Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
244/23.7T8OHP-A.S1
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: JOSÉ EDUARDO SAPATEIRO
Descritores: HABEAS CORPUS
MEDIDA DE PROMOÇÃO E PROTEÇÃO
MANIFESTA IMPROCEDÊNCIA
Data do Acordão: 10/11/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: HABEAS CORPUS
Decisão: IMPROCEDÊNCIA / NÃO DECRETAMENTO.
Sumário :

I - A maioria dos Arestos deste Supremo Tribunal de Justiça têm alargado, através de uma interpretação extensiva ou de integração analógica do referido regime jurídico e das finalidades que o legislador constitucional e ordinário persegue com o mesmo, num Estado de Direito como o nosso, a aplicação da figura do HABEAS CORPUS às medidas de promoção e proteção de crianças e jovens em perigo que, embora não se possam qualificar juridicamente como «prisão» ou «detenção», são suscetíveis, ainda assim e de alguma forma, de a elas se equipararem, ao afetarem a liberdade pessoal dos cidadãos visados pelas mesmas, através da sua privação, limitação ou restrição.


II - Tal equiparação ou similitude, de facto, pode existir e, nessa medida, justificar plenamente, à falta da existência de um meio alternativo de reação, o recurso a este expedito meio cautelar que constitui o procedimento de HABEAS CORPUS.


III - Afirmar tal extensão da figura do HABEAS CORPUS aos processos de promoção e proteção de crianças e jovens em perigo acarreta, naturalmente, uma ponderada aproximação entre os dois regimes jurídicos em confronto, e uma adequada adaptação, quer em termos substantivos como procedimentais, entre ambos, tudo sem prejuízo de se manter a essência de cada um deles.


IV - No caso concreto e particular dos autos, em que os «pedaços de vida» que estão subjacentes aos dois pedidos de HABEAS CORPUS são idênticos e estão em íntima e estreita conexão um com o outro, podendo mesmo afirmar-se que a colocação da criança em acolhimento residencial constitui a causa que acabou por levar a sua progenitora a acompanhá-la para o local para onde ela foi deslocada, existe não somente uma motivação comum a ambos os pedidos como, mais relevante ainda, um quadro factual e jurídico semelhante que permite e talvez mesmo aconselhe um julgamento e uma decisão judiciais únicos e unívocos por parte deste Supremo Tribunal de Justiça.


V - Os Requerentes sujeitam à decisão deste Supremo Tribunal de Justiça questões que não cabem, manifestamente, no quadro normativo deste procedimento cautelar e excecional que visa, como válvula de escape e segurança do Estado de Direito, prisões, detenções, privações ou perturbações da liberdade pessoal dos cidadãos que resultem de abusos de poder praticados por qualquer autoridade e que se radiquem na ilegitimidade desta última para as determinar, na ilegalidade do fundamento para as justificar e/ou na extemporaneidade daquelas limitações absolutas ou restrições parciais de liberdade da criança e progenitora visados.


VI - Nessa medida, seria por via da utilização dos meios processuais normais, como as reclamações e os recursos ordinários, que os Requerentes deveriam ter atuado e não por força do uso destes pedidos de HABEAS CORPUS.


VII - As diversas entidades que tiveram intervenção no complexo procedimento de aplicação à criança da medida provisória de acolhimento residencial o fizeram ao abrigo das competências que lhe são atribuídas pelo regime jurídico da LPPCJP e que a sua confirmação e determinação foi feita através de decisão judicial proferida por juiz de direito colocado no tribunal material e territorialmente competente para o fazer.


VIII - No que concerne aos fundamentos para a confirmação e aplicação dessa medida de acolhimento residencial, a título provisório, constam do despacho em causa e não evidenciam qualquer erro ou distorção grosseiras na avaliação e validação dos factos conhecidos nem na aplicação das normas legais respetivas, que consinta a este Supremo Tribunal de Justiça discernir um óbvio e manifesto abuso de poder por parte do julgador que o proferiu.


IX Nenhum dos prazos legais previstos pelo n.º 3 do art.º 37.º da LPPCJP para a revisão e cessação da medida provisória de acolhimento residencial da criança [3 meses e 6 meses, respetivamente] se mostra ultrapassado no dia da publicação deste Acórdão.


X - A progenitora da criança, segundo os elementos que ressalta dos autos, não foi objeto de qualquer medida restritiva, dado ter sido a própria que decidiu acompanhar a filha, nas condições que lhe foram propostas e que ela aceitou, situação essa que embora implique, por força da aplicação da medida de acolhimento residencial à criança, que a Requerente também ali tenha de permanecer, não significa que a mesma esteja «detida» ou privada parcialmente da sua liberdade pessoal

Decisão Texto Integral:

Processo n.º 244/23.7T8OHP-A.S1


HABEAS CORPUS


5.ª SECÇÃO


ACORDAM, EM AUDIÊNCIA, NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


I – PEDIDO


1. Por requerimentos remetidos por correio ao Juízo de Competência Genérica ... do Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra e recebidos no dia 2 de Outubro de 2023, vieram AA e BB apresentar, cada um, pedido de HABEAS CORPUS, nos termos do artigo 222.º, do Código de Processo Penal, em relação a criança que, segundo a sua certidão de assento de nascimento, tem o nome de CC, assim como no que respeita à progenitora desta última e também aqui Requerente BB.


****


2. BB, através do aludido Requerimento de HABEAS CORPUS, datado de 29 de setembro de 2023, desenvolve a seguinte a fundamentação [transcrição integral]:


«1. CC ...


HABEAS CORPUS:CC


Quinta ...


Avenida ...





Peticionário: DD também conhecida por BB, número de registo de empresa: ........ . ..-1, número de entrada: .... ....10, número de registo de certificado: ......11, registado em ... de ... de 1991.


Em nome e por conta de: Bebé de 9 meses: CC


Respondente: INSTITUTO DE SEGURANÇA SOCIAL LP., anteriormente designado por I.S.S.S. - INSTITUTO DE SOLIDARIEDADE E SEGURANÇA SOCIAL, D-U-N-S® ... com sede na Av. ....


[AVISO AO AGENTE É AVISO AO PRINCIPAL. AVISO DE PRINCÍPAL É AVISO AO AGENTE


O presente documento constitui um instrumento de notificação legal da SUI JURIS para registo público. Nada neste documento pode ser mal interpretado, deturpado ou mal interpretado, como algo diferente do que está estipulado neste documento. Aconselha-se a leitura atenta e completa da presente comunicação. Trata-se de um aviso legal. Informa-o. É válido o que diz.]


PETIÇÃO


O Peticionário, por advogado, e perante este Honorável Tribunal, vem mui respeitosamente apresentar o seguinte caso:


1. Que a Peticionária: DD, também conhecida por BB, é uma mulher viva, maior de idade e de mente sã, com endereço em, Avenida ... - Portugal - ...


2. Que a Peticionária: DD, também conhecida como BB é a mãe biológica do bebé vivo: CC, que nasceu a ... de ... de 2022.


3. A Peticionária: DD, também conhecida por BB, é a mãe biológica que gerou, deu à luz e administrou o registo do bebé: CC. Cópias autenticadas, reconhecidas notarialmente e certificadas da minha vida e da minha identidade legal são apresentadas em anexo à presente petição, sob a designação de Anexo "A". A Certidão de Nascimento Vivo, a Afirmação de Nascimento Vivo e o registo de nascimento do Bebé Vivo: CC, encontram-se em anexo à presente petição e assinalados como Anexo MB".


4. Que o Requerido tem a minha custódia ilegal e está a restringir a minha liberdade de residência e de movimento e a do meu Bebé Vivo: CC, objeto da presente petição;


5. Que o Bebé Vivo: CC, esteve sob a guarda física e efectiva de mim, a peticionária, sua mãe, desde o nascimento e com guarda efectiva e social até 1 de agosto de 2023, quando ambos fomos raptados do nosso lar e traficados para um local não revelado onde ambos estamos presos contra a nossa vontade.


No dia 1 de agosto de 2023, a minha casa pacífica foi invadida por 50 a 100 agentes de empresas, muitos dos quais estavam armados. Tanto eu, a mãe, como o pai do bebé: CC fomos interrogados, maltratados física, emocional e mentalmente sem qualquer consideração pelos nossos direitos humanos, ao longo de 8 horas, após as quais eu, a peticionária, e o meu bebé EE fomos violentamente raptados por homens armados, traficados e continuamos a ser mantidos ilegalmente em cativeiro por uma empresa conhecida como INSTITUTO DE SEGURANÇA SOCIAL LP., anteriormente conhecida por I.S.S.S. - INSTITUTO DE SOLIDARIEDADE E SEGURANÇA SOCIAL, D-U-N-S® ... com sede na Av. ....


6. Que eu, a peticionária e o meu bebé fomos violentamente raptados sob medidas extremas, sem processo legal, ou material probatório factual que justifique tais medidas drásticas por parte de entidades comerciais, violando assim as leis constitucionais e internacionais de direitos humanos que visam proteger os povos que vivem em paz.


[O presente documento constitui um instrumento de notificação legal da SUI JÚRIS para registo público. Nada neste documento pode ser mal interpretado, deturpado ou mal interpretado, como algo diferente do que está estipulado neste documento.


Aconselha-se a leitura atenta e completa da presente comunicação. Trata-se de um aviso legal. Informa-o. É válido o que diz.]


7. Que, tanto eu, a peticionária, como a mãe biológica e o pai do bebé: CC, apresentaram, desde então, provas factuais que refutam todas as alegações e afirmações feitas contra nós, insinuando que o nosso bebé representa qualquer tipo de perigo para a sua mãe biológica, para o seu pai ou para o lar que partilhamos.


8. Que, a empresa INSTITUTO DE SEGURANÇA SOCIAL LP e várias entidades empresariais e comerciais que mantêm o nosso bebé em cativeiro e que, de facto, me mantêm refém, uma vez que não posso sair da casa onde estamos detidos sem o meu bebé, ainda não forneceram qualquer prova material factual que justifique a sua reivindicação sobre o corpo vivo e a custódia do meu bebé vivo: CC


9. Que até hoje, 46 dias após o rapto de mim e do meu bebé: CC, continuamos ambos detidos à força contra a nossa vontade e proibidos pelos nossos captores de sair da casa onde estamos detidos. A liberdade de deslocação e de movimento de mim e do meu bebé é tão restrita que nem sequer podemos sair de casa e estar na natureza, sendo por vezes trancados em casa e deixados sozinhos sem supervisão, o que constitui seguramente uma violação da saúde e da segurança, no caso infeliz de uma emergência, como um acidente que exija cuidados médicos ou um incêndio. Consequentemente, tanto eu como o meu bebé não nos sentimos seguros neste ambiente. A circunstância desta situação é agora semelhante a um rapto, uma vez que não há nenhum caso ou prova razoável que justifique a detenção de mim e do meu bebé, em detrimento da nossa saúde, segurança e bem-estar geral.


ORAÇÃO


POR ISSO, consideradas as premissas, pede-se com todo o respeito a este Honorável Tribunal que, tendo em conta a extrema urgência desta petição, considerando a segurança, a saúde mental e emocional e o bem-estar de mim e do meu bebé, que já estamos detidos há 46 dias sem sabermos por quanto tempo mais ficaremos detidos, seja emitida uma ordem de Habeas Corpus, pedindo a libertação imediata de mim e do meu bebé de 9 meses: CC da custódia da empresa denominada, INSTITUTO DE SEGURANÇA SOCIAL I. P., anteriormente conhecido como I.S.S.S. -INSTITUTO DE SOLIDARIEDADE E SEGURANÇA SOCIAL, D-U-N-S® ... com sede na Av. ..., e para que possamos regressar em segurança ao nosso lar tranquilo e à nossa família amorosa.


[O presente documento constitui um instrumento de notificação legal da SUI JÚRIS para registo público. Nada neste documento pode ser mal interpretado, deturpado ou mal interpretado, como algo diferente do que está estipulado neste documento. Aconselha-se a leitura atenta e completa da presente comunicação. Trata-se de um aviso legal. Informa-o. É válido o que diz.


AVISO AO AGENTE É AVISO AO PRINCÍPAL. AVISO DE PRINCÍPAL É AVISO AO AGENTE]


POR: ______________ a mulher viva: DD: autógrafo não negociável, selado e em serviço, representante autorizado e agente legal de BB©, Todos os direitos reservados sem prejuízo ao abrigo do UCC§l-308 e sem recurso ao abrigo do UCC§3-501.


[O recurso ao reconhecimento notarial de assinatura/autógrafo não implica a aceitação de jurisdição implícita ou adjacente e serve apenas o propósito de reconhecer o autógrafo do homem vivo: DD: agente autorizado e representante legal de BB©.


O presente documento constitui um instrumento de notificação legal da SUI JÚRIS para registo público. Nada neste documento pode ser mal interpretado, deturpado ou mal interpretado, como algo diferente do que está estipulado neste documento.


Aconselha-se a leitura atenta e completa da presente comunicação. Trata-se de um aviso legal. Informa-o. É válido o que diz.]» (transcrição total do pedido formulado em 29/9/2023).


****


3. AA através do aludido Requerimento de HABEAS CORPUS, datado de 29 de setembro de 2023, desenvolve a seguinte a fundamentação [transcrição integral]:


«CC ...


HABEAS CORPUS


CC


Quinta ...


Avenida ...


Portugal - ...


Peticionário: FF, também conhecido por AA, número de registo de pessoa colectiva: ......... . . 00, número de entrada: ... ......85, número de registo de certificado, registado em ... de ... de 1985.


Por e em nome do bebé de 9 meses: CC


Resepondente:


INSTITUTO DE SEGURANÇA SOCIAL I.P., anteriormente designado por I.S.S.S. - INSTITUTO DE SOLIDARIEDADE E SEGURANÇA SOCIAL, D-U-N-S® ... com sede na Av. ....


[AVISO AO AGENTE É AVISO AO PRINCÍPAL AVISO DE PRINCÍPAL É AVISO AO AGENTE


O presente documento constitui um instrumento de notificação legal da SUI JÚRIS para registo público. Nada neste documento pode ser mal interpretado, deturpado ou mal interpretado, como algo diferente do que está estipulado neste documento.


Aconselha-se a leitura atenta e completa da presente comunicação. Trata-se de um aviso legal. Informa-o. É válido o que diz.]


PETIÇÃO


O Peticionário, por advogado, e perante este Honorável Tribunal, vem mui respeitosamente apresentar o seguinte caso:


1. Que o Peticionário: FF, também conhecido por AA, é um homem vivo, maior de idade e de mente sã, com morada em, Avenida ... - Portugal -...


2. Que o Peticionário: FF, também conhecido por AA, é o pai biológico do bebé vivo: CC, que nasceu a ... de ... de 2022.


3. Que o Peticionário, pai biológico de: FF, também conhecido por AA, fez o parto e administrou o registo do bebé sujeito: CC Cópias autenticadas, reconhecidas notarialmente e certificadas da minha vida e da minha identidade legal são apresentadas em anexo à presente petição, sob a designação de Anexo "A". A Certidão de Nascimento Vivo, a Afirmação de Nascimento Vivo e o registo de nascimento do Bebé Vivo: CC, encontram-se em anexo à presente petição e assinalados como Anexo "B".


4. Que o Requerido; INSTITUTO DE SEGURANÇA SOCIAL I.P., anteriormente conhecido como I.S.S.S. - INSTITUTO DE SOLIDARIEDADE E SEGURANÇA SOCIAL, D-U-N-S® ... com sede na Av. ..., tem a custódia ilegal e está a restringir a liberdade de residência e movimento da minha filha Bebé Viva: CC, objeto desta petição.


5. Que a Bebé Viva: CC, esteve sob a custódia física e efectiva do seu pai e da sua mãe, desde o nascimento e com custódia efectiva e social até 1 de agosto de 2023, quando foi raptada juntamente com a sua mãe, para longe da nossa casa e traficada para um local não revelado onde ambas estão a ser mantidas em cativeiro contra a sua vontade.


[O presente documento constitui um instrumento de notificação legal da SUI JÚRIS para registo público. Nada neste documento pode ser mal interpretado, deturpado ou mal interpretado, como algo diferente do que está estipulado neste documento. Aconselha-se a leitura atenta e completa da presente comunicação. Trata-se de um aviso legal. Informa-o. É válido o que diz.]


No dia 1 de agosto de 2023, a nossa casa pacífica foi invadida por 50-100 agentes da empresa, muitos dos quais estavam armados. Ao longo de 8 horas, tanto eu, o pai como a mãe da bebé: CC, fomos interrogados e sujeitos a abusos físicos, emocionais e mentais, sem qualquer consideração pelos nossos direitos humanos, após o que a minha filha bebé viva: CC juntamente com a sua mãe, foram violentamente raptados por homens armados, traficados e continuam a ser mantidos ilegalmente em cativeiro por uma empresa conhecida como INSTITUTO DE SEGURANÇA SOCIAL I. P., anteriormente designado por I.S.S.S. - INSTITUTO DE SOLIDARIEDADE E SEGURANÇA SOCIAL, D-U-N-S® ... com sede na Av. ....


6. Que, tanto eu, o pai biológico, como a mãe biológica do bebé: CC forneceram, desde então, provas factuais que refutam todas as reivindicações e alegações feitas contra nós, insinuando que a nossa bebé representa qualquer tipo de perigo para o seu pai, para a sua mãe ou para o lar que partilhamos. Declaro, por este meio, que a minha filha bebé, juntamente com a sua mãe, foram violentamente raptadas ao abrigo de medidas extremas, sem o devido processo legal ou provas factuais que justifiquem tais medidas drásticas por parte de entidades comerciais, violando assim as leis constitucionais e internacionais dos direitos humanos que visam proteger os povos que vivem em paz.


7. Que o INSTITUTO DE SEGURANÇA SOCIAL LP., anteriormente designado por I.S.S.S.-INSTITUTO DE SOLIDARIEDADE E SEGURANÇA SOCIAL, D-U-N-S® ... com sede na Av. ... e várias entidades corporativas e comerciais que mantêm a nossa bebé em cativeiro e que, de facto, mantêm a sua mãe refém, uma vez que ela não pode sair da casa onde está detida sem a nossa filha bebé; ainda não forneceram qualquer prova material factual que justifique a sua reivindicação de jurisdição e custódia sobre o corpo e a alma da nossa bebé viva: CC


8. Que até hoje, mais de 50 dias após o rapto do meu bebé: CC e da sua mãe, ambos continuam a ser mantidos à força contra a sua vontade e são proibidos pelos seus captores de sair da casa onde estão detidos. A liberdade de viajar e de se deslocar da minha bebé e da sua mãe, enquanto mulheres vivas, é tão limitada que viola seguramente as leis dos direitos humanos. Não há dúvida de que a circunstância desta situação é agora semelhante ao tráfico de seres humanos e ao rapto, uma vez que não há nenhum caso ou prova razoável que justifique a continuação da detenção da minha filha bebé: CC, e da sua mãe de facto, em detrimento da sua saúde, segurança e bem-estar geral.


[O presente documento constitui um instrumento de notificação legal da SUI JÚRIS para registo público. Nada neste documento pode ser mal interpretado, deturpado ou mal interpretado, como algo diferente do que está estipulado neste documento, Aconselha-se a leitura atenta e completa da presente comunicação. Trata-se de um aviso legal. Informa-o. É válido o que diz.]


ORAÇÃO


Assim sendo, consideradas as premissas, pede-se respeitosamente a este Meritíssimo Tribunal que, face à extrema urgência da presente petição, considerando a segurança, saúde mental e emocional e bem-estar da minha filha bebé: CC e a sua mãe, que já se encontram confinadas há mais de 50 dias, sem que se saiba por quanto tempo mais ficarão detidas, seja emitida uma Ordem de Habeas Corpus para a libertação imediata da minha filha bebé de 9 meses de idade: CC, juntamente com a sua mãe, da custódia da empresa conhecida como, INSTITUTO DE SEGURANÇA SOCIAL I. P., anteriormente conhecido como I.S.S.S. - INSTITUTO DE SOLIDARIEDADE E SEGURANÇA SOCIAL, D-U-N-S® ... com sede na Av. ...; e para que ambos sejam devolvidos em segurança à sua casa de família pacífica e à sua família amorosa.


[AVISO AO AGENTE É AVISO AO PRINCÍPAL. AVISO DE PRINCÍPAL É AVISO AO AGENTE]


POR: __________________ o homem vivo: FF: autógrafo não negociável, selado e em serviço, representante autorizado e agente legal de AA©, Todos os direitos reservados sem prejuízo nos termos do UCC§l-308 e sem recurso nos termos do UCC§3-501.


[O recurso ao reconhecimento notarial de assinatura/autógrafo não implica a aceitação de jurisdição implícita ou adjacente e serve apenas o propósito de reconhecer o autógrafo do homem vivo: FF: agente autorizado e representante legal de AA©


O presente documento constitui um instrumento de notificação legal da SUI JÚRIS para registo público. Nada neste documento pode ser mal interpretado, deturpado ou mal interpretado, como algo diferente do que está estipulado neste documento. Aconselha-se a leitura atenta e completa da presente comunicação. Trata-se de um aviso legal. Informa-o. É válido o que diz.] .]» (transcrição total do pedido formulado em 29/9/2023).


II – INFORMAÇÃO


4. Foi prestada, com data de 3/10/2023, a informação de acordo com o disposto no art.º 223.º, número 1, do Código de Processo Penal, nos seguintes termos (transcrição total):


«1. Por requerimentos remetidos por correio a este Tribunal e recebidos no dia 2 de Outubro de 2023, vieram AA e BB apresentar, cada um, pedido de habeas corpus, nos termos do artigo 222.º, do Código de Processo Penal, em relação a criança conhecida como «GG», segundo certidão de assento de nascimento, tem o nome de CC (cf. ), que beneficia de medida provisória de promoção de proteção de acolhimento residencial por decisão de 03-08-2023 (cf. Ref.ª ......00, todas as referências reportam-se aos principais do processo de promoção e proteção, determinando-se a junção da respetiva certidão ao presente apenso).


2. Dispõe o artigo 223.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, que as petições são enviadas imediatamente ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, com informação sobre as condições em que foi efetuada ou se se mantém a prisão.


3. Desta feita, cumpre, nos termos do citado artigo prestar as seguintes informações que devem acompanhar a remessa dos presentes autos:


3.1. Em 2 de Agosto de 2023, a Comissão de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo ..., e na sequência da recusa dos progenitores quanto à celebração de acordo de promoção e proteção de medida de apoio junto dos pais, mais concretamente, da progenitora, em contexto residencial, suscitou a intervenção judicial, nos termos do artigo 11.º, alínea c), da Lei de Promoção e Proteção de Crianças e Jovens em Perigo (aprovada pela Lei n.º 147/99, de 01-09, última alteração pela (Lei n.º 26/2018, de 05/07, e de ora em diante designada por LPCJP).


3.2. Na execução da medida de acolhimento residencial e a acompanhar a criança, BB decidiu acompanhar a criança, sob a condição de não impedir a execução da medida de acolhimento, o que aquela aceitou.


3.3. Em requerimento inicial apresentado pelo Ministério Público de 03-08-2023 (cf. Ref.ª 8248919), foi pedida:


3.3.1. A confirmação de medida de acolhimento residencial aplicada a favor da criança, nos termos dos artigos 35.º, n.º 1, alínea f), 37.º, n.º 1, 49.º, 91.º, 92.º, n.º 1 LPCJP.


3.3.2. A aplicação de medida cautelar de acolhimento residencial, nos termos dos artigos 35.º, n.º 1, alínea f) e 40.º da LPCJP;


3.3.3. E, subsequentemente, que fossem seguidos os termos da tramitação prevista para o processo judicial de promoção e proteção, nos termos do artigo 92.º, n.º 3, da LPCJP.


3.3.4. Para o efeito foi alegado:


3.3.4.1. “GG” é uma criança de tenra idade, cujos presumíveis pais biológicos serão AA, natural de ..., no ..., nascido a ...-...-1984, titular do Passaporte .. ....19, emitido pelo ..., e HH, nascida a ...-...-1991, titular do Passaporte n.º ......61, emitido em .../.../2015 pelo ..., com validade até .../.../20125.


3.3.4.2. Esta criança nasceu, segundo o que é alegado pela sua presumível mãe, em ...-...-2022, sem auxílio, acompanhamento ou assistência médica, inclusive durante a gravidez, no interior de um local que é designado como “K...... .. ......”, sito na Avenida ....


3.3.4.3. Este local alberga, desde 2019, uma comunidade composta maioritariamente por pessoas de nacionalidade estrangeira, que se deslocam regularmente de um sítio para outro, numa vida de estilo nómada, sendo liderada por AA, que se arroga ser um reino independente de Portugal, apesar de incluído em território soberano português, e que segue as suas próprias regras e leis, considerando-se, assim, um Estado à parte.


3.3.4.4. Nesse seguimento, os membros de tal comunidade, cuja composição é fluida em termos de número, porquanto entram e saem para parte incerta com grande regularidade, rejeitam a autoridade do Estado Português, emitindo, inclusive, documentos de identificação próprios, com nomes diversos daqueles que constam dos respetivos registos oficiais, aos quais não reconhecem validade.


3.3.4.5. Orientados por esses princípios, os pais de “GG” não registaram o seu nascimento em Portugal, situação essa que tem ocorrido em relação a todas as crianças que nasceram no seio da comunidade, cujo número exato ainda não foi possível apurar, mas que serão pelo menos três.


3.3.4.6. Em relação a uma dessas crianças residente e nascida naquela comunidade e que não foi registada por qualquer dos progenitores, foi instaurado o processo de promoção e proteção n.º 108/23.4..., deste Juízo, na sequência de os avós maternos da mesma a terem conseguido registar, contra a vontade da mãe.


3.3.4.7. Acresce que está a ser investigada, no âmbito do inquérito n.º 74/22.3..., que corre termos no DIAP, em Coimbra, a morte, em circunstâncias desconhecidas, de uma criança, que também não foi registada, filha do mesmo AA, com cerca de um ano e meio, no interior daquele local, em 2022, sendo que esse óbito não foi certificado nem comunicado às autoridades, tendo o seu cadáver sido cremado sem qualquer autorização ou comunicação para o efeito.


3.3.4.8. No dia 01-08-2023, com início às 08h30, foi realizada, no interior do local designado por “K...... .. ......”, uma operação da PJ – Diretoria do Centro, com a colaboração da GNR e SEF, no âmbito do citado inquérito, onde estiveram presentes, para além do mais, uma equipa do Núcleo de Infância de Juventude da Segurança Social de Coimbra e a Autoridade de Saúde, para apurar o número de crianças ali existentes, as suas condições de saúde, desenvolvimento e vivência, entre outras.


3.3.4.9. No local, foram encontradas quatro crianças, duas delas de nacionalidade ... (II, nascido a ...-...-2011 e JJ, filhas de KK, natural e nacional da ..., e do já acima aludido AA), que não frequentam qualquer estabelecimento de ensino por recusa dos seus pais,


3.3.4.10. Bem como a já referida “GG”, e ainda uma criança, do sexo masculino, com três semanas de idade, nascida prematura às 37 semanas de gestação, filha LL, nascida a .../.../1988, titular do Passaporte n.º .......56, emitido pelo ..., nascida no interior daquele local, apenas com recurso a ajuda de membros daquela comunidade, sem conhecimentos médicos, apresentando-se em estado letárgico.


3.3.4.11. Nessa circunstância, o bebé, na companhia na mãe e com o assentimento desta, foram transportados para o Hospital Pediátrico ..., onde lhe foi diagnosticado, por ora, e sem prejuízo de outros exames médicos realizados cujo resultado se desconhece, um quadro de infecção respiratória e de subnutrição, apresentando um peso com cerca de dois quilos abaixo do limiar mínimo de peso aceitável para aquela idade, sendo que o mesmo esteve durante cerca de dois dias após o seu nascimento com o cordão umbilical ligado à placenta, o que determinou o seu internamento naquele estabelecimento de saúde.


3.3.4.12. Durante todas as diligências realizadas naquela data e local, foi apurado ainda que, segundo o regulamento interno da comunidade, ali afixado e a que todos os seus membros devem obedecer, estes têm uma alimentação exclusivamente “vegan”, sendo-lhes apenas servida uma refeição diária através da cozinha comunitária, de acordo com a disponibilidade sazonal dos produtos vegetais que cultivam, que as visitas e encontros com pessoas fora da comunidade têm que ser comunicadas à administração, devendo estar sempre vigilantes quanto a quaisquer situações que considerem como desvantajosas para aquela comunidade.


3.3.4.13. E que aceitam tratamentos “médicos” à base de inalação de fumo e de consumo de álcool, providenciados por um “shamam”.


3.3.4.14. Foi, ainda, constatada a existência de cultivo de canábis no interior daquele local, e que os membros da comunidade, na qual se incluem nomeadamente os presumíveis pais biológicos de “GG”, não aceitam a utilização de medicamentos sintéticos nem cuidados médicos, porquanto a sua “deusa” não lhes permite, pois só é aceite o tratamento mediante uso, em circunstâncias que se desconhece, e ministrado também por pessoas cujos conhecimentos técnicos e médicos se desconhecem, de substâncias naturais.


3.3.4.15. Questionada a progenitora de “GG” sobre os hábitos de alimentação da criança, verificou-se que apenas se alimentava de leite materno, e que estava sempre ao colo da sua mãe.


3.3.4.16. A criança “GG”, que nunca foi vacinada, ou acompanhada por qualquer médico desde a sua nascença, também não usa fralda, situação constatada também relativamente ao filho de LL.


3.3.4.17. No seguimento das diligências efetuadas no processo-crime a que acima se referiu, os pais de “GG” deslocaram-se com a sua filha até ao Posto Territorial da GNR ..., naquele mesmo dia 1/08/23, à tarde.


3.3.4.18. Aí, uma vez que a factualidade acima descrita consubstanciava um perigo iminente para a integridade física e vida da criança GG, quer porquanto não se encontram assegurados os cuidados mínimos de saúde, de alimentação (atente-se a que a bebé já tem 7 meses de idade e ainda só amamenta, sem que tenha havido a introdução de quaisquer elementos sólidos), de segurança, pois não se encontra registada, o que para além de a privar de todos os direitos que lhe advém da atribuição da cidadania portuguesa, também potencia gravemente que possa ser objecto de tráfico de crianças ou de outros ilícitos criminais, já que sem o respectivo registo de nascimento não tem existência ou rasto jurídicos,


3.3.4.19. Foram os presumíveis pais de GG, à guarda de quem a mesma se encontrava, confrontados com a possibilidade de intervenção da CPCJ ... e interpelados no sentido de darem o seu consentimento para tal intervenção e, em concreto, para aplicação da medida de promoção e proteção de apoio junto da mãe, mediante acolhimento da criança e da progenitora em casa adequada para o efeito, a fim de se proceder, desde logo, a todas as necessárias diligências a afastar o perigo atual e iminente que representava para a criança toda a situação acima narrada,


3.3.4.20. O que foi prontamente recusado por ambos.


3.3.4.21. Perante tal recusa e a situação de perigo atual e iminente para a criança decorrente dos factos já descritos, procedeu-se, através da GNR ..., à retirada coerciva de GG aos seus pais, pelas das 18h00 do dia 1/08/23, para que fosse encaminhada para uma casa de acolhimento, tendo a mesma para aí sido transportada pela GNR e por uma técnica da segurança social.


3.3.4.22. No espaço temporal ocorrido entre a retirada e a saída da criança para uma casa de acolhimento sita na ..., a progenitora concordou em ir e ficar com a mesma na instituição, pelo que ambas deram ali entrada no final do dia 1/08/23.


3.3.4.23. Dos factos acima expostos, resulta que a criança “GG” não poderá ficar entregue aos cuidados dos pais, uma vez que estes não demonstraram qualquer capacidade de assegurar as mais elementares necessidades de sobrevivência da mesma, colocando-a em perigo na sua integridade física e, inclusivamente na sua vida, advenientes das suas crenças religiosas e filosofia de vida, sem que reconheçam, para além do mais, autoridade às instituições portuguesas.


3.4. Em decisão de 03-08-2023 (cf. Ref.ª ......00), este Tribunal:


3.4.1. Confirmou a providência de emergência adotada e, em consequência, aplica-se, a título provisório, à criança, do sexo feminino, nascida a ... de ... de 2022 e conhecida como «GG» a medida de acolhimento residencial, na instituição em que se encontra com a progenitora.


3.4.2. Na sequência da decisão provisória proferida, ao abrigo dos artigos 92.º, n.º 3, e 106.º, n.º 2, da LPCJP, declarou-se aberta a instrução do mesmo, ordenando-se a realização de relatório social quanto à alegada situação de perigo de «GG» do seu agregado familiar, contendo estratégia protetiva, no prazo de 30 dias e relegou as audições obrigatórias a que aludem os artigos 107.º, n.º 1, da LPCJP, para momento posterior ao da receção daquele relatório. Mais se nomeou patrono para a «GG» e determinou-se a junção de registos criminais - artigo 3.º, n.º 1, da Lei n.º 113/2009.


3.4.3. A fundamentar a decisão, o Tribunal julgou como suficientemente indiciados os seguintes factos:


3.4.3.1. «GG» é uma criança que nasceu a ... de ... de 2022 sem auxílio, acompanhamento ou assistência médica, inclusive durante a gravidez;


3.4.3.2. O nascimento ocorreu no interior de um local que é designado como «K...... .. ......»;


3.4.3.3. Este local alberga, desde 2019, uma comunidade composta maioritariamente por pessoas de nacionalidade estrangeira, numa vida de estilo nómada, sendo liderada por AA, que entende que aquela comunidade constitui um reino independente de Portugal, apesar de incluído em território soberano português, e que segue as suas próprias regras e leis, considerando-se, assim, um Estado à parte;


3.4.3.4. Naquela comunidade não se aceita a utilização de medicamentos sintéticos nem cuidados médicos, com fundamento em a respetiva «deusa» não o permitir


3.4.3.5. Apenas é aceite o tratamento à base de inalação de fumo e de consumo de álcool, providenciados por um xamã;


3.4.3.6. Naquele local encontram-se outras crianças para além de «GG», que não frequentam qualquer estabelecimento de ensino por recusa dos pais;


3.4.3.7. Os presumíveis pais de «GG» não registaram o seu nascimento em Portugal;


3.4.3.8. «GG» é alimentada somente com leite materno;


3.4.3.9. Nunca foi vacinada, nem acompanhada por qualquer médico;


3.4.3.10. Não usa fralda.


3.4.4. O Tribunal formou a sua convicção na prova documental junta ao requerimento inicial e com o requerimento probatório de 03-08-2023 (cf. Ref.ª .....25).


3.5. A aplicação de medida provisória de acolhimento residencial da criança


3.6. Em 04-08-2023, foram juntos os certificados de registo criminal das pessoas identificadas como progenitores e que são os requerentes dos pedidos de habeas corpus (cf. Ref.ª ......32; Ref.ª ......31), porquanto à data da decisão a criança não se encontrava registada no Registo Civil Português.


3.7. Em 18-08-2023 (cf. Ref.ª .....71), os requerentes apresentaram, através de Ilustre Mandatária constituída requerimento onde pedem a revogação ou declaração de cessação da medida provisória, juntando documentos.


3.8. Em 14-09-2023 (cf. Ref.ª .....79), a Segurança Social apresentou aos autos relatório social de avaliação de diagnóstico (cf. 14-09-2023, Ref.ª .....79), onde consta, após realização de diligências para averiguar a situação da criança e de o agregado que integrava antes da medida cautelar de acolhimento, o seguinte parecer:








3.9. Na sequência da junção do relatório social, o Ministério Público promoveu (cf. 16-09-2023, Ref.ª ......42):


«No relatório de avaliação de diagnóstico, elaborado pela equipa da SS resulta que a médica que acompanha a GG” não se disponibilizou a transmitir os elementos clínicos da bebé.


Neste sentido, promovo se notifique Unidade de Saúde ..., na pessoa da médica Dra. MM e de outros médicos que acompanhem a GG”, para remeter aos autos relatório clínico sobre a sua situação de saúde.


Mais promovo se notifique a equipa da SS para vir esclarecer os presentes autos de quais os perigos que considera existirem caso a GG” regresse à comunidade “K...... .. ......”.


Promovo, ainda, que se designe dia para conferência com vista à obtenção de acordo de promoção e proteção, cf. artigo 110.º, n.º 1, alínea b) da LPCJP.»


3.10. Em despacho de 20-09-2023 (cf. Ref.ª ......51), em face dos constrangimentos na obtenção de informação médica da situação da criança e na sequência da promoção do Ministério Público, foi diligenciada pela obtenção da informação em falta quanto à condição médica daquela, bem como solicitada informação sobre os riscos particulares que uma criança se encontra sujeita por falta de cumprimento do plano nacional de vacinação. Mais se determinou a notificação do relatório social e, em face da pronúncia que viesse a ocorrer, se determinaria o agendamento para audição dos progenitores:





3.11. Em 20-09-2023 (cf. Ref.ª .....94), a Ilustre Mandatária apresentou requerimento a solicitar o acesso e consulta dos presentes autos, que foi deferido por despacho de 20-09-2023 (cf. Ref.ª ......74).


3.12. Os progenitores e sua Ilustre Mandatária foram notificados do relatório social, promoção e despacho que antecedem em 25-09-2023 (cf. Ref.ª ......04; Ref.ª ......01; Ref.ª ......09).


3.13. Em 28-09-2023 (cf. Ref.ª .....32), vieram os progenitores, através da sua Ilustre Mandatária, se pronunciar sobre o teor do relatório social, onde requereram que estivesse presente técnica da Casa de Acolhimento aquando da realização da conferência para sua audição.


3.14. Em 02-10-2023 (cf. Ref.ª .....84), deu entrada ofício da Unidade de Saúde Familiar ... a informar que a criança não se encontra inscrita naquela unidade de saúde, não podendo prestar as informações solicitadas.


3.15. Na sequência, e após promoção do Ministério Público (cf. 02-10-2023, Ref.ª ......99), foi proferido despacho a ordenar a junção da certidão de assento de nascimento da criança e ordenada a realização de diligências instrutórias com vista a aferir da condição médica da criança, assim como foi agendada, para o dia 27 de Outubro de 2023, às 10h00, a audição dos técnicos, progenitores e, a requerimento destes, técnica da casa de acolhimento, nos termos dos artigos 84.º, 85.º, e 107.º, n.º 1 e n.º 2, alínea a), LPCJP.


*


4. Posto isto, este é o estado atual dos autos principais de promoção e proteção da criança e das diligências realizadas.


5. Ora, atendendo aos fundamentos do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14-01-2021 (ECLI:PT:STJ:2021:161.11.3TMCBR.D.S1.8C, disponível no sítio jurisprudência.csm.org.pt), a medida cautelar foi aplicada dentro de um contexto em que foram indiciados factos consubstanciadores de uma situação de perigo para a vida e integridade física da criança (subnutrição e infeção respiratória), com prejuízo para o seu direito fundamental consagrado no artigo 7.º, da Convenção dos Direitos da Criança (artigo 8.º, n.º 2, 16.º, da Constituição). A execução da medida não deixou de acautelar o interesse da requerente, à data sem prova do estabelecimento do vínculo de filiação, ao se permitir que a mesma acompanhasse a criança, sob condição de não prejudicar a execução da medida de acolhimento. A permanência da requerente não só foi autorizada, como resultou da sua decisão em permanecer em contexto residencial, sendo que a mesma é livre de sair. A medida cautelar, pela sua natureza e contexto social da criança, bem como perigos indiciados, justificou-se pela necessidade de assegurar os seus elementares direitos fundamentais perante a omissão dos progenitores. Até à data da medida, não só os progenitores omitiram os cuidados alimentares e médicos necessários a uma criança de 7 meses, como não proveram pelo seu registo e aquisição de nacionalidade. Colocaram a criança como pária, sem existência jurídica dentro de um contexto de subversão com claro prejuízo para os seus direitos e em manifesto abuso no exercício das responsabilidades parentais. Acresce que, apesar da necessidade da medida e urgência da mesma, não se deixou de assegurar a manutenção do vínculo existente entre a progenitora e a criança, enquanto situação de facto reconhecida pelo Tribunal.


6. Desta feita, atendendo às particularidades da situação e a necessidade de realização de diligências instrutórias, nomeadamente, a elaboração de relatório social, mantém-se actual a medida cautelar, não existindo ainda factos que justifiquem a sua cessação e estando ainda dentro do prazo legal para a sua revisão, conforme o artigo 37.º, n.º 3, da LPCJP (a providência de emergência adotada nos termos do artigo 92.º, n.º 1, LPCPJ confirmada por despacho de 03-08-2023). Realce-se que um dos fatores de perigo identificados – a saúde e nutrição da criança – apenas foram debelados por intervenção da medida cautelar e ainda não existe informação precisa sobre a condição e evolução da criança, não obstante as diligências já realizadas e a realizar.


7. Não só se encontram cumpridos os prazos previstos na Lei de Promoção e Proteção, como, num juízo de adequação e necessidade para acautelar o superior interesse da criança, permitiu-se a presença e cuidado da pessoa relativamente a quem se veio a estabelecer a maternidade, não estando esta condicionada na sua liberdade individual de movimentos. Tratando-se do presente processo de promoção e proteção de um processo de jurisdição voluntária da jurisdição de família e menores e atenta a situação de perigo e fundamentos que justificaram a aplicação da medida de promoção e proteção, em particular perante a ausência de uma clarificação do estatuto jurídico da criança – em termos legais e de facto – a falta de registo e estabelecimento de filiação de um criança de tenra idade colocava-a no risco de possível trafico de seres humanos, considerando que não tinha qualquer estatuto jurídico reconhecido e tudo por resolução dos requerentes que apenas procederam ao seu registo na sequência da intervenção protetiva. Assim, perante o comportamento dos requerentes a medida cautelar aplicada não só está validada em termos de necessidade e adequação, como acautelou os interesses fundamentais da criança, bem como, perante a necessidade de averiguação da situação social, não foi possível realizar a audição dos progenitores, conforme o artigo 107.º, da LPCJP. Sobrevém realçar que a medida, pela sua natureza e função, não limita ou restringe os direitos da beneficiária, antes assegura um adequado quadro de protecção dos seus direitos, bem como dentro do circunstancialismo, não estão os requerentes e agora reconhecidos progenitores coartados no exercício da sua parentalidade com excepção da necessidade imperiosa da estabilizar a situação da criança, apenas possível, perante os dados existentes, em contexto de medida de colocação.


8. No caso estamos perante – segundo as informações existentes nos autos – uma criança, nascida em ...-...-2022 de gravidez não vigiada, sem acompanhamento médico junto unidades de saúde reconhecidos ou profissional de saúde, não registada para efeitos do registo civil. Aquando da aplicação da medida, a criança não se encontrava registada, nem legalmente estabelecida a sua filiação, apresentando-se abaixo do limiar do peso para a idade e com quadro de infecção respiratória.


9. Assim, em face do supra exposto, atendendo à evolução da situação da criança (que já se encontra registada na sequência da medida cautelar aplicada por este Tribunal), perante a informação obtida e diligências realizadas, nomeadamente, quanto à sua situação de saúde e de nutrição, não se encontra o Tribunal em condições de rever a medida cautelar e de propor acordo de promoção e proteção. Não obstante, ainda que se aguarde por informações a prestar pelos serviços de saúde e tendo em consideração a necessidade de revisão da medida cautelar no termo do prazo de 3 meses, já se encontra agenda audição dos progenitores e técnicos da Segurança Social e Casa de Acolhimento. Daqui decorre que, enquanto não se assegurar a estabilização das condições de saúde e normal desenvolvimento, não existe alternativa segura para o bem-estar e interesses da criança que não seja a execução de medida de acolhimento. Não existindo, acrescente-se, até ao momento, informação médica completa e fidedigna da condição de saúde da criança que permita afiançar a identificação de fatores protetivos para execução da medida de promoção e proteção em meio natural de vida.


10. É o que apraz informar, nos termos do artigo 223.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, pelo que se remetam os autos ao Supremo Tribunal de Justiça, acompanhado de certidão integral dos autos principais.»


III - FUNDAMENTAÇÃO


3. Questão a decidir: a ilegalidade da custódia por parte do INSTITUTO DE SEGURANÇA SOCIAL I.P da menor de idade CC, assim como da privação ou restrição, por parte da mesma entidade, da sua liberdade de residência e movimento, cenário esse que afeta igualmente BB, progenitora da criança, no que respeita também às limitações de movimentos e liberdade de residência que lhe são igualmente impostas pela Segurança Social.


****


4. O circunstancialismo factual relevante para o julgamento do pedido resulta da petições de habeas corpus, da informação judicial e da certidão que acompanha o processo e é, muito em síntese, o seguinte:


«4.1. Em 2 de Agosto de 2023, a Comissão de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo ..., e na sequência da recusa dos progenitores quanto à celebração de acordo de promoção e proteção de medida de apoio junto dos pais, mais concretamente, da progenitora, em contexto residencial, suscitou a intervenção judicial, nos termos do artigo 11.º, alínea c), da Lei de Promoção e Proteção de Crianças e Jovens em Perigo LPCJP).


4.2. Na execução da medida de acolhimento residencial, BB decidiu acompanhar a criança, sob a condição de não impedir a execução da medida de acolhimento, o que aquela aceitou.


4.3. Em requerimento inicial apresentado pelo Ministério Público, no dia 3/8/2023 (cf. Ref.ª 8248919), foi pedida a confirmação de medida de acolhimento residencial aplicada a favor da criança, nos termos dos artigos 35.º, n.º 1, alínea f), 37.º, n.º 1, 49.º, 91.º, 92.º, n.º 1 LPCJP, a aplicação de medida cautelar de acolhimento residencial, nos termos dos artigos 35.º, n.º 1, alínea f) e 40.º da LPCJP e, subsequentemente, que fossem seguidos os termos da tramitação prevista para o processo judicial de promoção e proteção, nos termos do artigo 92.º, n.º 3, da LPCJP.


4.4. Para o efeito foi alegado:


«a) GG” é uma criança de tenra idade, cujos presumíveis pais biológicos serão AA, natural de ..., no ..., nascido a ...-...-1984, titular do Passaporte .. ....19, emitido pelo ..., e HH, nascida a ...-...-1991, titular do Passaporte n.º ......61, emitido em .../.../2015 pelo ..., com validade até .../.../20125.


b) Esta criança nasceu, segundo o que é alegado pela sua presumível mãe, em ...-...-2022, sem auxílio, acompanhamento ou assistência médica, inclusive durante a gravidez, no interior de um local que é designado como “K...... .. ......”, sito na Avenida ....


c) Este local alberga, desde 2019, uma comunidade composta maioritariamente por pessoas de nacionalidade estrangeira, que se deslocam regularmente de um sítio para outro, numa vida de estilo nómada, sendo liderada por AA, que se arroga ser um reino independente de Portugal, apesar de incluído em território soberano português, e que segue as suas próprias regras e leis, considerando-se, assim, um Estado à parte.


d) Nesse seguimento, os membros de tal comunidade, cuja composição é fluida em termos de número, porquanto entram e saem para parte incerta com grande regularidade, rejeitam a autoridade do Estado Português, emitindo, inclusive, documentos de identificação próprios, com nomes diversos daqueles que constam dos respetivos registos oficiais, aos quais não reconhecem validade.


e) Orientados por esses princípios, os pais de GG” não registaram o seu nascimento em Portugal, situação essa que tem ocorrido em relação a todas as crianças que nasceram no seio da comunidade, cujo número exato ainda não foi possível apurar, mas que serão pelo menos três.


f) Em relação a uma dessas crianças residente e nascida naquela comunidade e que não foi registada por qualquer dos progenitores, foi instaurado o processo de promoção e proteção n.º 108/23.4..., deste Juízo, na sequência de os avós maternos da mesma a terem conseguido registar, contra a vontade da mãe.


g) Acresce que está a ser investigada, no âmbito do inquérito n.º 74/22.3..., que corre termos no DIAP, em Coimbra, a morte, em circunstâncias desconhecidas, de uma criança, que também não foi registada, filha do mesmo AA, com cerca de um ano e meio, no interior daquele local, em 2022, sendo que esse óbito não foi certificado nem comunicado às autoridades, tendo o seu cadáver sido cremado sem qualquer autorização ou comunicação para o efeito.


h) No dia 01-08-2023, com início às 08h30, foi realizada, no interior do local designado por “K...... .. ......”, uma operação da PJ – Diretoria do Centro, com a colaboração da GNR e SEF, no âmbito do citado inquérito, onde estiveram presentes, para além do mais, uma equipa do Núcleo de Infância de Juventude da Segurança Social de Coimbra e a Autoridade de Saúde, para apurar o número de crianças ali existentes, as suas condições de saúde, desenvolvimento e vivência, entre outras.


i) No local, foram encontradas quatro crianças, duas delas de nacionalidade ... (II, nascido a ...-...-2011 e JJ, filhas de KK, natural e nacional da ..., e do já acima aludido AA), que não frequentam qualquer estabelecimento de ensino por recusa dos seus pais,


j) Bem como a já referida GG”, e ainda uma criança, do sexo masculino, com três semanas de idade, nascida prematura às 37 semanas de gestação, filha LL, nascida a .../.../1988, titular do Passaporte n.º .......56, emitido pelo ..., nascida no interior daquele local, apenas com recurso a ajuda de membros daquela comunidade, sem conhecimentos médicos, apresentando-se em estado letárgico.


k) Nessa circunstância, o bebé, na companhia na mãe e com o assentimento desta, foram transportados para o Hospital Pediátrico ..., onde lhe foi diagnosticado, por ora, e sem prejuízo de outros exames médicos realizados cujo resultado se desconhece, um quadro de infeção respiratória e de subnutrição, apresentando um peso com cerca de dois quilos abaixo do limiar mínimo de peso aceitável para aquela idade, sendo que o mesmo esteve durante cerca de dois dias após o seu nascimento com o cordão umbilical ligado à placenta, o que determinou o seu internamento naquele estabelecimento de saúde.


l) Durante todas as diligências realizadas naquela data e local, foi apurado ainda que, segundo o regulamento interno da comunidade, ali afixado e a que todos os seus membros devem obedecer, estes têm uma alimentação exclusivamente “vegan”, sendo-lhes apenas servida uma refeição diária através da cozinha comunitária, de acordo com a disponibilidade sazonal dos produtos vegetais que cultivam, que as visitas e encontros com pessoas fora da comunidade têm que ser comunicadas à administração, devendo estar sempre vigilantes quanto a quaisquer situações que considerem como desvantajosas para aquela comunidade.


m) E que aceitam tratamentos “médicos” à base de inalação de fumo e de consumo de álcool, providenciados por um “shamam”.


n) Foi, ainda, constatada a existência de cultivo de canábis no interior daquele local, e que os membros da comunidade, na qual se incluem nomeadamente os presumíveis pais biológicos de GG”, não aceitam a utilização de medicamentos sintéticos nem cuidados médicos, porquanto a sua “deusa” não lhes permite, pois só é aceite o tratamento mediante uso, em circunstâncias que se desconhece, e ministrado também por pessoas cujos conhecimentos técnicos e médicos se desconhecem, de substâncias naturais.


o) Questionada a progenitora de GG” sobre os hábitos de alimentação da criança, verificou-se que apenas se alimentava de leite materno, e que estava sempre ao colo da sua mãe.


p) A criança GG”, que nunca foi vacinada, ou acompanhada por qualquer médico desde a sua nascença, também não usa fralda, situação constatada também relativamente ao filho de LL.


q) No seguimento das diligências efetuadas no processo-crime a que acima se referiu, os pais de GG” deslocaram-se com a sua filha até ao Posto Territorial da GNR ..., naquele mesmo dia 1/08/23, à tarde.


r) Aí, uma vez que a factualidade acima descrita consubstanciava um perigo iminente para a integridade física e vida da criança GG, quer porquanto não se encontram assegurados os cuidados mínimos de saúde, de alimentação (atente-se a que a bebé já tem 7 meses de idade e ainda só amamenta, sem que tenha havido a introdução de quaisquer elementos sólidos), de segurança, pois não se encontra registada, o que para além de a privar de todos os direitos que lhe advém da atribuição da cidadania portuguesa, também potencia gravemente que possa ser objeto de tráfico de crianças ou de outros ilícitos criminais, já que sem o respetivo registo de nascimento não tem existência ou rasto jurídicos,


s) Foram os presumíveis pais de GG, à guarda de quem a mesma se encontrava, confrontados com a possibilidade de intervenção da CPCJ ... e interpelados no sentido de darem o seu consentimento para tal intervenção e, em concreto, para aplicação da medida de promoção e proteção de apoio junto da mãe, mediante acolhimento da criança e da progenitora em casa adequada para o efeito, a fim de se proceder, desde logo, a todas as necessárias diligências a afastar o perigo atual e iminente que representava para a criança toda a situação acima narrada,


t) O que foi prontamente recusado por ambos.


u) Perante tal recusa e a situação de perigo atual e iminente para a criança decorrente dos factos já descritos, procedeu-se, através da GNR ..., à retirada coerciva de GG aos seus pais, pelas das 18h00 do dia 1/08/23, para que fosse encaminhada para uma casa de acolhimento, tendo a mesma para aí sido transportada pela GNR e por uma técnica da segurança social.


v) No espaço temporal ocorrido entre a retirada e a saída da criança para uma casa de acolhimento sita na ..., a progenitora concordou em ir e ficar com a mesma na instituição, pelo que ambas deram ali entrada no final do dia 1/08/23.


w) Dos factos acima expostos, resulta que a criança GGnão poderá ficar entregue aos cuidados dos pais, uma vez que estes não demonstraram qualquer capacidade de assegurar as mais elementares necessidades de sobrevivência da mesma, colocando-a em perigo na sua integridade física e, inclusivamente na sua vida, advenientes das suas crenças religiosas e filosofia de vida, sem que reconheçam, para além do mais, autoridade às instituições portuguesas.»


4.5. Em decisão de 03-08-2023 (cf. Ref.ª ......00), o Tribunal da 1.ª instância confirmou a providência de emergência adotada e, em consequência, aplicou-se, a título provisório, à criança, do sexo feminino, nascida a ... de ... de 2022 e conhecida como «GG» a medida de acolhimento residencial, na instituição em que se encontra com a progenitora.


4.6. Na sequência da decisão provisória proferida, ao abrigo dos artigos 92.º, n.º 3, e 106.º, n.º 2, da LPCJP, declarou-se aberta a instrução do mesmo, ordenando-se a realização de relatório social quanto à alegada situação de perigo de «GG» do seu agregado familiar, contendo estratégia protetiva, no prazo de 30 dias e relegou as audições obrigatórias a que aludem os artigos 107.º, n.º 1, da LPCJP, para momento posterior ao da receção daquele relatório. Mais se nomeou patrono para a GG e determinou-se a junção de registos criminais - artigo 3.º, n.º 1, da Lei n.º 113/2009.


4.7. A fundamentar a decisão, o Tribunal julgou como suficientemente indiciados os seguintes factos:


«1. «GG» é uma criança que nasceu a ... de ... de 2022 sem auxílio, acompanhamento ou assistência médica, inclusive durante a gravidez;


2. O nascimento ocorreu no interior de um local que é designado como «K...... .. ......»;


3. Este local alberga, desde 2019, uma comunidade composta maioritariamente por pessoas de nacionalidade estrangeira, numa vida de estilo nómada, sendo liderada por AA, que entende que aquela comunidade constitui um reino independente de Portugal, apesar de incluído em território soberano português, e que segue as suas próprias regras e leis, considerando-se, assim, um Estado à parte;


4. Naquela comunidade não se aceita a utilização de medicamentos sintéticos nem cuidados médicos, com fundamento em a respetiva «deusa» não o permitir


5. Apenas é aceite o tratamento à base de inalação de fumo e de consumo de álcool, providenciados por um xamã;


6. Naquele local encontram-se outras crianças para além de «GG», que não frequentam qualquer estabelecimento de ensino por recusa dos pais;


7. Os presumíveis pais de «GG» não registaram o seu nascimento em Portugal;


8. «GG» é alimentada somente com leite materno;


9. Nunca foi vacinada, nem acompanhada por qualquer médico;


10. Não usa fralda.»


4.8. O Tribunal formou a sua convicção na prova documental junta ao requerimento inicial e com o requerimento probatório de 03-08-2023 (cf. Ref.ª .....25).


4.9. Em 04-08-2023, foram juntos os certificados de registo criminal das pessoas identificadas como progenitores e que são os requerentes dos pedidos de habeas corpus (cf. Ref.ª ......32; Ref.ª ......31), porquanto à data da decisão a criança não se encontrava registada no Registo Civil Português.


4.10. Em 18-08-2023 (cf. Ref.ª .....71), os requerentes apresentaram, através de Ilustre Mandatária constituída requerimento onde pedem a revogação ou declaração de cessação da medida provisória, juntando documentos.


4.11. Em 14-09-2023 (cf. Ref.ª .....79), a Segurança Social apresentou aos autos relatório social de avaliação de diagnóstico (cf. 14-09-2023, Ref.ª .....79), onde consta, após realização de diligências para averiguar a situação da criança e de o agregado que integrava antes da medida cautelar de acolhimento, o seguinte parecer: [TEXTO REPRODUZIDO NA INFORMAÇÃO DO TRIBUNAL DA 1.ª INSTÂNCIA]


4.12. Na sequência da junção do relatório social, o Ministério Público promoveu (cf. 16-09-2023, Ref.ª ......42):


«No relatório de avaliação de diagnóstico, elaborado pela equipa da SS resulta que a médica que acompanha a GG” não se disponibilizou a transmitir os elementos clínicos da bebé.


Neste sentido, promovo se notifique Unidade de Saúde ..., na pessoa da médica Dra. MM e de outros médicos que acompanhem a GG”, para remeter aos autos relatório clínico sobre a sua situação de saúde.


Mais promovo se notifique a equipa da SS para vir esclarecer os presentes autos de quais os perigos que considera existirem caso a GG” regresse à comunidade “K...... .. ......”.


Promovo, ainda, que se designe dia para conferência com vista à obtenção de acordo de promoção e proteção, cf. artigo 110.º, n.º 1, alínea b) da LPCJP.»


4.13. Em despacho de 20-09-2023 (cf. Ref.ª ......51), em face dos constrangimentos na obtenção de informação médica da situação da criança e na sequência da promoção do Ministério Público, foi diligenciada pela obtenção da informação em falta quanto à condição médica daquela, bem como solicitada informação sobre os riscos particulares que uma criança se encontra sujeita por falta de cumprimento do plano nacional de vacinação. Mais se determinou a notificação do relatório social e, em face da pronúncia que viesse a ocorrer, se determinaria o agendamento para audição dos progenitores:


4.14. Em 20-09-2023 (cf. Ref.ª .....94), a Ilustre Mandatária apresentou requerimento a solicitar o acesso e consulta dos presentes autos, que foi deferido por despacho de 20-09-2023 (cf. Ref.ª ......74).


4.15. Os progenitores e sua Ilustre Mandatária foram notificados do relatório social, promoção e despacho que antecedem em 25-09-2023 (cf. Ref.ª 92217804; Ref.ª ......01; Ref.ª ......09).


4.16. Em 28/9/2023 (cf. Ref.ª .....32), vieram os progenitores, através da sua Ilustre Mandatária, se pronunciar sobre o teor do relatório social, onde requereram que estivesse presente técnica da Casa de Acolhimento aquando da realização da conferência para sua audição.


4.17. Em 02-10-2023 (cf. Ref.ª .....84), deu entrada ofício da Unidade de Saúde Familiar ... a informar que a criança não se encontra inscrita naquela unidade de saúde, não podendo prestar as informações solicitadas.


4.18. Na sequência, e após promoção do Ministério Público (cf. 02-10-2023, Ref.ª ......99), foi proferido despacho a ordenar a junção da certidão de assento de nascimento da criança e ordenada a realização de diligências instrutórias com vista a aferir da condição médica da criança, assim como foi agendada, para o dia 27 de Outubro de 2023, às 10h00, a audição dos técnicos, progenitores e, a requerimento destes, técnica da casa de acolhimento, nos termos dos artigos 84.º, 85.º, e 107.º, n.º 1 e n.º 2, alínea a), LPCJP.».


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5. O pedido de HABEAS CORPUS é um meio, procedimento, de afirmação e garantia do direito à liberdade (art.ºs 27.º e 31.º, CRP), uma providência expedita e excecional – a decidir no prazo de oito dias em audiência contraditória, art.º 31.º/3, CRP – para fazer cessar privações da liberdade ilegais, isto é, não fundadas na lei, sendo a ilegalidade da prisão verificável a partir dos factos documentados no processo.


Enquanto nas palavras do legislador do Decreto-Lei n.º 35 043, de ... de ... de 1945, «o HABEAS CORPUS é um remédio excecional para proteger a liberdade individual nos casos em que não haja qualquer outro meio legal de fazer cessar a ofensa ilegítima dessa liberdade», hoje, e mais nitidamente após as alterações de 2007 ao Código de Processo Penal, com o acrescento do n.º 2 ao art.º 219.º, CPP, o instituto não deixou de ser um remédio excecional, mas coexiste com os meios judiciais comuns, nomeadamente com o recurso.


O seguinte Aresto deste Supremo Tribunal de Justiça espelha precisamente essa coexistência [em grande medida, excludente] entre os normais meios de reação às decisões judiciais e este instituto excecional do HABEAS CORPUS, atentos os fins distintos perseguidos por uns e outro:


- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07/10/2021, Processo n.º 29/20.2PJLRS-C.S1, Relator: Eduardo Loureiro, publicado em ECLI:PT:STJ:2021:29.20.2PJLRS.C.S1.35, com o seguinte Sumário:


I. O habeas corpus, que visa reagir contra o abuso de poder por prisão ou detenção ilegal, constitui não um recurso, mas uma providência extraordinária com natureza de ação autónoma com fim cautelar, destinada a pôr termo em muito curto espaço de tempo a uma situação ilegal de privação de liberdade.


II. Concretizando-se o abuso de poder em prisão ilegal, há-de a ilegalidade resultar – art.º 222.º, n.º 2 do CPP – ou de a prisão ter sido efetuada por entidade incompetente – al.ª a) –, ou de ser motivada por facto por que a lei a não permite – al.ª b) – ou de se manter para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial - al.ª c).


III. A ilegalidade fundante da providência haverá de ser evidente, um erro diretamente verificável com base nos factos recolhidos no âmbito da providência confrontados com a lei, sem que haja necessidade de proceder à apreciação da pertinência ou correção de decisões judiciais ou à análise de eventuais nulidades ou irregularidades do processo.


IV. O habeas corpus não é o meio próprio para impugnar as decisões processuais ou de arguir nulidades e irregularidades eventualmente cometidas no processo, decisões essas cujo meio adequado de impugnação é o recurso ordinário.


6. Tal medida cautelar extraordinária e procedimentalmente autónoma é, assim, pela sua natureza e finalidade, aplicável a qualquer detenção ou prisão ilegais, quer a pessoa que alegadamente se encontre em tal situação, seja cidadão nacional ou cidadão estrangeiro ou tenha sido sujeito à mesma por iniciativa das autoridades judiciárias portuguesas [assim designadas em sentido lato] ou na sequência da solicitação de autoridades congéneres de outros países [designadamente, no quadro do cumprimento de um Mandado de Detenção Europeu [MDE) ou de um ordem provisória de detenção como ato preparatório de pedido de extradição.


Não substitui, contudo, os normais meios adjetivos de reação a decisões judiciais, como as arguições de nulidades, reclamações ou recursos, nem pode ser utilizado, de forma sub-reptícia ou enviesada, como mecanismo processual de discussão e julgamento de questões de facto ou de direito que extravasem o estrito objeto do pedido de HABEAS CORPUS, conforme se encontra constitucional [1] e legalmente delineado pelo legislador.


7. Verifica-se, com efeito, que, quanto ao pedido de habeas corpus por prisão ilegal, dispõe o art.º 222.º CPP:


«1 - A qualquer pessoa que se encontrar ilegalmente presa o Supremo Tribunal de Justiça concede, sob petição, a providência de habeas corpus.


2 - A petição é formulada pelo preso ou por qualquer cidadão no gozo dos seus direitos políticos, é dirigida, em duplicado, ao presidente do Supremo Tribunal de Justiça, apresentada à autoridade à ordem da qual se mantenha preso e deve fundar-se em ilegalidade da prisão proveniente de:


a) Ter sido efetuada ou ordenada por entidade incompetente;


b) Ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite; ou


c) Manter-se para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial».


8. Ora, chegados aqui e não obstante os dois Requerentes do presente pedido de HABEAS CORPUS radicarem o mesmo no disposto no transcrito artigo 222.º do Código de Processo Penal, seguro é que não nos movemos no âmbito do habitual cenário de matriz penal, onde normalmente se questiona, a título de HABEAS CORPUS, a detenção ou prisão ilegais de natureza criminal, mas antes no quadro de um processo de promoção e proteção de criança ou jovem em perigo, conforme previsto e regulado na chamada «Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo» [LPCJP] e que foi aprovada pela Lei n.º 147/99 de 1 de Setembro [2], onde foi aplicada, a título provisório, a medida de acolhimento residencial nos termos e para os efeitos dos artigos 35.º, n.º 1, alínea f), 37.º, n.º 1, 49.º, 91.º, 92.º, n.º 1 LPCJP. Ora, como se afirma no Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 16/11/2022, Processo n.º 2638/22.6T8LRA-A.S, 5.ª Secção, Relator: ORLANDO GONÇALVES, publicado em www.dgsi.pt e ECLI:PT:STJ:2022:2638.22.6T8LRA.A.S1.3D, não obstante «I - A jurisprudência do STJ não se tem mostrado uniforme a respeito da aplicação da garantia constitucional de habeas corpus, à medida de «acolhimento residencial», acontece que «II - Pese embora a natureza e finalidades da medida de promoção e proteção de acolhimento residencial, o entendimento da maioria da jurisprudência do STJ, é que originando esta medida uma compressão do direito da criança à unidade familiar, é equiparável, de algum modo à prisão e detenção ilegal para efeitos de aplicação do regime do “habeas corpus”.»


No mesmo sentido já ia também Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15/02/2018, Processo: 1980/17.2T8VRL-A.S1, Relator: FRANCISCO CAETANO, 5.ª SECÇÃO, votado, por maioria, com um Voto de Vencido, publicado em www.dgsi.pt e em ECLI:PT:STJ:2018:1980.17.2T8VRL.A.S1.EF, com o seguinte Sumário parcial:


«I - Sendo certo que as medidas de promoção e proteção decididas no âmbito da LPCJP (art. 34.º, als. a) e b)) visam afastar o perigo em que a criança se encontre e proporcionar-lhe as condições que permitam proteger e promover a sua segurança, saúde, educação, bem-estar e desenvolvimento integral, certo é também que a medida de acolhimento residencial (al. f) do n.º 1 do art. 35.º), não cabendo, embora, nos conceitos de “detenção” ou “prisão” a que se reportam os arts. 220.º e 222.º, do CPP, não deixa de configurar uma privação de liberdade merecedora da aplicação, por analogia, do regime da providência extraordinária de habeas corpus.


II - Esta posição foi já assumida anteriormente pelo STJ, quer no âmbito da medida tutelar de internamento em centro educativo no quadro da LTE, quer no âmbito da medida de acolhimento residencial no quadro da LPCJP. Pelo que, sob pena de violação do princípio da igualdade (art. 13.º, da CRP), é de aplicar o regime do habeas corpus previsto no art. 222.º, do CPP ao caso da medida cautelar de acolhimento residencial de criança decidida no âmbito de um processo de promoção e proteção.» [3]


Constata-se, efetivamente – basta atentar nos demais acórdãos que irão ser referenciados na fundamentação do presente acórdão - , que a maioria dos Arestos deste Supremo Tribunal de Justiça tem alargado, através de uma interpretação extensiva ou de integração analógica do referido regime jurídico e das finalidades que o legislador constitucional e ordinário persegue com o mesmo, num Estado de Direito como o nosso, a aplicação da figura do HABEAS CORPUS às medidas de promoção e proteção de crianças e jovens em perigo que, embora não se possam qualificar juridicamente como «prisão» ou «detenção», são suscetíveis, ainda assim e de alguma forma, de a elas se equipararem, ao afetarem a liberdade pessoal dos cidadãos visados pelas mesmas, através da sua privação, limitação ou restrição.


Tal equiparação ou similitude parece-nos, de facto, poder existir e, nessa medida, justificar plenamente, à falta da existência de um meio alternativo de reação, o recurso a este expedito meio cautelar que constitui o procedimento de HABEAS CORPUS.


Afirmar tal extensão da figura do HABEAS CORPUS aos processos de promoção e proteção de crianças e jovens em perigo acarreta, naturalmente, uma ponderada aproximação entre os dois regimes jurídicos em confronto, e uma adequada adaptação, quer em termos substantivos como procedimentais, entre ambos, tudo sem prejuízo de se manter a essência de cada um deles


O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16/11/2022, Processo n.º 2638/22.6T8LRA-A.S1, 5.ª SECÇÃO, Relator: ORLANDO GONÇALVES, publicado em www.dgsi.pt e em ECLI:PT:STJ:2022:2638.22.6T8LRA.A.S1.3D, com o seguinte Sumário parcial, é esclarecedor quanto à análise que, neste âmbito, cabe ao STJ fazer:


III - Não cabe apreciar na providência de habeas corpus, nem erros de direito, nem formular juízos de mérito sobre decisões judiciais determinantes da privação da liberdade, que vão além de ilegalidade evidente ou de erro diretamente verificável com base nos factos recolhidos no âmbito da providência confrontados com a lei.


IV - Resultando do art. 3.º, n.ºs 1 e 2, al. c), da LPCJP, que o Estado deve intervir na família a favor das crianças e dos jovens, quando estiver em causa o desenvolvimento integral destes, designadamente, quando os seus pais ponham em perigo a sua segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento, não lhes dando os cuidados adequados à sua idade e situação pessoal, está longe de ser uma ilegalidade evidente a aplicação da medida cautelar de acolhimento familiar com fundamento na falta, por parte dos ora peticionantes, do exercício do direito à educação, saúde e interação social em favor dos seus filhos menores, pelo que não se encontram razões para concluir que os menores se encontram em acolhimento residencial a título cautelar “por facto pelo qual a lei o não permite”. [4].


Sendo assim e em conclusão, nada obsta ao conhecimento dos dois pedidos de HABEAS CORPUS aqui em presença.


9. Este procedimento cautelar e urgente de HABEAS CORPUS acha-se, por outro lado, deduzido por dois Requerentes - AA e BB - e por referência à imediata libertação não apenas de um deles - BB -, como da criança de tenra idade CC, que será filha de ambos.


Poder-se-ia questionar não apenas o facto de haver dois pedidos de HABEAS CORPUS direcionados à libertação da criança CC, assim como, em termos cumulativos, à libertação de BB, pedidos esses que acabaram por ser reunidos e processados num único procedimento adjetivo, quando, em tese e numa perspetiva meramente formal, se deveriam ter desdobrado em dois processos autónomos, em função de cada uma das pessoas visadas por esses pedidos e dos fundamentos de facto e de direito que justificam tais pretensões e as situações em que cada uma delas se encontra.


Pensamos, contudo, que, no caso concreto e particular dos autos, em que os «pedaços de vida» que estão subjacentes aos dois pedidos de HABEAS CORPUS são idênticos e estão em íntima e estreita conexão um com o outro, podendo mesmo afirmar-se que a colocação da criança em acolhimento residencial constitui a causa que acabou por levar a sua progenitora BB a acompanhá-la para o local para onde ela foi deslocada, existe não somente uma motivação comum a ambos os pedidos de HABEAS CORPUS como, mais relevante ainda, um quadro factual e jurídico semelhante que permite e talvez mesmo aconselhe um julgamento e uma decisão judiciais únicos e unívocos por parte deste Supremo Tribunal de Justiça.


10. Fazendo uma resenha breve sobre o cenário factual e adjetivo que se nos depara nestes autos, verificamos que os dois Requerentes integram, na zona centro, uma comunidade fechada e alegadamente autónoma [ainda que fluida, por ter características nómadas], denominada «K...... .. ......» ou «R.... .. ......» [independente mesmo, segundo a perspetiva dos membros que a integram, do Estado Português e das suas leis, conforme decorre do estabelecimento de embaixada própria e da recusa do cumprimento da legislação nacional] onde foi encontrada, entre outras, a criança que é visada por este pedido de HABEAS CORPUS, ou seja, a menor de idade CC.


A mesma, nascida no dia .../.../2022 e sem qualquer acompanhamento clínico durante a gravidez da mãe, não se encontrava registada, em termos de nascimento e demais elementos de identificação, não se achando inscrita na Unidade de Saúde Familiar ... nem tendo sido inoculada com as vacinas obrigatórias, sendo apenas amamentada pela mãe e apresentando, segundo o Relatório Social junto aos autos, um peso inferior ao que deveria ter, em função da idade que possui, não usando fralda nem podendo tomar quaisquer medicamentos sintéticos nem ser sujeita a quaisquer cuidados médicos, sendo os únicos tratamentos permitidos a que pode ser sujeita os derivados da inalação de fumo e de ingestão de álcool, que são ministrados por um «xamã», não havendo a intenção de tal comunidade e, nomeadamente dos seus progenitores, de a colocarem em estabelecimento de ensino oficial, na idade própria para tal [à imagem do que já acontece com uma ou mais crianças a viver naquele espaço ou quinta].


Ora, tendo como pano de fundo tal cenário e vindo os aqui Requerentes a recusar qualquer intervenção acordada com a Comissão de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo ..., no local de residência da menor, veio esta a pedir a intervenção do tribunal competente.


Face à imediata execução da medida de acolhimento residencial de CC, a progenitora BB decidiu acompanhar a criança, sob a condição de não impedir a execução da medida de acolhimento, o que aquela aceitou.


O Ministério Público, no dia 3/8/2023, pediu a confirmação da medida de acolhimento residencial aplicada a favor da criança, a aplicação de medida cautelar de acolhimento residencial e, subsequentemente, que fossem seguidos os termos da tramitação prevista para o processo judicial de promoção e proteção, o que veio a ser deferido por decisão judicial de 03-08-2023, com a sujeição, a título provisório, da CC à medida de acolhimento residencial, na instituição em que se encontra com a progenitora.


Foi ainda, na sequência dessa decisão provisória, declarada aberta a instrução do processo, tendo-se ordenado a realização de relatório social quanto à alegada situação de perigo da criança e do seu agregado familiar, no prazo de 30 dias, relegado as audições obrigatórias a que aludem os artigos 107.º, n.º 1, da LPCJP, para momento posterior ao da receção daquele relatório, nomeado patrono para a CC e determinado a junção de registos criminais dos aqui Requerentes.


Em 14/9/2023, a Segurança Social apresentou aos autos relatório social de avaliação de diagnóstico, de onde consta, após realização de diligências para averiguar a situação da criança e de o agregado que integrava antes da aplicação da medida cautelar de acolhimento, o parecer cujo texto se acha reproduzido na informação do tribunal da 1.ª instância.


Por despacho de 20/9/2023, em face dos constrangimentos na obtenção de informação médica da situação da criança e na sequência da promoção do Ministério Público, foi diligenciada pela obtenção da informação em falta quanto à condição médica daquela, bem como solicitada informação sobre os riscos particulares que uma criança se encontra sujeita por falta de cumprimento do plano nacional de vacinação, vindo ainda a se determinar a notificação do relatório social aos aqui Requerentes e, em face da pronúncia que viesse a ocorrer, a se afirmar que se ordenaria o agendamento para a audição dos progenitores.


Nessa sequência e após promoção do Ministério Público, de 2/10/2023, foi proferido despacho a ordenar a junção da certidão de assento de nascimento da criança e ordenada a realização de diligências instrutórias com vista a aferir da condição médica da criança, assim como foi agendada, para o dia 27 de Outubro de 2023, às 10h00, a audição dos técnicos, progenitores e, a requerimento destes, a técnica da casa de acolhimento.


11. Chegados aqui e face aos factos dados como assentes e acima descritos, no Ponto anterior e ao disposto nos artigos 11.º, número 1 , alínea c) e 3, 18.º, 21.º, 34.º, 35.º, n.º 1, alínea f), 36.º, 37.º, n.º 1, 38.º, 49.º a 54.º, 58.º a 63.º, 72.º, 73.º, 91.º, 92.º, n.ºs 1 e 3 e 93.º a 103.º e 123.º a 126.º da LPCJP, afigura-se-nos que o juízo a fazer por este Supremo Tribunal de Justiça sobre os dois pedidos de HABEAS CORPUS tem de ser negativo.


Importa não esquecer, nesse julgamento que há a fazer, o que nos diz o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8/09/2021, Processo: 733/20.5T8CTB-B.S1, Relatora: ANA BARATA BRITO, 3.ª SECÇÃO, publicado em www.dgsi.pt e em ECLI:PT:STJ:2021:733.20.5T8CTB.B.S1.8F, com o seguinte Sumário:


«I. A medida cautelar de promoção e proteção, aplicada nos termos dos artigos 35.º n.º 1 al. f), 37.º, 49.º, 50.º, n.º 1 e 2, todos da LPCJP, pode repercutir-se numa limitação da liberdade de movimentos e na restrição de direitos fundamentais, e, nessa medida, deve considerar-se ainda abrangida pela providência de habeas corpus.


II. Mas, também aqui, o habeas corpus conserva a natureza de modo de reacção contra uma legalidade evidente e atual; distancia-se da figura dos recursos, não visa a discussão de problemas que só no recurso encontram o campo de debate, recurso que se encontra aliás previsto no art.º 123.º, da LPCJP.»


O Aresto deste Supremo Tribunal de Justiça de 15/02/2018, Processo: 1980/17.2T8VRL-A.S1, Relator: FRANCISCO CAETANO, 5.ª SECÇÃO, votado por maioria com um Voto de Vencido, publicado em www.dgsi.pt e em ECLI:PT:STJ:2018:1980.17.2T8VRL.A.S1.EF, afirma ainda o seguinte no seu Sumário parcial:


«III - Qualquer discórdia quanto ao mérito da decisão provisória tomada, ou quanto à decisão interlocutória que apreciou a competência funcional do Juízo de Família e de Menores de X para prosseguir com o processo de promoção e proteção, não obstante a existência de um acordo prévio assumido no âmbito da CPCJ quanto a uma outra medida, ou ainda quanto às vicissitudes processuais (que jamais poderão pôr em causa o superior interesse da criança, já que é dela que se trata), só no âmbito do recurso ordinário pode ter guarida (art.º 123.º, n.º 1, da LPCJP), não na presente providência extraordinária de habeas corpus, cujo pedido assim soçobra.»


Ora, a ser assim e analisando, objetivamente, o texto dos dois pedidos de HABEAS CORPUS, afigura-se-nos, numa primeira abordagem destes últimos, que a motivação que deles resulta não se reconduz, verdadeiramente, a qualquer uma das ilegalidades que se mostram previstas nas três alíneas no artigo 222.º do CPP [com as necessárias e devidas adaptações, como já antes sustentámos, forjadas pela circunstância no seio do regime de promoção e proteção das crianças e jovens em perigo] – ou seja, não visa questionar, em termos factuais e jurídicos, a competência da instituição que decretou a referida medida cautelar de acolhimento em residência, a ponderação da bondade dos pressupostos factuais e jurídicos enunciados em tal decisão e a ultrapassagem dos prazos, judicial ou legalmente, fixados -, dado se traduzirem, praticamente, em considerações e lamentações genéricas, em manifestações de protesto, revolta e queixume, de ordem ética e moral [sem a invocação simultânea de qualquer base legal ou jurídica], contra a situação que lhes foi criada pela aplicação imediata e forçada da medida de acolhimento em residência à CC, pela sua manutenção e pela retenção da mesma e da Requerente por entidades e razões que não reconhecem nem aceitam.


Parece-nos que os Requerentes procuram discutir e sujeitar à decisão deste Supremo Tribunal de Justiça questões que não cabem, manifestamente, no quadro normativo deste procedimento cautelar e excecional que visa, como válvula de escape e segurança do Estado de Direito, prisões, detenções, privações ou perturbações da liberdade pessoal dos cidadãos que resultem de abusos de poder praticados por qualquer autoridade e que se radiquem na ilegitimidade desta última para as determinar, na ilegalidade do fundamento para as justificar e/ou na extemporaneidade daquelas limitações absolutas ou restrições parciais de liberdade dos visados pelo HABEAS CORPUS.


Nessa medida, teria de ser por via da utilização dos meios processuais normais de contestação e ataque a decisões judiciais consideradas desconformes com as regras legais ou insuficientes em termos de fundamentação, quer formal, quer materialmente, como será o caso das reclamações e recursos ordinários, que os aqui Requerentes deveriam ter atuado e não por força do uso destes pedidos de HABEAS CORPUS.


12. O que deixámos antes exposto seria suficiente para indeferir os dois pedidos de HABEAS CORPUS mas iremos um pouco mais longe na nossa análise e entrar, ainda assim, na apreciação dos três requisitos de deferimento de tal providência cautelar, no seu cruzamento com o regime jurídico da LPPCJP e com os factos que se mostram demonstrados nos autos e que antes sintetizámos.


Começaremos por referir que as diversas entidades que tiveram intervenção no complexo procedimento de aplicação à CC da medida provisória de acolhimento residencial o fizeram ao abrigo das competências que lhe são atribuídas pelo aludido regime jurídico da LPPCJP e que a sua confirmação e determinação foi feita através de decisão judicial proferida por juiz de direito colocado no tribunal material e territorialmente competente para o fazer.


No que concerne aos fundamentos para a confirmação e aplicação dessa medida de acolhimento residencial, a título provisório, constam do despacho em causa e não evidenciam qualquer erro ou distorção grosseiras na avaliação e validação dos factos conhecidos nem na aplicação das normas legais respetivas, que consinta a este Supremo Tribunal de Justiça discernir um óbvio e manifesto abuso de poder por parte do julgador que o proferiu [e que o faz, recorde-se, na sequência de uma intervenção inicial da Comissão de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo ... e depois de uma promoção elaborada pelo magistrado do Ministério Público, que vão nesse exato e preciso sentido].


Finalmente, por referência à ultrapassagem de quaisquer prazos [judiciais ou legais], dir-se-á que o despacho judicial antes referido não fixa qualquer prazo desse género, sendo certo que o artigo 37.º da Lei de Promoção e Proteção das Crianças e Jovens em perigo estatui o seguinte [sublinhado a negrito da nossa responsabilidade]:


Artigo 37.º


Medidas cautelares


1 - A título cautelar, o tribunal pode aplicar as medidas previstas nas alíneas a) a f) do n.º 1 do artigo 35.º [5], nos termos previstos no n.º 1 do artigo 92.º [6], ou enquanto se procede ao diagnóstico da situação da criança e à definição do seu encaminhamento subsequente.


2 - As comissões podem aplicar as medidas previstas no número anterior enquanto procedem ao diagnóstico da situação da criança e à definição do seu encaminhamento subsequente, sem prejuízo da necessidade da celebração de um acordo de promoção e proteção segundo as regras gerais.


3 - As medidas aplicadas nos termos dos números anteriores têm a duração máxima de seis meses e devem ser revistas no prazo máximo de três meses.


Desta disposição legal [número 3] ressalta que a medida de acolhimento em residência pode ter a duração máxima de 6 meses e tem de ser revista no prazo máximo de 3 meses.


Ora, tendo a medida dos autos sido aplicada no dia 2 de agosto de 2023, tal significa que se poderá prolongar até ao dia 2 de fevereiro de 2024 e terá que ser revista obrigatoriamente até ao dia 2 de novembro de 2023.


Logo, tendo o presente acórdão data de 11 de outubro de 2023, tal significa que qualquer um dos referidos prazos não se mostra ultrapassado no dia da publicação do mesmo.


13. Chamemos aqui à colação diversa jurisprudência deste mesmo Supremo Tribunal de Justiça que suporta a análise que deixámos efetuada em alguns dos Pontos anteriores:


- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12/07/2018, Processo: 50/18.0YFLSB.S1, Relatora: HELENA MONIZ, 5.ª SECÇÃO, publicado em www.dgsi.pt e em ECLI:PT:STJ:2018:50.18.0YFLSB.S1.38, com o seguinte Sumário


I - O requerimento da providência de habeas corpus pode ser interposto por qualquer cidadão (no gozo dos seus direitos políticos) o pode fazer em ordem à preservação do direito fundamental à liberdade em face de uma prisão ou detenção ilegal — cf. art. 31.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa (CRP) e art. 222.º, n.º 2, do Código de Processo Penal (CPP).


II - O pedido de habeas corpus, nos termos da Constituição, visa reagir contra uma situação de “abuso de poder, por virtude de prisão ou detenção ilegal” (art. 31.º, n.º 1, da CRP), ou seja, e voltando ao disposto no art. 27.º, da CRP, detenção ou prisão são as situações elencadas nas als. a), b), c), d) f) e g) do n.º 3 do art. 27.º, da CRP.


III - Alguma jurisprudência do STJ tem alargado a providência de habeas corpus a situações que aparentemente parecem idênticas, como as relativas à aplicação de medidas de proteção, assistência ou educação de menor em estabelecimento, ou as de internamento de portador de anomalia psíquica em estabelecimento - o que pode ser visto como entendendo a providência de habeas corpus como um meio expedito para reagir a um abuso de poder numa decisão limitativa de direitos fundamentais.


IV - As medidas de promoção e proteção de crianças e jovens, onde se integra a medida de acolhimento residencial, são medidas que devem ser aplicadas tendo em conta, por um lado, estas medidas devem ser aplicadas tendo em conta a vontade da menor - constitui um princípio orientador para a intervenção o princípio da audição obrigatória e participação da criança (cf. art. 4.º, al. j), da LPCJP) -, por outro lado, pretende-se com a sua aplicação garantir o bem estar e desenvolvimento integral da/o menor (cf. art.º 1.º, da LPCJP), afastando-a/o do perigo em que se encontra, ou proporcionando-lhe “as condições que permitam proteger e promover a sua segurança, saúde, formação, educação, bem-estar e desenvolvimento integral” (cf. art.º 34.º, da LPCJP).


V - A menor foi sujeita à medida de acolhimento residencial em comunidade terapêutica, ao abrigo do disposto nos art.ºs 3.º, n.º 2, al. g), 37.º, e 35.º, n.º 1, al. f), da LPCJP, por a jovem consumir produtos estupefacientes e bebidas alcoólicas regularmente, com “problemas do foro psicológico, tendo já tentado, por mais de uma vez, o suicídio”; além disto, a mãe não apresenta “capacidade para conter os comportamentos da filha”, e uma tia também não se afigurou ao tribunal como sendo alternativa ao acolhimento, concluindo-se que a jovem se encontra em situação de perigo que reclama uma resposta imediata. A jovem foi internada a 29.12.2020, tendo a medida sido decretada (“com a máxima urgência”) ao abrigo do disposto no art.º 37.º, n.º 3, da LPCJP, por um período de 6 meses, sabendo que a duração da medida é a estabelecida na decisão judicial (art.º 61.º, da LPCJP).


VI - A medida foi aplicada, nos termos do art.º 38.º, da LPCJP, por magistrado judicial, tendo em vista, de acordo com a lei, a proteção de jovem em perigo, estando ainda a decorrer o período de internamento imposto pela decisão judicial; a medida aplicada foi revista e mantida não tendo sido ultrapassado o prazo fixado (e, portanto, não violando o disposto no art.º 63.º, da LPCJP).


– Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30/6/2022, Processo n.º 736/20.0T8CBR-E.S1, 5.ª SECÇÃO, Relator: ORLANDO GONÇALVES, publicado em www.dgsi.pt, com o seguinte Sumário:


I - Pese embora a natureza e finalidades da medida de promoção e proteção de acolhimento residencial, entendemos, como cremos ser o entendimento da maioria da jurisprudência do STJ, que originando esta medida uma compressão do direito da criança à unidade familiar, é equiparável, de algum modo à prisão e detenção ilegal para efeitos de aplicação do regime do “habeas corpus”.


II - Não compete nesta providência, designadamente, apreciar se a medida de apoio junto aos pais cessou ou não ao fim dos 4 meses, em janeiro de 2022 e se os factos indicados no despacho de aplicação da medida cautelar estão ou não a ser corretamente interpretados pela Ex.ma Juíza do Tribunal de Família e de Menores, pois essa é matéria passível de recurso ordinário, em sede própria.


Que o comportamento do menor em termos de percurso escolar, descrito nos factos indicados na decisão, demonstra uma deficiente personalidade em formação - que advém de um elevado absentismo escolar, um grave desrespeito pelos professores e pelos seus colegas quando comparece na escola, não trabalhando nem permitindo aos outros trabalhar adequadamente, apesar das chamadas de atenção de quem de direito -, é uma evidência manifesta, a necessitar de urgente intervenção da sociedade que não podemos deixar de realçar.


Perante todo o exposto, o STJ não vislumbra razões para deferir a providência de habeas corpus com fundamento, implícito na petição, de o menor se encontrar em acolhimento residencial a título cautelar “por facto pelo qual a lei o não permite”.


III - As medidas de promoção e proteção de crianças e jovens, enunciadas no art. 35.º da LPCJP podem ser aplicadas em termos “definitivos”, com o regime de duração, revisão e cessação constante da Secção VI, Capítulo III e, em termos “provisórios”, ou seja, cautelares, ao abrigo do disposto no art.º 37.º da mesma Lei.


O art. 61.º da LPCJP, integrado na Secção VI, que, repetimos, disciplina o regime de duração, revisão e cessação a título “definitivo” das medidas de promoção e proteção de crianças e jovens, designadamente das medidas de colocação, dispõe que «As medidas previstas nas alíneas e) e f) as alíneas e) e f) do n.º 1 do artigo 35.º têm a duração estabelecida no acordo ou na decisão judicial.».


Como medida “definitiva” obtida por acordo ou fixada em decisão judicial, tem de ter um prazo de duração fixado naquelas peças processuais.


O mesmo já não se tem de passar estando-se perante medidas cautelares, aplicadas ao abrigo do disposto no art.º 37.º da LPCJP.


Nos termos do disposto n.º 3 do art.º 37 da LPCJP – a que os peticionantes não fazem referência – «As medidas aplicadas nos termos dos números anteriores têm a duração máxima de seis meses e devem ser revistas no prazo máximo de três meses.».


O legislador fixou um limite temporal de duração das medidas cautelares, no caso, de seis meses. E isto porque considerou suficiente o prazo de seis meses para proceder ao estudo da situação da criança ou do jovem e aplicar a medida definitiva adequada, tudo sem prejuízo da revisão trimestral.


Do exposto resulta que a Ex.ma Juíza não tinha de fixar um prazo na decisão “quanto à duração daquela medida provisória”, como defendem os peticionantes.


A medida cautelar de acolhimento residencial fixada ao menor em 31 de maio de 2022, foi objeto de execução em 15 de junho de 2022, com a sua entrada na Casa de Acolhimento, pelo que está ainda longe de ter decorrido o prazo máximo de 6 meses fixado no art.º 37.º, n.º 3, da LPCJP ou mesmo o prazo máximo de revisão trimestral da mesma medida.


IV - Aliás, se fosse obrigatório estabelecer um prazo máximo de duração da medida cautelar – e não é –, não se vê como na ausência da sua fixação se poderia invocar o pressuposto da al. c) do n.º 2 do art. 222.º do CPP, quando este pressupõe estar o cidadão “preso” para além dos prazos fixados na lei ou por decisão judicial.


- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06/07/2022, Processo: 561/11.9T2SNS-D.S1, Relatora: LOPES DA MOTA, 3.ª SECÇÃO, publicado em www.dgsi.pt e em ECLI:PT:STJ:2022:561.11.9T2SNS.D.S1.8F, com o seguinte Sumário:


«I. O habeas corpus, previsto no artigo 31.º, n.º 1, da Constituição como direito fundamental contra o abuso de poder, por detenção ou prisão ilegal, constitui uma providência expedita e urgente de garantia privilegiada do direito à liberdade consagrado nos artigos 27.º e 28.º da Constituição. A prisão ou detenção é ilegal quando ocorra fora dos casos previstos no artigo 27.º da Constituição, sem lei ou contra a lei.


II. O direito à liberdade consagrado e garantido no artigo 27.º da Constituição, que se inspira diretamente no artigo 5.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos (CEDH), é o direito à liberdade física, de “ir e vir”, à liberdade ambulatória ou de locomoção, à liberdade de movimentos, isto é, o direito de não ser detido, aprisionado ou de qualquer modo fisicamente confinado a um determinado espaço; este direito visa proteger a liberdade física da pessoa contra a detenção e contra a prisão arbitrária ou abusiva, conferindo o direito de não ser detido ou preso pelas autoridades públicas, salvo nos casos expressa e excecionalmente previstos na lei, que deve reunir os necessários requisitos de certeza e previsibilidade, e de acordo com os procedimentos legalmente previstos, nomeadamente quanto à garantia de apreciação e controlo judicial e aos prazos de duração, como tem sido repetidamente afirmado em jurisprudência firme do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH).


III. O habeas corpus constitui um meio de tutela que abrange qualquer forma de privação da liberdade não admitida pelo artigo 27.º da Constituição e pelo artigo 5.º da CEDH, aqui se incluindo a privação da liberdade de uma criança, fora das condições legais, por sujeição a medida de proteção, assistência ou educação em estabelecimento adequado [na formulação do artigo 27.º, n.º 3, al. e), da Constituição] ou a detenção de um menor feita com o propósito de o educar sob vigilância [na formulação do artigo 5.º, n.º 1, al. d), da CEDH], no seu interesse, compreendendo muitos aspetos dos direitos e responsabilidades parentais para benefício e proteção da criança, independentemente de esta ser suspeita da prática de facto qualificado como crime ou de ser uma criança em risco.


IV. Neste caso, a medida de “detenção” ou privação da liberdade de uma criança, admitida pela Constituição e pela CEDH, só é legal se for aplicada por um tribunal e estiver expressamente prevista em lei acessível e suficientemente precisa quanto aos seus pressupostos, condições e finalidade, que devem respeitar os princípios da necessidade e proporcionalidade em função do superior interesse da criança e do fim visado, e quanto ao processo de aplicação, prazos e controlo judicial.


V. O âmbito de proteção abrange a privação total e a privação parcial da liberdade, que não se confunde com as restrições ao direito de deslocação, garantido pelo artigo 44.º da Constituição e pelo artigo 2.º do Protocolo n.º 4 à CEDH (como tem sublinhado a jurisprudência do TEDH).


VI. Embora o regime do habeas corpus se encontre estabelecido nos artigos 220.º a 224.º do CPP, no capítulo referente aos «modos de impugnação» das medidas de coação, uma interpretação conforme à Constituição obriga a conferir-lhe um âmbito de proteção mais alargado, de modo a abranger todos os casos previstos no n.º 3 do artigo 27.º da Constituição, incluindo a sujeição de um menor a medidas de proteção, assistência ou educação em estabelecimento adequado.


VII. Os motivos de «ilegalidade da prisão», como fundamento da providência de habeas corpus, têm de reconduzir-se, necessariamente, à previsão de uma das alíneas do n.º 2 do artigo 222.º do CPP, de enumeração taxativa.


VIII. A providência de habeas corpus não constitui um recurso de uma decisão judicial, não se destina a apreciar o mérito de decisões judiciais, nem a sua execução, nem alegados factos ilícitos que lhes possam dizer respeito; trata-se de matérias para as quais se encontram legalmente previstos meios processuais próprios de intervenção e reação ou de matérias a averiguar em processo próprio, no caso de alegados ilícitos criminais.


IX. As medidas de promoção e proteção, em que se inclui o acolhimento residencial, previstas no artigo 35.º da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo (LPCJP), que podem ser aplicadas pelo tribunal a título cautelar, como sucedeu neste caso, fundam-se nos artigos 67.º, 68.º e 69.º da Constituição e visam, nomeadamente, afastar o perigo em que estes se encontram e proporcionar-lhes as condições que permitam proteger e promover a sua segurança, saúde, formação, educação, bem-estar e desenvolvimento integral (artigo 34.º da LPCJP).


X. A violação ou omissão do cumprimento das responsabilidades parentais pode constituir motivo que legitima a intervenção para promoção e proteção, nos termos do artigo 3.º da LPCJP, mediante o exercício, por outrem, dos poderes e deveres que integram essas responsabilidades, devendo as questões que lhes digam respeito, em caso de conflito, ser objeto de apreciação e decisão no âmbito do correspondente processo, nos termos legalmente previstos.


XI. A privação da liberdade por efeito da aplicação da medida de acolhimento residencial [artigo 35.º, n.º 1, al. f), da LPCJP], decidida por um tribunal, fundamenta-se em lei expressa, quer no que respeita à sua justificação e necessidade, quer no se refere ao procedimento, e visa a realização de propósitos fixados na lei, estando afastada qualquer arbitrariedade na decisão, o que permite concluir que a privação da liberdade respeita as exigências do artigo 27.º, n.º 3, al. e), da Constituição.


XII. A aplicação da medida não ocorreu para realização de finalidade diversa, destinada a manter as crianças confinadas num espaço, sem possibilidade de saírem desse espaço, numa situação de privação da liberdade de se movimentarem; as restrições da liberdade das crianças que o cumprimento da medida possa implicar não se confundem com a privação total ou parcial da liberdade por virtude da detenção ou prisão a que se referem as demais alíneas do n.º 3 do artigo 27.º da Constituição.


XIII. Os fundamentos da petição de habeas corpus reconduzem-se a uma discordância quanto à decisão que mantém a medida de acolhimento residencial, que a peticionante pretende ver substituída pela medida de apoio junto dos pais [artigo 35.º, n.º 1, al. a), da LPCJP], o que deve ser discutido, analisado e decidido no processo de promoção e proteção, estando assegurada a possibilidade de recurso (artigo 123.º da LPCJP).


XIV. Não compete ao Supremo Tribunal de Justiça, no âmbito da providência de habeas corpus, apreciar atos processuais ou o mérito da decisão que aplica ou mantém medida de privação da liberdade.


XV. Em consequência, não ocorrendo qualquer das situações a que se refere o n.º 2 do artigo 222.º do CPP, deve concluir-se que o pedido carece manifestamente de fundamento, devendo ser indeferido [artigo 223.º, n.º 6, do CPP].»


- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 01/09/2022, Processo n.º 14079/21.8T8SNT-D.S1, 5.ª SECÇÃO, Relatora: M. CARMO SILVA DIAS, publicado em www.dgsi.pt e em ECLI:PT:STJ:2022:14079.21.8T8SNT.D.S1.AA, com o seguinte Sumário parcial:


I - De acordo com a maior parte da jurisprudência do STJ é admissível alargar a providência do habeas corpus à medida de promoção e proteção de crianças e jovens de “acolhimento residencial”, atenta a sua natureza e finalidade, uma vez que não deixa de ser uma medida limitativa da liberdade e de direitos fundamentais (ainda que não tenha uma finalidade punitiva, como a medida tutelar educativa), tanto mais que (como se esclarece no ac. do STJ de 2.06.2021) constitui também uma medida que origina uma “compressão do direito à unidade familiar”.


II - De acordo com os elementos constantes deste habeas corpus foi legal a decisão homologatória do acordo de promoção e proteção de 2.03.2022 que aplicou a medida de acolhimento residencial à menor, o processo tem sido tramitado de forma urgente e de acordo com os preceitos legais aplicáveis, tendo em atenção o superior interesse da criança, não se mostrando ultrapassados os prazos ali fixados.


III - A medida de acolhimento residencial encontra-se legalmente prevista (art.ºs 35.º, n.º 1, al. f) e 49.º da LPCJP), foi aplicada por decisão judicial e pelo tribunal competente, não se mostrando excedido qualquer prazo legal (não tendo sequer chegado o momento de ser revista tal medida), pelo que não se pode concluir que a menor esteja “presa” ou “detida” ilegalmente.


IV - O habeas corpus não serve para apresentar queixas (v.g. contra terceiros ou contra o tribunal, as quais devem ser apresentadas nos locais próprios, se houver fundamento para tal), nem para imputar responsabilidades a terceiros, nem tão pouco para discutir decisões proferidas noutros tribunais, como seja, as do juízo de família e menores (as quais, verificando-se os respetivos pressupostos deverão ser impugnadas pelos meios próprios - art.º 123.º, da LPCJP).


14. Analisemos agora a situação especial vivenciada nos presentes autos pela Requerente BB para dizer que a mesma, segundo os elementos que ressalta dos autos, não foi objeto de qualquer medida restritiva da sua liberdade pessoal, pois não existe prova nos autos de que houve a proferição de qualquer decisão judicial que visasse afetar, de alguma forma e em termos mandatórios e vinculativos, a liberdade de movimentos da progenitora da menor de idade CC.


O que ressalta deste processo é que foi a própria Requerente que decidiu acompanhar a filha, nas condições que lhe foram propostas e que ela aceitou [«4.2 Na execução da medida de acolhimento residencial, BB decidiu acompanhar a criança, sob a condição de não impedir a execução da medida de acolhimento, o que aquela aceitou.»], o que, aliás, se compreende, dado não se duvidar da ligação afetiva entre ambas e dos benefícios que derivam para as duas do seu diário e permanente contacto e comunicação.


Tal proximidade procurada pela Requerente junto da filha implica, por força da aplicação da medida de acolhimento residencial a esta última, que a Requerente também ali tenha de permanecer, mas tal não significa que a mãe da CC esteja ali «detida» ou privada parcialmente da sua liberdade pessoal.


Sendo assim, não existe um mínimo de fundamento para deferir o pedido de HABEAS CORPUS quanto a ela.


15. Em conclusão, não sofre contestação que, em consequência da aplicação da referida medida provisória de acolhimento em residência à criança [e não obstante tal medida ter sido aplicada em nome do seu superior interesse], alguns direitos fundamentais da mesma ficam restringidos. A circunstância de tal medida de proteção limitar, nas condições anteriormente descritas, direitos fundamentais da mesma e poder produzir efeitos que se repercutem na vida de terceiros, não torna, contudo, e só por si, ilegal essa contenção ou constrangimento da liberdade de CC.


A privação ou constrição da liberdade é ilegal, para efeitos do deferimento do procedimento de HABEAS CORPUS quando é (1) ordenada por entidade incompetente, (2) motivada por facto pelo qual a lei a não permite ou se (3) mantém para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial.


Não é, manifestamente, o caso dos presentes autos.


16. Logo, pelos fundamentos antes expostos, improcedem os pedidos de HABEAS CORPUS formulados por AA e BB, quanto a esta última, assim como quanto à criança CC.


IV - DECISÃO


Indeferem-se assim as providências de HABEAS CORPUS apresentadas por AA e BB, por falta de fundamento legal.


Custas pelos Requerentes, com taxa de justiça que se fixa em 2 UC, para cada um deles – n.º 9 do artigo 8.º do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III a ele anexa. D.N.


Supremo Tribunal de Justiça, 11.10.2023


José Eduardo Sapateiro [Juiz Conselheiro relator]


Leonor Furtado [Juíza Conselheira 1.ª Adjunta]


Orlando Gonçalves [Juiz Conselheiro 2.º Adjunto]


Helena Moniz [Juíza Conselheira Presidente]


__________________________________________________

1. O artigo 31.º da Constituição da República Portuguesa estatui o seguinte, quanto ao instituto do HABEAS CORPUS:

« Artigo 31.º

Habeas corpus

1. Haverá habeas corpus contra o abuso de poder, por virtude de prisão ou detenção ilegal, a requerer perante o tribunal competente.

2. A providência de habeas corpus pode ser requerida pelo próprio ou por qualquer cidadão no gozo dos seus direitos políticos.

3. O juiz decidirá no prazo de oito dias o pedido de habeas corpus em audiência contraditória.»↩︎

2. Diploma legal esse que sofreu depois as seguintes alterações [Fonte: DATAJURIS]:

«- Lei n.º 31/2003, de 22 de Agosto;

- Lei n.º 142/2015, de 8 de Setembro, com entrada em vigor a 1 de Outubro de 2015;

- Lei n.º 23/2017, de 23 de Maio, com entrada em vigor com o Orçamento do Estado subsequente à sua publicação;

- Lei n.º 26/2018, de 5 de Julho, com entrada em vigor a 6 de Julho de 2018;

e Lei n.º 23/2023, de 25 de maio, com entrada em vigor com o Orçamento do Estado subsequente à sua publicação↩︎

3. Defendendo a não aplicação do instituto do HABEAS CORPUS às medidas de promoção e proteção de crianças e jovens em perigo, vejam-se os seguintes arestos deste STJ:

- Acórdão de 12/07/2018, Processo: 50/18.0YFLSB.S1, Relator: RAUL BORGES, 3.ª SECÇÃO, publicado em www.dgsi.pt e em ECLI:PT:STJ:2018:50.18.0YFLSB.S1.38;

- Acórdão de 04/07/2019, Processo n.º 2199/17.8T8PRD-F, 3.ª SECÇÃO, Relator: GABRIEL CATARINO, publicado em www.dgsi.pt ou ECLI:PT:STJ:2019:2199.17.8T8PRD.F.CC;

- Acórdão de 14/01/2021, Processo n.º 161/11.3TMCBR-D.S1, 5.ª SECÇÃO, Relatora: MARGARIDA BLASCO, publicado em www.dgsi.pt e ECLI:PT:STJ:2021:161.11.3TMCBR.D.S1.8C;

- Acórdão de 09/12/2021, Processo n.º 4490/15.9T8BRG-I.S1, 3.ª SECÇÃO, Relator: LOPES DA MOTA, publicado em www.dgsi.pt e em ECLI:PT:STJ:2021:4490.15.9T8BRG.I.S1.24 [cf. contudo, o Acórdão deste mesmo Supremo Tribunal de Justiça e elaborado pelo mesmo Juiz Conselheiro, de 06/07/2022, Processo n.º 561/11.9T2SNS-D.S1, publicado em www.dgsi.pt e em ECLI:PT:STJ:2022:561.11.9T2SNS.D.S1.8F, onde já foi adotada a posição maioritária sustentada pela jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça]

Ver, com interesse, ainda que se movendo no quadro do regime das responsabilidades parentais e das medidas tomadas nessa perspetiva, o Acórdão de 17/02/2022, Processo n.º 568/18.5T8AVR-K, 5.ª SECÇÃO, Relatora: M. CARMO SILVA DIAS, publicado em www.dgsi.pt e em ECLI:PT:STJ:2022:568.18.5T8AVR.K.37.↩︎

4. Ver, também com interesse, os seguintes Arestos:

- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18/01/2017, Processo: 3/17.6YFLSB, Relatora: ROSA TCHING, 3.ª SECÇÃO, publicado em www.dgsi.pt e em ECLI:PT:STJ:2017:3.17.6YFLSB.AB.

- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23/12/2020, Processo n.º 339/05.9TMCBR-C.S1, 3.ª SECÇÃO, Relatora: TERESA FÉRIA, publicado em www.dgsi.pt, sem Sumário.

- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23/07/2021, Processo n.º 2943/20.6T8CBR-A.S1, 5.ª SECÇÃO, Relator: NUNO GONÇALVES (RELATOR DE TURNO), publicado em www.dgsi.pt e em ECLI:PT:STJ:2021:2943.20.6T8CBR.A.S1.AE.

- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2/11/2022, Processo n.º 17412/22.1T8SNT-A.S1, 3.ª SECÇÃO, Relator: PAULO FERREIRA DA CUNHA, publicado em www.dgsi.pt.↩︎

5. Artigo 35.º

Medidas

1 - As medidas de promoção e proteção são as seguintes:

a) Apoio junto dos pais;

b) Apoio junto de outro familiar;

c) Confiança a pessoa idónea;

d) Apoio para a autonomia de vida;

e) Acolhimento familiar;

f) Acolhimento residencial;

g) Confiança a pessoa selecionada para a adoção, a família de acolhimento ou a instituição com vista à adoção.

2 - As medidas de promoção e de proteção são executadas no meio natural de vida ou em regime de colocação, consoante a sua natureza, e podem ser decididas a título cautelar, com exceção da medida prevista na alínea g) do número anterior.

3 - Consideram-se medidas a executar no meio natural de vida as previstas nas alíneas a), b), c) e d) do n.º 1 e medidas de colocação as previstas nas alíneas e) e f); a medida prevista na alínea g) é considerada a executar no meio natural de vida no primeiro caso e de colocação, no segundo e terceiro casos.

4 - O regime de execução das medidas consta de legislação própria.↩︎

6. Artigo 92.º

Procedimentos judiciais urgentes

1 - O tribunal, a requerimento do Ministério Público, quando lhe sejam comunicadas as situações referidas no artigo anterior, profere decisão provisória, no prazo de quarenta e oito horas, confirmando as providências tomadas para a imediata proteção da criança ou do jovem, aplicando qualquer uma das medidas previstas no artigo 35.º ou determinando o que tiver por conveniente relativamente ao destino da criança ou do jovem.

2 - Para efeitos do disposto no número anterior, o tribunal procede às averiguações sumárias e indispensáveis e ordena as diligências necessárias para assegurar a execução das suas decisões, podendo recorrer às entidades policiais e permitir às pessoas a quem incumba do cumprimento das suas decisões a entrada, durante o dia, em qualquer casa.

3 - Proferida a decisão provisória referida no n.º 1, o processo segue os seus termos como processo judicial de promoção e proteção.↩︎