Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
252/21.2YHLSB.L1.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: NUNO PINTO OLIVEIRA
Descritores: PROPRIEDADE INTELECTUAL
DESENHO OU MODELO COMUNITÁRIO
CONFUSÃO
BEM MÓVEL
CONCORRÊNCIA DESLEAL
ILICITUDE
CONCLUSÕES DA MOTIVAÇÃO
RECURSO DE REVISTA
OBJETO DO RECURSO
Data do Acordão: 10/24/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA (PROPRIEDADE INTELECTUAL)
Decisão: NEGADA
Sumário :
Face aos arts. 175.º, 177.º e 193.º do CPI, o critério relevante para determinar se há ou não há violação dos direitos de propriedade intelectual relativos a desenhos deve procurar-se na impressão global de um utilizador informado.
Decisão Texto Integral:

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

I. — RELATÓRIO

1. Larus — Artigos para construção e equipamentos, Lda., propôs a presente acção contra Vercourbandesign, Unipessoal, Lda., e Construções Pragosa, SA, pedindo:

A. — que as Rés sejam condenadas a:

I. — absterem-se de produzir, utilizar, fornecer ou comercializar, por qualquer meio, os modelos melhor identificados nos doc. nº. 12 a 18 da petição, e quaisquer produtos idênticos ou com aparência semelhante ao Modelo Industrial nº 30975 e ao Desenho ou Modelo n.º 3662, registado no INPI pela autora ou à Papeleira Point”;

II. — pagarem solidariamente à autora uma indemnização, destinada a compensar os danos patrimoniais e não patrimoniais correspondente à soma dos seguintes montantes:

a) Valor correspondente à margem que a autora deixou de auferir em resultado da actuação das rés, de montante não inferior a € 43.834,00 (quarenta e três mil oitocentos e trinta e quatro euros), a título de indemnização de perdas e danos patrimoniais;

b) € 5.000,00 (cinco mil euros), a título de danos não patrimoniais;

c) € 1.000,00 (mil euros), a título de compensação de encargos incorridos pela autora com vista à protecção, investigação e à cessação da conduta lesiva das rés.

d) A soma das alíneas a) e b) deve ser acrescida de juros de mora à taxa anual de 4%, a contar da data da citação, até efetivo e integral pagamento.

III. — Subsidiariamente, para o caso de não ser possível apurar o prejuízo efectivamente sofrido pela autora, apagarem, solidariamente, uma indemnização correspondente ao valor devido por uma licença contratual para produção e comercialização das unidades ilicitamente vendidas pelas rés, não inferior a € 37.157,26, acrescida da compensação dos encargos incorridos pela Autora com vista à protecção, investigação e à cessação da conduta lesiva da ré, acima indicados;

IV. — pagarem, a título de sanção pecuniária compulsória, a quantia de € 2.000 (dois mil euros), por cada exemplar dos modelos em causa que as rés venham, futuramente, a produzir ou comercializar em violação da condenação a proferir nestes autos;

B. — que seja ordenado, ao abrigo do artigo 348.º do CPI que todos os bens ilicitamente produzidos e/ou comercializados pelas rés — incluindo os instalados no Jardim da Almuinha, Leiria — sejam apreendidos e destruídos, a expensas das Rés.

2. O Tribunal da Propriedade Intelectual julgou a acção parcialmente procedente.

3. O dispositivo da sentença proferida pelo Tribunal da Propriedade Intelectual é do seguinte teor:

Pelo exposto, é julgada parcialmente procedente esta ação e, em consequência:

— A ré Construções Pragosa, SA é condenada a abster-se de produzir, utilizar, fornecer ou comercializar, por qualquer meio, o pilarete/dissuasor identificado na al. t), dos factos provados e quaisquer produtos idênticos ou com aparência semelhante ao Desenho ou Modelo n.º 3662, registado no INPI a favor da autora, enquanto se mantiver a validade desse registo;

— A ré Construções Pragosa, SA é condenada a pagar uma indemnização à autora, no valor de 4.375,31 euros, acrescida de juros de mora, a contar da data da citação, à taxa de 4% ao ano, até integral pagamento;

— A ré Construções Pragosa, SA é condenada a pagar uma sanção pecuniária compulsória, no valor de 200,00 euros por cada unidade de dissuasores/pilares que produza ou comercialize e que constitua cópia dos pilaretes/dissuasores da autora objeto desta ação.

— As rés e interveniente são absolvidas dos demais pedidos.

Custas pela autora e pela ré Construções Pragosa, SA, na proporção do decaimento.

4. Inconformadas, a Autora Larus — Artigos para construção e equipamentos, Lda., e a Ré Construções Pragosa, SA, interpuseram recursos de apelação.

5. O recurso interposto pela Autora Larus — Artigos para construção e equipamentos, Lda., pedia que fosse revogada a sentença recorrida, na parte em que:

I. - absolveu a Ré PRAGOSA dos pedidos de destruição dos pilaretes dissuasores de estacionamento por si fornecidos ao Município de Leiria e de publicação da decisão condenatória;

II. - absolveu as rés PRAGOSA e VECOURBANDESIGN dos pedidos relacionados com a violação do Modelo Industrial n.º 30.975 (Banco AXIS”).

6. Em consequência da revogação da sentença recorrida, na parte designada, considerava a Autora, então Apelante, que:

Nessa conformidade — para além do valor em que a ré PRAGOSA já foi condenada em 1ª Instância —, deverão condenar-se ambas as rés em todos os pedidos formulados na PI (sob os n.ºs I a VI), incluindo os relacionados com a violação do Modelo Industrial n.º 30.975 (Banco AXIS”), a saber:

- Abster-se de produzir, utilizar, fornecer ou comercializar, por qualquer meio, os modelos melhor identificados nos docs. nº. ***12 a 18 desta petição, e quaisquer produtos idênticos ou com aparência semelhante ao Modelo Industrial nº 30.975;

- Serem condenadas, solidariamente, a pagar à Autora uma indemnização, destinada a compensar os danos patrimoniais e não patrimoniais acima descritos, correspondente ao valor correspondente à margem que a Autora deixou de auferir em resultado da atuação das Rés, de montante não inferior a € 30.623,74 (trinta mil seiscentos e vinte e três euros e setenta e quatro cêntimos), a título de indemnização de perdas e danos patrimoniais, acrescido de juros de mora à taxa anual de 4%, a contar da data da citação, até efetivo e integral pagamento.

- Subsidiariamente, que as Rés sejam condenadas, solidariamente, a pagar-lhe uma indemnização correspondente ao valor devido por uma licença contratual para produção e comercialização das unidades do Banco AXIS ilicitamente vendidas pelas Rés, não inferior a € 22.968,91.

- Em qualquer caso, deverá ser ordenado, ao abrigo do art. 348 do CPI que todos os bens ilicitamente produzidos e/ou comercializados pelas Rés — pilaretes e bancos de jardim instalados no Jardim da Almuínha, Leiria — sejam apreendidos e destruídos, a expensas das Rés.

- Pagar à Autora, a título de sanção pecuniária compulsória, a quantia de € 2.000 (dois mil euros), por cada exemplar dos bancos acima referidos que as Rés venham, futuramente, a produzir ou comercializar em violação da condenação a proferir nestes autos.

- Deverá ainda ser ordenada a publicação da decisão final — a expensas das Rés – no jornal diário e semanário de maior tiragem nacional à data da sentença.

7. O recurso interposto pela Ré Construções Pragosa, SA, pedia que fosse revogada a sentença recorrida, na parte em que condenou a Ré Construções Pragosa, SA, substituindo-a por decisão que “julgue totalmente improcedente a acção, e absolva a Apelante de todo o peticionado na petição inicial.”

8. O Tribunal da Relação julgou totalmente improcedentes os dois recursos.

9. O dispositivo do acórdão recorrido é do seguinte teor.

Acordam as Juízes desta secção em:

I. Julgar totalmente improcedentes os dois recursos.

II. Condenar cada uma das recorrentes em custas pelo decaimento no respectivo recurso – artigo 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC.

10. Inconformada, a Autora Larus — Artigos para construção e equipamentos, Lda., interpôs recurso de revista.

11. Finalizou a sua alegação com as seguintes conclusões:

I. A apreciação da questão central deste recurso — definir, com rigor, o âmbito de proteção de que goza o titular de um registo de desenho ou modelo, à luz do art. 193.º do CPI — é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, revestindo inegável relevância social, pelo que deverá ser admitido o recurso de revista excecional para o STJ, ao abrigo das alíneas a) e b) do n.º 1 do art. 672.º do CPC.

II. Apesar de ter ficado provado que as rés PRAGOSA e VECOURBANDESIGN conheciam a LARUS e o seu modelo AXIS, e que, sabendo disso, a segunda fabricou e vendeu à primeira os 44 bancos referidos na alínea t) dos Factos Provados, as instâncias absolveram as rés dos pedidos referentes a estes bancos, por entenderem que tais modelos causam uma impressão global diferente num utilizador informado”.

III. Tendo as instâncias feito um correto enunciado dos critérios de comparação dos Desenhos ou Modelos, ao aplicá-los em concreto cometeram o mesmo erro: consideraram decisiva a inexistência de risco de confusão entre os modelos em confronto, recusando a tutela legal quando os utilizadores os consigam diferenciar.

IV. Esta conclusão não é legítima, nem conforme à disciplina dos Desenhos ou Modelos, conduzindo a resultados injustos que neutralizam, na prática, a proteção legal deste tipo de criações.

V. Na verdade, este raciocínio demonstra que as instâncias partiram de um pressuposto errado, tendo lançado mão de um critério de comparação próprio do Direito de Marcas, que é desajustado no domínio dos Desenhos ou Modelos:

VI. No âmbito dos sinais distintivos — que têm por função ordenar a concorrência, distinguindo produtos, serviços ou entidades concorrentes entre si — interessa apurar se as semelhanças entre os sinais são passíveis de gerar erro ou confusão nos destinatários (no caso, os consumidores); ou se, pelo contrário, estes conseguem detectar as diferenças” e, assim, evitar o risco de confusão.

VII. Em contrapartida, no âmbito dos desenhos ou modelos — cuja função é proteger o investimento criativo — não se pretende afastar a confusão dos consumidores, nem garantir que estes detectam as diferenças”, mas sim evitar que os concorrentes se apropriem desse investimento criativo, oferecendo ao público produtos com uma aparência semelhante à do modelo protegido.

VIII. Por isso, no contexto dos Desenhos ou Modelos, o critério de comparação é totalmente diferente do consagrado no Direito de Marcas: em vez de se indagar se há risco de confusão, o que se averigua é se a aparência dos produtos provoca, no utilizador informado, a mesma impressão global. Não interessa saber se ele corre o risco de não detectar as diferenças”, mas sim se a aparência de um modelo lhe causa a mesma impressão global que o outro.

IX. Assim, se a impressão global causada pelo segundo modelo for idêntica à causada pelo primeiro, tal significa que o fabricante do segundo, ao oferecer no mercado produtos com uma aparência semelhante, irá lesar o investimento criativo realizado pelo criador originário.

X. Portanto, quando a impressão global causada pelos dois modelos não seja distinta, a infração existe, mesmo que não haja qualquer risco de confusão.

XI. A esta luz, torna-se evidente o erro em que caíram o TPI e a Relação: tendo considerado que o utilizador informado seria capaz de detectar as diferenças”, retiraram daí a conclusão de que não havia imitação do modelo protegido…

XII. O uso deste critério desadequado conduz a resultados injustos, e mesmo absurdos, pois bastará pegar num modelo registado e introduzir-lhe umas quantas diferenças cosméticas” — mas facimente detectáveis pelo utilizador — e logo teremos um modelo lícito”, que não viola os dieitos exclusivos legalmente protegidos…

XIII. Por isso, se prevalecer a análise realizada pelas instâncias, mais vale abolir a proteção dos Desenhos ou Modelos, que se tornará praticamente inútil... pois só um imitador muito ingénuo é que conseguirá ser condenado!

XIV. Pois bem, basta confrontar os modelos de banco da LARUS e da VECOURBANDESIGN para concluir que eles causam a mesma impressão global ao observador informado.

XV. É certo que há algumas diferenças entre os bancos — e que um utilizador informado será capaz de as detetar —, mas tal não obsta a que a impressão global seja a mesma e que, por via disso, o investimento criativo feito na conceção do banco da LARUS seja lesado devido à comercialização do banco da VECOURBANDESIGN.

XVI. Um erro complementar — este cometido apenas pela Relação — foi desvalorizar a originalidade do modelo da Autora, extraindo conclusões precipitadas do texto da descrição do registo no INPI e partindo do pressuposto de que havia uma saturação da arte prévia”.

XVII. Ao contrário daquilo que precipitadamente concluiu a Relação, o Banco AXIS não apresenta diferenças menores em relação ao modelo clássico do banco de jardim”; pelo contrário, na altura em que foi registado esse modelo representou uma novidade marcante face aos modelos conhecidos, destacando-se como uma obra de design inovadora e altamente original.

XVIII. Perante isso, as diferenças entre os dois modelos, apuradas pelas instâncias (§§ 35 e 36 dos Factos Provados) — mesmo que sejam detectáveis” pelo utilizador — não são de molde a causar uma impressão global diferente.

XIX. Ou seja, estas diferenças visuais, de pormenor, não impedem que os modelos AXIS e VECO partilhem os mesmos traços morfológicos e princípios estruturais, em especial a configuração geral do Banco AXIS, cujas réguas conformam em perfil uma curvatura ergonómica, assentando num pé vertical em aço, de configuração original e inédita, com um efeito visual de suspensão gravítica.

XX. Assim, é forçoso concluir que ocorre um aproveitamento injusto e ilícito do investimento da LARUS na conceção do Banco AXIS.

XXI. Por isso, mal andaram as instâncias ao concluirem que o modelo de banco de jardim fornecido pela primeira ré à segunda ré “causa uma impressão global diferente num utilizador informado” e que não existe a alegada infração”.

XXII. Em consequência, vindo a ser dado provimento ao presente recurso, importará concluir que as rés-recorridas violaram o direito exclusivo da autora sobre este modelo registado, havendo que tirar daí as devidas consequências jurídico-processuais, em conformidade com os pedidos formulados nos autos.

XXIII. O acórdão recorrido violou, pois, o disposto nos arts. 193, 347, 348 e 350 do CPI.

Assim, julgando-se procedente o recurso, deverão revogar-se as doutas decisões recorridas, na parte em que absolveram as rés PRAGOSA e VECOURBANDESIGN dos pedidos relacionados com a violação do Modelo Industrial n.º 30.975 (Banco AXIS”).

Nessa conformidade — para além do valor em que a ré PRAGOSA já foi condenada em 1ª Instância —, deverão condenar-se ambas as rés em todos os pedidos formulados na PI (sob os n.ºs I a VI), incluindo os relacionados com a violação do Modelo Industrial n.º 30.975 (Banco AXIS”), a saber:

— Abster-se de produzir, utilizar, fornecer ou comercializar, por qualquer meio, os modelos melhor identificados nos docs. nº 12 a 18 da PI, e quaisquer produtos idênticos ou com aparência semelhante ao Modelo Industrial nº 30.975;

— Serem condenadas, solidariamente, a pagar à Autora uma indemnização, destinada a compensar os danos patrimoniais e não patrimoniais acima descritos, correspondente ao valor correspondente à margem que a Autora deixou de auferir em resultado da atuação das Rés, de montante não inferior a € 30.623,74 (trinta mil seiscentos e vinte e três euros e setenta e quatro cêntimos), a título de indemnização de perdas e danos patrimoniais, acrescido de juros de mora à taxa anual de 4%, a contar da data da citação, até efetivo e integral pagamento.

— Subsidiariamente, que as Rés sejam condenadas, solidariamente, a pagar-lhe uma indemnização correspondente ao valor devido por uma licença contratual para produção e comercialização das unidades do Banco AXIS ilicitamente vendidas pelas Rés, não inferior a € 22.968,91.

— Em qualquer caso, deverá ser ordenado, ao abrigo do art. 348 do CPI que todos os bens ilicitamente produzidos e/ou comercializados pelas Rés — pilaretes e bancos de jardim instalados no Jardim da Almuínha, Leiria — sejam apreendidos e destruídos, a expensas das Rés.

— Pagar à Autora, a título de sanção pecuniária compulsória, a quantia de € 2.000 (dois mil euros), por cada exemplar dos bancos acima referidos que as Rés venham, futuramente, a produzir ou comercializar em violação da condenação a proferir nestes autos.

— Deverá ainda ser ordenada a publicação da decisão final — a expensas das Rés —, no jornal diário e semanário de maior tiragem nacional à data da sentença.

Assim se fazendo inteira JUSTIÇA.

SEM PRESCINDIR:

- Considerando o imperativo de que as normas do Direito da União Europeia gozem de uma interpretação e aplicação uniformes em todos os Estados-membros da União;

- Atenta a incerteza que, nos tribunais portugueses, rodeia a interpretação do artigo 193.º, n.º 1, do Código da Propriedade Industrial — que resulta da transposição do artigo 9.º da Directiva n.º 98/71/CE do Parlamento e do Conselho de 13 de Outubro relativa à proteção legal de Desenhos ou Modelos — no que respeita ao âmbito de proteção de que gozam os desenhos ou modelos registados.

- Tendo em conta que das decisões do Supremo Tribunal de Justiça não cabe recurso ordinário;

- Considerando o disposto no 3.º parágrafo do art. 267.º do Tratado Sobre o Funcionamento da União Europeia,

Requer que, ao abrigo do disposto no art. 272.º, n.º 1 do CPC, seja decretada a suspensão da instância e endereçado ao Tribunal de Justiça da União Europeia um pedido de decisão prejudicial, nos termos do art. 267.º, alínea b) do Tratado Sobre o Funcionamento da União Europeia, a fim de esclarecer as seguintes questões:

1. O artigo 9.º da Directiva n.º 98/71/CE do Parlamento e do Conselho de 13 de Outubro relativa à proteção legal de Desenhos ou Modelos deve ser interpretado no sentido de que, para apurar se dois desenhos ou modelos suscitam uma impressão global diferente no utilizador informado, é relevante saber se este utilizador informado corre o risco de os confundir?

2. Ou, pelo contrário, quando a impressão global causada pelos dois desenhos ou modelos não seja diferente, o titular do desenho ou modelo registado tem o direito de impedir o uso do outro desenho ou modelo, mesmo que o utilizador informado consiga detetar diferenças entre eles, não incorrendo no risco de os confundir?

12. A Formação prevista no artigo 672.º, n.º 3, do Código de Processo Civil admitiu o recurso de revista, por via excepcional.

13. Como o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente (cf. artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. artigo 608.º, n.º 2, por remissão do artigo 663.º, n.º 2, do Código de Processo Civil), as questões a decidir, in casu, são as seguintes:

— qual o critério relevante para determinar se há violação dos direitos de propriedade intelectual da Autora, agora Recorrente, relativos ao desenho do Banco AXIS;

— se as Rés, agora Recorridas, se aproveitaram ilicitamente do investimento da Autora, agora Recorrente, no desenho do Banco AXIS;

em caso de resposta afirmativa,

— se, em consequência do aproveitamento ilícito do investimento da Autora, agora Recorrente, no desenho do Banco AXIS,

a. — se as Rés, agora Recorridas, devem ser condenadas nas prestações de facto, positivo e negativo, requeridas pela Autora, agora Recorrente;

b. — se deve ser decretada a apreensão e a destruição dos bancos de jardim instalados no Jardim da Almuínha, Leiria, a expensas da Ré;

c. — se deve ser decretada a publicação da decisão final nos jornais diário e semanal de maior tiragem nacional.

II. — FUNDAMENTAÇÃO

OS FACTOS

14. O Tribunal da Propriedade Intelectual e o Tribunal da Relação de Lisboa deram como provados os factos seguintes:

a) A autora dedica-se à concepção, desenvolvimento, fabrico e comercialização produtos de mobiliário urbano destinados aos mercados de construção civil e equipamentos, públicos e domésticos, além de mobiliário de escritório e para outros tipos de construção e obras públicas – teor da certidão permanente com o código 6482-5188-5048.

b) A autora tem como estratégia comercializar produtos que cria e desenvolve através da sua equipa de design.

c) A autora recorre ainda à colaboração de designers e projetistas externos, tais como AA, BB, CC, DD ou EE.

d) A autora já ganhou os prémios de design que constam dos documentos que a autora junta como documentos n.ºs 1 a 11.

e) A autora é, desde 31/1/2004, titular do registo de desenho industrial, n.º 30975, relativo ao modelo de banco AXIS”, assim representado:

Cfr. teor do documento que a autora junta como n.º 12, cujo teor de dá por reproduzido

f) Este modelo de banco é constituído por réguas assentes numa estrutura curva, que assenta em dois pés verticais.

g) A autora é titular do registo de desenho n.º 3662, relativo ao modelo de pilarete linha +”, assim representado:



Cfr. teor do documento que a autora junta como n.º 14, cujo teor de dá por reproduzido.

h) O modelo de pilarete referido é constituído por um elemento vertical com uma secção em cruz octogonal.

i) A papeleira Point” comercializada pela autora foi concebida por FF e GG a pedido da autora, em 2012, os quais declararam que os direitos de autor pertenceriam à autora – teor do documento que a autora junta como nº 17.

j) A referida papeleira destina-se a uso exterior, em parques ou jardins, tem uma forma cilíndrica, com tampa horizontal de formato circular, assente num pilar central que transmite uma ideia de leveza, de levitação e é representada assim:


k) Provado que a autora é conhecida no mercado em que trabalha.

l) A ré Vecourbandesign Unipessoal, Lda, dedica-se ao fabrico e comercialização de mobiliário urbano e parques infantis.

m) A ré Construções Pragosa, SA é uma empresa que se dedica à construção civil e obras públicas.

n) Em 2017, a ré Construções Pragosa, SA ganhou um concurso público lançado pela C. M. Leiria e subsequente adjudicação, que incluía a realização de diversos trabalhos de construção civil e o fornecimento e instalação de peças de mobiliário urbano, incluindo bancos de jardim, dissuasores e papeleiras, entre outros.

o) No âmbito daquele concurso público, nos respetivos documentos descritivos, eram apresentadas pela C. M. Leiria, para os bancos de jardim, o exemplo do banco AXIS e para o dissuasor/pilarete, o exemplo do dissuasor/pilarete LINHA +”, ambos da autora. No entanto, nos mesmos documentos, o exemplo da papeleira era referente a produtor diverso.

p) No âmbito do referido concurso público, em 27/4/2018 a ré Pragosa solicitou à autora um orçamento para fornecimento de artigos no âmbito do concurso público aludido, tendo remetido a lista de artigos, com a indicação de que poderiam ser propostos equipamentos alternativos, tal como resultava do mapa de quantidades – teor do documento que a autora junta como n.º 20.

q) A autora remeteu à ré um orçamento no valor global de 54.705,34 euros, (valor sem IVA), relativo a 26 bancos linha Axis c/c 1800, no valor unitário de 651,58 euros; 14 bancos linha Axis c/c 2500, no valor unitário de 907,80 euros; 4 bancos linha Axis c/c 3000, no valor unitário de 2.157,81 euros e 193 dissuasores linha +, no valor unitário de 75,58 euros – teor do documento que a autora junta como n.º 21.

r) A autora vende a papeleira Point” ao preço unitário de 428,70 euros.

s) A ré tem custos de produção dos referidos produtos, que estão refletidos nos preços finais referidos, sendo que a margem de lucro da autora não é inferior a 30%, sendo que por força do fornecimento feito pelas rés, a autora deixou de vender os seus produtos.

t) No âmbito do aludido concurso, a ré Construções Pragosa, SA instalou, além de outros, os seguintes equipamentos, nas quantidades constantes do caderno de encargos:

44 bancos, correspondentes aos da imagem seguinte:

39 papeleiras correspondentes às da imagem seguinte:

193 pilaretes/dissuasores correspondentes à seguinte imagem:

u) Para efeitos da referida instalação, a ré Construções Pragosa, SA adquiriu os bancos e as papeleiras à ré Vecourbandesign - Unipessal, Lda e os dissuasores à interveniente J.C. Bento.

Dissuasores/pilaretes

v) Os dissuasores que a autora comercializa correspondentes ao modelo que tem registado são fabricados em ferro fundido como peça única. Os que a ré instalou são constituídos por duas chapas que encaixam uma na outra para forma cruz, em construção soldada, pintada. São chumbados ao solo sem qualquer tipo de acessório à superfície do solo.

w) A cruz do modelo da autora tem maior espessura – cerca de 8 mm – do que a do modelo da interveniente J. C. Bento, com 6 mm. A espessura da cruz é maior no ponto central da cruz (zona de interceção) do que nas extremidades.

x) O modelo da autora tem as arestas arredondadas. O da interveniente, retilíneas.

y) A interveniente J. C. Bento produziu os pilaretes de acordo com um desenho enviado pela ré Construções Pragosa, SA e desconhecia a autora.

Banco Axis

z) O Banco Axis da autora tem as réguas em madeira e os pés em ferro fundido ficando a sua fixação oculta no solo e os bancos instalados pela autora têm os pés em chapa de aço e é visível uma sapata que é fixada ao solo por bucha.

aa) A curvatura dos assentos dos bancos Axis e do instalado pela ré apresenta diferenças ergonómicas, que se refletem no seu conforto. O banco fornecido pela ré Vecourbandesign -unipessal, Lda tem uma curvatura na última régua das costas e na última do assento que o banco da autora não apresenta. O ângulo formado pelo assento e pelo encosto é diferente nos dois bancos.

Papeleira

bb) A papeleira da autora é feita em ferro fundido, com uma tampa em ferro fundido, com fecho de segurança. A papeleira da ré Vecourbandesign - Unipessal, Lda é em aço com tratamento metálico.

cc) A capacidade da papeleira da ré é de 50 litros e capacidade da papeleira da autora, de 40 litros.

dd) A papeleira da ré tem o cilindro mais largo do que a da autora e o suporte cilíndrico da papeleira da autora tem 275 mm de diâmetro.

ee) O tampo da papeleira da autora tem dobradiças e da ré, parafusos inox e batente em borracha e não tem dobradiças.

ff) A fixação da papeleira da autora é oculta no solo e a da ré é visível, porque é feita através do cilindro referido em dd).

gg) A ré Vecourbandesign - Unipessal, Lda foi titular do registo de desenho ou modelo 2992, pedido em 24/10/2012 e que veio a caducar em 7/5/2019, por falta de: pagamento, que protegia o seguinte modelo de banco – docs. que a ré Vecourbandsign junta como n.ºs 3 a 5

hh) Pelo menos as rés Construções Pragosa, SA e Vecourbandesign - Unipessal, Lda conheciam a autora.

ii) Para além da consulta referida em p), a ré Construções Pragosa, SA fez a mesma consulta a várias empresas do mercado para obter orçamentos quanto aos equipamentos objeto do contrato, entre as quais, a co-ré Vecourbandesign - Unipessal, Lda.

jj) Pelos produtos que vendeu à ré Construções Pragosa, SA, a ré Vecourbandesign -Unipessoal, Lda foram emitidas as faturas seguintes:

- n.º 2190429, datada de 22/04/2019, no valor de € 2.637,62; (Doc. 1, junto pela ré Vecourbandesign)

- n.º 2190512, datada de 08/05/2019, no valor de € 37.362,60 (Doc.2, junto pela ré Vecourbandesign).

kk) A ré Construções Pragosa, SA adquiriu os pilaretes à interveniente J. C. Bento pelo valor unitário de 28,00 euros – que do documento que esta ré juntou como n.º 1, com a sua contestação.

ll) Caso a autora licenciasse os seus produtos, fá-lo-ia pelo menos por valor equivalente ao de venda dos seus produtos.

15. Em contrapartida, o Tribunal de 1.ª instância e o Tribunal da Relação deram como não provados os factos descritos nos artigos 27, 31, 32, 33, (sem prejuízo de serem conclusivos e do que resultou provado quanto aos pilaretes), 39, 40, 43, 51 (quanto à interveniente) 72, 73, 75, 78 e 79 da petição inicial, nos artigos 24, 25 e 26 (sem prejuízo dos aspetos que ficaram provados quanto aos bancos) da contestação da Ré Vecourbandesign e nos artigos 30, 32 e 34 (sem prejuízo dos aspetos que ficaram provados quanto aos pilaretes) da contestação da Ré / Interveniente J. C. Bento.

O DIREITO

16. A primeira questão suscitada pela Autora, agora Recorrente, consiste em averiguar qual é o critério relevante para determinar se há ou não há violação dos direitos de propriedade intelectual da Autora, agora Recorrente, relativos ao desenho do Banco AXIS.

17. A Autora, agora Recorrente, alega que o critério aplicado pelo Tribunal da Propriedade Intelectual e pelo Tribunal da Relação é inadequado aos desenhos ou modelos.

I. — O Tribunal da Propriedade Intelectual e o Tribunal da Relação teriam aplicado aos desenhos ou modelos o critério da confusão ou do risco de confusão e, em lugar do critério da confusão ou do risco de confusão, deveriam ter aplicado o critério da impressão global de um utilizador informado:

VIII. […] no contexto dos Desenhos ou Modelos, o critério de comparação é totalmente diferente do consagrado no Direito de Marcas: em vez de se indagar se há risco de confusão, o que se averigua é se a aparência dos produtos provoca, no utilizador informado, a mesma impressão global. Não interessa saber se ele corre o risco de não “detectar as diferenças”, mas sim se a aparência de um modelo lhe causa a mesma impressão global que o outro.

IX. Assim, se a impressão global causada pelo segundo modelo for idêntica à causada pelo primeiro, tal significa que o fabricante do segundo, ao oferecer no mercado produtos com uma aparência semelhante, irá lesar o investimento criativo realizado pelo criador originário.

X. Portanto, quando a impressão global causada pelos dois modelos não seja distinta, a infração existe, mesmo que não haja qualquer risco de confusão.

II. — Em consonância com os argumentos deduzidos pela Autora, agora Recorrente, seria irrelevante averiguar se um utilizador informado corre, ou não, o risco de confundir os desenhos ou modelos — “quando a impressão global causada pelos dois desenhos ou modelos não [fosse] diferente, o titular do desenho ou modelo registado [teria] o direito de impedir o uso do outro desenho ou modelo, mesmo que o utilizador informado [conseguisse] detetar diferenças entre eles, não incorrendo no risco de os confundir”.

18. A questão suscitada pela Autora, agora Recorrente, relaciona-se com o âmbito da protecção conferida pelos direitos de propriedade industrial sobre desenhos e modelos 1.

I. — Os artigos 3.º, n.º 1, e 5.º, n.º 1, da Directiva n.º 98/71/CE, de 13 de Outubro de 1998, determinam que “[u]m desenho ou modelo será protegido pelo registo na medida em que seja novo e possua carácter singular” e que “um desenho ou modelo possui carácter singular se a impressão global que suscita no utilizador informado diferir da impressão global suscitada nesse utilizador por qualquer desenho ou modelo divulgado ao público antes da data do pedido de registo ou, se for reivindicada uma prioridade, antes da data de prioridade”.

II. — Em complemento dos artigos 3.º, n.º 1, e 5.º, n.º 1, o artigo 9.º da Directiva n.º 98/71/CE é do seguinte teor:

1. — O âmbito da protecção conferida pelo direito sobre desenhos e modelos abrange todos os desenhos e modelos que não suscitem uma impressão global diferente no utilizador informado.

2. — Na apreciação do âmbito de protecção, deve ser tomado em consideração o grau de liberdade de que o criador dispôs na realização do seu desenho ou modelo.

III. — Os artigos 175.º, n.º 1, e 177.º, n.º 1, do Código da Propriedade Industrial corresponde sensivelmente aos artigos 3.º, n.º 1, e 5.º, n.º 1, da Directiva n.º 98/71/CE.

O artigo 175.º, n.º 1, diz que “[g]ozam de proteção legal os desenhos ou modelos novos que tenham carácter singular” e o artigo 177.º, n.º 1, que “um desenho ou modelo possui carácter singular se a impressão global que suscita no utilizador informado diferir da impressão global causada a esse utilizador por qualquer desenho ou modelo divulgado ao público antes da data do pedido de registo ou da prioridade reivindicada”.

IV. — O artigo 193.º do Código da Propriedade Industrial, esse, corresponde sensivelmente ao artigo 9.º da Directiva n.º 98/71/CE:

1. — O âmbito da proteção conferida pelo registo abrange todos os desenhos ou modelos que não suscitem uma impressão global diferente no utilizador informado.

2. — Na apreciação do âmbito de proteção deve ser tomado em consideração o grau de liberdade de que o criador dispôs para a realização do seu desenho ou modelo.

19. Face aos artigos 175.º, 177.º e 193.º do Código da Propriedade Industrial, o critério relevante para determinar se há ou não há violação dos direitos de propriedade intelectual da Autora, agora Recorrente, relativos ao desenho do Banco AXIS deve procurar-se na impressão global do utilizador, desde que o utilizador seja um utilizador informado.

20. Entre os contributos para a concretização do critério do utilizador informado está o considerando 13 da Directiva n.º 98/71/CE, de 13 de Outubro de 1998:

“[…] a apreciação do carácter singular de um desenho ou modelo […] deve basear[-se] na diferença clara entre a impressão global suscitada num utilizador informado que observe o desenho ou modelo e o património de formas, atendendo à natureza do produto a que o desenho ou modelo se aplica ou em que está incorporado, designadamente o sector industrial a que pertence, e ao grau de liberdade do criador na realização do desenho ou modelo”.

21. Entrando na apreciação dos argumentos deduzidos pela Autora, agora Recorrente, dir-se-á duas coisas:

22. Em primeiro lugar, deve admitir-se que o critério da diferença clara entre a impressão global suscitada num utilizador informado é do ponto de vista da linguagem corrente contíguo ao critério do risco de confusão, sobretudo porque o risco de confusão relevante para a comparação entre sinais distintivos, como as marcas, é apreciado globalmente, por referência ao padrão ou standard de um consumidor médio 2.

23. Em segundo lugar, ainda que se admita que há uma contiguidade entre os dois critérios do ponto de vista da linguagem corrente e que a contiguidade entre os dois critérios explica que se diga, p. ex., que há uma diferença clara quando não há nenhum risco de confusão 3, deve esclarecer-se que daí não decorre que se faça uma qualquer confusão do ponto de vista dos conceitos e das estruturas jurídicos.

24. Ora, ainda que as decisões das instâncias contivessem algumas expressões eventualmente evocativas do risco de confusão, os critérios aplicados pelo Tribunal da Propriedade Intelectual e pelo Tribunal da Relação correspondem exactamente ao critério dos artigos 175.º, 177.º e 193.º do Código da Propriedade Industrial — correspondem exactamente ao critério da impressão global de um utilizador informado 4.

25. A segunda questão suscitada pela Autora, agora Recorrente, consiste em averiguar se as Rés, agora Recorridas, se aproveitaram ilicitamente do investimento da Autora, agora Recorrente, no desenho do Banco AXIS.

26. O aproveitamento ilícito poderia porventura resultar de uma ingerência nos direitos de propriedade industrial da Autora, agora Recorrente, sobre desenhos ou modelos.

27. Os factos dados como provados em relação aos bancos de jardim são os seguintes:

z) O Banco Axis da autora tem as réguas em madeira e os pés em ferro fundido ficando a sua fixação oculta no solo e os bancos instalados pela autora têm os pés em chapa de aço e é visível uma sapata que é fixada ao solo por bucha.

aa) A curvatura dos assentos dos bancos Axis e do instalado pela ré apresenta diferenças ergonómicas, que se refletem no seu conforto. O banco fornecido pela ré Vecourbandesign -unipessoal, Lda tem uma curvatura na última régua das costas e na última do assento que o banco da autora não apresenta. O ângulo formado pelo assento e pelo encosto é diferente nos dois bancos.

28. O aplicador do direito deve aplicar o critério da impressão global de um utilizador informado, atendendo designadamente à “natureza do produto a que o desenho ou modelo se aplica” — e, atendendo à natureza do produto a que o desenho ou modelo se aplica, as diferenças entre bancos de jardim, em madeira, são (tendem a ser) limitadas a elementos como a curvatura dos assentos, ou como ângulo formado pelos assentos e pelos encostos, ou como os materiais ou o método de fixação ou de instalação.

29. Ora, o utilizador informado relevante para efeitos dos artigos 175.º, 177.º e 193.º do Código da Propriedade Industrial é (terá de ser) um utilizador sensível aos elementos em que há, ou em que pode haver, diferenças entre bancos de jardim — e, em consequência, entre a impressão global do utilizador informado que observasse os bancos desenhados pela Autora, agora Recorrente, e a impressão global do utilizador informado que observasse os bancos instalados pelas Rés, agora Recorridas, existirá (terá de existir) uma diferença clara.

30. Excluída a hipótese de haver um aproveitamento ilícito por ingerência nos direitos de propriedade industrial, a alegação da Autora, agora Recorrente, aproxima-se de uma alegação de concorrência contrária aos usos honestos do ramo de actividade económica das Rés, agora Recorridas — logo, de uma alegação de concorrência desleal 5.

31. O facto dado como provado sob a alínea hh) diz-nos que “[a]s rés Construções Pragosa, SA e Vecourbandesign - Unipessal, Lda conheciam a autora”; o facto dado como provado sob a alínea p), que “a ré Pragosa solicitou à autora um orçamento para fornecimento de artigos […]”; o facto dado como provado sob a alínea ii) diz-nos que “a ré Construções Pragosa, SA fez a mesma consulta a várias empresas do mercado para obter orçamentos quanto aos equipamentos objeto do contrato, entre as quais a co-ré Vecourbandesign - Unipessal, Lda”; o facto dado como provado sob a alínea q) diz-nos que “[a] autora remeteu à ré um orçamento no valor global de 54.705,34 euros, (valor sem IVA), relativo a 26 bancos linha Axis c/c 1800, no valor unitário de 651,58 euros; 14 bancos linha Axis c/c 2500, no valor unitário de 907,80 euros; 4 bancos linha Axis c/c 3000, no valor unitário de 2.157,81 euros e 193 dissuasores linha +, no valor unitário de 75,58 euros […]”.

32. Ora o facto de as Rés conhecerem a Autora, ou de a Ré Construções Pragosa ter consultado a Autora Larus e a co-Ré Vecourbandesign, ou de a Autora Larus e a co-Ré Vecourbandesign terem apresentado orçamentos é algo que corresponde aos usos da actividade económica das co-Rés, nenhuma razão se encontrando para os considerar como desonestos. Entre aproveitar-se do investimento da Autora e conhecer ou consultar a Autora, agora Recorrente, há uma diferença fundamental — aproveitar-se do investimento da Autora, agora Recorrente, é algo de ilícito; conhecê-la ou consultá-la, sem mais, é algo de lícito. Os factos dados como provados não sugerem de forma nenhuma que as Rés, agora Recorrida, tenha feito algo de ilícito; não sugerem, de forma nenhuma, que as Rés, agora Recorrentes, se tenham aproveitado do investimento da Autora — sustentam, só, que fizerem algo de lícito.

33. Face à resposta dada à segunda questão, fica prejudicada a terceira — se, em consequência do aproveitamento ilícito do investimento da Autora, agora Recorrente, no desenho do Banco AXIS, as Rés, agora Recorridas, devem ser condenadas nas prestações de facto, positivo e negativo, requeridas pela Autora, agora Recorrente; se deve ser decretada a apreensão e a destruição dos bancos de jardim instalados no Jardim da Almuínha, Leiria, a expensas da Ré; ou se deve ser decretada a publicação da decisão final nos jornais diário e semanal de maior tiragem nacional.

34. Finalmente, dir-se-á que a Autora, agora Recorrente, faz uma referência específica à questão da condenação das Rés, agora Recorridas, à destruição dos pilaretes e uma referência genérica à publicação da decisão final nos jornais diário e semanal de maior tiragem nacional:

“Nessa conformidade — para além do valor em que a ré PRAGOSA já foi condenada em 1ª Instância —, deverão condenar-se ambas as rés em todos os pedidos formulados na PI (sob os n.ºs I a VI), incluindo os relacionados com a violação do Modelo Industrial n.º 30.975 (Banco “AXIS”), a saber: […]

— Em qualquer caso, deverá ser ordenado, ao abrigo do art. 348 do CPI que todos os bens ilicitamente produzidos e/ou comercializados pelas Rés — pilaretes e bancos de jardim instalados no Jardim da Almuínha, Leiria — sejam apreendidos e destruídos, a expensas das Rés. […]

— Deverá ainda ser ordenada a publicação da decisão final — a expensas das Rés —, no jornal diário e semanário de maior tiragem nacional à data da sentença”.

35. O Tribunal da Propriedade Intelectual e o Tribunal da Relação concordaram em três coisas:

I. — em que havia uma violação dos direitos de propriedade industrial da Autora, agora Recorrente, relativos aos pilaretes;

II. — em que, ainda que houvesse violação dos direitos da Autora, agora Recorrente, relativos aos pilaretes, era desnecessário decretar que a decisão final fosse publicada nos jornais diário e semanário de maior tiragem nacional;

III. — em que, ainda que houvesse violação dos direitos da Autora, agora Recorrente, relativos aos pilaretes, era desproporcionado decretar que os pilaretes fossem apreendidos e destruídos.

36. Em primeiro lugar, ainda que houvesse violação dos direitos da Autora, agora Recorrente, relativos aos pilaretes, era desnecessário decretar que a decisão final fosse publicada nos jornais diário e semanário de maior tiragem nacional.

37. O acórdão recorrido explica que,

“85. Embora tenha sido requerida pela autora a publicação da sentença condenatória o Tribunal a quo não ordenou essa publicação. Os factores levados em conta foram a inexistência de degradação da imagem da autora e a inexistente gravidade da infracção.

86. À luz do disposto no artigo 350.º do CPI interpretado em conformidade com o considerando 27 da Directiva 2004/48/CE, afigura-se que o poder dever consagrado naquele preceito legal depende da verificação de certos pressupostos, como o engano público, a degradação da imagem ou dos produtos contrafeitos ou a gravidade da infracção, os quais não ficaram demonstrados nos autos.

87. Pelo que, não merece censura a decisão recorrida, improcedendo nesta parte o primeiro recurso”.

38. Em segundo lugar, ainda que houvesse violação dos direitos da Autora, agora Recorrente, relativos aos pilaretes, seria desproporcionado decretar que fossem destruídos.

39. O acórdão recorrido explica que,

“82. No caso em análise, os pilaretes produzidos e vendidos em infracção ao direito ao desenho ou modelo da autora não continuam disponíveis nos circuitos do mercado. Com efeito, já foram colocados num jardim público. A sua destruição e substituição por outros, ainda que a expensas da infractora, acarretaria obras e consequentes transtornos para os utentes do jardim, o que se afigura desproporcional à gravidade da infracção e não atender aos legítimos interesses da Câmara Municipal de Leiria e dos utentes do jardim, que são terceiros de boa fé.

83. Pelo que, não merece qualquer censura a decisão recorrida nesta parte, já que aplicou correctamente o princípio da proporcionalidade que é um princípio geral do direito da União expressamente consagrado no artigo 10.º da Directiva 2004/48/CE e no artigo 348.º n.º 2 do CPI”.

40. Ora, ainda que as duas questões sejam referidas, as conclusões do recurso de revista são totalmente omissas a seu respeito — e, como as conclusões do recurso de revista sejam totalmente omissas a seu respeito, o Supremo Tribunal de Justiça não poderá pronunciar-se sobre nenhuma das duas questões referidas 6.

III. — DECISÃO

Face ao exposto, nega-se provimento ao recurso e confirma-se o acórdão recorrido.

Custas pela Recorrente Larus — Artigos para construção e equipamentos, Lda.

Lisboa, 24 de outubro de 2023

Nuno Pinto Oliveira (relator)

Maria dos Prazeres Pizarro Beleza

Manuel Capelo

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1. Sobre os desenhos e modelos, vide por todos, ainda que ao abrigo de anterior legislação, José de Oliveira Ascensão, Direito comercial, vol. II — Direito industrial, s/e, Lisboa, 1988, págs. 207 ss-

2. Cf. designadamente os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de de 17 de Abril de 2008 — processo n.º 08A375 —, de 26 de Fevereiro de 2015 — processo n.º 1288/05.6TYLSB.L1.S1 — ou de 24 de Novembro de 2016 — processo n.º 267/2001.E2.S2.

3. Cf. designadamente o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Dezembro de 2021 — processo n.º 02B1327 —, em cujo sumário se escreve que “[o] grau de semelhança entre dois modelos industriais é dado pela possibilidade de confusão entre ambos, dando lugar a que se estabeleça e potencie a sua associação mental por parte dos respectivos consumidores ou utilizadores”.

4. Esclarecido que o critério que de facto deve aplicar-se corresponde exactamente ao critério que a Autora, agora Recorrente, alega que devia aplicar-se, o reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça da União Europeia é algo de desnecessário.

5. Cf. artigo 311,º do Código da Propriedade Industrial.

6. Cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de Dezembro de 2022 — processo n.º 2526/17.8T8LRA.C1.S1 —, em cujo sumário se escreve: “I - É nas conclusões que o recorrente delimita o objecto do recurso, não podendo o tribunal ad quem conhecer de questões nelas não incluídas, salvo as questões de conhecimento oficioso (artigos 635º/4 e 639º/1 do CPC). II – Se as conclusões do recurso são totalmente omissas a respeito do fundamento jurídico da decisão da Relação está vedado ao Supremo Tribunal de Justiça, como tribunal de recurso, sindicar a interpretação jurídica que a Relação fez da matéria de facto”.