Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
08S3539
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SOUSA PEIXOTO
Descritores: SUBSÍDIO DE DESEMPREGO
EMISSÃO E ENTREGA DA DECLARAÇÃO MODELO 346
Nº do Documento: SJ20090121035394
Data do Acordão: 01/21/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
1. Cessado o contrato de trabalho, a entidade empregadora só é obrigada a entregar ao trabalhador a declaração da situação de desemprego (modelo 346) quando este a pedir.
2. Alegando o autor/trabalhador que o pedido de atribuição do subsídio de desemprego foi indeferido, por extemporâneo, e que esse indeferimento havia resultado de aquela declaração só lhe ter sido entregue pela ré após o decurso do prazo de 90 dias de que ele dispunha para requerer a atribuição daquele subsídio, a ele competia alegar e provar que tinha solicitado à ré a emissão e entrega da aludida declaração e que a mesma não lhe tinha sido entregue no prazo de cinco dias.
Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

1. Relatório
AA propôs a presente acção, no Tribunal do Trabalho de Matosinhos, contra BB, Sociedade de Mediação Imobiliária, L.da, pedindo: i) que seja reconhecido que o contrato de trabalho que manteve com a ré teve a duração de cinco anos e que seja reposta a legalidade perante a Segurança Social; ii) que a ré seja condenada a pagar-lhe a quantia total de € 15.577,00, sendo € 11.577,00 a título de indemnização de lucros cessantes relativos às prestações de desemprego não auferidas, e € 4.000,00 a título de compensação pelos danos não patrimoniais que a conduta da ré lhe causou.

Em resumo, a autora alegou o seguinte:
- foi admitida, verbalmente, ao serviço da ré em 15 de Março de 1999, para exercer, remuneradamente, as funções de telefonista;
- por entender que o contrato era de prestação de serviço, a ré não comunicou à Segurança Social a celebração do dito contrato de trabalho e nunca procedeu aos respectivos descontos, de modo a que a autora pudesse ser contribuinte/beneficiária da Segurança Social;
- em 6 de Outubro de 2004, a ré acedeu em assinar o acordo de cessação do contrato de trabalho, no qual reconheceu que o contrato de trabalho celebrado com a autora tinha durado três anos;
- a autora viu-se na contingência de aceitar essa condição, como forma de ver regularizada a sua situação junto da Segurança Social, o que, segundo o descrito na cláusula 6.ª do referido acordo, seria também uma obrigação da ré;
- entre tudo ou nada, a autora aceitou essa imposição que, pelo menos, lhe permitiria ter no seu histórico de contribuições três anos de trabalho prestado, podendo aceder, daí em diante, à respectiva tutela, nomeadamente, ao pedido de prestações de desemprego;
- sucede, porém, que a ré, tendo-se comprometido a regularizar a sua situação junto da Segurança Social, não lhe entregou atempadamente, como lhe competia, a declaração de situação de desemprego – modelo 346 –;
- com efeito, só lhe entregou a referida declaração em 5.1.2005, ou seja, para além dos 90 dias de que a autora dispunha para requerer o subsídio de desemprego;
- na verdade, a autora deu entrada do pedido em 6.1.2005, mas o mesmo foi indeferido, por extemporâneo;
- a ré adiou sempre a entrega de tal declaração com base na necessidade de regularizar a situação contributiva da autora;
- facto que impediu a autora de usufruir de tais prestações, provocando-lhe inúmeras dificuldades de ordem pessoal e económica, porquanto deixou de ter fonte de sustento, passando a viver a expensas dos seus filhos;
- por outro lado, a autora entrou num profundo estado depressivo que a impedia inclusivamente de dormir e que lhe tirou o apetite e a impedia, até, de se levantar da cama;
- tudo originado pela atitude irresponsável e inconsequente da ré, que não cumpriu as suas obrigações;
- com efeito, ao não entregar a declaração modelo 346, a ré agiu com culpa, pois bem sabia que dessa forma impedia a autora de beneficiar dos direitos que a lei da segurança social lhe confere, em particular, das prestações de desemprego, nos termos do art.º 65.º do Decreto--Lei n.º 119/99, de 14 de Abril;
- acresce que, no âmbito das normas que regulam a cessação do contrato de trabalho, impunha-se à ré que lhe tivesse emitido o referido documento, pelo que, ao não cumprir tal obrigação, violou o disposto no n.º 3 do art.º 385.º do Código do Trabalho;
- não tendo cumprido com tal obrigação, a ré faltou culposamente ao cumprimento da mesma, tornando-se responsável pelo prejuízo que casou à autora (art.º 798.º do C.C.), devendo, por isso, ser responsabilizada pelos danos patrimoniais e não patrimoniais que lhe causou;
- do exposto decorre que foi por culpa da ré que a autora deixou de beneficiar das prestações de desemprego a que teria direito e que, de acordo com a legislação em vigor, seriam, no mínimo, de 30 meses a € 385,90 por mês, devendo, por isso, a ré ser condenada a pagar-lhe, a título de lucros cessantes, a quantia de € 11.577,00, que corresponderia ao valor total das prestações de desemprego que teria auferido, e a quantia de € 4.000,00, a título de compensação pelos danos não patrimoniais, pelas dificuldades de ordem pessoal e económica por que passou.

Na contestação, a ré, invocando o disposto no art.º 381.º, n.º 1, do Código do Trabalho, arguiu a prescrição de todos os créditos da autora resultantes do contrato de trabalho, uma vez que quando a acção foi proposta, em 10 de Abril de 2006, já tinha decorrido mais de um ano desde a cessação do contrato em 6 de Outubro de 2004, e, sem prescindir alegou, em resumo, o seguinte:
- é verdade que só entregou a declaração/modelo 346, à autora, em 5 de Janeiro de 2005, mas tal aconteceu pelo facto de a mesma só nessa data lhe ter sido pedida;
- de qualquer modo, em 5.1.2005 ainda não tinham decorrido os 90 dias de que a autora dispunha para requerer o subsídio de desemprego, uma vez que aquele dia 5 correspondia ao 90.º dia posterior à data de desemprego, dado que, nos termos do art.º 62.º, n.º 1, do D.L. n.º 119/99, de 14/4, se considera como data do desemprego o dia imediatamente subsequente àquele em que se verificar a cessação do contrato de trabalho;
- por outro lado, mesmo que aquele prazo já tivesse decorrido, nenhuma responsabilidade podia ser assacada à ré pela não atribuição do subsídio de desemprego, pois, caso a ré não tivesse entregue a dita declaração no prazo de cinco dias a contar da data em que a autora a tivesse solicitado, esta tinha o direito de interpretar esse incumprimento da ré como uma recusa e tinha a faculdade de requerer a intervenção supletiva da Inspecção Geral do Trabalho nos termos do art.º 67.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 119/99.

No despacho saneador, o M.mo Juiz declarou o tribunal materialmente incompetente para conhecer do pedido de regularização da situação perante a Segurança Social e do pedido indemnizatório, absolvendo a ré da instância relativamente a esses pedidos, e julgou procedente a excepção da prescrição no que toca ao pedido de reconhecimento de que o contrato de trabalho tinha tido a duração de cinco anos, absolvendo a ré desse pedido.

A autora apelou do saneador/sentença e fê-lo com sucesso já que o Tribunal da Relação do Porto declarou o tribunal do trabalho competente em razão da matéria, para conhecer do pedido indemnizatório formulado pela autora e julgou improcedente a excepção da prescrição, tendo ordenado o prosseguimento dos autos, para apreciação dos referidos pedidos.

Cumprindo o ordenado pela Relação, o M.mo Juiz procedeu a julgamento e, decidida a matéria de facto, proferiu sentença declarando que a duração efectiva do contrato de trabalho entre as partes tinha sido de cinco anos e absolvendo a ré dos pedidos indemnizatórios.

A autora interpôs recurso, mas a Relação confirmou a decisão recorrida.

Mantendo o seu inconformismo, a autora interpôs recurso de revista, concluindo as respectivas alegações do seguinte modo:

1.ª - A Autora e a Ré celebraram verbalmente um contrato, em 15.3.1999, nos termos do qual a Autora se obrigou a prestar à Ré as funções de telefonista.
2.ª - Durante a sua existência, nunca a Ré comunicou à Segurança Social a celebração do dito contrato, nem, muito menos, procedeu aos respectivos descontos sobre o salário da trabalhadora, de modo a que a mesma pudesse ser contribuinte/beneficiária da Segurança Social.
3.ª - Apesar das várias solicitações da Autora, nunca a Ré acedeu em fazer o que quer que fosse com vista ao reconhecimento dos direitos e das legítimas expectativas da trabalhadora.
4.ª - Em 6.10.2004, após a cessação, a Ré, a pretexto de regularizar a situação da Autora perante a segurança social, não lhe entregou atempadamente, apesar de várias vezes solicitado, o modelo 346, para que a mesma pudesse pedir o subsídio de desemprego.
5.ª - Apesar de ter entregue o dito modelo em 5.1.2005, veio a segurança social a indeferir, por extemporâneo, o pedido de subsídio de desemprego.
6.ª - Como consequência desta actuação, a Autora sofreu elevados danos de ordem pessoal e económica, pelos quais a Ré é a única responsável.
8.ª - Nessa medida, a Autora intentou a acção de responsabilidade civil contratual contra a Ré, assente quer no artigo 385.º, n.º 3, do CT, quer no próprio acordo de cessação do contrato de trabalho - cláusula 6.ª.
9.ª - Trata-se de responsabilidade pós-contratual, como considera o douto acórdão, pois o artigo 385.º do C. do Trabalho, prevendo o cumprimento de uma obrigação por parte do empregador, não obstante a cessação do contrato de trabalho, acaba por estender/alargar a força do contrato para além da sua vigência corresponderia o cumprimento da referida obrigação sem o suporte do mesmo contrato [sic].
10.ª - Considerando os factos dados como provados, o acórdão em crise fez errada interpretação e aplicação do artigo 385.º do CT e do artigo 52.º do DL 119/99 de 14 de Abril.
11.ª - Com efeito, a Autora alegou e provou que solicitou à Ré a entrega do modelo 346.
12.ª - Bem como que o pediu e que a Ré, ao entregá-lo apenas no dia 5.1.2005, não entregou o referido documento nos cinco dias seguintes à sua solicitação.
13.ª - Como se conclui pelo teor da matéria assente, a mesma foi incorrectamente subsumida nos artigos 385.º, n.º 3, do CT e 52.º do DL 119/99 de 14/4.
14.ª - Pois pode ler-se no texto do Acórdão, que "Apesar das várias solicitações da Autora", a Ré não entregou o modelo 346.
15.ª - A Ré pautou, desde o primeiro momento, a sua postura contratual pela má­ fé, prejudicando a Autora, enquanto o contrato durou e após a sua cessação.
16.ª - Sendo o instituto da responsabilidade e, em concreto, a indemnização a única forma de a compensar por todos os prejuízos sofridos.
17.ª - Efectivamente, a trabalhadora Ana Maria pediu, em diversos momentos, à Ré, que regularizasse a sua situação perante a segurança social, da qual fazia parte a emissão do dito modelo 346.
18.ª - O que ficou a constar no próprio acordo de cessação do contrato de trabalho, na cláusula 6.a, onde se pode ler que se “...obrigam os primeiros outorgantes a resolver e a regularizar a situação da segunda outorgante perante a segurança social no que diz respeito às cotizações e contribuições durante o período de duração do contrato de trabalho”.
19.ª - A Recorrente esteve sempre de boa fé em todo o processo e, por isso, lá ia esperando...
20.ª - A Autora pediu, e pediu-o inúmeras vezes! E isso mesmo está descrito no ponto 4. da matéria provada, onde se pode ler que a “Apesar das várias solicitações da Autora, nunca a Ré acedeu em fazer o que quer que fosse com vista ao reconhecimento dos direitos e das legítimas expectativas da trabalhadora..."
21.ª - Tendo conseguido que lhe fosse entregue, embora fora de tempo!
22.ª - A verdade é que nem o artigo 385.º, n.º 3, nem o artigo 52.º do DL 119/99 de 4.4 referem qual a forma da solicitação.
23.ª - A Recorrente entende sustentadamente que provou que pediu o documento como consta do ponto 4. da matéria assente “Apesar das várias solicitações da Autora ... ".
24.ª - Não podemos concordar com a interpretação em que se admite que há responsabilidade pós-contratual assente na obrigação decorrente do artigo 385.º, n.º 3, que depois se deixa cair, por errónea subsunção dos factos à norma jurídica procedimental - o artigo 52.º do DL 119/99 de 14/4. 25.ª - Com esta interpretação parece pretender desculpar-se a empresa de todos os comportamentos ilícitos relatados.
26.ª - A Autora alegou e provou a verificação dos elementos que compõe a obrigação de entrega do dito documento sobre o empregador, nos termos do artigo 385.º, n.º 3 do CT e 52.º do DL 119/99 DE 14/4, logo,
27.ª - existe responsabilidade contratual e, nessa medida, caberia à Ré provar, nos termos do artigo 799.º, n.º 1, do C.C., que o não cumprimento da obrigação de entrega do modelo 346 não se deveu a culpa sua.
28.ª - O que jamais sucedeu.
29.ª - Com efeito, existe um facto ilícito decorrente da inexecução da obrigação.
30.ª - Há um incumprimento culposo e como tal, deveria o devedor provar que não teve culpa na verificação do facto e nos danos sofridos pela trabalhadora.
31.ª - Deveria o empregador ter provado nos termos do artigo 799.º do C.C. que foi diligente, que actuou no cumprimento da sua obrigação como um bom pai de família, que se esforçou por cumprir e tal não aconteceu.
32.ª - Assim o consagra a lei, assim o entende a mais qualificada Doutrina.
33.ª - Estando reunidos todos os pressupostos para se efectivar a responsabilidade civil da Ré, traduzida no pagamento da indemnização.
34.ª - Como refere o Professor Menezes Cordeiro, o não acatamento dos deveres pode implicar uma situação de responsabilidade civil e fundamentar o direito a uma indemnização, no caso de a infracção aos deveres da boa-fé implicar danos para qualquer das partes.
35.ª - A omissão da obrigação por parte do empregador (tal como ficou provado nos pontos 10 e 11 do Douto acórdão) causou à Autora sérios prejuízos, tendo a mesma ficado sem fonte de sustento.
36.ª - Posteriormente à cessação do contrato, e como consequência directa da actuação da Ré, a Autora viveu dificuldades de ordem pessoal e económicas, por ter deixado de ter fonte de sustento, e esteve acamada em diversos dias.
37.ª - Além de manter um incumprimento de obrigações contratuais durante cinco anos, com relevantes prejuízos para o trabalhador,
38.ª - a Ré tem contado com interpretações legais que favorecem os seus censuráveis comportamentos.
39.ª - A interpretação sustentada no acórdão demonstra, por outro lado, uma incorrecta valoração dos interesses em confronto.
40.ª - No confronto dos interesses pessoais e morais do trabalhador com os patrimoniais e egoísticos do empregador, (apesar de não merecedores de tutela legal) estes sobrepõe-se àqueles.
41.ª - O douto acórdão afronta, em nosso entender, os fins protectivos [sic] do trabalhador que enformam o nosso direito do trabalho.

A ré contra-alegou, sustentando a bondade e o acerto da decisão recorrida e, neste Supremo Tribunal, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta pronunciou-se pela não concessão da revista, em parecer a que só a autora respondeu, para manifestar a sua discordância com o mesmo.

Corridos os vistos dos juízes adjuntos, cumpre apreciar e decidir.
2. Os factos
Os factos que, sem qualquer impugnação, vêm dados como provados desde a 1.ª instância são os seguintes:
1. A A. e a R. celebraram verbalmente um contrato, em 15 de Março de 1999, nos termos do qual a Autora se obrigou a prestar à R. as funções de telefonista, auferindo o salário mínimo nacional,
2. Respectivamente de 61.300$00, no ano de 1999; 63.800$00, no ano de 2000; 67.000$00, no ano de 2001; 348,01 euros, no ano de 2002; 356,60 euros, no ano de 2003; e 365,60 euros, no ano de 2004.
3. Durante a sua existência nunca a R. comunicou à Segurança Social a celebração do dito contrato, nem, muito menos, procedeu aos respectivos descontos sobre o salário da trabalhadora, de modo a que a mesma pudesse ser contribuinte/beneficiária da Segurança Social.
4. Apesar das várias solicitações da Autora, nunca a R. acedeu em fazer o que quer que fosse com vista ao reconhecimento dos direitos e das legítimas expectativas da trabalhadora, porquanto, erroneamente e por que lhe convinha, entendia tratar-se de uma prestação de serviços.
5. Em 6 Outubro de 2004, acedeu a R. a assinar o acordo de cessação de contrato de trabalho, onde reconheceu que o contrato de trabalho celebrado com a A. durou três anos.
6. A R. obrigou-se a resolver e regularizar a situação da A. perante a Segurança Social no que diz respeito às cotizações durante o período de duração do contrato de trabalho.
7. A Ré não realizou um único registo de retribuições relativo à Autora, tendo-se comprometido a regularizar a sua situação junto da segurança social.
8. A R. entregou à Autora a declaração de situação de desemprego – modelo 346 – em 5/1/2005.
9. A Autora deu entrada do pedido das prestações de desemprego junto da segurança social em 6/1/2005, tendo o mesmo sido indeferido por extemporâneo.
10. Posteriormente à cessação do contrato, a A. viveu dificuldades de ordem pessoal e económicas, por ter deixado de ter fonte de sustento.
11. E esteve acamada em dias e por motivos concretamente não determinados.
12. Durante cinco anos, a actividade de telefonista exercida pela Autora foi prestada sob autoridade e direcção da Ré.

3. O direito
Como se alcança das conclusões formuladas pela recorrente, o objecto do recurso restringe-se à questão de saber se a ré deve ser responsabilizada pela reparação dos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pela autora, pelo facto de o pedido de atribuição do subsídio de desemprego por ela formulado, em 6 de Janeiro de 2005, junto da Segurança Social, ter sido indeferido por extemporâneo.

Recordando o que já foi dito em 1., a autora imputou aquele indeferimento ao facto da ré só lhe ter entregue a declaração de situação de desemprego – modelo 346 –, em 5 de Janeiro de 2005, ou seja, quando já havia decorrido o prazo de 90 dias de que ela dispunha para formular tal pedido e qualificou essa conduta de ilícita e culposa, por se traduzir no incumprimento de uma obrigação legal, prevista no art.º 385.º, n.º 3, do Código do Trabalho.

A Relação julgou improcedente a pretensão da autora com a seguinte fundamentação:
«A obrigação imposta ao empregador pelo art. 385.º, n.º 3 do C. do Trabalho tem necessariamente que se relacionar com o disposto no art. 52.º do DL 119/99 de 14.4 (em vigor à data dos factos, 2005). Prescreve este último preceito que "Em caso de cessação do contrato de trabalho a entidade empregadora é obrigada a entregar ao trabalhador as declarações previstas neste diploma para instrução do requerimento das prestações no prazo de cinco dias a contar da data em que o trabalhador as solicite".
Assim, e conjugando o disposto no art. 385.º, n.º 3 do C. do Trabalho com o art.º 52.º do referido DL podemos afirmar que a Autora tinha que alegar e provar a) que solicitou a entrega do modelo 346; b) em que data fez tal pedido à Ré; c) que a Ré não lhe entregou o referido documento nos cinco dias seguintes à sua solicitação. Com efeito, resulta das normas acabadas de referir que a obrigação de entrega do modelo 346 só surge a partir do momento que tal solicitação é feita pelo trabalhador. Por outras palavras: a entidade patronal só tem de entregar o referido documento ao trabalhador se este lho pedir, já que pelo facto de ter cessado o contrato de trabalho tal não significa que o trabalhador, obrigatoriamente, vá requerer o subsídio de desemprego (pode acontecer que o trabalhador tenha cessado o contrato de trabalho e logo comece a trabalhar noutro local e para outra entidade...).
Ora, a Autora nada alegou no sentido supra indicado em a), b) e c), e também nada se provou, sendo certo que estava onerada com tal dever (art. 342.º, n.º 1 do C. Civil).
Por isso, nem sequer é possível concluir que a Ré tenha violado a obrigação prevista no art. 385.º, n.º 3, do C. do Trabalho (se a Autora tivesse alegado e provado os factos acima referidos, então competiria à Ré provar que o não cumprimento do referido dever não se ficou a dever a culpa sua - art. 799.º, n.º 1, do C. Civil).
E se assim é, terá necessariamente que improceder o pedido de indemnização formulado pela Autora, por não verificação dos seus pressupostos.» (Fim de transcrição)

A recorrente/autora discorda do assim decidido pela Relação, mas a sua discordância restringe-se à parte em que no acórdão recorrido se diz que a autora não alegou nem provou que tivesse solicitado à ré a entrega da declaração/modelo 346 e em que data ocorreu essa solicitação.

Na verdade, a autora não contesta a decisão recorrida na parte em que nela se afirma que a obrigação da entidade empregadora entregar ao trabalhador a dita declaração só surge depois da mesma ter sido solicitada pelo trabalhador, o que significa que, nessa parte, se conformou com a decisão da Relação.

E esse seu conformismo é perfeitamente compreensível, perante a clareza dos dispositivos legais ao caso aplicáveis: o art.º 385.º, n.º 3, do Código do Trabalho e o art.º 52.º do Decreto-Lei n.º 119/99, de 14 de Abril.

Com efeito, nos termos, respectivamente, do n.º 1 e do n.º 2 do art.º 385.º do C.T., “[q]uando cesse o contrato de trabalho, o empregador é obrigado a entregar ao trabalhador um certificado de trabalho, indicando as datas de admissão e de saída, bem como o cargo ou cargos que desempenhou” e “[o] certificado não pode conter quaisquer outras referências, salvo pedido do trabalhador nesse sentido”.

Por sua vez, nos termos do n.º 3 do mesmo art.º 385.º, “[a]lém do certificado de trabalho, o empregador é obrigado a entregar ao trabalhador outros documentos destinados a fins oficiais que por aquele devam ser emitidos e que este solicite, designadamente os previstos na legislação de segurança social”.

Ora, como decorre do confronto do disposto no n.º 1 e no n.º 3 do art.º 385.º, quando cessa o contrato de trabalho o empregador fica logo obrigado a entregar ao trabalhador o certificado de trabalho. Tal obrigação nasce com a própria cessação do contrato de trabalho; não está dependente da verificação de qualquer outro requisito, nomeadamente da sua solicitação por parte do trabalhador.

Todavia, no que diz respeito a outro tipo de documentos que por ele devam ser emitidos, a obrigação só nasce quando tais documentos lhe sejam solicitados pelo trabalhador.

A declaração de situação de desemprego (conhecida pelo modelo 346) é um desses documentos.

Efectivamente, nos termos do art.º 65.º do Decreto-Lei n.º 119/99 – diploma em vigor à data dos factos em apreço nos autos –, o requerimento das prestações de desemprego é acompanhado de determinados documentos, sendo um deles a “[d]eclaração da entidade empregadora, em impresso de modelo aprovado por despacho do Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social, comprovativa da situação de desemprego e da data a que se reporta a última remuneração” (n.º 1, al. a) do art.º 65.º).

Por sua vez, nos termos do art.º 52.º do Decreto-Lei n.º 119/99, de 14 de Abril, “[e]m caso de cessação do contrato de trabalho a entidade empregadora é obrigada a entregar ao trabalhador as declarações previstas neste diploma para a instrução do requerimento das prestações no prazo de cinco dias a contar da data em que o trabalhador as solicite”.

Face aos normativos referidos, é inquestionável que a ré só era obrigada a entregar a declaração comprovativa da situação de desemprego, referida na alínea a) do n.º 1, do art.º 65.º do Decreto-Lei n.º 119/99, desde que a mesma lhe fosse solicitada pela autora.

Incumbia, pois, à autora, nos termos do art.º 342.º do C.C., alegar e provar que tinha solicitado à ré a entrega da dita declaração e, como bem se diz no acórdão recorrido, esse ónus não foi cumprido.

E, como já foi dito, é relativamente ao incumprimento desse ónus que a discordância da autora radica, pois, segundo ela, não se pode aceitar que no acórdão recorrido se diga que a autora não alegou, nem provou, que pediu o modelo 346, à ré, e que nele se afirme não ter sido provado que a ré não entregou o documento em causa nos cinco dias seguintes àquele em que o mesmo foi solicitado.

Com efeito, diz a recorrente, o que ela mais fez foi pedir o documento à ré. Pediu-o aquando do acordo de cessação do contrato e em inúmeras outras vezes, telefonicamente e por escrito e, como consta do n.º 4 da matéria de facto, provou-se que a ré, apesar das várias solicitações da autora, não entregou o documento atempadamente.

Carece, todavia, de razão a recorrente/autora, pois, como bem salienta a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta no seu douto parecer, as “várias solicitações da Autora” referidas no n.º 4 da matéria de facto (e não no n.º 3, como, por manifesto lapso, é dito no aludido parecer) não se reportam ao modelo 346, mas sim “ao reconhecimento dos direitos e das legítimas expectativas” da Autora, decorrentes do contrato de trabalho.
Na verdade, e como decorre da petição inicial, em parte alguma deste articulado a autora alegou ter solicitado à ré a emissão do modelo 346. Limitou-se a alegar que a ré “não procedeu atempadamente, como lhe competia, à entrega da declaração de situação de desemprego – modelo 346 –” (art.º 17.º da p. i.); que “a R. só entregou a aludida declaração em 5/1/2005, ou seja, para além dos 90 dias de que a trabalhadora dispunha para solicitar as prestações de desemprego” (artigos 18.º e 19.º da p. i.) e que “[a] R. adiou sempre a entrega de tal declaração com base na necessidade de regularizar a situação contributiva da trabalhadora” (art.º 22.º da p. i.).

E, dos factos referidos, apenas se provou que “[a] R. entregou à autora a declaração de situação de desemprego – modelo 346 – em 5/1/2005” (facto n.º 8).

Efectivamente, como consta do despacho de fls. 143-145, que decidiu a matéria de facto, nem sequer se provou que a ré tinha adiado sempre a entrega de tal declaração com base na necessidade de regularizar a situação contributiva da trabalhadora, pois tal facto (do qual, eventualmente, as instâncias poderiam inferir que a autora tinha solicitado à ré a entrega da aludida declaração) foi expressamente dado como não provado.

A factualidade dada como provada no n.º 4 dos factos resulta do que alegado foi pela autora nos artigos 4.º, 5.º, 6.º e 7.º da petição inicial.

No art.º 4.º, a autora alegou que, durante a existência do contrato, a ré nunca comunicou à Segurança Social a celebração do dito contrato; no art.º 5.º, alegou que, muito menos, procedeu aos descontos sobre o seu salário, de modo a que ela pudesse ser contribuinte/beneficiária da Segurança Social; no art.º 6.º, alegou que “apesar das várias solicitações da Autora, nunca a R. acedeu em fazer o que quer que fosse com vista ao reconhecimento dos direitos e das legítimas expectativas da trabalhadora”, e, no art.º 7.º alegou “porquanto erroneamente e, por que lhe convinha, entendia tratar-se de uma prestação de serviços”.

Ora, como facilmente se constata do contexto da referida alegação, as solicitações feitas pela autora à ré, dadas como provadas no n.º 4 da matéria de facto, nada têm a ver com a entrega da declaração modelo 346. Dizem respeito ao pedido de regularização da sua situação perante a Segurança Social.

E nem se diga, como afirma a recorrente, que as solicitações feitas à ré no sentido de regularizar a situação da autora junto da Segurança Social implicavam naturalmente a emissão do dito modelo 346, uma vez que tais solicitações ocorreram no decurso do contrato e a emissão do modelo 346 só se coloca depois da cessação do contrato.

E também não se diga, como se depreende do alegado pela recorrente, que a ré estava obrigada a entregar-lhe a declaração modelo 346, por força do disposto na cláusula 6.ª do acordo de cessação do contrato de trabalho entre elas celebrado.

A cláusula em questão tem o seguinte teor - (1) :
“Acordam igualmente os primeiros outorgantes a resolver e regular a situação da segunda outorgante perante a segurança social no que diz respeito às [qu]otizações e contribuições durante [o] período de duração do contrato de trabalho.”

Ora, como é fácil de ver, o texto da cláusula não contém a menor referência à entrega, por parte da ré, à autora, da declaração/modelo 346, não podendo, por isso, ser interpretada, à luz do disposto no artº 238º, nº 1, do C.C., com o sentido que a autora lhe pretende dar. A obrigação assumida pela ré, na referida cláusula, diz respeito apenas ao pagamento das contribuições devidas à Segurança Social relativamente ao período de duração do contrato, que, na cláusula 1.ª do mencionado acordo, as partes acordaram ter sido de três anos.

4.Decisão
Nos termos expostos, decide-se negar a revista e manter a douta decisão recorrida.
Custas pela autora.

Lisboa, 21 de Janeiro de 2009

Sousa Peixoto (relator)

Sousa Grandão

Pinto Hespanhol

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(1) Os primeiros outorgantes são dois sócios-gerentes da ré, que agiram em representação desta, e a segunda outorgante é a autora.