Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
247/19.6T8FVN.C1.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA
Descritores: DIREITOS DE PERSONALIDADE
COLISÃO DE DIREITOS
INICIATIVA PRIVADA
DIREITO À INTEGRIDADE FÍSICA
RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
EQUIDADE
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
COVID-19
BAIXA DO PROCESSO AO TRIBUNAL RECORRIDO
AMPLIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
ERRO NA FORMA DO PROCESSO
COLIGAÇÃO
CUMULAÇÃO DE PEDIDOS
DESPACHO SANEADOR
Data do Acordão: 10/12/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
I. Não é amissível um recurso de revista excepcional quando o valor da sucumbência do recorrente não excede metade do valor da alçada da Relação.

II. Não é inconstitucional a norma da qual decorre essa inadmissibilidade.

III. Em caso de coligação, quando a forma de processo concretamente seguida não é a que corresponde a um dos pedidos cumulados, há erro na forma de processo quanto a esse pedido.

IV. O erro na forma do processo apenas pode ser conhecido até ao despacho saneador (n.º 2 do artigo 200.º do Código de Processo Civil).

V. Não importa inutilidade superveniente da lide a ocorrência superveniente de uma excepção peremptória.

VI. A junção de documentos supervenientes, no recurso de revista, tem sempre de ser conjugada com a limitação dos poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça, quer quanto aos factos que esse documento pretende provar, quer quanto às provas que pode apreciar.

VII. Não se excluem do âmbito da revista normal os segmentos decisórios em que a Relação confirme a sentença, em aplicação da lógica do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º7/2022, quando estão interligados.

VIII. O direito fundamental à iniciativa económica privada tem uma dimensão de liberdade pessoal que, nessa medida, o permite enquadrar nos direitos análogos aos direitos, liberdades e garantias (artigo 17. º da Constituição) ou, até, também no direito ao livre desenvolvimento da personalidade. Tem, no entanto, uma outra dimensão, que é a da “liberdade de gestão e actividade da empresa (liberdade da empresa, liberdade do empresário” (acórdão do Tribunal Constitucional n.º 76/85).

IX. Em qualquer caso, a colisão entre o direito à integridade física, de que o direito ao sono, ao repouso e à tranquilidade é parte integrante, e o direito à iniciativa económica privada deve resolver-se com prevalência do primeiro.

X. Todavia, essa prevalência deve traduzir-se numa composição que acautele, na medida do possível, o exercício do direito à iniciativa económica privada.

XI. Revelando a prova a violação do direito à integridade física foi violado, há responsabilidade civil do infractor, se estiverem reunidos todos os seus pressupostos.

XII. Sendo o montante de uma indemnização por danos não patrimoniais fixado segundo critérios de equidade, o Supremo Tribunal de Justiça penas controla os pressupostos e os critérios utilizados pelas instâncias para a sua determinação do montante indemnizatório; mas esse controlo envolve a possibilidade de o alterar, caso se considerem não respeitados ou desajustados; é, pois, respeitado o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência de 14 de Julho de 1936.

XIII. É essencial ao entendimento, quer sobre a obrigação de indemnizar, quer sobre o montante indemnizatório, apurar em que períodos o estabelecimento (com música ao vivo e com esplanada) esteve encerrado ou teve de encurtar os períodos de funcionamento, em consequência da pandemia Covid 19; bem como saber quando o réu o encerrou definitivamente.

XIV. Para o efeito, há que determinar a baixa do processo à 1.ª Instância.

Decisão Texto Integral:

Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça:



1. AA instaurou uma acção contra BB, F..., Lda., CC e DD na qual pediu, a título principal, a condenação solidária de todos os réus “a verem declarado nulo o contrato de arrendamento (ou de cedência) industrial de restauração que celebraram entre si, do rés do chão e da garagem anexa, do estabelecimento sito na Rua Dr. ..., 13 em ..., dos dois prédios urbanos” identificados na petição inicial “e o consequente encerramento definitivo do estabelecimento, composto por ambos os prédios (de habitação e de garagem)”, dos réus BB, F..., Lda., e CC no pagamento de “uma indemnização (…) de 22.860,00 € (…) pelos danos morais causados durante o período de 13.01.2016 até 01.03.2019” e dos réus BB e DD no pagamento de “uma indemnização de 50,00 € diários desde o dia 01.03.2019 até ao dia em que encerrem o estabelecimento, por danos morais, uma vez que se torna praticamente impossível à A. viver na sua casa com sossego e tranquilidade e por perda de chance de não poder arrendá-la (…), que, nesta data, 11.07.2019, se cifra em (…) 6.650,00 €; subsidiariamente, “na hipótese, académica, de o pedido” de encerramento do estabelecimento “não ser julgado procedente, o R. DD a 1. Retirar a esplanada e o toldo que ocupa a rua em frente ao estabelecimento; 2. Manterem a porta de entrada com um sistema que a feche automaticamente após a entrada dos clientes; 3. Não manter qualquer instalação sonora no interior do estabelecimento; 4. Encerrar o estabelecimento às 20.00 Hs nos meses de Abril, Maio, Junho, Julho, Agosto, pagando uma indemnização diária compulsória de 100,00 € por cada dia no primeiro mês e de 150,00 € nos meses seguintes, por violação da douta sentença; 5. Insonorizar, no prazo de 60 dias, todo o interior do estabelecimento com isolamento acústico total, de forma a não serem audíveis na rua os ruídos e/ou barulho nele produzidos”.

Em síntese, alegou ser comproprietária de uma casa de habitação em frente da qual se situa um prédio também destinado a habitação, de que é proprietário o réu BB, do qual o r/c e a garagem estiveram arrendados a F..., Lda, cujo “objecto social é ‘exploração de bares, restaurantes e instituto de beleza’ com horário de funcionamento até às 0200 hs”, entre 13 de Janeiro de 2016 e 28 de Fevereiro de 2019; que o réu CC é “o único gerente com poderes para representar a firma R.F..., Lda; que, quando iniciou a actividade de gerente, sabia que já desde 2013 existiam problemas que originaram várias reclamações da autora, nomeadamente pelo barulho noturno e incómodos provocados, que tornavam impossível o repouso no prédio de que é usufrutuária; que desde 1 de Março de 2019 os referidos r/c e garagem foram cedidos, ignorando a autora a que título, ao réu DD, que nele explora a actividade de “café, bar, pub”, até às 2h da manhã; que, por causa da perturbação causada, ainda agravada pela colocação de uma esplanada, a autora perdeu a chance de, em alternativa, arrendar o imóvel de que é usufrutuária; que o arrendamento, quer do r/c, quer da garagem, é ilegal, porque o r/c do prédio se destina apenas a habitação e a garagem a estacionamento; que, desde 2013, a autora vive “num profundo sofrimento (…), sofrendo danos morais muito elevados”.

Todos os réus contestaram. Invocaram, nomeadamente, a irregularidade da procuração, a ilegitimidade da autora, por preterição de litisconsórcio necessário, a ineptidão da petição inicial e impugnaram a matéria de facto alegada.

O réu BB pediu a condenação da autora como litigante de má fé, em multa e indemnização não inferior a € 5 000,000 (veio posteriormente a desistir deste pedido, desistência que foi homologada).

CC invocou também a sua própria ilegitimidade; CC, F..., Lda (que também invocou a prescrição de parte dos créditos alegados pela autora) e DD suscitaram ainda a ineptidão da petição inicial e pediram a condenação da autora por litigância de má fé, em multa e indemnização condignas.

A autora respondeu às excepções e, convidada para o efeito, juntou nova petição inicial.

No despacho saneador, foi julgada improcedente a excepção de ilegitimidade da autora relativamente ao pedido de indemnização por danos não patrimoniais e pela alegada perda de chance, mas procedente no que respeita ao pedido de declaração de nulidade dos contratos de arrendamento do r/c e da garagem, com a consequente absolvição dos réus da instância.

O Réu BB foi absolvido dos pedidos de indemnização deduzidos a título principal

Foram julgadas improcedentes a alegada ilegitimidade passiva do réu CC e a ineptidão da petição inicial.

Foi considerado não escrito o artigo 1.º da segunda petição inicial, no qual a autora se apresentava como usufrutuária do prédio, e não como comproprietária, como sucedera. Manteve-se, portanto, o artigo 1.º da primeira petição inicial.

Por sentença de 27 de Novembro de 2020, foi decidido o seguinte:

“1. Pelo exposto, julga-se a ação parcialmente procedente e, em consequência, decide-se:

i. Condenar os Réus F..., Lda e CC, solidariamente, a pagar à Autora a quantia de €500,00 (quinhentos euros), a título de danos não patrimoniais, absolvendo-os do restante peticionado.

ii. Condenar o Réu DD a pagar à Autora a quantia de €500,00 (quinhentos euros), a título de danos não patrimoniais, absolvendo-o do restante peticionado.

iii. Condenar o Réu DD a retirar a esplanada que ocupa a rua em frente ao estabelecimento descrito em 4 e ss dos factos provados, a partir das 22h00 todos os dias.

iv. Condenar o Réu DD no encerramento do estabelecimento descrito em 4 e ss dos factos provados às 22h00 de domingo a quinta-feira e 24h00 à sexta-feira, sábado e vésperas de feriado, todos os meses do ano, mais se fixando a sanção pecuniária compulsória de €50,00 (cinquenta euros) por cada dia de não cumprimento da presente decisão, absolvendo-o do demais peticionado quanto a medidas restritivas de funcionamento do mesmo, quanto ao pedido de arbitramento de indemnização por perda de chance de arrendamento e demais peticionado.

2. Julga-se improcedente o incidente de litigância de má-fé deduzido pelos Réus, absolvendo-se a Autora do pagamento de uma multa e indemnização.

3. Condena-se a Autora e os Réus litisconsortes F..., Lda e CC no pagamento das custas do processo relativamente ao segundo pedido, na proporção do respetivo decaimento que se fixa em 98% e 2%, respetivamente.

4. Condena-se a Autora e o Réu DD no pagamento das custas do processo relativamente ao terceiro pedido e às providências destinadas à tutela da personalidade, na proporção de metade.

Registe e notifique, indeferindo-se a divulgação, comunicação e publicação da sentença requerida no ponto 3.º parte final da petição inicial por falta de fundamento legal.”

Pelo acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 28 de Junho de 2022, foi concedido provimento parcial à apelação da autora e negado provimento às apelações dos réus, nestes termos: Os réus F..., Lda, e CC foram condenados, solidariamente, a pagar à Autora a quantia de €2.500,00, a título de danos não patrimoniais; DD foi condenado a pagar à Autora a quantia de €2.500,00, a título de danos não patrimoniais e, no prazo de 60 dias, a insonorizar “o interior do estabelecimento com isolamento acústico total, de forma a não serem audíveis na rua os ruídos e/ou barulhos nele produzidos”, bem como “numa sanção pecuniária compulsória de € 100 por cada dia de não cumprimento desta decisão”. Quanto ao mais, a sentença foi confirmada.

2. CC e F..., Lda, recorreram para o Supremo Tribunal de Justiça, invocando o disposto na al. c) do n.º 1 do artigo 672.º (revista excepcional, com fundamento em contradição de acórdãos, apresentando cópia do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26 de Junho de 2007, proc. n.º 07A2022). Nas alegações que apresentaram formularam as seguintes conclusões:

«1. Vêm os Recorrentes apresentar o presente Recurso;

2. O mesmo tem como objecto:

A) DA NÃO EXPLORAÇÃO DO ESTABELECIMENTO PELO 4.º RÉU DESDE 01-03-2021. DESNECESSIDADE DE APLICAÇÃO DE QUALQUER MEDIDA TUTELAR – inutilidade superveniente – artigo 277.º, al e) do CP.C e artigo 672.º, n.º 1, alínea a) do C.P.C (questão que se revela de fundamental apreciação para aplicação do direito, atento o seu carácter superveniente e a desnecessidade de aplicação de medidas tutelares);

B) DA INADMISSIBILIDADE DE CUMULAÇÃO DE PEDIDOS EM ACÇÃO DE PROCESSO COMUM (RESPONSABILIDADE EXTRA CONTRATUAL POR VIOLAÇÃO DE DIREITOS ABSOLUTOS) COM PEDIDOS ATINENTES A PROCESSOS ESPECIAIS (PEDIDO DESTINADO À TUTELA DA PERSONALIDADE)- pertinência da questão – artigo 672.º, n.º 1 , al. a) do C.P.C ( a questão em análise é antagónica , quer doutrinariamente, quer jurisprudencialmente , pelo que desde logo se revela fundamental na senda da melhor aplicação do direito, e das normas respectivas) ademais, e mesmo que assim não se entendesse sempre o presente recurso haveria de ser alvo de análise atendendo à existência de concretas decisões em confronto em idêntico quadro normativo – Acórdão Recorridos vs Acórdão Fundamento. Acórdão do STJ de 26 de Junho de 2007 Processo 07A2022) – artigo 672.º, n.º 1, al c) do C.P.C.

C) DA NÃO CONCORDÂNCIA COM A VERIFICAÇÃO DOS PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE EXTRA CONTRATUAL E COM A SUBSEQUENTE INDEMNIZAÇÃO ARBITRADA A PAGAR PELOS 2.º E 3.ª RÉ - VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA ADEQUAÇÃO, NECESSIDADE E PROPORCIONALIDADE NO CONFRONTO DE DIREITOS CONSTITUCIONALMENTE CONSAGRADOS - VIOLAÇÃO DOS ARTIGOS 483.º, 335.º, N.º 2 DO CÓDIGO CIVIL. INCONSTITUCIONALIDADE POR VIOLAÇÃO DO DIREITO AO EXERCÍCIO DA ACTIVIDADE COMERCIAL E DIREITO À PROPRIEDADE – ARTIGO 61.º E 62 DA C.R.P - atendendo a que a alteração de valores patrimoniais determinados por 1.ª Instância ( diga-se que as condenações haviam sido de 500€ respectivamente) , o facto de estarmos perante a análise de interesses de particular relevância social ( e o confronto dos mesmos – violação do princípio da adequação, necessidade e proporcionalidade no confronto de direitos constitucionalmente consagrados – violação dos artigos 335.º, n.º 2 do Código Civil e Inconstitucionalidade por violação do direito ao exercício da actividade comercial e direito à propriedade – artigo 61.º e 6 da C.R.P - e ainda o facto de a alteração de matéria indemnizatória , Se considerar como matéria de direito e por isso da competência do STJ ( vide Acórdão de Uniformização de Jurisprudência – Processo JSTJ00012194 de 14-07-1936), são igualmente fundamentos para admissão do presente recurso [ artigo 671.º, n.º 1 e 3 e 672.º, n.º 1, al c) do C.P.C ],.

Desta feita,

I) DA NÃO EXPLORAÇÃO DO ESTABELECIMENTO PELO 4.º RÉU DESDE 01-03-2021. DESNECESSIDADE DE APLICAÇÃO DE QUALQUER MEDIDA TUTELAR

3. Vem o ora 4.º Réu DD condenado a cumprir medidas tutelares;

4. Sabem os 2.º e 3.º RR, que o 4.º Réu, desde o final de Março de 2021, que não se encontra no estabelecimento, tendo denunciado o Contrato de Arrendamento- Doc.1, junto da filha do 1.º Réu, dado que aquele senhorio havia falecido- Doc.2 e Doc.3

5. Neste sentido, as doutas medidas aplicadas quer em primeira Instância, quer pela Douta Relação, são supervenientes, e deixam de ser adequadas ao caso em concreto, sendo que o prosseguimento das mesmas e a manutenção de tal condenação poderia conduzir a uma execução infrutífera, e ressalvando o devido respeito por opinião diversa, a uma incorrecta aplicação do direito, deixando, por isso de poder proceder a lide , por inutilidade superveniente, quanto às mesmas, o que se requer para os devidos e legais efeitos – artigo 277.º, al. e) do C.P.C, atendendo a que Autora/Recorrida não veio desistir do pedido.

II) INADMISSIBILIDADE DE CUMULAÇÃO DE PEDIDOS EM ACÇÃO DE PROCESSO COMUM (RESPONSABILIDADE EXTRA CONTRATUAL POR VIOLAÇÃO DE DIREITOS ABSOLUTOS) COM PEDIDOS ATINENTES A PROCESSOS ESPECIAIS (PEDIDO DESTINADO À TUTELA DA PERSONALIDADE

6. O Venerando Tribunal da Relação aplaudiu a decisão de 1.ª Instância quanto à cumulação de pedidos em causa, debruçando-se numa análise alongada do diverso posicionamento antagónico existente quanto à matéria em causa, concluindo e fundamentalmente, e retirando as citações doutrinárias ou jurisprudenciais efectivadas, que não assiste razão aos RR (ora Recorrentes) e que os pedidos formulados pela Autora ( ora Recorrida) ainda que de enquadramento processual diferente , não violam o disposto nos artigos 37 e 55.º do C.P.C.

7. Mais refere expressamente o Venerando Tribunal da Relação de Coimbra (argumento transcrito na senda do respectivo Sumário do Acórdão ora Recorrido) que:

– “O lesado, na defesa dos seus direitos de personalidade, pode optar ou pela interposição de uma acção comum que, em cumulação com o pedido de cessação da ofensa cometida, permita a obtenção de uma indemnização pela violação dos seus direitos ou, pelas providências urgentes de tutela da personalidade a que corresponde a forma de processo especial, sem que se possa considerar, face aos interesses envolvidos, que a tal se oponha o disposto no artº 37, 546 e 555 do C.P.C.”

– o processo especial de tutela da personalidade previsto nos artigos 878.º e ss do

C.P.C constitui um processo expedito e urgente, sendo que não assegura a reparabilidade do dano causado, pela impossibilidade de neste procedimento se incluir um pedido de indemnização, mais referindo tal Douto Tribunal que da admissibilidade de cumulação de pedidos não resulta qualquer a violação de qualquer princípio ou direito constitucional.

8. Trata-se de uma questão antagónica quer doutrinaria, quer jurisprudencialmente sendo que os Recorrentes não concordam com o Douto posicionamento vertido no Acórdão Recorrido porquanto a acção que foi proposta e deu origem ao presente processo, foi-o enquanto Acção de Responsabilidade Civil Extra Contratual por violação dos direitos de personalidade (cfr. Artigo 70.º, n.º 2 do CC) e nesse sentido o artigo 483.º do C.C apenas contempla a obrigação de indemnizar inexistindo, e nesta senda qualquer outra tutela.

9. Os ora Recorrentes consideram ainda que :

– o meio processual adequado para requerer que sejam decretadas providências

tutelares preventivas ou atenuantes, é o processo especial de tutela de personalidade que se encontra previsto actualmente nos artigos 878.º, 879.º e 880.º do Código de Processo Civil;

– a doutrina e a Jurisprudência e não obstante as alterações do C.P.C. (implementadas em 2013), continuam a considerar que é impossível cumulação de pedidos indemnizatórios com pedidos para aplicação de medidas para tutela da personalidade, devido à tramitação incompatível que revestem os pedidos, sendo que se é verdade que as alterações introduzidas no C.P.C. retiraram o processo especial do rol dos processos de jurisdição voluntária e concederam mais poderes aos tribunais na senda da adequação formal do processo (artigo 547.º do C.P.C), o que é certo é que tal impossibilidade continua a existir,

– o artigo 483.º do Código Civil, refere apenas a obrigação de indemnizar, não fazendo referência a qualquer outra forma ou meio de tutela, sendo que os pressupostos de que depende a responsabilidade civil extracontratual e os de que depende o decretamento de uma providência tutelar da personalidade são amplamente distintos.

– o artigo 546.º do C.P.C determina expressamente a diferença ente processo comum e processos especiais que conduz igualmente a amplas diferenças procedimentais e de actuação processual, o artigo 37.º do C.P.C impossibilita a coligação quando aos pedidos correspondam formas de processo diferente, e o artigo 555.º, n.º 1 do C.P.C impede a dedução de pedidos quando ocorram circunstâncias que impedem a coligação, pelo que no caso em concreto a petição apresentada cumula pedidos diferentes leia-se a determinação indemnizatória sustentada em responsabilidade civil extracontratual e o decretamento de providências na senda da Tutela da Personalidade – artigo 878.º e seguintes do C.P.C, com contemplação no Livro V do C.P.C. sob a epígrafe “ Dos Processos Especiais-,

10. A Jurisprudência tem também ela, à semelhança da Doutrina, apontado em tal sentido, Veja-se o Acórdão do STJ de 26 de Junho de 2007 ( Processo 07A2022 – Conselheiro Urbano Dias),onde em acção ordinária de condenação peticionaram os Autores que a Ré fosse inibida de proceder à difusão por qualquer meio do anúncio posto em crise ou de outras medidas com conteúdo ou sentido equivalente ou análogo e onde foi decidido que as pretensões indemnizatórias deverão ser deduzidas com base em responsabilidade civil extracontratual ou delitual, nos termos do artigo 483.º do Código Civil, em acção com processo comum, em clara contradição com o Douto Acórdão Recorrido.

11. Ou seja, tal acórdão contempla expressamente e no seu sumário que, e transcreve-se para melhor percepção do raciocínio que desenvolveremos infra: “I - Assim, qualquer pessoa ofendida na sua personalidade pode lançar mão dos mecanismos próprios da responsabilidade delitual. Isso implica o uso da via do processo ordinário;

II – Mas pode também o lesado requerer o decretamento da providência adequada para evitar ou atenuar a lesão, lançando, então, mão dos mecanismos previstos nos artigos 1474 e 1475.º do C.P.C”, referindo pois, na senda da motivação que leva ao supra referido sumário, que “Falemos do resto. Da pretendida medida de inibição para a R. difundir mensagens com conteúdo equivalente ou análogo às constantes do doc. nº 1.

No âmbito da violação dos direitos à personalidade poderia, de facto, ser ordenada esta medida. Não na base da responsabilidade civil extracontratual (nº 1 do art. 70º do CC), mas considerando o alcance do nº 2 deste preceito.

Mas, para que isso tivesse êxito era necessário, além do mais, que o pedido tivesse como suporte uma acção de jurisdição voluntária, concretamente na prevista nos arts. 1474º e 1475 do CPC. Nada disso aconteceu.

Cai por terra o fundamento desta pretensão.»

Pelo que,

12. Aspectos de identidade que determinam a contradição alegada [artigo 672.º, n.º 2, alínea c) do C.P.C]:

- No Acórdão sob cesura – Acórdão Recorrido –, é possível a cumulação de medidas tutelares na senda de acção de responsabilidade extra – contratual;

- No Acórdão que se invoca – Acórdão Fundamento - (Processo n.º 07A2022, de 26-06-2007, pelo Colendo Juiz Relator Conselheiro Urbano Dias) não é permitido a determinação de medidas tutelares tendo por base a Acção de Responsabilidade Civil extra contratual.

- São, pois, absolutamente contrários os fundados entendimentos, sob uma mesma questão fundamental de direito aplicada ao mesmo substrato fáctico, importando posicionamentos opostos nas respectivas decisões.

- Assim, estão em causa, em ambos os casos, factos relacionados com a cumulação de medidas tutelares da personalidade com pedido indemnizatório em Acção de Responsabilidade Civil Extra Contratual.

- Por via disso encontra-se colocadas em causa a aplicação das normas artigos 37, 546.º, 555.º e 878.º e ss. Todas do C.P.C

- É pois inequívoca a existência de oposição entre a decisão proferida pelo douto Tribunal Recorrido e o referido Acórdão Fundamento.

- Decisões que dão tratamento diverso à mesma questão fundamental de direito em concreto da cumulação de medidas tutelares da personalidade em acção de responsabilidade civil extra contratual – e que formam proferidas no domínio da mesma legislação.

- Revelando-se, assim, a sua essencialidade para determinar o concreto resultado da decisão num e noutro dos Acórdãos em causa, para condicionar em termos decisivos a solução da questão e, assim, assentar as concretas decisões em confronto em idêntico quadro normativo, o que se revela igualmente fundamental para a melhor aplicação do direito.

13. Mais entendem os Recorrentes, pelos mesmos argumentos já aduzidos, que o posicionamento adoptado pelo Venerando Tribunal da Relação de Coimbra viola as regras da cumulação de pedidos – violação dos artigos 546.º, 56.º,37.º, 878.º e 879.º do C.P.C.

14. E conduz a clara Inconstitucionalidade por violação do princípio da legalidade – artigo 3.º, n.º 2 da C.R.P, sendo que a mesma retira-se das normas dos artigos 546.º, 555.º, 56.º, 37.º, n.º1 e 878.º e 879.º do C.P. quando interpretadas e de forma conjunta no sentido de que permitem a possibilidade de cumulação no âmbito de processo comum, de pedidos destinados à tutela da personalidade que tem contemplação em acção especial, considerando-se por isso a possibilidade de cumulação de pedidos, quando os mesmos correspondem a formas de processos diferentes.

c) DA NÃO CONCORDÂNCIA COM A VERIFICAÇÃO DOS PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE EXTRA CONTRATUAL E COM A SUBSEQUENTE INDEMNIZAÇÃ0 ARBITRADA A PAGAR PELOS 2.º E 3.ª RÉ – VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA ADEQUAÇÃO, NECESSIDADE E PROPORCIONALIDADE NO CONFRONTO DE DIREITOS CONSTITUCIONALMENTE CONSAGRADOS - VIOLAÇÃO DOS ARTIGOS 483.º, 335.º, N.º 2 DO CÓDIGO CIVIL. INCONSTITUCIONALIDADE POR VIOLAÇÃO DO DIREITO AO EXERCÍCIO DA ACTIVIDADE COMERCIAL E DIREITO À PROPRIEDADE – ARTIGO 61.º E 62 DA C.R.P;

15. O Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, deu parcial provimento ao Recurso da autora, quanto aos danos não patrimoniais e neste sentido, determinou a aplicação de 2500 € a pagar solidariamente pelos 2.º e 3.º RR e 2500 € a pagar pelo 4.º Réu.

16. Ora, fenecendo a matéria de facto impugnada, sempre se terá em vista a dada como provada em 1.ª Instância, por o Tribunal apreciador do presente Recurso não se poder debruçar sobre questões factuais, sendo que a alteração de valores patrimoniais determinados por 1.ª Instância (diga-se que as condenações haviam sido de 500€ respectivamente), o facto de estarmos perante a análise de interesses de particular relevância social (e o confronto dos mesmos – violação do princípio da adequação, necessidade e proporcionalidade no confronto de direitos constitucionalmente consagrados – violação dos artigos 335.º, n.º 2 do Código Civil e Inconstitucionalidade por violação do direito ao exercício da actividade comercial e direito à propriedade – artigo 61.º e 62 da C.R.P – e ainda o facto de a alteração de matéria indemnizatória , de considerar como matéria de direito, permitem , neste conspecto, a Douta apreciação dos Colendos Juízes Conselheiros.

17. Destarte, o Venerando Tribunal da Relação de Coimbra de forma ligeira, determinou que estando em causa a violação do direito ao repouso existe responsabilidade civil extra contratual por tal lesão e que, subsequencialmente, “ O montante da indemnização fixada, tendo em conta os extensos períodos temporais em que decorreu esta lesão ( desde pelo menos 2016) e as restrições que implicam para a A. no seu sossego e na vivência da sua própria casa (ainda que secundária) não assegura a integral reparabilidade do dano, alterando os valores fixados em primeira instância para 2500€ a pagar solidariamente pelo 2.º e 3.º RR e 2500€, pelo 4.º Réu.

18. Desde logo, caberá evidenciar que estamos na senda da problemática do confronto de direitos pessoais (confronto entre o direito ao repouso e o direito de iniciativa privada) e que do mesmo não poderia resultar a verificação, e não obstante a matéria de facto dada como provada, dos pressupostos da responsabilidade civil extra contratual.

19. Desta feita, no sentido da ponderação, da adequação e da necessidade face às questões pelo Recorrente levantadas que imporiam decisão diferente, a jurisprudência tem evidenciado e fundamental se torna apreciar e considerar: a) Acórdão referente à não consideração abstrata da colisão do direitos constitucionalmente consagrados – Acórdão do STJ de 19-04-2001; Acórdão que contempla situação semelhante de não habitação permanente dos AA - Acórdão STJ de 15-03-2007 – e Acórdão que reflete que a sobrelevação de um direito constitucionalmente protegido apenas ocorre na senda de colisão entre os mesmos evidenciando expressamente que - Acórdão do STJ de 13-09-2007)- .

20. Pelo que a determinação pelo Douto Tribunal da Relação de Coimbra ao concluir pela reunião dos pressupostos de responsabilidade civil extra – contratual prevista no artigo 483.º do CC e com o subsequente arbitramento de indemnização, conduz à violação da mesma norma e à inconstitucionalidade das normas dos artigos 335.º, n.º1 e 2 do CC, 70.º, n.º2 do Código Civil, quando interpretadas e de forma conjunta no sentido de que mesmo não sendo constante e permanente o direito superior, o mesmo deve continuar a sobrelevar-se a direito manifestamente inferior conduzindo também à violação dos artigo 61.º e 62.º, n.º1 da C.R.P;

21. Devendo por isso serem tidas como inconstitucionais por violadoras dos Princípios da direito ao exercício da actividade comercial e direito à propriedade privada ( artigo 61.º e 62.º, n.º1 da C.R.P as normas dos artigos 335.º, n.º 1 e 2 e artigo 70.º, n.º 2 do CC ,quando interpretadas e de forma conjunta no sentido de que embora não sendo permanente na colisão de direitos constitucionais deverão prevalecer os direitos de integridade pessoal, pelo que inexistiriam os pressupostos da responsabilidade civil extra contratual prevista no artigo 483.º do Código Civil, sendo igualmente tal norma violada.

22. Por outro lado, ultrapassada a questão inerente à existência de danos ressarcíeis na sequência de responsabilidade civil e subsequentemente na determinação de qualquer indemnização a favor da Autora, e verificando-se a mesma sempre será de evidenciar que , o Venerando Tribunal da Relação sustenta a fixação de tal indemnização bastando-se e fundamentalmente com a referência a que os factos tiveram início em 2016 e referindo-se a decisões semelhantes (que não especifica, remetendo apenas para Acórdãos , que salvo melhor entendimento não contemplam a mesma situação, diga-se repouso em habitação secundária).

23. Ademais, sempre caberá evidenciar referenciar factos contidos na matéria de facto dada como provada que não forma relevadas pelo Venerado Tribunal e transcreve-se, em concreto os vertidos em 19, 20 e 21 na esteira da matéria de facto dada como provada.

24. Ou seja, olvidou o venerando Tribunal da Relação que o 2.º e 3.º RR apenas detiveram exploração do estabelecimento até 30 de setembro de 2018 e que o Réu DD apenas encetou actividade a 01 de Março de 2019, mais olvidando, o que é do conhecimento geral e deveria ser relevado na senda da douta terminação operada, Portugal enfrentou diversas vagas de Covid, que obrigaram ao encerramento de estabelecimentos comerciais em causa – bares/café – ao público por largos meses em 2020 e 2021.

25. O Venerando Tribunal da Relação, faz uma análise pouco clara de cada uma das situações, relativamente a cada um dos Réus, condenando-os na mesma medida e pela mesma bitola.

26. Na esteira da determinação do valor indemnizatório é esquecida, desde logo, a dificuldade inerente ao confronto de direitos de personalidade, na senda da determinação da responsabilidade civil, o que também aqui se revelaria fundamental.

27. Ademais e face à indemnização arbitrada, questiona-se: será adequado, necessário e proporcional não considerar que se encontrava em causa a actividade comercial direito de livre iniciativa económica- dos Réus? Será adequado, necessário e proporcional não diferenciar períodos diferentes e situações diferentes entre os Réus; como castigar tão fortemente o direito de livre iniciativa económica, com pesadas indemnizações por danos morais, tendo por base a instabilidade de um critério de permanência e vivência habitacional não definido, dado que a residência da autora não é no local do estabelecimento, mas sim em ...?

28. Considera-se por isso, e a ter que ser fixada indemnização compensatória, posição que não se defende, manifestamente desadequada e desproporcional a ora indemnização em que o 2.º e 3.º e 4.º Réu foram condenados

29. A Douta decisão a quo violou o disposto nos artigos 483.º e 487.º do CC , artigos 335.º, n.º 1 e 2 e 70.º, n.º 1 e 2 todos do CC, bem como os artigos 61.º e 62.º n.º 1 da C.R.P.

PELO EXPOSTO E POR TUDO O MAIS QUE V.ªS EX.ªS DOUTAMENTE SUPRIRÃO, O PRESENTE RECURSO DE REVISTA DEVE SER JULGADO PROCEDENTE, POR PROVADO, REVOGANDO-SE O DOUTO ACÓDÃO PROFERIDO PELO TRIBUNAL A QUO, COM AS SONSEQUÊNCIAS LEGAIS, POR ASSIM SER DE INTEIRA JUSTIÇA!

JUNTA: Cópia do Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça no processo 07A2022, de 26 – 06-2007 e três documentos.

PROTESTA JUNTAR: Certidão com nota de trânsito em julgado do Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça no processo 07A2022, de 26 – 06-2007.

Também recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça o réu DD, que concluiu as alegações de recurso desta forma:

«1. Vem o Recorrente apresentar o presente Recurso;

2. O mesmo tem como objecto:

A) DA NÃO EXPLORAÇÃO DO ESTABELECIMENTO PELO 4.º RÉU DESDE 01-03-2021. DESNECESSIDADE DE APLICAÇÃO DE QUALQUER MEDIDA TUTELAR – inutilidade superveniente – artigo 277.º, al e) do CP.C e artigo 672.º, n.º 1, alínea a) do C.P.C (questão que se revela de fundamental apreciação para aplicação do direito, atento o seu carácter superveniente e a desnecessidade de aplicação de medidas tutelares);

B) DA INADMISSIBILIDADE DE CUMULAÇÃO DE PEDIDOS EM ACÇÃO DE PROCESSO COMUM ( RESPONSABILIDADE EXTRA CONTRATUAL POR VIOLAÇÃO DE DIREITOS ABSOLUTOS) COM PEDIDOS ATINENTES A PROCESSOS ESPECIAIS ( PEDIDO DESTINADO À TUTELA DA PERSONALIDADE)- pertinência da questão – artigo 672.º, n.º 1 , al. a) do C.P.C ( a questão em análise é antagónica , quer doutrinariamente, quer jurisprudencialmente, pelo que desde logo se revela fundamental na senda da melhor aplicação do direito, e das normas respectivas) ademais, e mesmo que assim não se entendesse sempre o presente recurso haveria de ser alvo de análise atendendo à existência de concretas decisões em confronto em idêntico quadro normativo – Acórdão Recorridos vs Acórdão Fundamento. Acórdão do STJ de 26 de Junho de 2007 (Processo 07A2022) – artigo 672.º, n.º 1, al c) do C.P.C.

C) DA NÃO CONCORDÂNCIA COM A VERIFICAÇÃO DOS PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE EXTRA CONTRATUAL E COM A SUBSEQUENTE INDEMNIZAÇÃO ARBITRADA A PAGAR PELOS 2.º E 3.ª RÉ - VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA ADEQUAÇÃO, NECESSIDADE E PROPORCIONALIDADE NO CONFRONTO DE DIREITOS CONSTITUCIONALMENTE CONSAGRADOS - VIOLAÇÃO DOS ARTIGOS 483.º, 335.º, N.º 2 DO CÓDIGO CIVIL. INCONSTITUCIONALIDADE POR VIOLAÇÃO DO DIREITO AO EXERCÍCIO DA ACTIVIDADE COMERCIAL E DIREITO À PROPRIEDADE – ARTIGO 61.º E 62 DA C.R.P - atendendo a que a alteração de valores patrimoniais determinados por 1.ª Instância ( diga-se que as condenações haviam sido de 500€ respectivamente) , o facto de estarmos perante a análise de interesses de particular relevância social (e o confronto dos mesmos – violação do princípio da adequação, necessidade e proporcionalidade no confronto de direitos constitucionalmente consagrados – violação dos artigos 335.º, n.º 2 do Código Civil e Inconstitucionalidade por violação do direito ao exercício da actividade comercial e direito à propriedade – artigo 61.º e 62 da C.R.P – e ainda o facto de a alteração de matéria indemnizatória , se considerar como matéria de direito e por isso da competência do STJ ( vide Acórdão de Uniformização de Jurisprudência – Processo JSTJ00012194 de 14-07-1936), são igualmente fundamentos para admissão do presente recurso [ artigo 671.º, n.º 1 e 3 e 672.º, n.º 1, al c) do C.P.C ],.

Desta feita,

I) DA NÃO EXPLORAÇÃO DO ESTABELECIMENTO PELO 4.º RÉU DESDE 01-03-2021. DESNECESSIDADE DE APLICAÇÃO DE QUALQUER MEDIDA TUTELAR.

3. Vem o ora 4.º Réu DD condenado a cumprir medidas tutelares;

4. O 4.º Réu, desde o final de Março de 2021, que não se encontra no estabelecimento, tendo denunciado o Contrato de Arrendamento- Doc.1, junto da filha do 1.º Réu, dado que aquele senhorio havia falecido - Doc.2 e Doc.3

5. Neste sentido, as doutas medidas aplicadas quer em primeira Instância, quer pela Douta Relação, são supervenientes, e deixam de ser adequadas ao caso em concreto, sendo que o prosseguimento das mesmas e a manutenção de tal condenação poderia conduzir a uma execução infrutífera, e ressalvando o devido respeito por opinião diversa, a uma incorrecta aplicação do direito, deixando, por isso de poder proceder a lide, por inutilidade superveniente, quanto às mesmas, o que se requer para os devidos e legais efeitos – artigo 277.º, al. e) do C.P.C, atendendo a que Autora/Recorrida não veio desistir do pedido.

II) INADMISSIBILIDADE DE CUMULAÇÃO DE PEDIDOS EM ACÇÃO DE PROCESSO COMUM (RESPONSABILIDADE EXTRA CONTRATUAL POR VIOLAÇÃO DE DIREITOS ABSOLUTOS) COM PEDIDOS ATINENTES A PROCESSOS ESPECIAIS ( PEDIDO DESTINADO À TUTELA DA PERSONALIDADE

6. O Venerando Tribunal da Relação aplaudiu a decisão de 1.ª Instância quanto á cumulação e pedidos em causa, debruçando-se numa análise alongada do diverso posicionamento antagónico existente quanto à matéria em causa, concluindo e fundamentalmente, e retirando as citações doutrinárias ou jurisprudenciais efectivadas, que não assiste razão aos RR ( ora Recorrentes) e que os pedidos formulados pela Autora ( ora Recorrida) ainda que de enquadramento processual diferente, não violam o disposto nos artigos 37 e 55.º do C.P.C.

7. Mais refere expressamente o Venerando Tribunal da Relação de Coimbra (argumento transcrito na senda do respectivo Sumário do Acórdão ora Recorrido) que:

- “O lesado, na defesa dos seus direitos de personalidade, pode optar ou pela interposição de uma acção comum que, em cumulação com o pedido de cessação da ofensa cometida, permita a obtenção de uma indemnização pela violação dos seus direitos ou, pelas providências urgentes de tutela da personalidade a que corresponde a forma de processo especial, sem que se possa considerar, face aos interesses envolvidos, que a tal se oponha o disposto no artº 37, 546 e 555 do C.P.C. “;

- o processo especial de tutela da personalidade previsto nos artigos 878.º e ss do CP.C constitui um processo expedito e urgente, sendo que não assegura a reparabilidade do dano causado, pela impossibilidade de neste procedimento se incluir um pedido de indemnização, mais referindo tal Douto Tribunal que da admissibilidade de cumulação de pedidos não resulta qualquer a violação de qualquer princípio ou direito constitucional.

8. Trata-se de uma questão antagónica quer doutrinaria, quer jurisprudencialmente sendo que os Recorrentes não concordam, com o Douto posicionamento vertido no Acórdão Recorrido porquanto a acção que foi proposta e deu origem ao presente processo, foi-o enquanto Acção de Responsabilidade Civil Extra Contratual por violação dos direitos de personalidade (cfr. Artigo 70.º, n.º 2 do CC) e nesse sentido o artigo 483.º do C.C apenas contempla a obrigação de indemnizar inexistindo, e nesta senda qualquer outra tutela.

9. O ora Recorrente considera ainda que :

- o meio processual adequado para requerer que sejam decretadas providências tutelares preventivas ou atenuantes, é o processo especial de tutela de personalidade que se encontra previsto actualmente nos artigos 878.º, 879.º e 880.º do Código de Processo Civil;

- a doutrina e a Jurisprudência e não obstante as alterações do C.P.C (implementadas em 2013), continuam a considerar que é impossível cumulação de pedidos indemnizatórios com pedidos para aplicação de medidas para tutela da personalidade, devido à tramitação incompatível que revestem os pedidos, sendo que se é verdade que as alterações introduzidas no C.P.C retiraram o processo especial do rol dos processos de jurisdição voluntária e concederam mais poderes aos tribunais na senda da adequação formal do processo (artigo 547.º do C.P.C), o que é certo é que tal impossibilidade continua a existir,

- o artigo 483.º do Código Civil, refere apenas a obrigação de indemnizar, não fazendo referencia a qualquer outra forma ou meio de tutela, sendo que os pressupostos de que depende a responsabilidade civil extracontratual e os de que depende o decretamento de uma providência tutelar da personalidade são amplamente distintos.

- o artigo 546.º do C.P.C determina expressamente a diferença ente processo comum e processos especiais que conduz igualmente a amplas diferenças procedimentais e de actuação processual, o artigo 37.º do C.P.C impossibilita a coligação quando aos pedidos correspondam a formas de processo diferente, e o artigo 555.º, n.º 1 do C.P.C impede a dedução de pedidos quando ocorram circunstâncias que impedem a coligação, pelo que no caso em concreto a petição apresentada cumula pedidos diferentes leia-se a determinação indemnizatória sustentada em responsabilidade civil extracontratual e o decretamento de providências na senda da Tutela da Personalidade – artigo 878.º e seguintes do C.P.C, com contemplação no Livro V do C.P.C sob a epígrafe “ Dos Processos Especiais-,

10. A Jurisprudência tem também ela , à semelhança da Doutrina, apontado em tal sentido, Veja- se o Acórdão do STJ de 26 de Junho de 2007 (Processo 07A2022 – Conselheiro Urbano Dias), onde em acção ordinária de condenação peticionaram os Autores que a Ré fosse inibida de proceder à difusão por qualquer meio do anúncio posto em crise ou de outras medidas com conteúdo ou sentido equivalente ou análogo e onde foi decidido que as pretensões indemnizatórias deverão ser deduzidas com base em responsabilidade civil extracontratual ou delitual, nos termos do artigo 483.º do Código Civil, em acção com processo comum, em clara contradição com o Douto Acórdão Recorrido.

11. Ou seja, tal acórdão contempla expressamente e no seu sumário que, e transcreve-se para melhor percepção do raciocínio que desenvolveremos infra: “I - Assim, qualquer pessoa ofendida na sua personalidade pode lançar mão dos mecanismos próprios da responsabilidade delitual. Isso implica o uso da via do processo ordinário; II – Mas pode também o lesado requerer o decretamento da providência adequada para evitar ou atenuar a lesão, lançando, então, não dos mecanismos previstos nos artigos 1474 e 1475.º do C.P.C”, referindo, pois, na senda da motivação que leva ao supra referido sumário, que “Falemos do resto. Da pretendida medida de inibição para a R. difundir mensagens com conteúdo equivalente ou análogo às constantes do doc. nº 1.

No âmbito da violação dos direitos à personalidade poderia, de facto, ser ordenada esta medida. Não na base da responsabilidade civil extracontratual (nº 1 do art. 70º do CC), mas considerando o alcance do nº 2 deste preceito.

Mas, para que isso tivesse êxito era necessário, além do mais, que o pedido tivesse como suporte uma acção de jurisdição voluntária, concretamente na prevista nos arts. 1474º e 1475º do CPC. Nada disso aconteceu. Cai por terra o fundamento desta pretensão.”

Pelo que,

12. Aspectos de identidade que determinam a contradição alegada [ artigo 672.º, n.º 2, alínea c) do C.P.C]:

- No Acórdão sob cesura – Acórdão Recorrido –, é possível a cumulação de medidas tutelares na senda de acção de responsabilidade extracontratual;.

- No Acórdão que se invoca – Acórdão Fundamento - (Processo n.º 07A2022, de 26-06-2007, pelo Colendo Juiz Relator Conselheiro Urbano Dias) não é permitido a determinação de medidas tutelares tendo por base a Acção de Responsabilidade Civil extra contratual.

- São, pois, absolutamente contrários os fundados entendimentos, sob uma mesma questão fundamental de direito aplicada ao mesmo substrato fáctico, importando posicionamentos opostos nas respectivas decisões.

- Assim, estão em causa, em ambos os casos, factos relacionados com a cumulação de medidas tutelares da personalidade com pedido indemnizatório em Acção de Responsabilidade Civil Extracontratual.

- Por via disso encontra-se colocadas em causa a aplicação das normas artigos 37, 546.º, 555.º e 878.º e ss. Todas do C.P.C

- É, pois, inequívoca a existência de oposição entre a decisão proferida pelo douto Tribunal Recorrido e o referido Acórdão Fundamento.

- Decisões que dão tratamento diverso à mesma questão fundamental de direito em concreto da cumulação de medidas tutelares da personalidade em acção de responsabilidade civil extra contratual – e que formam proferidas no domínio da mesma legislação.

- Revelando-se, assim, a sua essencialidade para determinar o concreto resultado da decisão num e noutro dos Acórdãos em causa, para condicionar em termos decisivos a solução da questão e, assim, assentar as concretas decisões em confronto em idêntico quadro normativo, o que se revela igualmente fundamental para a melhor aplicação do direito.

13. Mais entende o Recorrente, pelos mesmos argumentos já aduzidos, que o posicionamento adoptado pelo Venerando Tribunal da Relação de Coimbra viola as regras da cumulação de pedidos – violação dos artigos 546.º, 56.º, 37.º, 878.º e 879.º do C.P.C.

14. E conduz a clara Inconstitucionalidade por violação do princípio da legalidade – artigo 3.º, n.º 2 da C.R.P, sendo que a mesma retira-se das normas dos artigos 546.º, 555.º, 56.º, 37.º, n.º1 e 878.º e 879.º do C.P quando interpretadas e de forma conjunta no sentido de que permitem a possibilidade de cumulação no âmbito de processo comum, de pedidos destinados à tutela da personalidade que tem contemplação em acção especial, considerando-se por isso a possibilidade de cumulação de pedidos , quando os mesmos correspondem a formas de processos diferentes.

c) DA NÃO CONCORDÂNCIA COM A VERIFICAÇÃO DOS PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE EXTRA CONTRATUAL E COM A SUBSEQUENTE INDEMNIZAÇÃO ARBITRADA A PAGAR PELOS 2.º E 3.ª RÉ - VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA ADEQUAÇÃO, NECESSIDADE E PROPORCIONALIDADE NO CONFRONTO DE DIREITOS CONSTITUCIONALMENTE CONSAGRADOS – VIOLAÇÃO DOS ARTIGOS 483.º, 335.º, N.º 2 DO CÓDIGO CIVIL. INCONSTITUCIONALIDADE POR VIOLAÇÃO DO DIREITO AO EXERCÍCIO DA ACTIVIDADE COMERCIAL E DIREITO À PROPRIEDADE – ARTIGO 61.º E 62 DA C.R.P;

15. O Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, deu parcial provimento ao Recurso da autora, quanto aos danos não patrimoniais e neste sentido, determinou a aplicação de 2500€ a pagar solidariamente pelos 2.º e 3.º RR e 2500€ a pagar pelo 4.º Réu.

16. Ora, fenecendo a matéria de facto, impugnada, sempre se terá em vista a dada como provada em 1.ª Instância, por o Tribunal apreciador do presente Recurso não se poder debruçar sobre questões factuais, sendo que a alteração de valores patrimoniais determinados por 1.ª Instância ( diga-se que as condenações haviam sido de 500€ respectivamente), o facto de estarmos perante a análise de interesses de particular relevância social ( e o confronto dos mesmos – violação do princípio da adequação, necessidade e proporcionalidade no confronto de direitos constitucionalmente consagrados – violação dos artigos 335.º, n.º 2 do Código Civil e Inconstitucionalidade por violação do direito ao exercício da actividade comercial e direito à propriedade – artigo 61.º e 62 da C.R.P – e ainda o facto de a alteração de matéria indemnizatória, de considerar como matéria de direito, permitem, neste conspecto, a Douta apreciação dos Colendos Juízes Conselheiros.

17. Destarte, o Venerando Tribunal da Relação de Coimbra de forma ligeira, determinou que estando em causa a violação do direito ao repouso existe responsabilidade civil extra contratual por tal lesão e que, subsequencialmente, “O montante da indemnização fixada, tendo em conta os extensos períodos temporais em que decorreu esta lesão (desde peno menos 2016) e a restrições que implicam para a A. no seu sossego e na vivência da sua própria casa (ainda que secundária) não assegura a integral reparabilidade do dano, alterando os valores fixados em primeira instância para 2500€ a pagar solidariamente pelo 2.º e 3.º RR e 2500€, pelo 4.º Réu.

18. Desde logo, caberá evidenciar que estamos na senda da problemática do confronto de direitos Pessoais (confronto entre o direito ao repouso e o direito de iniciativa privada) e que do mesmo não poderia resultar a verificação, e não obstante a matéria de facto dada como provada, dos pressupostos da responsabilidade civil extra contratual.

19. Desta feita, no sentido da ponderação, da adequação e da necessidade face às questões pelo Recorrente levantadas que imporiam decisão diferente, a jurisprudência tem evidenciado e fundamental se torna apreciar e considerar: a) Acórdão referente à não consideração abstrata da colisão do direitos constitucionalmente consagrados - Acórdão do STJ de 19-04-2001; Acórdão que contempla situação semelhante de não habitação permanente dos AA – Acórdão STJ de 15-03-2007 – e Acórdão que reflete que a sobrelevação de um direito constitucionalmente protegido apenas ocorre na senda de colisão entre os mesmos evidenciando expressamente que - Acórdão do STJ de 13-09-2007)- .

20. Pelo que a determinação pelo Douto Tribunal da Relação de Coimbra ao concluir pela reunião dos pressupostos de responsabilidade civil extra – contratual prevista no artigo 483.º do CC e com o subsequente arbitramento de indemnização, conduz à violação da mesma norma e à inconstitucionalidade das normas dos artigos 335.º, n.º1 e 2 do CC, 70.º, n.º2 do Código Civil quando interpretadas e de forma conjunta no sentido de que mesmo não sendo constante e permanente o direito superior, o mesmo deve continuar a sobrelevar-se a direito

manifestamente inferior conduzindo também à violação dos artigo 61.º e 62.º, n.º1 da C.R.P;

21. Devendo por isso serem tidas como inconstitucionais por violadoras dos Princípios da direito ao exercício da actividade comercial e direito à propriedade privada ( artigo 61.º e 62.º, n.º1 da C.R.P as normas dos artigos 335.º, n.º 1 e 2 e artigo 70.º, n.º2 do CC,quando interpretadas e de forma conjunta no sentido de que embora não sendo permanente na colisão de direitos constitucionais deverão prevalecer os direitos de integridade pessoal, pelo que inexistiriam os pressupostos da responsabilidade civil extra contratual prevista no artigo 483.º do Código Civil, sendo igualmente tal norma violada.

22. Por outro lado, ultrapassada a questão inerente à existência de danos ressarcíeis na sequência de responsabilidade civil e subsequentemente na determinação de qualquer indemnização a favor da Autora, e verificando-se a mesma sempre será de evidenciar que o Venerando Tribunal da Relação sustenta a fixação de tal indemnização bastando-se e fundamentalmente com a referência a que os factos tiveram início em 2016 e referindo-se a decisões semelhantes (que não especifica, remetendo apenas para Acórdãos , que salvo melhor entendimento não contemplam a mesma situação, diga-se repouso em habitação secundária).

23. Ademais, sempre caberá evidenciar referenciar factos contidos na matéria de facto dada como provada que não forma relevadas pelo Venerado Tribunal e transcreve-se, em concreto os vertidos em 19, 20 e 21 na esteira da matéria de facto dada como provada.

24. Ou seja, olvidou o venerando Tribunal da Relação que o 2.º e 3.º RR apenas detiveram exploração do estabelecimento até 30 de setembro de 2018 e que o Réu DD apenas encetou actividade a 01 de Março de 2019, mais olvidando, o que é do conhecimento geral e deveria ser relevado na senda da douta terminação operada, Portugal enfrentou diversas vagas de Covid, que obrigaram ao encerramento de estabelecimentos comerciais em causa – bares/café – ao público por largos meses em 2020 e 2021.

25. O Venerando Tribunal da Relação, faz uma análise pouco clara de cada uma das situações, relativamente a cada um dos Réus, condenando-os na mesma medida e pela mesma bitola.

26. Na esteira da determinação do valor indemnizatório é esquecida, desde logo, a dificuldade inerente ao confronto de direitos de personalidade, na senda da determinação da responsabilidade civil, o que também aqui se revelaria fundamental.

27. Ademais e face à indemnização arbitrada, questiona-se: será adequado, necessário e proporcional não considerar que se encontrava em causa a actividade comercial – direito de livre iniciativa económica- dos Réus? Será adequado, necessário e proporcional não diferenciar períodos diferentes e situações diferentes entre os Réus; como castigar tão fortemente o direito de livre iniciativa económica, com pesadas indemnizações por danos morais, tendo por base a instabilidade de um critério de permanência e vivência habitacional não definido, dado que a residência da autora não é no local do estabelecimento, mas sim em ...?

28. Considera-se por isso, e a ter que ser fixada indemnização compensatória, posição que não se defende, manifestamente desadequada e desproporcional a ora indemnização em que o 2.º e 3.º e 4.º Réu foram condenados.

29. A Douta decisão a quo violou o disposto nos artigos 483.º e 487.º do CC, artigos 335.º, n.º 1 e 2 e 70.º, n.º 1 e 2 todos do CC, bem como os artigos 61.º e 62.º n.º 1 da C.R.P. PELO EXPOSTO E POR TUDO O MAIS QUE V.ªS EX.ªS DOUTAMENTE SUPRIRÃO, O PRESENTE RECURSO DE REVISTA DEVE SER JULGADO PROCEDENTE, POR PROVADO, REVOGANDO-SE O DOUTO ACÓDÃO PROFERIDO PELO TRIBUNAL A QUO, COM AS SONSEQUÊNCIAS LEGAIS, POR ASSIM SER DE INTEIRA JUSTIÇA!

JUNTA: Cópia do Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça no processo 07A2022, de 26 – 06- 2007 e três documentos.

PROTESTA JUNTAR: Certidão com nota de trânsito em julgado do Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça no processo 07 A 2022, de 26 – 06-2007. »

Não houve contra-alegações.

3. Foi proferido o seguinte despacho, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 655.º do Código de Processo Civil (sendo que se corrige o nome do primeiro recorrente, que é CC):

«Processo n.º 247/19.6T8FVN.C1.S1

7.ª Secção

Relatora: Maria dos Prazeres Pizarro Beleza

Recorrentes: CC e F..., Lda; DD

Recorrida: AA

1. Recurso interposto por CC e F..., Lda:

Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 655.º do Código de Processo Civil, aplicável ao recurso de revista por força do disposto no artigo 679.º também do Código de Processo Civil, convidam-se os recorrentes CC e F..., Lda, e a recorrida AA a pronunciar-se sobre a eventualidade de se não poder conhecer do recurso de revista que CC e F..., Lda, interpuseram, pela seguinte razão:

– CC e F..., Lda, foram condenados pelo acórdão recorrido “solidariamente, a pagar à Autora a quantia de € 2 500,00, a título de danos não patrimoniais”. A sucumbência não é, assim, superior a metade da alçada do tribunal recorrido, o que, admite-se, lhes veda a interposição do recurso de revista (n.º 1 do artigo 629.º do Código de Processo Civil).

2. Recurso interposto por DD:

Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 655.º do Código de Processo Civil, aplicável ao recurso de revista por força do disposto no artigo 679.º também do Código de Processo Civil, convida-se o recorrente DD e a recorrida AA a pronunciar-se sobre a eventualidade de se não poder conhecer parcialmente do recurso de revista que DD interpôs, pelo seguinte:

– Sustentar que, numa acção de processo comum, como é a presente, não podem cumular-se, com um pedido de indemnização, “pedidos atinentes a processos especiais (pedido destinado à tutela da personalidade)”, significa que haveria erro na forma de processo quanto a estes últimos pedidos. Ora o erro quanto à forma de processo só pode ser conhecido até ao despacho saneador (n.º 2 do artigo 200.º do Código de Processo Civil). Admite-se, assim, que não possa ser conhecido em recurso de revista interposto de um acórdão da Relação que, por sua vez, foi interposto da sentença.»

4. Os recorrentes pronunciaram-se sobre este despacho:

– CC e F..., Lda vieram contrapor que o recurso que interpuseram é admissível. Sustentaram que “a não interpretação conjugada de tais normas” (referem-se ao disposto na al. c) do n.º 1 do artigo 671.º e na al. d) do n.º 2 do artigo 629.º do Código de Processo Civil) “no sentido da admissibilidade do recurso de revista excepcional, independentemente do valor da sucumbência, só pode conduzir a violação de princípios basilares constitucionais tais como o princípio da igualdade (artigo 13.º da CRP) e violação do princípio da realização da justiça e do acesso ao direito e aos tribunais – artigo 20.º, n.º 1 e n.º 4 da CRP)”;

– DD veio sustentar que “impossibilidade de cumulação não significa erro na forma do processo, sendo incompreensível tal raciocínio de extensão”.

No que toca ao recurso interposto por CC e F..., Lda, cumpre começar por recordar que o recurso de revista excepcional é um recurso de revista que é excepcionalmente admitido, não obstante a dupla conformidade entre as decisões das instâncias. Isto significa, desde logo, que, para que possa ser considerado algum dos fundamentos previstos nas diversas alíneas do n.º 1 do artigo 672.º do Código de Processo Civil, é antes de mais necessário que seja admissível a revista (cfr., apenas a título de exemplo, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de Outubro de 2009, www.dgsi.pt, proc. n.º 737/09.TJPRT.P1.S1, de 22 de Junho de 2017, www.dgsi.pt, proc. n.º 1925/11.3TBVNO.E1-A.S1, ou de 22 de Fevereiro de 2018, www.dgsi.pt, proc. n.º 2219/13.5T2SVR.P1.S1).

A admissão de um recurso de revista excepcional, nos termos previstos na al. c) do n.º 2 do artigo 672.º – revista excepcional fundada em contradição do acórdão recorrido com outro acórdão da Relação ou do Supremo Tribunal de Justiça –, pressupõe, portanto, a verificação dos critérios gerais de admissibilidade do recurso de revista – nomeadamente, quanto à relação entre o valor da causa e da sucumbência com a alçada da Relação.

A exigência de que a sucumbência do recorrente tenha sido superior a metade da alçada do tribunal de que recorre (n.º 1 do artigo 629.º do Código de Processo Civil) é um requisito geral de admissibilidade de recurso, introduzido pelo Decreto-Lei n.º 242/85, de 9 de Julho, que tem como objectivo permitir esta via de impugnação apenas quando o decaimento do recorrente atingiu um montante que justifique a intervenção do tribunal ad quem. Como se pode ler no preâmbulo do diploma citado, “5. A imperiosa necessidade de permitir que os tribunais superiores aprofundem as questões submetidas ao seu reexame e de impedir que a colegialidade formal das suas decisões se converta, em muitos casos, na real singularidade do julgamento proposto pelo relator pesou decisivamente no espírito das soluções adoptadas em matéria de recursos. (…) Além disso, por mais equilibrado e por melhor se coadunar com as exigências da actual situação judiciária, passou a atender-se também ao critério do valor da sucumbência, já antigo no direito processual alemão, e não apenas ao princípio simplista ou, pelo menos, unilateral do valor da acção, na questão fundamental da admissibilidade de recurso contra a decisão proferida».

Esta regra manteve-se na legislação posterior e, nomeadamente, no Código de Processo Civil de 2013, como se viu.

Tal como sucede com a verificação do critério de recorribilidade relativo ao valor da causa, a referência utilizada para aferir a sucumbência do recorrente é a alçada do tribunal a quo: tratando-se do valor da causa, exige-se que seja superior à alçada; relativamente à sucumbência, basta que exceda metade desse montante.

Em qualquer caso, se a admissibilidade do recurso de revista se afere pelas regras gerais, como é o caso, cumpre confrontar o valor da causa e a sucumbência do recorrente com a alçada do tribunal da Relação, o que desde logo exclui a aplicabilidade da al. d) do n.º 2 do artigo 629.º do Código de Processo Civil, de cuja previsão faz parte que o motivo pelo qual a revista não é admissível seja “estranho à alçada do tribunal”.

Diga-se, aliás, que, se o concreto recurso de revista que estiver em causa for admissível nos termos da al. d) do n.º 2 do artigo 629.º, tratar-se-á de uma revista “normal” e não “excepcional”, não cabendo à formação prevista no n.º 3 do artigo 672.º a decisão sobre a respectiva admissibilidade, como sucede quanto à revista excepcional – o que afasta, portanto, a aferição da admissibilidade do presente recurso em função de uma hipotética conjugação entre os preceitos indicados pelos recorrentes.

A terminar, diga-se que não viola a Constituição a exigência, também no âmbito da revista excepcional, de que a decisão recorrida importe para o recorrente uma sucumbência superior a metade da alçada da Relação. Remete-se, a este propósito, para a diversa jurisprudência do Tribunal Constitucional citada, nomeadamente, na Decisão Sumária n.º 245/2020, de 21 de Abril de 2020, no sentido de não violar, nem o princípio da igualdade, nem o direito de acesso ao direito e aos tribunais à tutela jurisdicional efectiva “a norma contida no n.º 1 do artigo 629.º, do CPC (que corresponde ao n.º 1 do artigo 678.º, do anterior Código de Processo Civil), por força da qual são estabelecidos condicionamentos de recorribilidade das decisões judiciais, especificamente determinados por critérios gerais de valor da causa e da sucumbência”.

Com efeito, com ressalva das decisões penais condenatórias, para as quais o n.º 1 do artigo 32.º da Constituição impõe a existência de pelo menos um grau de recurso, a definição dos critérios de recorribilidade está abrangida pela liberdade de conformação do legislador; a fixação das alçadas – e, por esta via, das condições de admissibilidade de recurso, seja quanto ao seu confronto com o valor da causa ou com a sucumbência – é um instrumento não arbitrário, mas materialmente fundado (porque atende ao relevo substancial dos interesses em causa) de política legislativa, no que toca à racionalização do acesso aos tribunais superiores por via de recurso, nem criador de desigualdades injustificadas. Recorde-se, a terminar este ponto, quanto à sucumbência e ao princípio da igualdade, a norma constante do actual n.º 5 do artigo 633.º do Código de Processo Civil (também introduzida pelo Decreto-Lei n.º 242/85), que aqui não tem aplicação.

Não é assim admissível a revista interposta por CC e F..., Lda, por não o permitir a sucumbência (n.º 1 do artigo 629.º do Código de Processo Civil);

– No que toca ao recurso interposto por DD, importa recordar que estamos perante uma acção que foi proposta como uma acção de processo comum, na qual a autora formulou pedidos de indemnização, de declaração de nulidade de um contrato de arrendamento (relativamente ao qual a autora foi julgada parte ilegítima no despacho saneador) e requereu ainda a adopção de medidas de tutela dos seus direitos de personalidade.

Ora, admitindo que o recorrente teria razão quanto à impossibilidade de apreciação destes pedidos numa mesma acção, por diversidade das formas de processo correspondentes aos pedidos de indemnização e às medidas de tutela da personalidade, sucederia então que a forma de processo concretamente seguida – processo comum – seria errada para a apreciação das providências de tutela da personalidade, mas não para o conhecimento dos pedidos de indemnização. A ser assim – e as instâncias entenderam que era possível cumular os pedidos, recorde-se – o vício existente não seria a ilegalidade da coligação, com a consequência da absolvição da instância quanto a todos os pedidos, mas tão somente a absolvição da instância quanto aos pedidos que não poderiam ser apreciados numa acção comum.

É incontestável que a coligação só é admissível (1) quando entre os pedidos exista uma das conexões indicadas no artigo 36.º, (2) quando o mesmo tribunal seja absolutamente competente para todos os pedidos (n.º 1 do artigo 37.º) e (3) quando exista a identidade de formas de processo tal como vem exigida nos n.ºs 2 e 3 do Código de Processo Civil. Faltando a conexão prevista no artigo 36.º, a consequência será a absolvição da instância quanto a todos os pedidos (n.º 1 do artigo 38.º e al. f) do artigo 577.º), se a ilegalidade não for suprida pelo autor, nos termos do citado artigo 38.º Na verdade, não tendo o juiz o poder de escolher que pedidos vai apreciar, não há alternativa à absolvição da instância relativamente a todos.

Mas o mesmo não sucede se o obstáculo à coligação respeitar à competência absoluta do tribunal ou à forma de processo, na eventualidade de o tribunal onde a acção foi proposta ser competente ou de a forma de processo concretamente seguida ser a forma certa para parte dos pedidos. Neste caso – e não por escolha do juiz, mas por aplicação das regras legais – o vício (incompetência absoluta, erro na forma do processo) apenas afectará o pedido a que respeitar.

Ora o erro na forma do processo apenas pode ser conhecido até ao despacho saneador (n.º 2 do artigo 200.º do Código de Processo Civil). Está portanto precludida a possibilidade de apreciação da questão de saber se podem ou não cumular-se, com um pedido de indemnização, “pedidos atinentes a processos especiais (pedido destinado à tutela da personalidade)” – cfr. o despacho saneador, a fls. 251 e segs.

Esta preclusão tem também como consequência a não apreciação, nem da invocada contradição com o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26 de Junho de 2007, proc.º n.º 07A2022, nem da inconstitucionalidade a que se refere o ponto 14 das conclusões do recurso.

A terminar este ponto, recorde-se que o juiz pode adequar o processo aos diferentes pedidos, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 37.º; todavia, não vem agora ao caso a consideração deste poder.

5. No recurso interposto por DD, excluída a apreciação da questão da diversidade das formas de processo colocada pelo recorrente, e tendo em conta as conclusões das respectivas alegações de recurso, estão, portanto, em causa as seguintes questões:

– Inutilidade superveniente da lide e consequente desnecessidade de qualquer medida tutelar;

– Verificação dos pressupostos da responsabilidade civil.

6. Vem provado o seguinte (transcreve-se do acórdão recorrido):

1. O prédio urbano sito na Rua Dr. ..., 10 a 18, ..., ..., está inscrito na matriz predial urbana da união de freguesias de ... e Bairradas sob o número 174 e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número 27389, composto por morada de casas altas e pátio, confronta a norte e nascente com EE, a sul com Rua da ... e a poente com quelho.

2. Em 11 de Agosto de 1977, no Cartório Notarial de ..., em ..., foi outorgada escritura de compra e venda, na qual intervieram FF e AA, como primeiros outorgantes, e GG e HH, como segundos outorgantes, tendo os primeiros declarado vender aos segundos a nua propriedade de uma casa de habitação, composta de rés-do-chão e primeiro andar, no prédio identificado em 1).

3. Em 29 de Agosto de 1984, no Cartório Notarial de II, em ..., foi outorgada escritura de compra e venda, na qual intervieram JJ e Coito, como primeira outorgante, e FF, o qual outorgou na qualidade de procurador de HH, como segundo outorgante, tendo a primeiro declarado vender ao segundo a nua propriedade de metade de uma casa de habitação, composta de rés-do-chão e primeiro andar, no prédio identificado em 1).

4. O prédio urbano sito na Rua Dr. ..., n.º 13, ..., ... inscrito na matriz predial urbana da união de freguesias de ... e ... sob o número 2719 e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número 3905, composto por casa de habitação de rés-do-chão e 1.º andar, confronta a norte e nascente com Rua Dr. ..., a sul com KK e a poente com herdeiros de LL.

5. O imóvel identificado em 4) encontra-se inscrito na Conservatória do Registo Predial de ... a favor de BB, desde 13 de fevereiro de 1998, através da apresentação n.º 4.

6. Em 24 de Maio de 1998, foi emitido, pela Câmara Municipal de ..., Alvará de licença de utilização para serviços de restauração e de bebidas, o qual titulava a utilização do prédio identificado em 4) e no qual passou a existir o estabelecimento comercial com a designação «O ........», figurando como entidade exploradora MM.

7. A Ré F..., Lda é uma sociedade por quotas de responsabilidade limitada, constituída em 13-01-2016, com o NIPC .......61 e tem por objeto social a exploração de bares, restaurantes e institutos de beleza.

8. A gerência da sociedade F..., Lda estava atribuída, à data da sua constituição identificada em 7), a NN.

9. Em 9 de Março de 2016, foi celebrado um contrato que as partes designaram de cessão da posição contratual, no qual intervieram NN, como primeiro outorgante e na qualidade de cedente, F..., Lda, como segundo outorgante e na qualidade de cessionária, BB, como terceiro outorgante e na qualidade de senhorio e CC, como quarto outorgante e na qualidade de fiador, tendo o primeiro declarado ceder à segunda, sua representada, a posição contratual de arrendatário no contrato de arrendamento celebrado com o terceiro outorgante, o qual declarou aceitar expressamente a referida cessão, bem como o quarto outorgante, mantendo válida a fiança prestada ao contrato de arrendamento primitivo.

10. Em 14 de Abril de 2016, foi feito um averbamento ao Alvará n.º 2/98 identificado em 6), no qual passou a figurar, como novo titular, F..., Lda relativamente ao estabelecimento comercial a funcionar no prédio identificado em 4) sob a designação C... .. ..

11. Em 7 de Setembro de 2016, NN cessou funções como membro do órgão social da sociedade F..., Lda, 12. Em 20 de Setembro de 2016, foi alterado o contrato de sociedade e atribuída a gerência da sociedade F..., Lda ao réu CC.

13. Em 18 de Abril de 2018, o Réu CC apresentou um pedido de ocupação de espaço público para montagem de esplanada aberta com 12 m², na Rua Dr. ..., n.º 13.

14. Durante os meses de verão, era montada uma esplanada à porta do estabelecimento comercial C... .. ..

15. Em 17 de Outubro de 2016, a Ré F..., Lda solicitou ao Município de ... o alargamento de horário do estabelecimento C... .. ., requerendo que lhe fosse deferido o seguinte horário: das 10h30 às 04h00 às sextas-feiras, sábados, vésperas de feriado e ocasiões festivas do concelho.

16. O pedido descrito em 15) foi indeferido pela Câmara Municipal de ..., após parecer desfavorável da GNR que indicava que «na construção do estabelecimento não predominam materiais de isolamento adequados à contenção do ruído produzido no seu interior».

17. O estabelecimento comercial C... .. . dispunha de um sistema de som que consistia numa ligação de duas colunas à televisão, a qual se encontrava sintonizada em canais de música e cujo nível sonoro era controlado pelo réu CC.

18. A porta de entrada do estabelecimento comercial C... .. . possuía um sistema hidráulico – «de batente» – que a fechava automaticamente sempre que alguém entrava ou saía.

19. Em 30 de Setembro de 2018, foi extinto o contrato de arrendamento celebrado entre a ré F..., Lda e BB.

20. Entre o dia 30 de Setembro de 2018 e 28 de Fevereiro de 2019, o estabelecimento sito no prédio identificado em 4) esteve encerrado ao público.

21. Em 1 de Março de 2019, foi celebrado contrato de arrendamento para fins não habitacionais entre BB, como primeiro outorgante e DD, como segundo outorgante, tendo o primeiro declarado dar de arrendamento ao segundo o prédio identificado em 4), pelo período de 5 anos, com início a 1 de Março de 2019.

22. Em 7 de março de 2019, foi feito um averbamento ao Alvará n.º 2/98 identificado em 6), no qual passou a figurar, como novo titular, DD, relativamente ao estabelecimento comercial que passou a funcionar no prédio identificado em 4) sob a designação F....

23. Em 7 de Março de 2019, o Réu DD solicitou ao Município de ... o alargamento de horário do estabelecimento F..., requerendo que lhe fosse deferido o horário até às 04h00 às sextas-feiras, sábados, vésperas de feriado e ocasiões festivas do concelho.

24. O pedido descrito em 23) foi indeferido pela Câmara Municipal de ..., após parecer desfavorável da GNR indicando que «o edifício onde se encontra instalado o estabelecimento não possui materiais de isolamento sonoro adequados à contenção do ruído produzido no seu interior, prejudicando desse modo o descanso dos habitantes».

25. Desde o dia 1 de Março de 2019, no prédio identificado em 4) funciona o estabelecimento comercial F..., o qual se encontra aberto ao público de segunda-feira a sexta-feira, entre as 11h00 e as 02h00, aos sábados entre as 12h00 e as 02h00 e aos domingos entre as 15h00 e as 02h00.

26. Nos dias 4 de Abril e 6 de Maio de 2019, o Réu DD solicitou ao Município de ... a concessão de licença especial de ruído para a realização de um espetáculo de música ao vivo no interior do estabelecimento F... até às 02h00.

27. O estabelecimento comercial F... dispõe de um sistema de som que consiste numa ligação de duas colunas à televisão, a qual se encontra sintonizada em canais de música e cujo nível sonoro é controlado pelo réu DD.

28. A porta de entrada do estabelecimento comercial F... possui um sistema hidráulico – «de batente» – que a fecha automaticamente sempre que alguém entra ou sai.

29. Em 10 de Maio de 2019, o Réu DD apresentou um pedido de ocupação de espaço público para montagem de esplanada aberta com 9 m², na Rua Dr. ..., n.º 13.

30. Em 10 de Julho de 2019, o Réu DD apresentou um pedido de ocupação de espaço público para montagem de esplanada aberta com 16 m², na Rua Dr. ..., n.º 13.

31. Durante os meses de verão, é montada uma esplanada à porta do estabelecimento comercial F....

32. Nas mesas da esplanada do estabelecimento comercial F... há cinzeiros para uso dos clientes.

33. Desde 1 de Março de 2019, foram realizados até à 01h00, pelo menos, seis eventos, com música ao vivo, no estabelecimento comercial F....

34. A GNR de ... foi chamada a deslocar-se ao F... em, pelo menos, quatro das festas de música ao vivo realizadas, em razão do ruído que estava a ser produzido no interior do estabelecimento.

35. Os clientes do estabelecimento comercial F... encostam-se à parede do prédio identificado em 1) e usam os degraus adjacentes à porta de entrada principal do referido imóvel como assento.

36. Na rua Dr. ..., em ... há um hotel rural com grande taxa de ocupação ao longo do ano.

37. A entrada principal da casa de habitação composta por rés-do-chão e primeiro andar que integra o prédio identificado em 1) está situada em frente da entrada do prédio identificado em 4).

38. A Autora reside habitualmente na Rua ..., n.º 18, ..., em ....

39. A Autora cresceu na casa identificada em 1).

40. A Autora e o seu agregado familiar têm uma ligação afetiva e sentimental pela casa identificada em 1).

41. Nos últimos anos, a Autora passou temporadas com o marido, filhos, netos e bisnetos no prédio identificado em 1), designadamente durante todo o mês de agosto, parte dos meses de setembro e outubro, 15 dias durante as épocas festivas de Natal e fim de ano, 15 dias na Páscoa, o Carnaval e alguns fins de semana.

42. Desde 2016, mesmo mantendo as janelas de sua casa fechadas, a Autora ouve a música proveniente do interior do prédio identificado em 4), bem como as conversas entre os clientes que se encontram no exterior do estabelecimento.

43. Em razão do ruído que emana do prédio identificado em 4), durante o mês de Agosto, a Autora deixou de poder abrir as janelas do seu quarto durante a noite, bem como da sala de jantar.

44. A Autora deixou de poder sair pela porta principal da casa sita no prédio identificado em 1), pela circunstância de ser insultada pelos clientes do estabelecimento comercial em frente.

45. A Autora levantou-se várias vezes durante a noite para pedir aos clientes do estabelecimento, que se encontravam na esplanada, para conversarem em tom mais baixo.

46. Algumas noites, a Autora ouviu o som de petardos.

47. A Autora ligou duas vezes para a GNR de ..., apresentando queixa do barulho que provinha do estabelecimento comercial em frente do prédio identificado em 1) e que a impedia de dormir.

48. Desde 2013, e em razão do ruído que emana do prédio identificado em 4), a Autora e os seus filhos apresentaram diversas queixas à GNR, ao Município de ..., ao Provedor de Justiça, à Direção-Geral de Saúde, à Inspeção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território e à Direção-Geral das Autarquias Locais.

49. Desde 2016, a Autora sente desgosto e angústia por não poder usufruir da casa identificada em 1) com a tranquilidade com que outrora o fazia.

Vêm não provados os seguintes factos:

I A Autora é comproprietária do prédio identificado em 1) dos factos provados.

ii. O rés-do-chão do prédio identificado em 4) esteve arrendado à Ré F..., Lda desde 13 de Janeiro de 2016 a 28 de Fevereiro de 2019.

iii. Quando o Réu CC assumiu a gerência da F..., Lda já tinha conhecimento das reclamações feitas pela Autora e seus familiares junto de NN.

iv. O prédio identificado em 4) destina-se exclusivamente à habitação.

v. O horário afixado à porta do estabelecimento comercial F... é de segunda-feira a sábado das 11h00 às 02h00 e domingo das 12h00 às 02h00.

vi. O funcionamento do estabelecimento constitui uma fonte de emissão de gases de cozinha e outros saturados em monóxido de carbono e dioxinas, projetados diretamente sobre a via pública e as habitações circunvizinhas, por deficiência do sistema de evacuação de fumos, cheiros e vapores.

vii. Os clientes do estabelecimento comercial F... utilizam a rua Dr. ..., em ... como mictório, atiram beatas de cigarros para o chão e deixam garrafas de plástico e de vidro vazias que ficam espalhadas pela rua, estacionando por vezes na entrada do prédio a Autora ou veículos de gama alta param com motor a funcionar e os ocupantes entram no estabelecimento e não demoram mais de 5 minutos.

viii. A Autora e os seus filhos, desde 8 de Setembro de 2013, apresentaram um total de 77 queixas às autoridades.

ix. Na penúltima semana de Dezembro de 2019, a GNR encerrou o estabelecimento comercial F... depois das 02h00, após queixa apresentada pelo filho da Autora.

x. A Autora deixou de poder arrendar parte da casa sita no prédio identificado em 1) pelo facto de existir um estabelecimento comercial de café/bar em frente.

xi. A última inquilina de uma parte da casa sita no prédio identificado em 1) pagou renda durante um ano e nunca lá conseguiu viver, tendo-a abandonado em 2014.

xii. O valor de mercado da renda mensal a pagar pela casa sita no prédio identificado em 1) é de €600,00.

xiii. O município de ... chegou a mandar retirar o estrado da esplanada, mas mais tarde voltou a autorizar a sua colocação, sendo o atual de maiores dimensões.

xiv. A colocação da esplanada exterior torna impossível o cruzamento de dois carros a circular.”

7. O recorrente sustenta a inutilidade superveniente da lide, no que toca à “aplicação de medidas tutelares, porque não explora o estabelecimento em causa nesta acção desde 1 de Março de 2021, tendo denunciado o contrato de arrendamento por carta dirigida à filha do 1.º réu, dado que aquele havia falecido”. Alega “que não se encontra no estabelecimento” desde final desse mesmo mês de Março de 2021.

Para sustentar esta posição juntou cópias de uma carta dirigida a OO, a denunciar o contrato de arrendamento” relativo ao imóvel sito em Rua Dr. ..., na vila de ... (…)”, do assento de óbito de BB e do assento de nascimento de OO.

Supondo que esta junção e a alegação dos factos de que denunciou o contrato de arrendamento e de que se não encontra no estabelecimento desde o mês de Março de 2021 seriam admissíveis, e que os factos se pudessem considerar provados, o seu efeito traduzir-se-ia na absolvição do recorrente quanto à sua condenação na insonorização do interior do estabelecimento e na correspondente sanção pecuniária compulsória, na retirada da esplanada a partir das 22h, todos os dias e no encerramento do estabelecimento às 22h00 de domingo a quinta-feira e 24h00 à sexta-feira, sábado e vésperas de feriado, todos os meses do ano, e na correspondente sanção pecuniária compulsória, e não na impossibilidade superveniente da lide, como pretende o recorrente.

Com efeito, a sua condenação nestas medidas de tutela da personalidade da autora tem como pressuposto necessário a sua qualidade de arrendatário dos espaços onde funciona o estabelecimento, na licença para funcionamento da esplanada e na exploração do referido estabelecimento, como resulta da sentença e, em particular quanto à insonorização, do acórdão recorrido: ”Não se trata de uma imposição ao proprietário do prédio poluente, mas antes de uma providência adequada à tutela de um direito da personalidade violado pela pessoa (…) que explora o estabelecimento comercial”.

Como esclarecem Lebre de Freitas e Isabel Alexandre (Código de Processo Civil Anotado, vol 1.º, 4.ª ed., Coimbra, 2018, pág. 561, “A impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da providência pretendida”. E não se confunde com “a ocorrência superveniente de uma excepção” (pág. 562), como seria o caso.

De todo o modo, e ainda que se pudessem considerar como documentos supervenientes – o que não pode, tendo em conta que a data do documento “denúncia do arrendamento pelo inquilino, de fls. 749, 1 de Março de 2021, é anterior à data da admissão do recurso de apelação, 13 de Maio de 2021, cfr. despacho de fls. 640, e, portanto, ao respectivo julgamento –, para efeitos de ser admissível a sua junção com as alegações de revista, nos termos previstos do n.º 1 do artigo 680.º do Código de Processo Civil, sempre se esbarraria com o obstáculo de não provarem plenamente, nem a cessação do arrendamento, nem muito menos que o recorrente não explora o estabelecimento ou que nele não se encontra desde a data que aponta, ou qualquer outra. A parte final do n.º 1 do artigo 680.º do Código de Processo Civil – “sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 674.º e no n.º 2 do artigo 682.º” – impede a consideração dos documentos agora em causa (cfr., por exemplo, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Março de 2022. www.dgsi.pt, proc. n.º 1104/19.1T8CSC.L1. S1, ou de 23 de Fevereiro de 2023, www.dgsi.pt, proc. n.º 9209/19.2T8SNT.L1.S1).

Com efeito, a junção de documentos, mesmo que se trate de documentos supervenientes, no sentido do n.º 1 do artigo 680.º do Código de Processo Civil, tem sempre de ser conjugada com a limitação dos poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça, quer quanto aos factos que esse documento pretende provar, quer quanto às provas que pode apreciar.

Não procede, assim, a alegação de inutilidade superveniente da lide; e não podem ser apreciados pelo Supremo Tribunal de Justiça os documentos juntos com o recurso de revista.

8. Quanto à desnecessidade de qualquer medida tutelar, que o recorrente funda na “não exploração do estabelecimento (…) desde 01-03-2021”, é questão que depende de ser provada essa não exploração, nos termos que se indicarão adiante, a propósito da eventual obrigação de indemnizar e do repectivo montante. Por essa razão – interligação entre as medidas de tutela dos direitos de personalidade da autora e a existência da obrigação de indemnizar e a determinação do montante da indemnização, caso se conclua pela existência dessa obrigação – não se excluem do âmbito da revista normal (por oposição à revista excepcional) os segmentos decisórios em que a Relação confirmou a sentença (cfr. acórdão de uniformização de jurisprudência n.º7/2022, de 20 de Setembro de 2022, www.dgsi.pt, proc. n.º 545/13.2TBLSD.P1.S1-A, no qual se entendeu que “Nas situações de objecto processual plural. a conformidade decisória terá, em princípio, de ser avaliada, separadamente, para cada uma das pretensões autónomas e cindíveis decididas pelas instâncias”).

9. O recorrente considera não verificados os pressupostos da responsabilidade civil e, portanto, da condenação na obrigação de indemnizar a autora; e, em qualquer caso, discorda ainda do montante indemnizatório alcançado pelo acórdão recorrido.

Cumpre começar por realçar que, no que toca ao recorrente DD, a sucumbência não corresponde apenas ao montante indemnizatório de € 2.500,00, razão pela qual não se verifica o obstáculo ao conhecimento do seu recurso verificado quanto aos demais recorrentes.

DD não esclarece qual ou quais dos pressupostos da responsabilidade civil considera não preenchidos; discorda de que, ocorrendo uma colisão entre “o direito ao repouso (…) e o direito de iniciativa privada” a ponderação entre um e outro, no contexto do caso concreto, possa resultar “a verificação dos pressupostos da responsabilidade civil extra-contratual”.

Aponta mesmo razões de constitucionalidade para sustentar a sua discordância “com a verificação de responsabilidade extracontratual e com a subsequente indemnização arbitrada”, a seu ver “manifestamente desadequada e desproporcional”: em seu entender, e sintetizando, ocorreu“(…) violação do princípio da adequação, necessidade e proporcionalidade no confronto de direitos constitucionalmente consagrados – violação dos artigos 483.º, 335.º, n.º 2 do Código Civil e inconstitucionalidade por violação do direito ao exercício da actividade comercial e direito à propriedade – artigo 61.º e 62.º da C.R.P.”.

10. Há, pois, que recordar, por um lado, que, não ocorrendo dupla conforme quanto à indemnização concedida em 1.ª e 2.ª Instâncias, não pode colocar-se a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça no domínio do recurso de revista excepcional.

E, por outro, que, tratando-se de indemnização por danos não patrimoniais, se forem suficientemente graves para justificarem uma indemnização (n.º 1 do artigo 496.º do Código Civil), o seu montante é fixado segundo critérios de equidade (n.º 3 do mesmo artigo 496.º).

Ora, como se recorda, por exemplo, no acórdão de 20 de Novembro de 2014, www.dgsi.pt, proc. n.º 5572/05.0TVLSB.L1.S1, «como o Supremo Tribunal da Justiça já observou em diversas ocasiões (cfr., por exemplo, o acórdão de 28 de Outubro de 2010 (www.dgsi.pt, proc. nº272/06.7TBMTR.P1.S1, em parte por remissão para o acórdão de 5 de Novembro de 2009, www.dgsi.pt, proc. nº 381-2002.S1), “a aplicação de puros juízos de equidade não traduz, em bom rigor, a resolução de uma «questão de direito»”; se é chamado a pronunciar-se sobre “o cálculo da indemnização” que “haja assentado decisivamente em juízos de equidade”, não lhe “compete a determinação exacta do valor pecuniário a arbitrar (…), mas tão somente a verificação acerca dos limites e pressupostos dentro dos quais se situou o referido juízo equitativo, formulado pelas instâncias face à ponderação casuística da individualidade do caso concreto «sub iudicio»”. Cfr. ainda os acórdãos de 10 de Outubro de 2012, www.dgsi.pt, proc. 643/2001.G1.S1 ou de 21 de Fevereiro de 2013, www.dgsi.pt, proc.nº 2044/06.0TJVNF.P1.S1;

A utilização de critérios de equidade não impede que se tenham em conta as exigências do princípio da igualdade (…) A prossecução desse princípio implica a procura de uma uniformização de critérios, naturalmente não incompatível com a devida atenção às circunstâncias do caso (acórdão de 22 de Janeiro de 2009, proc. 07B4242, www.dgsi.pt). Nas palavras do acórdão deste Supremo Tribunal de 31 de Janeiro de 2012 (www.dgsi.pt, proc. nº 875/05.7TBILH.C1.S1), “os tribunais não podem nem devem contribuir de nenhuma forma para alimentar a ideia de que neste campo as coisas são mais ou menos aleatórias, vogando ao sabor do acaso ou do arbítrio judicial. Se a justiça, como cremos, tem implícita a ideia de proporção, de medida, de adequação, de relativa previsibilidade, é no âmbito do direito privado e, mais precisamente, na área da responsabilidade civil que a afirmação desses vectores se torna mais premente e necessária, já que eles conduzem em linha recta à efectiva concretização do princípio da igualdade consagrado no artº 13º da Constituição” ( cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de Fevereiro de 2013 cit.)».

Esta mesma orientação foi seguida em diversos acórdãos posteriores, dos quais se citam, a título de exemplo, o acórdão de 25 de Setembro de 2018, www.dgsi.pt, proc. 2172/13.8TBBRG.G1.S1, no qual se escreveu «Ora, a determinação de indemnizações que obedeça a juízos de equidade assentes numa ponderação casuística, à luz das regras da experiência comum, não se reconduzem, rigorosamente, a questões de direito ou à aplicação de critérios normativos para que está vocacionado o tribunal de revista (cfr. o Acórdão do STJ, de 16/6/16, in www.dgsi.pt). De todo o modo, caberá a este tribunal de revista sindicar os limites de discricionariedade das instâncias no recurso à equidade, designadamente na busca de uniformização dos critérios jurisprudenciais, por forma a garantir o respeito pelo princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei (cfr. o art.13º, nº1, da CRP, e o art.8º, nº3, do C.Civil).

É que, como se refere no Acórdão do STJ, de 21/1/16, in www.dgsi.pt, «Não poderá deixar de se ter em consideração que tal juízo de equidade das instâncias, alicerçado, não na aplicação de um estrito critério normativo, mas na ponderação das particularidades e especificidades do caso concreto, não integra, em bom rigor, a resolução de uma questão de direito, pelo que tal juízo prudencial e casuístico das instâncias deverá, em princípio, ser mantido, salvo se o julgador se não tiver contido dentro da margem de discricionariedade consentida pela norma que legitima o recurso à equidade – muito em particular, se o critério adoptado se afastar, de modo substancial e injustificado, dos critérios ou padrões que generalizadamente se entende deverem ser adoptados, numa jurisprudência evolutiva e actualística, abalando, em consequência, a segurança na aplicação do direito, decorrente da necessidade de adopção de critérios jurisprudenciais minimamente uniformizados e, em última análise, o princípio da igualdade»; ou os acórdãos de 29 de Outubro de 2020, www.dgsi.pt, proc. n.º 2631/17.0T8LRA.C1.S1, de 6 de Abril de 2021, www.dgsi.pt, proc. n.º 1391/14.1TBVLG.P1.S1, de 19 de Outubro de 2021, www.dgsi.pt, proc. n.º 2601/19.4T8BRG.G1.S1, de 16 de Dezembro de 2021, www.dgsi.pt, proc. n.º 6295/15.8T8SNT.L1.S1, ou de 15 de Março de 2022, www.dgsi.pt, proc. n.º 2957/12.0TCLRS.L1.S1, nomeadamente.

Esta limitação ao controlo dos pressupostos e dos critérios utilizados pelas instâncias para a determinação do montante indemnizatório – que traz consigo a possibilidade de o alterar, caso se considerem não respeitados ou desajustados, respetivamente – não conflitua, assim, com o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência de 14 de Julho de 1936, www.dgsi.pt, proc. n.º 049041.

11. Em breve síntese, o acórdão recorrido considerou, no que toca à questão de saber como se resolve a colisão entre a tutela da personalidade da autora – do direito ao repouso, ao sono e à tranquilidade, que integram a “tutela geral da personalidade”, como por diversas vezes se salientou na jurisprudência deste Supremo Tribunal artigo 70º.º do Código Civil, e o direito à iniciativa económica privada: “(…) o direito da A. à integridade física, ao repouso e saúde e a um ambiente sadio, é um direito absoluto, que por essa via se sobrepõe aos direitos económicos, como expressamente prevê o artº 335 nº 2 do C.C. (…).” A liberdade de iniciativa económica privada não é “um direito equiparado aos direitos, liberdades e garantias” e, “em caso de colisão deste direito com direitos absolutos de personalidade, prevalecem estes últimos, conforme decorre do disposto no artº 335 nº 2 do C.C. e foi considerado” na sentença: “(…) decorrendo dos pontos de facto n.ºs 42 a 47 que” “o ruído decorrente da música no interior do estabelecimento (…) e das conversas no exterior do estabelecimento, mais concretamente, da esplanada” “afecta direitos de personalidade da A., constituindo um acto ilícito directamente imputável aos RR. porque decorrente de actividade comercial por si exercida, constituindo-os não só no dever de indemnizar as lesões sofridas pela A., por via do disposto no artº 483 do C.C., como de adoptarem as medidas necessárias a prevenir e cessar, com salvaguarda se possível, do direito que também lhes assiste ao exercício desta actividade económica”.

Observou ainda que a circunstância de se tratar de uma residência secundária não impede o decretamento destas medidas, mas que “as medidas adequadas a cessar a lesão terão de se adequar a esta realidade, mediante a necessária ponderação dos interesses em jogo (…)”.

O acórdão recorrido confirmou assim a ponderação efectuada na sentença, considerando-a “a solução mais adequada à ponderação dos interesses em conflito: o direito ao repouso e sossego da A. e o direito ao exercício da actividade económica do 4º Réu, tendo restringido o último de forma a assegurar o primeiro”.

No que toca ao montante indemnizatório encontrado, o acórdão recorrido, “tendo em conta os extensos períodos temporais em que decorreu a lesão (desde pelo menos 2016) e as restrições que implicam para a A. no seu sossego e na vivência da sua própria casa (ainda que secundária)”, alterou o montante fixado em 1.ª instância, no que toca ao recorrente, para € 2.500, 00.

12. Tendo em conta os factos provados, não há dúvida de que, do funcionamento do estabelecimento e no período em que o recorrente o explorou – desde 1 de Março de 2019 – (recorde-se que não vem provado quando cessou a exploração, embora seja notório que, durante os períodos de confinamento provocados pela pandemia Covid 19, os estabelecimentos do tipo do que agora está em causa foram obrigados a encerrar durante algum tempo, como o recorrente alega, ou a ter horários encurtados de funcionamento) resultou a lesão do direito ao descanso, ao sono e à tranquilidade da autora e, portanto, dos seus direitos de personalidade, tutelados pelo n.º 1 do artigo 70.º do Código Civil e, a nosso ver, pelo n.º 1 do artigo 26.º da Constituição, seja porque a interpretação conjunta deste n.º 1 com o princípio fundamental da dignidade humana (cfr. nomeadamente, o artigo 1.º da Constituição) resulta a tutela geral da personalidade, seja porque se encontram abrangidos pelo direito “ao desenvolvimento da personalidade”, expressamente previsto no citado n.º 1 do artigo 26.º: cfr., em especial, os pontos 21, 25, 27, , 31, 33, 35, 37, 41, 42, 43, 45, 46, 48.

Aliás, o recorrente não contesta essa lesão; antes sustenta que, tendo em conta “a instabilidade de um critério de permanência habitacional não definido, dado que a residência da autora não é no local do estabelecimento, mas sim em ...” (ponto 57 das alegações de recurso), deve prevalecer o seu direito de liberdade de iniciativa económica – também um direito pessoal, nos termos da ponderação a que o artigo 335.º do Código Civil obriga, os artigos 61.º e 62, n.º 1, da Constituição; e que, a “ter que ser fixada indemnização compensatória, posição que não se defende”, é “manifestamente desadequada e desproporcional a ora indemnização em que o 2.º e 3.º e 4.º réus foram condenados” (conclusão 28.ª).

O direito fundamental à iniciativa económica privada tem uma dimensão de liberdade pessoal que, nessa medida, o permite enquadrar nos direitos análogos aos direitos, liberdades e garantias (artigo 17, º da Constituição) ou, até, também no direito ao livre desenvolvimento da personalidade. Tem, no entanto, uma outra dimensão – que é a que agora está em causa –, que é a da “liberdade de gestão e actividade da empresa (liberdade da empresa, liberdade do empresário” (acórdão do Tribunal Constitucional n.º 76/85; cfr. ainda, por exemplo, o acórdão n.º 187/2001).

Ainda que assim não fosse, entende-se que a colisão entre o direito invocado pela autora e o direito que o recorrente lhe contrapõe deve ser resolvida, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 335.º do Código Civil, no sentido da prevalência do direito à integridade física, de que o direito ao sono, ao repouso e à tranquilidade é parte integrante.

Com efeito, mesmo que conceptualmente se devesse considerar que seria a dimensão de liberdade pessoal que estava em causa, incluída ou não no direito ao desenvolvimento da personalidade, sempre o seu objecto mediato seria de diversa natureza e, portanto, sempre seria aplicável o critério de resolução do conflito entre os dois direitos – ou, fosse esse o caso, das duas dimensões do direito ao livre desenvolvimento da personalidade – que consta do n.º 2: o da prevalência do direito “que deva considerar-se superior”. O que naturalmente não implica que não deva procurar-se uma solução “que, sem prejuízo de dar prevalência ao superior, acautele na medida do possível um exercício residual e subsidiário do direito preterido. (…) Sempre que seja viável” – como, no caso, mostram as decisões das instâncias – “o juiz deve tentar assegurar alguma oportunidade de exercício ao direito tido como inferior” (Elsa Vaz de Sequeira, anotação ao artigo 335.º do Código Civil, Comentário ao Código Civil, Parte Geral, Lisboa, 2014, pág. 789 e segs., pág. 793).

Daqui se conclui que se deve considerar que a actuação do recorrente preenche o requisito da ilicitude exigido pelo artigo 483.º do Código Civil, uma vez que se deu como assente que “a Autora ouve a música proveniente do interior” do estabelecimento e as “conversas no exterior”, “desde 1 de Março de 2019, foram realizados, pelo menos, seis eventos, com música ao vivo, no estabelecimento F...”, tendo sido chamada ao local a GNR pelo menos em quatro desses eventos, por causa do ruído, os clientes do referido Pub encostam-se à parede do prédio onde a autora passou temporadas com a família, que deixou de poder utilizar normalmente o prédio, nos termos que vêm assentes. Não tendo o mesmo recorrente suscitado a falta de outro pressuposto, resta concluir pela verificação dos pressupostos da sua responsabilidade, improcedendo a alegação em contrário.

13. Com as limitações já expostas, cumpre considerar os critérios utilizados para calcular o montante indemnizatório e, consequentemente, se este montante deve ser ou não mantido.

E a verdade é que foi ponderado estar em causa uma habitação secundária, na qual a autora permanece durante cerca de três meses e alguns fins de semana por ano, como resulta da prova (cfr. em particular o ponto 41 da matéria de facto); assim como foram ponderadas as alterações verificadas após 1 de Março de 2019 – cfr. referência aos pontos 23) a 25), 27), 28), 31), 33) e 34), salientados pelas instâncias, especificamente para o período posterior a 1 de Março de 2019.

Todavia, é essencial ao entendimento, quer sobre a obrigação de indemnizar, quer sobre o montante indemnizatório, apurar em que períodos o estabelecimento esteve em funcionamento – ou, visto por outro ângulo, quando esteve encerrado; ou quando teve que encurtar o período de funcionamento. Recorde-se que está em causa a obrigação de indemnizar por parte do réu DD, arrendatário desde 1 de Março de 2019 e titular do alvará relativo ao estabelecimento (cfr. factos provados com os n.ºs 21, 22 e 25). Ora é notório que houve períodos em que estabelecimentos do tipo do F... estiveram encerrados, ou tiveram limitados os horários de funcionamento, em consequência da pandemia Covid-19; e, muito embora o Supremo Tribunal de Justiça não possa ter como provado ou não provado que DD deixou de explorar o estabelecimento desde 1 de Março de 2021, pelas razões apontadas, a verdade é que a autora pediu a sua condenação no pagamento de uma indemnização contabilizada em função dos dias que decorrerem desde 1 de Março de 2019 até ao encerramento do estabelecimento – pedido que, devidamente interpretado à luz da causa de pedir invocada, obriga a apurar quando o estabelecimento esteve encerrado, ainda que temporariamente, ou teve que encerrar mais cedo, nomeadamente por imposição legal, e quando encerrou definitivamente (do ponto de vista do réu DD, naturalmente).

O apuramento de que o estabelecimento encerrou definitivamente (sempre do ponto de vista de DD) releva, de igual forma, para determinar se e ou em que condições se deve manter a sua condenação nas medidas destinadas a tutelar os direitos de personalidade da autora.

Cumpre portanto determinar a baixa do processo à 1.ª Instância para que se apure em que períodos posteriores a 1 de Março de 2019 o estabelecimento esteve encerrado ou com limitações de horário, que limitações foram essas e quando encerrou definitivamente, no que a DD respeita.

14. Com efeito, do mesmo modo que se encontram preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil, também seria fundada a condenação na insonorização do estabelecimento, na retirada da esplanada e no encerramento nos termos determinados pelas instâncias.

Sucede, todavia, que esta condenação pressupõe que o recorrente continue a explorar o estabelecimento. Como se observa no acórdão recorrido, “a insonorização do estabelecimento não cabe ao proprietário do edifício ou fracção onde este se situa, mas antes à entidade que explora este estabelecimento”; e o mesmo se diga quanto às demais medidas.

15. Nestes termos, decide-se:

a) Não conhecer do recurso interposto por CC e F..., Lda;

b) Quanto ao recurso interposto por DD:

b.1) Não conhecer do recurso na parte relativa à questão de saber se podem ou não cumular-se, com um pedido de indemnização, “pedidos atinentes a processos especiais (pedido destinado à tutela da personalidade)” ;

b.2) Julgar improcedente a alegação de inutilidade superveniente da lide;

b.3) Não apreciar os documentos juntos com o recurso de revista;

b.4) Determinar a baixa do processo à 1.ª Instância para que se apure em que períodos posteriores a 1 de Março de 2019 o estabelecimento esteve encerrado ou com limitações de horário, que limitações foram essas e quando encerrou definitivamente, no que a DD respeita.

Custas pelos recorrentes, quanto ao recurso interposto por CC e F..., Lda; relativamente ao recurso interposto por DD, custas em função da proporção em que recorrente e recorrida ficarem vencidos a final.

Lisboa, 12 de Outubro de 2023

Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (relatora)

Fátima Gomes

Oliveira Abreu