Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1999/19.9T8VIS.C1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: ANTÓNIO MAGALHÃES
Descritores: AUTORIDADE DO CASO JULGADO
PRINCÍPIO DA PRECLUSÃO
RECONVENÇÃO
DIREITO DE PROPRIEDADE
ACESSÃO INDUSTRIAL
BEM IMÓVEL
PRINCÍPIO DA CONCENTRAÇÃO DA DEFESA
EXCEÇÃO PERENTÓRIA
REVISTA EXCECIONAL
Data do Acordão: 11/16/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :
“I. Numa acção anterior em que a autora, aqui ré, pediu o reconhecimento do direito de propriedade sobre um prédio rústico e a condenação da ré, aqui autora, a entregar-lho imediatamente, impendia sobre a ali ré o ónus de reconvir, pedindo o mesmo efeito jurídico que a ali autora se propunha obter;

II. Não o tendo feito, ficou precludida a possibilidade de pedir tal efeito em acção ulterior, com base na acessão industrial imobiliária;

III. Ainda que se entenda que sobre a dita ré não impendia o ónus de reconvenção, na acção anterior, sempre teria precludido a possibilidade de pedir o mesmo efeito, em acção ulterior, por a ré, aqui autora, não ter recorrido na contestação ao instituto da acessão industrial imobiliária, como teria de o fazer por efeito do princípio da concentração da defesa na contestação, decorrente do disposto no art. 573º do CPC”

Decisão Texto Integral:

Acordam os Juízes da 1ª Secção Cível do Supremo Tribunal de Justiça:


*


The Fladgate Partnership-Vinhos, S.A, intentou acção contra AA pedindo, no essencial, que seja declarado e reconhecido que a Autora tem o direito de adquirir um determinado prédio rústico (Quinta de ...) por acessão industrial imobiliária, mediante o pagamento à ré de obras e plantio que a Autora executou até Junho de 2001; em caso de procedência a acção, pede que o direito às benfeitorias que foi reconhecido à Autora noutra acção, em que era Ré, seja declarado extinto, por confusão; e que a Ré seja condenada a entregar os frutos naturais e /ou civis que vier a receber naquele imóvel.

Alegou, em síntese, que, por escritura pública de compra e venda adquiriu o prédio rústico denominado “Quinta de ...”, sita em ..., e que, imediatamente, após a compra, entrou na sua posse, aí tendo executado vultuosas obras, plantações e melhoramentos que se prolongaram até 2004.

Sucede que a ora R. instaurou contra ela, A. (e contra outros RR.) a acção nº 111/2001, na qual arguiu a nulidade ou anulabilidade da compra e venda suprarreferida. A aqui A. deduziu nessa acção contestação, pugnando pela improcedência da acção e, subsidiariamente, para a hipótese de procedência, deduziu reconvenção pela qual solicitou a condenação da aí A. (R. nestes autos) a ressarci-la de todas as benfeitorias executadas na Quinta de ....

Tal acção foi julgada procedente, tendo sido declarada a nulidade da escritura pela qual a aqui A. adquirira a Quinta de ..., com a consequente condenação na sua entrega imediata. A reconvenção foi julgada parcialmente procedente e a aí A./reconvinda condenada a pagar à R/reconvinte o valor de determinadas benfeitorias.

Acontece que a A. tem agora interesse em adquirir esse prédio por acessão industrial imobiliária, considerando estarem reunidos os pressupostos para o efeito. Pelo que entende que, no caso de procedência da presente acção, deve ser julgado extinto por confusão o direito indemnizatório que lhe foi fixado por força das benfeitorias que executou na referida Quinta de ....

Na contestação, foi suscitada pela R. a excepção peremptória de extinção/paralisação do direito de que se arroga a A., considerando, para o efeito, que, a pretensão de adquirir por acessão industrial a propriedade da Quinta de ... com base em obras, sementeiras ou plantações aí realizadas, se extinguiu quando na acção nº 111/2011, que correu termos no Tribunal Judicial de ..., requereu a condenação da R. (ali A.) no pagamento do respetivo custo. Por essa via, a autora abdicou quer do direito de propriedade das coisas incorporadas na referida quinta, quer do direito da sua aquisição por acessão industrial. Assim, não pode a autora na presente acção invocando essas mesmas benfeitorias, pretender agora adquirir o prédio por acessão industrial imobiliária, devendo entender-se que ao mesmo renunciou tacitamente, sob pena de abuso no exercício de tal direito. Sem prescindir, alegou, ainda, a R., a excepção dilatória de autoridade de caso julgado, ou de caso julgado, dado que na referida acção nº 111/2011, a A. foi condenada a entregar-lhe, de imediato, a Quinta de ..., assim como a entregar-lhe todos os frutos naturais ou civis que tivesse percebido a partir da sua citação até à entrega efetiva. Já a R. foi condenada a pagar à A. o valor das benfeitorias aí apuradas. Ora, como a A., na reconvenção que ali deduziu contra a R., não deduziu um pedido de aquisição da Quinta de ... por acessão industrial imobiliária, podendo fazê-lo, não pode agora questionar o direito de propriedade e as obrigações de restituição que ali foram reconhecidas, com base numa realidade que já se verificava no decurso daquela ação e que poderia ter sido invocada. Assim, por extensão do caso julgado, considerou precludida a faculdade de aquisição pela A. da Quinta de ..., por acessão industrial imobiliária.

No despacho saneador, a Sr.ª Juiz, atendendo a que na acção nº 111/2001 foi declarado ser a aqui ré proprietária da Quinta de ... por força da invalidade do título de aquisição da autora, que foi condenada a entregar a referida quinta, tendo-lhe sido reconhecido um direito indemnizatório a título de benfeitorias que realizara no prédio, considerou que se devia concluir que o efeito útil visado com a presente acção corresponderia à neutralização de tudo quanto ali foi decidido. Efectivamente, se a autora, afinal, pode adquirir o prédio por acessão industrial imobiliária porque os melhoramentos que realizou na Quinta de ... não se reconduzem a benfeitorias como declarado na decisão proferida na ação nº 111/2001, já transitada em julgado, mas a obras/plantações que incrementam o valor do prédio, então com base numa situação de facto já existente na pendência daquela ação e que aí foi discutida, ficará sem efeito tal decisão, o que sucede à margem do mecanismo dos recursos que constituem o meio legal próprio para o efeito. E assim, teve por certo que a autoridade de caso julgado, na sua vertente positiva, impede a renovação da discussão dos direitos constituídos na esfera jurídica da aqui autora por força das obras, plantações e sementeiras que efetuou na Quinta de ... que, na realidade, deveria ter submetido as questões ora suscitadas a apreciação jurisdicional. por via da reconvenção que deduziu na ação 111/2001. Não o tendo feito, viu precludida a hipótese da sua apreciação, aqui seguindo a tese de Teixeira de Sousa segundo a qual quando o réu reconvinte pretende obter em seu benefício o mesmo efeito que o autor se propõe obter “a reconvenção não é uma mera faculdade, mas antes um verdadeiro ónus, dado que esse pedido não poderá ser formulado fora do processo que se encontra pendente”. E que: “Como o reconhecimento da propriedade obtida na primeira ação não pode ser contrariado por factos precludidos, a segunda ação não pode deixar de ser improcedente (Preclusão e “contrário contraditório”, Cadernos de Direito Privado, nº 41, págs 27 e 28). Assim, concluiu, não tendo a autora invocado na acção nº 111/2001 a aquisição do direito de propriedade sobre a Quinta de ... por acessão industrial imobiliária, por efeito da autoridade de caso julgado produzida pela respetiva decisão já transitada em julgado, mostra-se precludida a hipótese de apreciação de tal questão em processo autónomo. E assim, considerando procedente a excepção de caso julgado, na sua vertente positiva – autoridade de caso julgado - tendo por referência a sentença proferida na acção nº 111/2001, julgou improcedente por não provada a presente acção instaurada pela autora e absolveu do pedido a ré.

Inconformada, a A. interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra, no âmbito do qua foi proferido acórdão, que julgou a apelação improcedente e confirmou a sentença.

No acórdão recorrido, a Relação de Coimbra entendeu que, embora se devesse dar ao pedido reconvencional que se restinguiu às benfeitorias o conteúdo de uma renúncia tácita à acessão, a questão perdia autonomia por se entender que o pedido de acessão imobiliária tinha que ser deduzido reconvencionalmente na primitiva acção, sob pena de preclusão da alegação dos factos que o implicassem, conduzindo essa preclusão à improcedência desse pedido. Assim, com apoio em vários autores e também no citado artigo de Miguel Teixeira de Sousa, concluiu que a autora na acção nº 111/2001 tinha o ónus de incluir na reconvenção, que nesses autos formulou, o pedido de acessão que deduziu na presente acção, visto que tal pedido se baseia exclusivamente em factos que se verificaram antes do encerramento da discussão em 1ª instância nessa acção, que só ocorreu em 2013, já que, se esta acção fosse julgada procedente, estar-se-ia a anular a anterior sentença. E que, como o evidencia Teixeira de Sousa no artigo citado, o direito de propriedade só pode pertencer ao autor ou ao réu, de tal modo que, «se o réu quer obter não só a improcedência da acção, mas também o reconhecimento para si do direito de que o autor alega ser titular, então tem o ónus de deduzir o respectivo pedido reconvencional», implicando a não dedução da reconvenção nestas circunstâncias a preclusão do correspondente pedido em qualquer acção posterior. E assim considerou verificada a autoridade do caso julgado, formulando, a final, as seguintes conclusões sintéticas: “I – Nas situações reconvencionais a que se reporta a al d) do art 266º CPC – quando o pedido do réu tende a conseguir, em seu benefício, o mesmo efeito jurídico que o autor se propõe obter- o réu está obrigado a reconvir, sob pena de resultarem precludidos os factos constitutivos da situação alternativa à do autor. II – Nessas situações, a reconvenção não é uma mera faculdade, mas um verdadeiro ónus, dado que esse pedido não poderá ser formulado fora desse processo. III – Se o for, improcederá a pretensão do autor, por efeito da autoridade do caso julgado, na medida em que a aceitação do efeito jurídico que o autor na primeira acção se propunha, implica necessariamente a exclusão da alternativa a esse efeito jurídico na acção subsequente.”

Como resulta do explanado, o acórdão da Relação confirmou, portanto, o despacho saneador, sem fundamentação essencialmente diferente, concluindo pela existência da autoridade do caso julgado formado pela sentença proferida na acção nº 111/2001 e, consequentemente, pela absolvição da Ré do pedido.

E, por isso, a autora veio interpor recurso de revista excepcional, com fundamento no art. 672º, nº 1, al. a) do CPC, apresentando, para o efeito, as seguintes conclusões:

a) No caso sub judice, a interposição do recurso de revista excepcional justifica-se, sem quaisquer margens de dúvidas, por estarem em causa questões cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, são essenciais para uma melhor aplicação do direito.

b) São de destacar as repercussões jurídicas do entendimento, sufragado no Acórdão recorrido, de uma “transmutação” da faculdade de reconvir, tal como decorre do artigo 266.º do CPC, em ónus de reconvir.

c)Trata-se de uma autêntica vexata quaestio sobre a admissibilidade de um ónus de reconvir em hipóteses que não estão previstas na lei;

d) É notória “instabilidade” doutrinal em torno do caso julgado, ampliada pela tese de um ónus de reconvir por efeito do caso julgado, impondo-se, por conseguinte, uma pronúncia pacificadora e orientadora por parte do Supremo Tribunal de Justiça.

e) O recurso inopinado a uma figura jurisprudencial do “ónus de reconvir”, nas vestes de precedente (instituto ao qual é alheio o nosso ordenamento, típico de Sistema de Common Law) e a sua aplicação indiscriminada a situações controvertidas distintas, causam naturalmente uma enorme insegurança jurídica, a legitimar a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça sobre um caso que é susceptível de se repercutir em muitos outros.

f) A intervenção do Supremo Tribunal de Justiça é ainda justificada porque esta Alta Instância deverá pronunciar-se sobre a questão de saber se a admissibilidade de um ónus de reconvir, de criação jurisprudencial, belisca a separação de poderes (judicial e legislativa).

g) A relevância jurídica do caso é também manifesta quando, mesmo abstraindo da problemática em torno do ónus de reconvir e efeito preclusivo do caso julgado, se coloca a questão de saber se uma condenação no pagamento de benfeitorias, em anterior processo, implica uma renúncia tácita do credor (dessas benfeitorias) ao direito de adquirir por acessão industrial imobiliária, tal como consta do Acórdão recorrido.

h) É incontroverso o preenchimento dos pressupostos da alínea a) do n° 1 do artigo 671° do CPC, porquanto discutem-se, na situação em análise, questões jurídicas, de enorme complexidade, cuja solução, sufragada no douto Acórdão do qual se recorre, não encontra no texto legal um mínimo de correspondência, nomeadamente: a admissibilidade de um ónus de reconvir de criação jurisprudencial em acções não reais (destinada a declarar a invalidade de actos aquisitivos); a subsunção da reconvenção ao regime emergente do artigo 573.º do CPC, o qual consagra o princípio da concentração de todos os meios de defesa na contestação; a ampliação casuística do efeito preclusivo do caso julgado; e a qualificação como renúncia tácita ao direito de adquirir por acessão industrial imobiliária na sequência de uma condenação no pagamento em benfeitorias a favor desse sujeito (perante uma “incompatibilidade ontológica” de cumulação dos pedidos);

i) A intervenção do Supremo Tribunal de Justiça é, assim, reclamada e necessária por as questões em apreço nos autos revestirem carácter paradigmático e exemplar, passível de serem transponíveis para outras situações (art.671.º/1, a) do CPC).

j) Os nossos Tribunais devem julgar de acordo com o direito constituído, resistindo à “importação” tentadora, mas superficial e inadequada, de institutos jurídicos de ordenamentos alheios à tradição de civil law, tal como a reconvenção obrigatória, cuja compreensão é indissociável das especificidades da res judicata norte americana;

k) O Tribunal recorrido errou ao defender a existência de um ónus de reconvir o direito de acessão industrial imobiliária na primitiva acção constitutiva, de natureza obrigacional a qual tinha por objecto principal a destruição retroactiva, por invalidade, de acto aquisitivo da Quinta de ..., por parte da Recorrente.

l) Na primitiva acção a causa de pedir foi a invalidade/anulabilidade de um negócio jurídico anterior ao celebrado pela Autora/Recorrente para aquisição do imóvel identificado nos autos, dele decorrendo a invalidade deste, pelo que, a ora Recorrente/Autora apresentou, nessa anterior acção, reconvenção onde deduziu como pedido principal a confirmação do negócio jurídico e subsidiariamente o pedido de benfeitorias executadas no imóvel.

m) Nessa primitiva acção a então A. (ora Ré/Reconvinda) não se arrogou titular do direito de propriedade incidente sobre o imóvel.

n) Assim, inexiste qualquer paralelismo entre a descrita situação dos autos e a apreciada no Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 10/12/2012, que constituiu a referência incontornável na fundamentação do Acórdão em revista;

o) A douta decisão recorrida ao adoptar a tese do ónus de reconvenção por parte da Recorrente na primitiva acção (de natureza meramente obrigacional), faz avolumar os riscos de insegurança jurídica e de injustiça flagrantes;

p) Na presente acção, a Autora, aqui Recorrente, faz valer um direito potestativo substancialmente autónomo, cuja alegação na anterior causa estava na sua livre disponibilidade, não assumindo qualquer função ou natureza impeditiva da pretensão formulada pela ali Autora, aqui Recorrida.

q) Aliás, ao tempo da propositura da primitiva causa, a pretérita Ré (aqui Autora/Recorrente) era a legítima proprietária do bem imóvel. Foi mister que a primeira acção improcedesse (em seu desfavor) para fazer nascer na esfera da ora Autora/Recorrente, pretérita Ré, o direito de invocar, na presente acção, o seu direito de acessão;

r) É certo que a Autora, aqui Recorrente, poderia tê-lo feito em sede de reconvenção, mas nenhum preceito jurídico vigente no nosso sistema jurídico o impõe.

s) E a intervenção do legislador (no sentido de tornar a reconvenção como um ónus) deve ser concreta e específica, sob pena de ofender ostensivamente o clássico princípio da liberdade de reconvir;

t) A Decisão Recorrida erra ainda ao equiparar a reconvenção aos “factos extintivos e modificativos”, uma vez que se tratam de institutos totalmente diversos e com funções diferentes;

u) Não existe ainda qualquer incompatibilidade (seja ontológica ou outra), entre o pedido de benfeitorias da primitiva acção com o pedido de acessão industrial imobiliária;

v) De igual modo, não se aceita a ficção de uma renúncia tácita à aquisição do direito de propriedade por via do exercício do direito a benfeitorias;

w) Apesar de não existir um princípio que proíba ou limite a presunção de renúncia, as regras do domínio da interpretação impedem que “se deduzam renúncias tácitas de factos ou comportamentos menos concludentes”;

x) O comportamento anterior consubstanciado no pedido de condenação de uma compensação para a realização de benfeitorias consistiu numa opção (legítima) e, por isso mesmo também, não pode ser encarado como representando um acto inequívoco relativo ao não exercício do direito de adquirir a propriedade através do instituto da acessão;

y) O conceito (amplo) de benfeitorias integra as incorporações executadas num imóvel que constitui um dos requisitos para a sua aquisição por acessão.

z) Ao decidir de forma diversa, a douta sentença recorrida violou, entre outras, as seguintes disposições legais: artigos 216°, 288°, 868°, 1273°, 1316°, 1339° a 1343°, todos do Código Civil e artigos 93°, 266°, 571°, 572°, 573°, 576°, 577°, 580°, 581°, 266°, 729° e 860°, todos do Código de Processo Civil, pelo que deverá ser revogada e substituída por outra que ordene o prosseguimento dos autos.

TERMOS EM QUE DEVE SER ADMITIDA A PRESENTE REVISTA EXCEPCIONAL POR SE VERIFICAREM OS PRESSUPOSTOS DA SUA ADMISSÃO (ARTIGO 672º, Nº1, ALÍNEA A) DO CPC) E A FINAL SER REVOGADO O DOUTO ACÓRDÃO EM REVISTA.”

A R. apresentou contra-alegações a invocar a inadmissibilidade da revista excepcional e, no mais, a pugnar pelo seu não provimento.

Remetidos os autos à Formação, foi proferido acórdão a admitir a presente revista excepcional ao abrigo do disposto no art. 672º, nº 1, al. a) do CPC.

Cumpre decidir.

Os factos relevantes para a apreciação da problemática suscitada na presente revista, que já se encontram assentes por acordo ou corroborados pela prova documental junta aos autos, são os seguintes:

“1 – Por escritura pública de compra e venda outorgada no dia 26 de maio de 1999, no 1º Cartório Notarial de ..., a autora, anteriormente denominada Taylor Fonseca, SA, declarou comprar a BB e esposa que, por sua vez, lhe declararam vender pelo preço de 107.000.000$00 esc (€ 533.713,75) o prédio rústico denominado Quinta de..., sito no limite da freguesia de ..., no concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ...sob o nº ...21, cuja aquisição aí se mostra registada a favor da autora mediante a ap.1 de 1999/07/14.

2 – A ré instaurou contra vários réus, entre eles, a autora, a ação judicial que correu termos no Tribunal Judicial de ... sob o nº 111/2001, na qual peticionou, além do mais, a nulidade ou anulabilidade do negócio mencionado em 1).

3 – Na contestação que a aqui autora aí apresentou em 12 de outubro de 2001, alegou que após a compra da Quinta de ..., entrou de imediato na sua posse aí tendo executado vultuosas benfeitorias necessárias à natural aptidão agrícola do imóvel e à sua exploração e deduziu reconvenção na qual peticionou, além do mais:

“d) No caso de a ação ser julgada parcialmente procedente e provada (…) devem os reconvindos (…) ser condenados a pagar à reconvinte (…) a quantia de 127.326.000$00 (…) a título das alegadas benfeitorias executadas pela reconvinte naquela Quinta, bem como o montante correspondente às alegadas benfeitorias futuras a liquidar em execução de sentença.

e) Por outro lado, no caso de a ação ser julgada totalmente provada e procedente devem os Reconvindos AA e marido serem condenados a pagar à Reconvinte o montante de 127.326.000$00 (…) a título das alegadas benfeitorias executadas pela Reconvinte naquela Quinta, bem como o montante correspondente às alegadas benfeitorias futuras e a liquidar em execução de sentença.”

4. Em 10 de julho de 2013, a aqui autora, ré na ação 111/2001, aí apresentou requerimento de ampliação de pedido relativa às benfeitorias por si levadas a cabo na Quinta de ... o qual foi admitido.

5. Em tal ação, foi proferida em 19 de maio de 2014 sentença, posteriormente confirmada pelo Tribunal da Relação de Coimbra e pelo Supremo Tribunal de Justiça, e já transitada em julgado, na qual, além do mais aí exarado foi decidido:

“Quanto à ação nº 111/2001:

A.1 No que toca à ação:

(…) c) declara-se a nulidade da escritura de 26 de maio de 1999 outorgada perante o notário do 1.º Cartório Notarial de ..., pela qual os 2º RR BB e mulher CC declararam vender à 3ª é Taylor Fonseca, SA, o prédio rústico identificado em a) (Quinta de ...).

(..) Condenar a 3ª Ré Taylor Fonseca, SA a reconhecer o direito de propriedade da autora sobre o prédio rústico (…) bem como a entregar-lho imediatamente;

(…) Condenar a 3ª Ré Taylor Fonseca SA a entregar à autora todos os frutos, naturais e/ou cíveis, pendentes e futuros, que vier a perceber a partir da data da citação para a presente ação e até ao dia da sua efetiva entrega à Autora, em consequência do gozo e fruição do prédio rústico identificado no antecedente pedido nº 1.

(…)

A.2 No que respeita à reconvenção:

a) Condenam-se os AA/Reconvindos a pagar à Ré/Reconvinte Taylor Fonseca, SA” o valor das benfeitorias indicadas em 63 a 76 dos factos provados, relegando-se o apuramento do respetivo valor para ulterior incidente de liquidação;

b) Julga-se improcedente o demais peticionado em sede reconvencional, nessa parte se absolvendo os AA/Reconvindos dos pedidos (…)”.

O Direito:

Como vimos, a questão fundamental de direito a decidir consiste em saber se a autoridade de caso julgado formado por decisão que, noutra acção, reconheceu à ora ré o direito de propriedade sobre um imóvel e condenou a ora autora na sua restituição, faz precludir o direito desta de, através da presente acção, peticionar o reconhecimento do seu alegado direito de propriedade sobre o mesmo imóvel com fundamento na acessão industrial imobiliária.

As instâncias foram unânimes em responder no sentido afirmativo respaldando-se no instituto da excepção do caso julgado na sua vertente positiva - autoridade do caso julgado -, argumentando, em síntese, que se, na anterior acção, a ora autora não invocou, quando o podia fazer, os factos conducentes à aquisição da propriedade por efeito de acessão industrial imobiliária, se deve considerar precludida a possibilidade de o fazer na presente acção.

Contra este entendimento se insurge a recorrente, sustentando, em síntese, que, sendo facultativa a dedução de reconvenção, conforme resulta do disposto no art. 266º, nº 1, do CPC, não pode resultar da sua não dedução qualquer efeito preclusivo, sendo, por isso, oportuna a formulação, através da presente acção, do pedido de reconhecimento do seu direito de propriedade sobre o prédio em causa, por via da acessão industrial imobiliária.

Todavia, não podemos concordar.

Conforme dispõe o art. 266º, nº 1 do CPC, o réu pode, em reconvenção, deduzir pedidos contra o autor.

A reconvenção traduz-se, nas palavras de Alberto dos Reis, num “cruzamento de acções, com a acção proposta pelo autor contra o réu cruza-se outra acção proposta por este contra aquele” (Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, pág. 379); e é pacificamente tida na doutrina clássica como facultativa, pelo que, em regra, a sua omissão não preclude o direito a acção autónoma do réu contra o autor (cfr. doutrina citada no Ac. STJ de 27.5.2021, proc. 29/12.6TBPTL.G2.S1, em www.dgsi.pt: Alberto dos Reis, in, “Comentário ao Código de Processo civil”, Vol. III, pág. 97; Anselmo de Castro, in, “ Direito Processual civil declaratório”, Vol. III, pág. 222, nota 2; CASTRO Mendes,, “Direito Processual Civil”, Vol. II, pág. 295; Lebre de Freitas e Ribeiro Mendes, in “ Código de Processo Civil, Anotado”, Vol. III, pág. 649; Rodrigues Bastos, in “Notas ao Código de Processo Civil”, Vol. II, pág. 31; Lopes Cardoso, em anotação ao art. 274º, in, “Código de Processo Civil, anotado” e Abrantes Geraldes, in “Temas da reforma do processo civil”, Vol. I, pág. 56). Como escreve o mesmo autor: “A reconvenção é facultativa. O réu pode deduzir pedidos contra o autor por meio de reconvenção, quando não existam os obstáculos objectivos ou processuais a que vamos referir-nos; mas não é obrigado a formulá-los a título ou sob a forma de reconvenção. Em vez de os apresentar sob este aspecto, pode fazê-los valer em acção separada e distinta” (Comentário ao Código de Processo civil, Vol. III, pág. 97).

No mesmo sentido, Abrantes Geraldes perfilha o entendimento de que “em caso algum prevê a lei a obrigatoriedade de dedução de reconvenção, ficando dependente das conveniências do réu a sua dedução, juntamente com a contestação ou a apresentação da pretensão em ação autónoma” (Temas da Reforma do Processo Civil”, Vol. I, pág. 56).

Porém, não se colocando em crise que a reconvenção tem natureza facultativa, no sentido de que impende exclusivamente sobre o réu a decisão de dedução de pedido reconvencional numa determinada acção, a verdade é que, sob o prisma do instituto do caso julgado, a sua eventual não dedução num determinado processo pode trazer consequências processuais significativas se o mesmo réu pretender fazer valer só posteriormente um alegado direito subsistente na sua esfera jurídica.

Importa, por isso, fazer a distinção entre a reconvenção puramente facultativa e a reconvenção necessária ou compulsiva. Se na reconvenção puramente facultativa, a sua falta não tem consequências especiais para o réu, já na reconvenção necessária ou compulsiva, a não utilização da faculdade de deduzir reconvenção pode prejudicar a consistência do direito de que é alegadamente titular em consequência do caso julgado que se formou relativamente ao direito do autor (v. Miguel Mesquita, in Reconvenção e Excepção no Processo Civil, Almedina, 2009, págs. 439 a 441).

Com efeito, e como é sabido, do caso julgado decorrem, essencialmente, dois efeitos: por um lado, a impossibilidade de qualquer tribunal voltar a pronunciar-se sobre a questão decidida (efeito negativo ou excepção de caso julgado) e, por outro lado, a vinculação do mesmo tribunal ou de outros tribunais à decisão proferida (efeito positivo ou autoridade de caso julgado).

No caso, como já o entenderam as instâncias, não é a excepção de caso julgado que se constitui aqui como obstáculo à apreciação do mérito da presente acção, pois, embora exista identidade de partes (elemento subjectivo), não existe identidade de pedidos nem de causa de pedir (elemento objectivo).

Porém, o trânsito em julgado da referida sentença é susceptível de produzir outros efeitos, tributários dos princípios da segurança e certeza jurídica que devem nortear o funcionamento do sistema de justiça. Com efeito, julgada em termos definitivos certa matéria, numa acção que correu termos entre determinadas partes, a decisão sobre o objecto desta primeira causa impõe-se necessariamente em todas as outras acções que venham a correr termos entre as mesmas partes, o que sucederá mesmo que a acção incida sobre um objecto diferente desde que a sua apreciação dependa do litígio previamente decidido, perspectivado este como verdadeira relação prejudicial da relação material controvertida na segunda acção (cfr. Ac. STJ de 24.4.2015, proc. 7770/07.3TBVFR.P1. S1).

Segundo as palavras do Ac. STJ de 22.2.2018, proc. 3747/13.8T2SNT.L1.S1, “a autoridade do caso julgado implica o acatamento de uma decisão proferida em acção anterior cujo objecto se inscreve, como pressuposto indiscutível, no objecto de uma ação posterior, obstando assim a que a relação jurídica ali definida venha a ser contemplada, de novo, de forma diversa” e abrange, “para além das questões directamente decididas na parte dispositiva da sentença, as que sejam antecedente lógico necessário à emissão da parte dispositiva do julgado”.

A este propósito, Miguel Teixeira de Sousa em “Objecto da Sentença e Caso Julgado Material,”, BMJ nº 325, págs. 171 a 179, observa que, “quando vigora como autoridade de caso julgado, o caso julgado material manifesta-se no seu aspecto positivo de proibição de contradição da decisão transitada: a autoridade do caso julgado é o comando de acção ou a proibição de omissão respeitante à vinculação subjectiva à repetição no processo subsequente do conteúdo da decisão antecedente”.

Nesta medida, apesar da natureza facultativa da reconvenção, existem efeitos decorrentes da prolação de uma decisão que podem obstaculizar a discussão posterior de um litígio, cuja solução pode vir a contradizer aquele primeiro veredicto.

A este propósito, Miguel Mesquita afirma que casos há em que “a faculdade de reconvir transforma-se num ónus, na medida em que o réu necessita de reconvir para afastar o risco de futura preclusão do direito, por força do caso julgado que venha a constituir-se sobre a decisão favorável ao autor”. O réu deverá reconvir “para se livrar de um prejuízo futuro e eventual (não certo): o prejuízo de preclusão do seu direito.” (In Reconvenção e Excepção no Processo Civil – O Dilema da Escolha entre a Reconvenção e a Excepção e o Problema da Falta de Exercício do Direito de Reconvir, 2009, pág. 440)

Com efeito, a propósito de situação algo similar à dos presentes autos, repare-se no Ac. STJ de 10.10.2012, proc. 1999/11.7TBGMR.G1.S1, com o seguinte sumário:

“1. A autoridade de caso julgado inerente a uma decisão que reconheceu ao autor o direito de propriedade sobre uma parcela de terreno e condenou o réu na sua restituição e na demolição da construção que na mesma foi erigida impede que este, em nova acção, peça o reconhecimento do direito de propriedade sobre a mesma parcela, ainda que com fundamento na acessão industrial imobiliária.

2. Apesar de em tal situação não se verificar a excepção de caso julgado, atenta a diversidade da causa de pedir, a segurança e a certeza jurídica decorrentes do trânsito em julgado da decisão obstam a que em posterior acção se questione o direito de propriedade e as obrigações de restituição e de demolição reconhecidas na primeira acção com base numa realidade que naquela ocasião já se verificava e que aí poderia ter sido invocada quer para impedir a procedência da acção, quer para sustentar, em sede de reconvenção, o direito potestativo de acessão imobiliária.” (sublinhado nosso).

Em anotação a este acórdão, nos CDP, nº 41, a pág. 24 e segs., Teixeira de Sousa escreveu: “ Quando a decisão define um efeito jurídico este efeito fica coberto pelo caso julgado; mas há que entender que o “contrário contraditório” (…) desse efeito também fica abrangido pelo caso julgado” ; (…) Uma variação do “contrário contraditório” ( que pode ser resumida na fórmula “x; logo não-x”)) é a alternativa incompatível ( que pode ser resumida na fórmula “x ou y; y; logo não -x”) dado que a aceitação de uma das alternativas(y) implica necessriamente a exclusão de outra (não-x). O presente acordo constitui exemplo desta situação: o reconhecimento da propriedade dos agora réus na acção por eles proposta exclui a propriedade dos autores da presente acção. Entre estas hipóteses de alternativa incompatível e as demais situações de “contrário contraditório” há, no entanto, uma diferença importante: enquanto nas hipóteses do “contrário contraditório” é o próprio caso julgado que obsta, sem mais, à possibilidade de constituir posteriormente uma situação contraditória, nas hipóteses de alternativa incompatível a constituição de uma situação contraditória só está excluída se, numa acção pendente, recair sobre o demandado o ônus de alegar os factos constitutivos dessa alternativa e se, portanto, vier a funcionar a preclusão da sua alegação posterior; (…); Dir-se-á que o que vale para a contestação não vale para a reconvenção pois que se há um ónus de contestação não há um ónus de deduzir um pedido reconvencional. A verdade é que não é bem assim. A reconvenção exige uma conexão objectiva com o objecto definido pelo autor (cfr. artigo 274.º nº 2 do CPC); nestes elementos de conexão entre o objecto inicial e o pedido reconvencional há alguns que não impõem um ônus de reconvir (como é o caso, por exemplo, da compensação ou do direito a benfeitorias: art. 274.º, n.º 2, alínea c) do CPC ) mas nesses elementos também há alguns que implicam um ónus de deduzir o pedido reconvencional na acção pendente sob pena de preclusão da dedução do mesmo pedido em processo posterior; sempre que o réu reconvinte queira conseguir, em seu benfício, o mesmo efeito jurídico que o autor se propõe obter ( cfr. art. 274.º, n.º 2, alínea c), do CPC) a reconvenção não é uma mera faculdade mas antes um verdadeiro ónus, dado que esse pedido não poderá ser formulado fora do processo que se encontra pendente,. Compreende-se que tenha de ser assim: o direito (ao divórcio ou de propriedade por exemplo) só pode proteger o autor ou o réu; se o réu quer obter não só a improcedência da causa mas também o reconhecimento para si do direito e que o autor alega ser titular então tem o ónus de deduzir o pedido reconvencional. Assim, a não dedução da reconvenção (destinada, por exemplo, a obter, em benefício do reconvinte, o decretamento do divórcio ou o reconhecimento da propriedade sobre uma coisa implica a preclusão do correspondente pedido em qualquer acção posterior.” (sublinhados nossos).

Também a propósito de situação próxima do caso concreto, o Supremo Tribunal de Justiça proferiu o Acórdão de 27.5.2021, proc. 29/12.6TBPTL.G2.S1, que foi sintetizado nos seguintes termos:

“I. Apesar da reconvenção ter, por regra, natureza facultativa, situação em que o não uso da faculdade de dedução de reconvenção não tem, em princípio, qualquer interferência negativa na consistência do direito material de que o réu seja titular, casos há em que a faculdade de reconvir transforma-se num ónus, na medida em que o réu necessita de reconvir para afastar o risco de futura preclusão do direito, por força do caso julgado que venha a constituir-se sobre a decisão favorável ao autor, estando-se, por isso, perante a chamada reconvenção necessária ou compulsiva.

II. Neste último caso, uma vez apresentada a contestação, fica, em princípio, precludida, a partir desse momento, a invocação pelo réu, quer de outros meios de defesa, quer dos meios que ele não chegou a deduzir e até mesmo daqueles que ele poderia ter deduzido com base num direito seu.

III. Tendo os autores peticionado em ação de reivindicação o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre duas construções “de piso térreo” por fazerem parte do prédio rústico por eles adquirido por usucapião bem como a condenação dos réus na restituição daqueles anexos e na demolição das obras aí executadas, arrogando-se estes igualmente proprietários das mesmos, por via da acessão industrial imobiliária e com base em factualidade já deles conhecida no momento da contestação, sobre os réus impendia o ónus de deduzir, naquela ação, reconvenção para afastar o risco da futura preclusão, por força do caso julgado que viesse a constituir-se sobre a decisão favorável aos autores.

IV. Não o tendo feito, a autoridade de caso julgado inerente à decisão que, naquela ação, reconheceu aos autores o direito de propriedade sobre os aludidos anexos e condenou os réus na restituição dos mesmos e na demolição das obras por eles executadas, impede que estes, em nova ação, peçam o reconhecimento do direito de propriedade sobre aqueles mesmos anexos com fundamento na acessão industrial imobiliária, por se tratar de fundamento já precludido.” (sublinhado nosso).

Idêntica solução foi perfilhada no Acórdão do STJ de 9.3.2021, proc. 1242/05.8TBBCL-Y.G1.S1:

“I – (…)

II-(…)

III - Assim, sempre que o caso julgado favorável ao autor seja susceptível de, depois, impedir a invocação de factos defensivos e a dedução dos correspondentes pedidos pelo réu através de uma acção independente - por as decisões favoráveis dos dois processos serem contrastantes - a reconvenção (a invocação de tais factos defensivos e a dedução dos correspondentes pedidos) acaba por revestir natureza necessária, ou seja, a dedução da reconvenção, na primeira ação, é um autêntico ónus para o réu.

IV – (…)

V - Não tendo o réu reconvindo no primeiro processo, viu precludidos tais direitos, efeito preclusivo que resulta da autoridade do caso julgado da sentença que julgou favorável (ao respetivo autor) a primeira ação, verificando-se no segundo processo, em que vem formular tais pedidos, a excepção de caso julgado, na vertente de autoridade do caso julgado (havendo que acatar a decisão antes proferida e obstar a que a relação jurídica definida na anterior decisão possa ser aqui de novo decidida e destruída ou diminuída).

VI (…).”. (sublinhados nossos)

Face à jurisprudência que tem vindo a consolidar-se sobre esta temática neste Tribunal, destaca-se, assim, o entendimento de que, apesar da natureza reconhecidamente facultativa da reconvenção, casos há em que a não dedução de reconvenção num determinado processo pode obstaculizar a discussão do direito material de que o réu entenda ser titular numa futura ação por força do caso julgado formado pela primeira decisão judicial.

Mas ainda que se entenda que não existe um ónus de reconvenção com efeito preclusivo, importa ter em consideração que o princípio da concentração decorrente do art. 573º do CPC impede a utilização na segunda acção de meios que podiam ser utilizados na primeira acção como defesa e não o foram.

Com efeito, os arts 573º e 564º, al. c), ambos do CPC, consagram aquilo que se designa como “efeito preclusivo da defesa”: isto é, impõem ao demandado o ónus da oportuna dedução de todos os meios de defesa que considere ter ao seu dispor no confronto da pretensão do autor, sob pena de lhe ficar vedada a possibilidade de colocar questões não abordadas e decididas em ações futuras que corram entre as mesmas partes.

Como se escreve no Acórdão do STJ de 6.12.2016, proc. nº 1129/09.5TBVRL-H.G1.S2) “o princípio da preclusão ou da eventualidade é um dos princípios enformadores do processo civil, decorre da formulação da doutrina e encontra acolhimento nos institutos da litispendência e do caso julgado – art. 580º, nº2, do Código de Processo Civil – e nos preceitos de onde decorre o postulado da concentração dos meios de alegação dos factos essenciais da causa de pedir e as razões de direito – art. 552º, nº1, d) – e das excepções, quanto à defesa – art. 573º, nº1, do Código de Processo Civil.” E acrescenta-se que “a admitir-se que a embargante pudesse invocar, no segundo processo, fundamentos que omitiu, voluntariamente, no primeiro processo de embargos de terceiro com função preventiva, cuja decisão de improcedência transitou em julgado, (visando ambos os processos os mesmos efeitos), seria contornar o efeito preclusivo da invocação factual, desconsiderar o princípio da concentração da defesa e violar a estabilidade do caso julgado”.

Também Rui Pinto escreve que “para o réu vencido, a condenação no pedido determina a preclusão de alegabilidade futura tanto dos fundamentos de defesa deduzidos, como dos fundamentos de defesa que poderia ter deduzido. E, também quanto ao réu, essa “preclusão” resulta de dois mecanismos processuais distintos. Efetivamente, o princípio da concentração da defesa na contestação (cf. artigo 573.º), incluindo na defesa superveniente (como se deduz da conjugação dos artigos 588.º, n.º 1, e 729.º, al. g)), determina a preclusão de toda a defesa que não haja oportunamente feito valer contra a concreta causa de pedir invocada pelo autor. Assim, o réu que perdeu não pode, depois, na oposição à execução (cf. artigos 729.º, al. g), a contrario, e 860.º, n.º 3.º) invocar as exceções que não usara, como, por ex., a nulidade do contrato invocado pelo autor, para se negar ao pagamento. Mas, por outro lado, tampouco o pode fazer em (i) ação autónoma ou em (ii) reconvenção, porque lhe vai ser oposta a autoridade de caso julgado, decorrente da vinculação positiva externa ao caso julgado assente no artigo 619.º, em sede de objetos em relação de prejudicialidade.” (em “Exceção e autoridade de caso julgado – algumas notas provisórias”, Julgar Online, Novembro de 2018, pág. 42).

No dizer de Manuel de Andrade, “uma vez julgada procedente uma acção, nela se afirmando competir ao autor certo direito, com base em certo acto ou facto jurídico, a força e autoridade do caso julgado impedirá mais tarde, por qualquer motivo não superveniente … se possa vir impugnar aquele direito, com isto negando ou por qualquer forma se intentando prejudicar bens correspondentes por aquela decisão reconhecidos ao autor”. [In, RLJ, ano 70º, págs. 232 e segs]. E daí conclui este mesmo autor que, nestes casos, o réu « tem de invocar todos os meios de defesa que lhe possam assistir, quer dizer, todos os factos susceptíveis de comprovarem que o direito do autor não se constituiu validamente (factos impeditivos), ou que sofreu alteração ou mesmo deixou de subsistir (factos modificativos ou extintivos)», e até mesmo os que poderia ter deduzido com base num direito seu, valendo, neste sentido, a máxima segundo a qual o caso julgado «cobre o deduzido e o dedutível» ou « tantum judicatum quantum disputatum vel disputari debebat» [ Manuel de Andrade , in, “Noções Elementares de Processo Civil” , Coimbra Editora , pág. 324] ( citado pelo referido Ac. STJ de 27..5.2021).

A propósito do efeito preclusivo da invocação de factos e do princípio da concentração da defesa, associados à eficácia do caso julgado, veja-se, ainda, o Ac. STJ de 6.12.2016, proc. 1129/09.5TBVRL-H.G1.S2, cujo sumário é o seguinte:

“(…)

VI. A embargante invocou, no segundo processo de embargos de terceiro com função preventiva, ser titular de direito de retenção sobre “obras novas e inovações” que implantou na fracção autónoma cuja entrega foi judicialmente ordenada, alegando que foram por sido realizadas em 2005, tendo invocado nos primeiros embargos que instaurou, a titularidade da posição de locatária do contrato de locação financeira dessa fracção, sendo que, quando interpôs os primeiros embargos as aludidas “obras e inovações” que, agora invoca a fundamentar os segundos embargos, já existiam.

VII. A admitir-se que a embargante pudesse invocar, no segundo processo, fundamentos que omitiu, voluntariamente, no primeiro processo de embargos de terceiro com função preventiva, cuja decisão de improcedência transitou em julgado, (visando ambos os processos os mesmos efeitos), seria contornar o efeito preclusivo da invocação factual, desconsiderar o princípio da concentração da defesa e violar a estabilidade do caso julgado.” (sublinhado nosso).

Também com interesse pode ver-se o Ac. STJ de 28.3.2019, proc. 6659/08.3TBCSC.L1.S1, sintetizado no seguinte sumário:

“I. A autoridade do caso julgado material implica o acatamento de uma decisão de mérito transitada cujo objeto se inscreva, como pressuposto indiscutível, no objeto de outra ação a julgar posteriormente, ainda que não integralmente idêntico, de modo a obstar a que a relação jurídica ali definida venha a ser contemplada, de novo, de forma diversa.

II. Para tal efeito, embora, em regra, o caso julgado não se estenda aos fundamentos de facto e de direito, “a força do caso julgado material abrange, para além das questões diretamente decididas na parte dispositiva da sentença, as que sejam antecedente lógico necessário à emissão da parte dispositiva do julgado”.

III. Além disso, ficam precludidas todas as questões pertinentes não oportunamente suscitadas pela defesa e que o devessem ser, seja como efeito preclusivo autónomo, como entendem uns, seja como efeito integrante do próprio caso julgado, como sustentam outros.

IV.(…)

V. (…)

VI. (…)

No sumário do acórdão do STJ de 20.6.2023, proc. 25494/18.4T8LSB.L2.S1, que o aqui relator subscreveu como adjunto, consta também:

“ (…)

IV - O caso julgado alcança também a preclusão de todas as questões em relação às quais impenda sobre o réu o ónus de concentrar toda a defesa conforme o estabelecido no art. 573.º do CPC.”

Tendo presente as indicadas referências jurisprudenciais e doutrinárias, analisemos, então, o caso concreto.

Como resulta dos factos provados, na situação dos autos, a autora foi demandada pela aqui ré na acção n.º 111/2001, na qual, a título principal, foi pedida a declaração de nulidade ou anulação do negócio de compra e venda pela qual adquirira o direito de propriedade sobre a Quinta de....

Na referida acção, a autora apresentou contestação, tendo requerido, em sede reconvencional, e para a hipótese de procedência da acção, a condenação da reconvinda a indemnizá-la das benfeitorias que realizara na referida quinta.

A ação foi julgada procedente, tendo sido declarado nulo o referido negócio de compra e venda com o consequente reconhecimento do direito de propriedade na esfera jurídica da então autora. Para além disso, foi reconhecido à aqui autora o direito a uma indemnização por força das benfeitorias que executou, nos exactos termos requeridos em sede reconvencional.

Seguindo de perto a jurisprudência e doutrina mais recente sobre a temática – a que acima fizemos referência – entendemos ser de perfilhar o entendimento propugnado pelas instâncias.

Por um lado, pese embora a relação material controvertida do processo nº 111/2001 se tenha estribado na anulação de um negócio jurídico de compra e venda do imóvel, é inquestionável que ali se discutia o direito de propriedade sobre a Quinta de .... Tanto assim que o Tribunal decidiu aí, além do mais, “Condenar a 3ª Ré Taylor Fonseca, SA a reconhecer o direito de propriedade da autora sobre o prédio rústico (…) bem como a entregar-lho imediatamente.”.

Como assim, impendia sobre a ali ré, aqui autora, o ónus de reconvir pedindo o reconhecimento do direito de propriedade sobre a Quinta de ..., em ordem a obter o mesmo efeito jurídico que a autora se propunha obter (art. 266º, nº 2, al. d) do CPC).

Todavia, ainda que assim não se entendesse, sempre o ónus da concentração da defesa (limitado à contestação) imporia que a ali ré invocasse na contestação, como defesa, a acessão industrial imobiliária, como fundamento de aquisição do seu direito de propriedade. A invocação da acessão industrial no âmbito da contestação ali apresentada pela aqui autora constituiria matéria de excepção peremptória, isto é, matéria de defesa que deveria ter sido ali invocada. Não o tendo sido, teria ficado precludida essa defesa que a demandada não fez oportunamente valer contra a concreta causa de pedir invocada pela autora, aqui ré, e, por essa razão, a ora autora impedida de fazer valer na presente acção a acessão industrial imobiliária. Aliás, a autora não apenas não invocou na acção nº 111/2001 a acessão industrial imobiliária como defesa para sustentar a improcedência da acção como, foi inclusivamente, mais longe e utilizou os mesmos factos que fundamentavam naquela acção um direito de indemnização por benfeitorias como forma de aquisição do direito de propriedade do imóvel por acessão industrial imobiliária.

Embora prosseguindo iter argumentativo não exactamente coincidente, é neste contexto, de resto, que o acórdão recorrido escreve que “não é possível que a autora utilize as mesmas benfeitorias, por um lado para, em função delas, pretender ser indemnizada do seu valor, e por outro, para fazer valer a propriedade das mesmas em terreno alheio, para assim lograr a acessão. Efectivamente, e como a apelada o refere, a propriedade das benfeitoras (úteis) que não sejam levantáveis da coisa em que foram introduzidas transmite-se (automaticamente) para o dono da coisa beneficiada e, ao mesmo tempo, surge no património do benfeitorizante um direito de crédito sobre o dono da coisa beneficiada, correspondente ao valor da benfeitorias, calculado segundo as regras do enriquecimento sem causa - art 216º/3 e 1273º CC.”, concluindo que, “do facto de a A. não ter formulado reconvencionalmente na antecedente acção os dois pedidos em referência, em termos subsidiários, e só ter formulado o referente às benfeitorias, teria implicado que tivesse tacitamente renunciado àquele outro, mostrando-se por esta via, da renuncia tácita, extinto o direito da A. se fazer valer da acessão.”

Na esteira do que se deixa exposto, entendemos, pois, que, se na anterior acção, a autora não invocou os factos conducentes à aquisição da propriedade por efeito de acessão industrial imobiliária, por reconvenção, deve considerar-se precludida tal invocação na presente acção, por estarmos na anterior perante uma situação de reconvenção necessária ou compulsiva, impeditiva da dedução desse pedido fora daquele processo. Se assim não se entender, sempre se deverá considerar precludida tal invocação por efeito da aplicação do princípio da concentração da defesa, que na acção n.º 111/2001 fazia impender sobre a ali ré o ónus de apresentar na contestação todos os fundamentos que pudessem colidir com a pretensão da ali autora (e aqui ré).

Pelo exposto, acordam os Juízes desta Secção em negar a revista e confirmar o acórdão recorrido.

Custas pela recorrente.


*


Lisboa, 16 de Novembro de 2023

António Magalhães (Relator)

Jorge Arcanjo

Manuel Aguiar Pereira