervosismo, irritabilidade, desconforto constante, insegurança, baixa capacidade de atenção e concentração, baixa tolerância à frustração, comportamento de evitamento, medos recorrentes e redução de autonomia. A A. evita o convívio social prolongado, tendo as suas lesões passado a influenciar o modo como gere a sua vida. A A. deixou de ir às compras sozinha, pois não consegue suportar o peso dos sacos e deixou de trabalhar em casa no sofá com o seu computador por não conseguir manter uma postura relaxante, antes lhe aumentando a sensação de dor. A A. perdeu qualidade no seu sono, vendo-se privada de conseguir descansar sete horas seguidas atentas as dores e desconforto que sente quando se deita, o que lhe causa dificuldades de concentração, raciocínio e memorização. A manutenção das limitações e das dores decorrentes do acidente e a previsibilidade do seu agravamento com o decorrer dos tempos são fator desestabilizador na vida familiar, social e profissional da A. A A. ficou a depender permanentemente de medicação regular e ficou a depender de tratamentos clínicos regulares, pelo menos de 30 sessões de fisioterapia, por ano. A A. passou a ter dificuldade em realizar quaisquer tarefas domésticas que impliquem necessidade de movimentar a coluna, como fazer a cama, de tirar a loiça da máquina, de aspirar e limpar a casa e de passar a ferro. A A. sofreu repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer fixável no grau 1/7 e um quantum doloris de 3/7 (cfr. n.ºs 24 a 27, 29 a 35, 37, 40, 41 e 48 dos factos provados). Afigura-se-nos que os factos provados traçam um quadro de padecimento físico e psicológico muito significativo, cuja compensação, a nosso ver, é adequadamente concretizada com o valor fixado pela Relação, isto é, € 20 000,00. Este valor não contrasta com os montantes acima indicados, fixados pela jurisprudência. Nesta parte, pois, a revista improcede. 4. Terceira questão (data de vencimento dos juros de mora que incidem sobre os valores indemnizatórios) A primeira instância condenou a R. no pagamento de juros de mora, sobre a totalidade da quantia indemnizatória fixada, vencidos desde a data da citação até integral pagamento. Na apelação a R. defendeu que as indemnizações por danos não patrimoniais ou fixadas de acordo com a equidade só devem vencer juros de mora a contar da data da sua fixação, tal como as correspondentes a despesas futuras. No que concerne aos juros de mora incidentes sobre a indemnização respeitante ao “dano patrimonial decorrente do défice funcional permanente da integridade físico-psíquica” e aos danos não patrimoniais, no acórdão da Relação exarou-se o seguinte: “De harmonia com o preceituado nos artigos 804.º e 806.º do CC, os juros de mora destinam-se a reparar os danos causados ao credor pelo retardamento culposo da prestação pecuniária devida. Nos termos do disposto no artigo 805.º, n.º 1, do mesmo código, o devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir. Mas a mora não depende de interpelação nas situações previstas nas diversas alíneas do n.º 2 do mesmo artigo 805.º, designadamente se a obrigação provier de facto ilícito. Neste caso, o devedor constitui-se em mora no momento da prática do facto ilícito. Esta regra especial está em consonância com o disposto no artigo 566.º, n.º 2, do CC (nos termos do qual, «[s]em prejuízo do preceituado noutras disposições, a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos». Por força da 1.ª parte, do n.º 3, do artigo 805.º, do CC, se o crédito for ilíquido, não há mora enquanto se não tornar líquido, salvo se a falta de liquidez for imputável ao devedor. Porém, tratando-se de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, a 2.ª parte deste mesmo n.º 3 preceitua que o devedor se constitui em mora desde a citação, a menos que já haja então mora, nos termos da 1.ª parte. Este segmento normativo, acrescentado ao texto primitivo do artigo 805.º, n.º 3, do CC, pelo DL n.º 262/83, de 16 de Junho, suscitou muitas dúvidas de interpretação, designadamente no que respeita à sua articulação com a norma já citada do artigo 566.º, n.º 2, do CC – e que vieram a dar origem ao acórdão de uniformização de jurisprudência (AUJ) n.º 4/2002, de 9 de Maio, publicado no Diário da República, I Série A, nº. 146, de 27 de Junho –, pois enquanto esta apontava para o vencimento de juros a partir da data da sentença que fixa a indemnização, actualizada à data da mesma, aquela aponta para o vencimentos dos juros a partir da citação. Como se afirma no ac. do STJ, de 04.11.2021 (proc. n.º 590/13.8TVLSB.L1.S1, rel. Maria João Vaz Tomé), «[a] contagem de juros de mora desde a citação tem em vista a mesma finalidade que a atualização da indemnização à data da sentença: “imputar ao lesante o risco da depreciação monetária” ou da erosão do valor da moeda – porquanto, desde o início de vigência do DL n.º 200- C/80, de 24 de junho, os juros de mora têm também a função de compensar a desvalorização monetária. Interpretado à luz dos princípios gerais que regem a obrigação de indemnização e o respetivo cálculo, o preceito do art. 805.º, n.º 3, do CC, deve, pois, ser considerado como concretização da teoria da diferença. Tem por objetivo a consagração de um critério abstrato de cálculo dos danos sofridos pelo lesado, decorrentes da demora no pagamento, ulteriores à citação e anteriores à liquidação, sem afastar a teoria da diferença». Por isso, como se acrescenta no mesmo acórdão, «[s]e o juiz calcula o montante indemnizatório com base em valores atualizados, em critérios contemporâneos da decisão, não se afigura teleologicamente adequada a aplicação retroativa do corretor monetário. Por conseguinte, a sua intervenção apenas se justifica a partir da data da sentença do Tribunal de 1.ª Instância que, no que toca ao cálculo da correção monetária, constitui, nos termos do art. 566.º, n.º 2, a mais recente que pode e deve ser tida em conta». É, precisamente, esta a jurisprudência obrigatória fixada pelo AUJ acima citado: «Sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do n.º 2 do artigo 566.º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805.º, n.º 3 (interpretado restritivamente), e 806.º, n.º 1, também do Código Civil, a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação». Porém, decorre desta jurisprudência obrigatória e dos respectivos fundamentos que a fixação dos juros moratórios a partir da data da sentença que procede à actualização da indemnização pressupõe que tal sentença contenha alguma expressão que revele ter procedido a esse cálculo actualizado, designadamente a referência ao critério de cálculo plasmado no artigo 566.º, n.º 2, do CC, e à consideração da desvalorização do valor da moeda, inexistindo fundamento legal para concluir pela presunção natural de que o juiz da primeira instância procedeu à actualização da compensação a que se reporta o mencionado acórdão de uniformização de jurisprudência. Neste sentido se pronunciou o ac. do STJ, de 16-02-2004 (proc. n.º 04B2616, rel. Salvador da Costa), no qual se afirma que «[u]ma decisão actualizadora da indemnização, em rigor, pressupõe que sobre algo já quantificado incida algum elemento ou índice de actualização». Por isso, acrescenta-se no mesmo acórdão, que «[s]e na sentença apelada nada se expressou sobre a impropriamente designada actualização à luz do n.º 2 do artigo 566.º do Código Civil, designadamente à consideração da desvalorização da moeda entre o tempo do evento danoso e o da sua prolacção, queda na espécie inaplicável a interpretação da lei decorrente daquele Acórdão». No caso concreto, a sentença recorrida não faz qualquer menção reveladora de ter actualizado os montantes indemnizatórios que arbitrou. Não faz, designadamente, qualquer referência à desvalorização do valor da moeda e nem sequer invoca o disposto no artigo 566.º, n.º 2, do CC. Pelo contrário, ao invocar expressamente o disposto no artigo 805.º, n.º 3, 2.ª parte, do CC (a par dos artigos 806.º, n.º 1, e 559.º, n.ºs 1 e 2, do mesmo código), o teor da referida sentença é claro no sentido de não ter procedido à actualização, entre a data do evento danoso (o acidente) e a data em que a mesma foi proferida, de nenhum dos montantes indemnizatórios que arbitrou. Nestes termos, sem prejuízo do que ficou exposto a respeito do limite do pedido, nenhuma censura merece a opção de determinar o vencimento dos juros de mora a contar da citação, por se mostrar congruente com a não actualização da indemnização. Sucede que este Tribunal ad quem alterou os valores indemnizatórios arbitrados pelo Tribunal a quo, nos termos já expostos, e, não estando vinculado à opção adoptada pela primeira instância, optou por actualizar o valor da indemnização devida pelos danos não patrimoniais à da sentença da recorrida, por ser a data mais recente a que podia atender, nos termos do disposto no artigo 566.º, n.º 2, do CPC. Deste modo, sobre essa parcela indemnizatória apenas incidem juros de mora desde a data da referida sentença. Mas não fez igual opção relativamente aos danos patrimoniais relacionados com a afectação da capacidade aquisitiva da autora, cujo cálculo se baseou, como vimos, na situação existente antes da propositura da acção. Assim sendo, sobre esta parcela indemnizatória incidem juros de mora desde a data da citação da ré para esta acção”. O expendido pela Relação está em linha com o regime legal de vencimento dos juros de mora em matéria de responsabilidade civil extracontratual, tal como interpretado pelo AUJ n.º 4/2002, de 9 de maio, nele mencionado. Assim, tendo a Relação explicitado expressamente que o valor fixado a título de indemnização pelo dano patrimonial decorrente de incapacidade funcional permanente era reportado à situação existente antes da propositura da ação, os juros de mora são devidos a contar da citação. Já no que concerne aos danos não patrimoniais, o seu valor foi alvo de um juízo atualizado reportado à data da prolação da sentença (conforme expressamente afirmado no acórdão), pelo que os juros moratórios apenas se vencem a contar da data desse aresto (sentença). Porém, sucede que a Relação acabou por, no acórdão, condenar a R., no que concerne à indicada indemnização por danos não patrimoniais (fixada no valor de € 20 000,00), em juros de mora contados desde a data da “notificação à ré do requerimento de ampliação do pedido até integral pagamento”. Trata-se de manifesto lapso, que a Relação corrigiu no acórdão subsequentemente proferido em 28.3.2023. Com efeito, reconhecendo ter-se incorrido em manifesto lapso, aí se exarou que os juros de mora respeitantes à quantia de € 20 000,00 (n.º 1, alínea c) do dispositivo), eram devidos “desde a data da sentença proferida pela primeira instância até integral pagamento.” Retificado o acórdão, como manda e permite o disposto no art.º 614.º n.ºs 1 e 2, ex vi art.º 666.º do CPC, nesta parte nada mais há a decidir. No que concerne à pretensão de dilação do dies a quo dos juros de mora, quanto à indemnização pelo dano biológico na sua vertente patrimonial, o acórdão não enferma de lapso ou violação da lei: reportando-se o valor indemnizatório à situação existente à data da propositura da ação, como se refere no acórdão, bem se fixou a data de vencimento dos juros de mora na data da citação (art.º 805.º n.º 3 do Código Civil). Nesta parte, pois, a revista é improcedente. III. DECISÃO Pelo exposto, julga-se a revista parcialmente procedente e consequentemente altera-se o acórdão recorrido, condenando-se a Ré a pagar à Autora: 1. A quantia global de 60.260,89 € (sessenta mil duzentos e sessenta euros e oitenta e nove cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal supletiva aplicável aos juros civis, calculados nos seguintes termos: a) Sobre a quantia de 35.738,50 € (trinta e cinco mil setecentos e trinta e oito euros e cinquenta cêntimos), desde a data da citação da ré para a presente ação até integral pagamento; b) Sobre a quantia de 4.522,39 € (quatro mil quinhentos e vinte e dois euros e trinta e nove cêntimos), desde a data da notificação à ré do requerimento de ampliação do pedido até integral pagamento; c) Sobre a quantia de 20.000,00 € (vinte mil euros), desde a data da sentença proferida pela primeira instância até integral pagamento. 2. A quantia que se vier a apurar em liquidação posterior relativamente às despesas da autora com acompanhamento médico, tratamentos de fisioterapia, respetivas despesas de deslocação, medicação e ajuda de terceira pessoa, a tempo parcial, nas lides domésticas. Custas das apelações por ambas as partes, em igual proporção (artigo 527.º do CPC). As custas da revista, na componente de custas de parte, serão a cargo da recorrente e da recorrida, na proporção do respetivo decaimento (artigos 527.º n.ºs 1 e 2 e 533.º do CPC). Lx, 04.7.2023
Jorge Leal (Relator) Maria Clara Sottomayor Pedro de Lima Gonçalves |