Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
000598
Nº Convencional: JSTJ00002057
Relator: MELO FRANCO
Descritores: SANEAMENTO
CREDITO LABORAL
PRESCRIÇÃO
PRAZO
UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Nº do Documento: SJ198502130005984
Data do Acordão: 02/13/1985
Votação: MAIORIA COM 1 DEC VOT E 1 VOT VENC
Referência de Publicação: DR IS 1985/03/26, PÁG. 791 A 796 - BMJ Nº 344 ANO 1985 PÁG. 183
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PARA TRIBUNAL PLENO
Decisão: TIRADO ASSENTO.
Indicações Eventuais: ASSENTO DO STJ.
Área Temática: DIR TRAB - CONTRAT INDIV TRAB.
Legislação Nacional: DL 40/77 DE 1977/01/29 ARTIGO 1 ARTIGO 2 N1 N2 ARTIGO 3 N1 ARTIGO 4 ARTIGO 5 ARTIGO 6 ARTIGO 7 ARTIGO 8 ARTIGO 9 ARTIGO 10 ARTIGO 11.
CONST76 ARTIGO 51 N1 ARTIGO 52 B ARTIGO 281 N2 ARTIGO 282.
DL 372-A/75 DE 1975/07/16 ARTIGO 9 N1.
DL 471/76 DE 1976/06/14.
DL 54/74 DE 1974/02/15 ARTIGO 28. CPT81 ARTIGO 49 N3.
PORT 280/76 DE 1976/05/04 ARTIGO 68 N4.
RCR 286/80 IN DR DE 1980/08/19.
DL 49408 DE 1969/11/24 ARTIGO 38 N1.
CPC67 ARTIGO 763.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO STJ DE 1981/10/23 IN AD N240 PAG1522.
ACÓRDÃO STJ DE 1982/04/16 IN AD N247 PAG1024.
ACÓRDÃO STJ DE 1983/01/14 IN AD N263 PAG1384.
ACÓRDÃO STJ DE 1983/03/18 IN BMJ N325 PAG483.
ACÓRDÃO STJ DE 1982/05/28 IN BMJ N317 PAG128.
ASSENTO DE 1953/05/24.
Sumário :
O prazo de prescrição dos creditos resultantes do afastamento dos trabalhadores abrangidos pelo Decreto-Lei n. 40/77, de 29 de Janeiro, inicia-se com a entrada em vigor deste diploma, suspende-se com o requerimento para a instauração do inquerito administrativo e volta a correr apos a frustração da tentativa de conciliação requerida no prazo legal.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Pleno do Supremo Tribunal de Justiça:

A... recorreu para o Pleno do Supremo Tribunal de Justiça do acordão de 18 de Março de 1983, fotocopiado a folhas 5/9, por o considerar em oposição com o acordão tambem deste Supremo Tribunal, de 28 de Maio de 1982, publicado no Boletim do Ministerio da Justiça, n. 317, paginas 128 e seguintes.
Por acordão da Secção, proferido nos termos e para os efeitos do n. 1 do artigo 766 do Codigo de Processo Civil, foi reconhecida a oposição e ordenado o prosseguimento do recurso que se encontra devidamente alegado, tendo o Excelentissimo Procurador-Geral Adjunto emitido douto parecer, onde conclui pela proposta de assento nos seguintes termos:
"O prazo de prescrição dos creditos resultantes das situações de afastamento de trabalhadores abrangidos pelo Decreto-Lei n. 40/77, de 29 de Janeiro, inicia-se com a entrada em vigor deste diploma e suspende-se com a apresentação do requerimento para instauração do inquerito administrativo nele previsto".
"Vindo a ocorrer, na sequencia deste inquerito administrativo, tentativa previa de conciliação, aquele prazo volta a correr a partir da data da sua frustração".
Correram os vistos legais.
A oposição entre os dois arestos e manifesta.
Com efeito: a) No acordão recorrido decidiu-se que a prescrição dos creditos do trabalhador "afastado" irregularmente da empresa onde prestava os seus serviços profissionais, ocorrido entre 25 de Abril de 1974 e 25 de Abril de 1976, se conta a partir da data da entrada em vigor do Decreto-Lei n. 40/77, de 29 de Janeiro; b) Enquanto que no acordão de 28 de Maio de 1982 se decidiu que aquele prazo se iniciava, em caso identico, a partir da realização da tentativa de conciliação sem exito.
Os acordãos em causa foram proferidos no dominio da mesma legislação - o Decreto-Lei n. 40/77 e o artigo 38 do Regime Juridico do Contrato Individual do Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n. 49408 - e respeitam a mesma questão fundamental de direito - a contagem do inicio do prazo de prescrição dos creditos dos trabalhadores no caso do seu afastamento ilegal das empresas onde exerciam as suas funções, ocorrido no periodo que medeia entre 25 de Abril de 1974 e 25 de Abril de 1976.
Estão, assim, preenchidos os requisitos legais exigidos pelo artigo 763 do Codigo de Processo Civil para que se possa conhecer do objecto do recurso.
Em face do que se deixou referido verifica-se que o objecto do recurso e o de saber desde quando se inicia o decurso do prazo prescricional de um ano previsto no n. 1 do artigo 38 do Regime Juridico do Contrato Individual do Trabalho aprovado pelo Decreto-Lei n. 49408, no caso especial de afastamentos ilegais ocorridos no periodo que medeou entre 25 de Abril de 1974 e 25 de Abril de 1976.
Normalmente, como se prescreve no n. 1 do citado artigo 38:
"Todos os creditos resultantes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação, quer pertencentes a entidade patronal, quer pertencentes ao trabalhador, extinguem-se por prescrição, decorrido um ano a partir do dia seguinte aquele em que cessou o contrato de trabalho...".
Porem, apos o movimento de 25 de Abril de 1974 a situação modificou-se profundamente, e a instabilidade politico-social dele decorrente teve grave incidencia nas relações laborais no seio das empresas.
Assim e que por variadas razões, especialmente de caracter politico ou ideologico, verificaram-se os chamados saneamentos, ou seja, afastamentos compulsivos de trabalhadores dos seus postos de trabalho, na maioria dos casos sem observancia das normas reguladoras em vigor sobre a cessação dos contratos de trabalho.
Os trabalhadores atingidos, dadas as circunstancias, não reagiram e, assim, ficaram despojados dos seus empregos.
A Constituição da Republica de 1976 reconhecendo no n. 1 do artigo 51 que todos tem direito ao trabalho, impos no artigo 52 o dever de o Estado garantir tal direito, assegurando, como se diz na alinea b), a segurança no emprego, estabelecendo a proibição dos despedimentos sem justa causa ou por motivos politicos ou ideologicos.
Alias, ja o legislador ordinario sentira a necessidade de impor essa proibição - n. 1 do artigo 9 do Decreto-Lei n. 372-A/75, de 16 de Julho.
Mas havia numerosas situações de clamorosa injustiça a que era necessario atender e solucionar por via legislativa.
E foi assim que foi publicado o Decreto-Lei n. 471/76, de 14 de Junho, mais tarde substituido pelo Decreto-Lei n. 40/77, que no seu artigo 11 o revogou.
Tiveram os dois diplomas como objectivo principal, como se le no relatorio do ultimo:
"... fazer respeitar as leis do trabalho, garantindo o exercicio de um direito fundamental, que e o direito ao trabalho, concretizando a directriz constitucional contida no artigo 52 da Constituição da Republica Portuguesa, segundo o qual são proibidos os despedimentos sem justa causa ou por motivos politicos ou ideologicos.
"Teve ainda em vista, o referido diploma, rever as situações de afastamentos compulsivo de trabalhadores das empresas privadas e nacionalizadas posteriores a 25 de Abril de 1974, quando desrespeitadas as normas imperativas sobre resolução do contrato de trabalho".
So quanto a este ultimo ponto e que o Decreto-Lei n. 40/77 se afastou do anterior, por se ter entendido ser necessario proceder a alteração no processo administrativo para garantir a sua jurisdicionalização.
Por isso, logo no artigo 1 desse Decreto-Lei n. 40/77 se repete que são proibidos os despedimentos sem justa causa ou por motivos politicos ou ideologicos, declarando-se no n. 1 do artigo seguinte "juridicamente inexistentes os afastamentos de trabalhadores das respectivas empresas ocorridos entre 25 de Abril de 1974 e 25 de Abril de 1976, desde que não tenham sido observadas as disposições vigentes a data do afastamento sobre a resolução do contrato de trabalho ou tenham ocorrido por motivos politicos ou ideologicos".
E, para resolver essas situações ocorridas no mencionado periodo, no artigo 3 permitia-se que o trabalhador, que se encontrasse ao abrigo do preceituado no artigo anterior, requeresse, no prazo de noventa dias, a contar da data da entrada em vigor do mesmo diploma, ao Ministro do Trabalho inquerito administrativo sobre as razões do seu afastamento.
Instaurado o processo administrativo, realizadas as diligencias convenientes e elaborado o relatorio, o Ministro do Trabalho a quem esse processo seria presente podia tomar diversas atitudes: a) Tratando-se de afastamento que não tivesse sido da iniciativa (aprovação ou consentimento tacito) da entidade patronal;
- Confirmar o afastamento como despedimento com justa causa, se a considerasse provada; ou
- Confirmar a inexistencia do acto de afastamento, no caso contrario.
Em qualquer dos casos podia haver recurso contencioso de plena jurisdição para o Supremo Tribunal Administrativo. b) Se, porem, se tratasse de afastamento por iniciativa (com aprovação expressa ou tacita) da entidade patronal então o processo devia ser remetido ou a comissão de conciliação e julgamento, se estivesse constituida, ou ao Ministerio Publico junto do Tribunal do Trabalho competente, os quais fariam notificar o trabalhador para em cinco dias requerer a tentativa de conciliação, no primeiro caso, ou indicar se pretendia o seu patrocinio oficioso, no segundo.
Isto para que a respectiva acção pudesse, depois, ser instaurada.
Houve quem sustentasse que o atras mencionado artigo
38 não se aplicava aos casos de inexistencia previstos no Decreto-Lei n. 40/77.
Mas tal tese não obteve acolhimento nos Tribunais cuja jurisprudencia tem sido unanime no sentido de que:
"Não obstante declararem-se inexistentes os afastamentos referidos no n. 1 do artigo 2 do Decreto-Lei n. 40/77 estão os mesmos sujeitos ao prazo prescricional do artigo 38 do Regime Juridico do Contrato Individual do Trabalho".
Neste sentido, alem de outros, os acordãos de 23 de Outubro de 1981, 16 de Abril de 1982 e 14 de Janeiro de 1983, em Acordãos Doutrinais, ns. 240, pagina 1522, 247, pagina 1024, e 263, pagina 1384, respectivamente.
Isto na pura vigencia do Decreto-Lei n. 40/77.
Sucede, porem, que, apos a propositura desta acção, o Conselho da Revolução emitiu a Resolução n. 286/80, publicada no Diario da Republica, de 19 de Agosto, que declarou com força obrigatoria geral a inconstitucionalidade da 2 parte do n. 2 do artigo 2 e os artigos 3 a 10 daquele diploma.
Ora, consignava-se expressamente no n. 1 do artigo 3 que:
"qualquer trabalhador, independentemente do decurso dos prazos de prescrição do direito e de caducidade da acção, que se encontre nas condições previstas no artigo anterior podera, no prazo de noventa dias, a contar da entrada em vigor do presente diploma, requerer ao Ministro do Trabalho, apresentando logo as provas, a instauração de inquerito administrativo sobre as razões do seu afastamento...".
Desaparecendo este preceito da ordem juridica poderia entender-se que os creditos prescritos por ja ter decorrido mais de um ano sobre a cessação factual do contrato de trabalho, prescritos continuavam.
Isto porque no n. 2 do artigo 281 da Constituição, primitiva redacção, se ressalvavam apenas da declaração de inconstitucionalidade de quaisquer normas os efeitos resultantes dos casos julgados.
Para os nossos mais modernos constitucionalistas a declaração de inconstitucionalidade de uma norma tem efeitos "ex tunc", ou seja, efeitos retroactivos.
Assim, escrevem os Professores Gomes Canotilho e Vital Moreira a paginas 482 da sua Constituição da Republica Portuguesa:
"Embora a solução não seja liquida, a declaração de inconstitucionalidade tem efeitos "ex tunc", ou seja, efeitos retroactivo, pois a Constituição so exceptua os efeitos do caso julgado".
Por sua vez o Professor Jorge Miranda, a paginas 636 do 2 volume do seu Manual de Direito Constitucional, escreve:
"Quando qualquer lei ordinaria "ab initio" contradiz a Lei Fundamental, ela fica desde logo ferida de invalidade, juridicamente incapaz de regular as situações da vida sobre que versa - seja qual for a sanção ou valor juridico negativo que se configure (inexistencia juridica, nulidade, anulabilidade ou outro) e que depende de razões de ordem politica e de funcionamento de mecanismos de garantia".

Esta retroactividade sofre limitações, pois, como se disse, a propria Constituição no n. 2 do citado artigo
281 expressamente exceptua o caso julgado.
Mas sera apenas o caso julgado que não pode ser atingido pela declaração de inconstitucionalidade da norma?
Hoje o sistema e diferente, como se ve dos diversos numeros do artigo 282 da Constituição revista, mas nos estamos ante a regulamentação do preceito anterior.
Em face dela entendeu este Supremo Tribunal no acordão de 16 de Abril de 1982, Acordãos Doutrinais, n. 247, pagina 1024:
"A declaração de inconstitucionalidade de normas legais não pode ofender o caso julgado, o caso resolvido administrativo ou os negocios juridicos esgotados".
"Por isso a declaração de inconstitucionalidade dos artigos 3 a 10 do Decreto-Lei n. 40/77 so atinge as situações ainda não resolvidas a face daquele diploma, deixando intactos os direitos adquiridos pelos casos resolvidos administrativamente".
Com efeito, a mesma força de caso julgado tem, como e doutrina e jurisprudencia unanimes, os chamados, em direito administrativo, casos decididos ou casos resolvidos, isto e, os actos administrativos não impugnados contenciosamente ficam com caracter de incontestabilidade e estabilidade na ordem juridica por razões de certeza e segurança.
Ainda da mesma forma, e por identicas razões, se devem resolver os efeitos civis ja produzidos pelo cumprimento da obrigação.
Por isso, não deve poder ser anulado o efeito de um acto administrativo definitivo e executorio, não impugnado contenciosamente, so por que se produziu na vigencia de um diploma posteriormente declarado inconstitucional, com força obrigatoria geral.
Acresce que nunca ninguem se lembrou de considerar nulos, invalidos ou ineficazes quaisquer reintegrações ou pagamentos efectuados voluntariamente ao abrigo e apos as diligencias preceituadas no referido Decreto-Lei n. 40/77, antes da declaração de inconstitucionalidade.
Embora a Constituição italiana atribua efeitos diferentes da nossa a declaração de inconstitucionalidade, o Doutor G. Azaritti, Presidente honorario da Cassação, em "Efeitos da pronuncia de inconstitucionalidade das leis" publicado em Estudos Juridicos em honra de Antonio Scialoja, aceitando como bons tais efeitos, escreve a paginas 53 sobre a retroactividade:
"Quando muito devera dizer-se que a ab-rogação da lei para o futuro acresce a sua anulação retroactiva, embora limitada as relações ainda não esgotadas, o que no fundo e a mesma coisa que uma ab-rogação de lei com efeito retroactivo, mas limitado nos termos referidos".
Temos portanto, que a declaração de inconstitucionalidade, no dominio da Constituição não revista, não podia afectar quer o caso julgado, quer o caso resolvido ou caso decidido, bem como os efeitos ja produzidos (esgotados) de um negocio juridico.
O Professor Jorge Miranda, a paginas 388 do 2 volume da 2 edição do seu Manual de Direito Constitucional, debruçando-se sobre o citado aresto de 16 de Abril de 1982, escreve que lhe "parece um tanto duvidoso" entender que a declaração de inconstitucionalidade não possa afectar o caso decidido ou os efeitos civis ja produzidos pelo cumprimento da obrigação; mas não repudia formalmente essa doutrina.
Alias, como doutamente escreve o Excelentissimo Procurador-Geral Adjunto:
"Repugna a propria ordem constitucional que no seu artigo 267 recolhe o principio da presunção de legalidade dos actos da Administração e que, atento o esquema da fiscalização da constitucionalidade que instituiu - restrito a certos orgãos - parece aceitar o principio da presunção de conformidade constitucional dos seus actos normativos, designadamente dos actos legislativos.
"Dai que não possa recusar-se a utilização do meio processual facultado pelo artigo 3 do Decreto-Lei n. 40/77 um qualquer efeito paralisador da prescrição...".
- o objecto do recurso:
Resolvidas as questões preliminares, ha que entrar propriamente na apreciação do objecto do recurso, que, como se disse, e o do inicio do prazo da prescrição apos entrada em vigor do Decreto-Lei n. 40/77.
Parece indiscutivel que a prescrição dos creditos laborais ja consumada foi ultrapassada com a publicação dos ja citados dilplomas: o Decreto-Lei n. 471/76 e o Decreto-Lei n. 40/77, pois se assim não fosse eles resultariam pura e simplesmente inuteis relativamente a todos os despedimentos ou afastamentos nas condições neles prescritos que tivessem ja ocorrido ha mais de um ano em relação as respectivas datas, quando eles pretendiam precisamente rever todas as situações de afastamento compulsivo de trabalhador em que haviam sido desrespeitadas as normas imperativas sobre a resolução do contrato de trabalho, ou determinados por motivos politicos ou ideologicos, ocorridos no periodo de dois anos entre 25 de Abril de 1974 e igual dia e mes de 1976.
Realmente, do n. 1 do citado artigo 3, atras transcrito, ao permitir a reapreciação do fundamento desses afastamentos, independentemente do decurso dos prazos de prescrição do direito e da caducidade da acção, não se pode tirar outra conclusão.
E obvio, pois, que quanto aos trabalhadores cujas situações estão previstas neste diploma, não se pode falar em prescrição anterior.
Mas e evidente que a inercia do trabalhador, mesmo apos a entrada em vigor deste diploma, deve ter consequencias, pois continuam validas as razões que justificam o instituto da prescrição.
Todavia do exame do Decreto-Lei n. 40/77 verifica-se a existencia de diversos momentos a partir dos quais se podera considerar relevante a inercia do trabalhador - interessado para efeitos de prescrição.
Vejamos quais são, como esquematicamente os aponta o Excelentissimo Procurador-Geral Adjunto e resultam do Decreto-Lei em causa:
"a) Decurso do prazo de noventa dias, estabelecido no n. 1 do artigo 3, sem apresentação de requerimento ai previsto;
"b) Do despacho do Ministro do Trabalho previsto no artigo 4 para os afastamentos que não tenham sido da iniciativa da entidade patronal;
"c) Do transito em julgado da decisão do Supremo Tribunal Administrativo no recurso previsto no artigo 5;
"d) Do despacho do Ministro do Trabalho da remessa do processo administrativo as Comissões de Conciliação e Julgamento ou ao Ministerio Publico, previsto no artigo 6, n. 1;
"e) Da notificação (ou do decurso do prazo de cinco dias sobre ela) sem apresentação do requerimento para tentativa previa de conciliação;
"f) Da frustação da tentativa previa de conciliação
(ou ate do decurso do prazo de 30 dias sobre a sua realização...).
Ante este quadro complexo a jurisprudencia da 4 Secção deste Supremo Tribunal inclinou-se para as soluções nem sempre conformes.
Assim: a) Nos acordãos de 23 de Outubro de 1981, Acordãos Doutrinais, n. 240, pagina 1522, e 18 de Março de 1983, Boletim, n. 325, pagina 483, decidiu-se que o prazo de prescrição dos creditos laborais deve, em principio, contar-se a partir da entrada em vigor do Decreto-Lei n. 40/77; b) No acordão de 16 de Abril de 1982, Acordãos Doutrinais, n. 247, pagina 1024, decidiu-se que aquele prazo se deveria contar a partir do despacho ministerial, não impugnado contenciosamente, que ordenava a remessa do processo administrativo a Comissão de Conciliação e Julgamento competente ou ao Ministerio Publico; c) No dia 28 de Maio de 1982, Boletim, n. 317, pagina 128, foi decidido que tal prazo se iniciava a contar da tentativa de conciliação sem exito; d) Finalmente no de 14 de Janeiro de 1983, Acordãos Doutrinais, n. 263, pagina 1384, considerou-se que o mencionado prazo se devia contar da remessa ordenada por despacho ministerial não impugnado contenciosamente, do processo especial de revisão ao agente do Ministerio Publico ou a Comissão de Conciliação e Julgamento competente.
Quid juris?
Ja acima dissemos, e não e demais repetir, o Decreto-Lei n. 40/77, permitindo rever a situação dos trabalhadores afastados compulsivamente dos seus postos de trabalho no periodo nele referido fez, perdoe-se-nos a expressão, "tabua rasa" da prescrição, por essa revisão se poder efectuar "independentemente do decurso dos prazos de prescrição do direito", abrindo-se, atraves dele, a via necessaria para o exercicio do respectivo direito.
Dai que se tenha de entender que e a partir da data da entrada em vigor deste diploma que se reiniciara o prazo de um ano de prescrição dos creditos laborais, porquanto e a partir desse momento que o trabalhador podera voltar a agir para obter a satisfação do seu direito.
E claro que este prazo se deve considerar suspenso com a instauração do inquerito administrativo.
E tem necessariamente de se considerar suspenso, segundo a regra geral do direito laboral, uma vez que não se podia conceber que continuasse a correr durante todo o processamento do inquerito que poderia ser mais ou menos longo.
Nem se compreenderia que neste periodo, subtraido a inercia do trabalhador, ele pudesse vir a ser prejudicado com a demora desse inquerito que normalmente nem lhe seria imputavel. Basta lembrarmo-nos que se, por qualquer circunstancia independente da vontade do trabalhador, esse processo demorasse mais de um ano ele veria prescrito o seu direito, o que não pode ser.
Ha agora que apurar quando volta a correr o prazo prescricional suspenso com a instauração do inquerito administrativo.
Deve entender-se que tal prazo volta a correr apos a frustração da tentativa de conciliação resultante do envio do processo do inquerito a Comissão de Conciliação competente ou ao agente do Ministerio Publico respectivo.
Com efeito, so a realização desta diligencia (a tentativa de conciliação) podera por termo aquela suspensão, uma vez que e com ela que finda toda a tramitação prescrita no diploma em causa.
Nem se diga que fica na disponibilidade do interessado o prazo para requerer a tentativa de conciliação. E que ela tera de ser requerida obrigatoriamente no prazo de cinco dias a contar da notificação para esse fim, sob pena de não sendo requerida "se ter por confirmada a inexistencia".

Frustrada a tentativa de conciliação começara, então, a correr, de novo, o prazo da prescrição, dentro do qual deve o trabalhador instaurar a respectiva acção.
Nos casos normais esse prazo so volta a correr trinta dias apos aquela diligencia (conferir artigos 28 do Decreto-Lei n. 54/74, de 15 de Fevereiro, 68, n. 4, da Portaria n. 280/76, de 4 de Maio, e 49, n. 3, do Codigo de Processo do Trabalho), isto porque ela, muitas vezes, e requerida ja muito proximo do termo do prazo prescricional (as vezes ate de um dia) e dai a necessidade de se conceber um prazo, que a lei fixou em trinta dias, para o recomeço da prescrição, permitindo que naquele periodo de trinta dias se possa elaborar devidamente a petição da acção a propor.
No caso vertente não se verifica a premencia desse prazo extra, uma vez que apenas teriam decorrido, no maximo noventa dias, desde a entrada em vigor do Decreto-Lei n. 40/77 ate ao requerimento para o inquerito administrativo, que suspendeu o decurso do prazo da prescrição.
Deste modo, frustrada a tentativa de conciliação ainda o interessado tem, pelo menos, nove meses para a propositura da acção.
Não ha, portanto, analogia entre o caso dos autos e as hipoteses normais, motivo por que, como bem acentua o Excelentissimo Procurador-Geral Adjunto, "a analogia do regime juridico so seja de utilizar ate onde o reclame a analogia das situações concretas".
Resumindo: com a entrada em vigor do Decreto-Lei n. 40/77 inicia-se o decurso do prazo da prescrição dos creditos dos trabalhadores afastados compulsivamente, nas condições ali referidas. Esse prazo suspende-se com o requerimento para o inicio do inquerito administrativo, cessando a suspensão com a frustração da tentativa de conciliação, pois so a partir desse momento fica na disponibilidade do trabalhador o exercicio do seu direito, podendo ser-lhe imputada a demora na propositura da acção que pela citação interromperia a prescrição.
Podera, parecer, a primeira vista, que esta solução não esta em perfeita consonancia com o decidido num e noutro dos acordãos em apreço e excederia o ambito do recurso.
Todavia ela resulta da apreciação do que de util em cada um deles se dispos e sempre dentro do seu ambito: o inicio do prazo da prescrição e respectiva suspensão.
Em acordão deste Supremo Tribunal, proferido pelo Pleno, em 24 de Maio de 1953, escreveu-se:
"Na decisão deste recurso não e forçoso seguir a doutrina de um ou de outro dos acordãos em oposição.
O que ha e que fixar a doutrina a seguir...".
Com esta orientação concordou inteiramente o Professor A. Reis na Revista de Legislação e de Jurisprudencia, ano 86, pagina 35:
"O Tribunal Pleno e chamado a resolver um conflito de jurisprudencia, que se traduz na interpretação a dar a determinada disposição de lei; encontra-se perante duas interpretações opostas; não tem necessariamente de optar por uma delas; estabelece aquela que julga exacta, pouco importando que não coincida com alguma daquelas que tem diante de si".
Nem faria sentido que o Tribunal Pleno que julga de direito, tivesse de proferir "assento", fixando jurisprudencia com que não concordava, por a considerar menos correcta, so porque tinha de adoptar uma das soluções em oposição.
O caso dos autos:
Em face do que se expos ha que averiguar agora se se verifica ou não a prescrição do direito do autor.
Ora, apenas tres datas concretas, com interesse para a causa, foram dadas como assentes do acordão recorrido:
- 30 de Janeiro de 1977 - entrada em vigor do Decreto-Lei n. 40/77;
- 8 de Junho de 1979 - dia em que o autor requereu a tentativa de conciliação;
- 28 de Abril de 1980 - propositura da acção.
Conforme a solução a que acima se chegou, são necessarios mais elementos essenciais para bem se poder decidir:
- Data em que foi instaurado o inquerito administrativo;
- Data em que se realizou a frustrada tentativa de conciliação;
Impõe-se, assim, a ampliação da materia de facto, aplicando-se depois o direito tal como ficou definido.
Por tal motivo revoga-se o acordão recorrido e as decisões por ele confirmadas e formula-se o seguinte assento;
"O prazo de prescrição dos creditos resultantes do afastamento dos trabalhadores abrangidos pelo Decreto-Lei n. 40/77, de 29 de Janeiro, inicia-se com a entrada em vigor deste diploma, suspende-se com o requerimento para a instauração do inquerito administrativo e volta a correr apos a frustação da tentativa de conciliação requerida no prazo legal".
Custas a final pelo vencido, adiantando-as o recorrente.

Lisboa, 13 de Fevereiro de 1985


Melo Franco (Relator) - Solano Viana - Joaquim Figueiredo
- Vasconcelos de Carvalho - Jose Luis Pereira - Amaral Aguiar - Santos Carvalho - Dias da Fonseca - Lima Cluny - Alberto Villanova - Lopes Neves - Pereira Leitão - Flamino Martins - Magalhães Baião - Leite de Campos - Almeida Ribeiro - Licino Caseiro - Alves Cortes - Miguel Caeiro - Costa Ferreira - Corte Real - Tinoco de Almeida - Moreira da Silva - Costa Cerqueira - Gois Pinheiro - Senra Malgueiro - Alves Peixoto (Vencido consoante a declaração que junto).
Declaração de voto:
Embora o conflito de jurisprudencia se confine aqui ao momento em que, nos despedimentos tratados pelo Decreto-Lei n. 40/77, de 29 de Janeiro, começa o ano referido pelo artigo 38, n. 1, do Decreto-Lei n. 49408, de 24 de Novembro de 1969, nada impede, antes se impõe (A. Reis, na Revista de Legislação e de Jurisprudencia, ano 86, pagina 35) que o tribunal de um passo atras e decida se este prazo de "prescrição" se aplica aos direitos de reintegração e indemnização ou so de indemnização conferidos pela primeira parte do artigo 2 daquele diploma de 1977, conjugada com o artigo 12 do Decreto-Lei n. 372-A/75, de 16 de Julho, com a redacção do Decreto-Lei n. 84/76, de 28 de Janeiro.
Ora, penso não ser aplicavel, estando consequentemente a acção do A... em tempo.
E que, na perspectiva do autor, o seu afastamento da B... e "juridicamente inexistente", isto na propria terminologia do citado artigo 2.
Sofre, assim, de um vicio mais radical ainda que o da nulidade com que aquele diploma de 1975 cominava identicos despedimentos.
E e do regime de qualquer desses vicios poder ele ser invocado a todo o tempo por qualquer interessado ou declarado oficiosamente pelo tribunal (artigo 286 do Codigo Civil). O direito de o invovar - ensinava Paulo Cunha - e imprescritivel (Teoria Geral da Relação Juridica, pagina 265). E que nem e necessario intentar acções para destruir... aquilo que não existe ou esta eivado de defeito fundamental. O mal opera ipso vi legis (Rui Alarcão, no Boletim do Ministerio da Justiça, n. 89, pagina 208).
Escreveu Passareli que "a situação juridica anterior a um tal negocio não e por este modificada; dai a perpetuidade da acção" (Teoria Geral, paginas 205 a 207).
Portanto, face aos principios expostos e ao preceito de lei referido, o trabalhador despedido, assim como tinha e tem o direito de invocar a inexistencia do despedimento, ha-de necessariamente ter o direito de extrair os efeitos, as "consequencias" da situação.
Mas dir-se-a que o artigo 38 do Regime do Contrato Individual de Trabalho e especial (conferir artigo 12).
E-o de facto, mas nada faz pensar que quisesse fazer tabua rasa dos mencionados principios que se impoem por si mesmos, que pretendesse reduzir os vicios negociais a simples anulabilidade.
Alias, ante aquele artigo 38, bem se podera dizer que os direitos do trabalhador não resultaram do contrato, nem da sua cessação, mas da lei (os diplomas de 1975, 1976 e 1977); que, sendo o despedimento inexistente, não houve cessação, tanto que o autor podia ter pedido a reintegração; quando muito, o contrato teria acabado, quando optou pela indemnização.