Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
382/19.0PAALM.L1.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: PEDRO BRANQUINHO DIAS
Descritores: RECURSO DE ACÓRDÃO DA RELAÇÃO
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
DUPLA CONFORME
PENA PARCELAR
PENA ÚNICA
CONCLUSÕES
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
REJEIÇÃO
Data do Acordão: 11/08/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário :
I. Na situação concreta dos autos, apenas seria admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, relativamente à pena única aplicada de 9 anos de prisão, em resultado cúmulo jurídico efetuado, atendendo à dupla conformidade, uma vez que o Tribunal da Relação de Lisboa confirmou integralmente o acórdão do tribunal coletivo da primeira instância (Cfr. art. 400.º n.º 1 f) e 432.º n.º 1 b), do C.P.P.).

II. Com efeito, as penas parcelares referentes aos crimes de violência doméstica e de violação são, respetivamente, de 4 anos e de 7 anos de prisão, por conseguinte, inferiores a 8 anos de prisão.

III. Acontece, porém, como bem alerta o Senhor Procurador-Geral Adjunto, o recorrente, nas suas extensas Conclusões, não põe, em momento algum, em causa a medida da pena única fixada nem sequer se refere expressamente à mesma. Também não existem referências às normas jurídicas que, na perspetiva do recorrente, teriam sido, a este propósito, violadas.

IV. Nesta conformidade, sem necessidade de outos considerandos, impõe-se a rejeição, por inadmissibilidade legal, do presente recurso, não obstando a tal o facto de ter sido admitido pelo tribunal a quo (art. 414.º n.º 3, do C.P.P.).

Decisão Texto Integral:

Acordam, em Conferência, na 3.ª Secção Criminal, do Supremo Tribunal de Justiça

I. Relatório

1. Por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, ... Secção, de 06/07/2023, foi negado provimento ao recurso do arguido AA e confirmado integralmente o acórdão do Juízo Central Criminal de ... -J3, da comarca de Lisboa, de 24/09/2020, que o condenara, nos termos do seguinte dispositivo, que passamos a transcrever, na parte que ora releva:

(…)

b) Condenar o arguido AA pela prática em autoria material e em concurso real de:

- um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152°, n°. 1, al. b) do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos de prisão;

- um crime de violação, p. e p. pelo artigo 164°, n°. 1, al. a) do Código Penal, na redacção da Lei n°. 59/2007 de 04.09, em vigor à data da prática dos factos, na pena de 7 anos de prisão;

c) Efectuado o cúmulo jurídico das penas parcelas identificadas em b), condenar o arguido na pena única de 9 (nove) anos de prisão.

d) Condenar o arguido na sanção acessória de proibição de contacto, por qualquer forma, com a ofendida BB, pelo período de 5 (cinco) anos.

e) Condenar o arguido a pagar à ofendida BB uma indemnização no montante de € 12.500,00 (doze mil e quinhentos euros).

(…)

2. Mais uma vez inconformado, interpôs o referido arguido, em 15/08/2023, recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, apresentado as seguintes Conclusões da sua motivação (Transcrição):

a) Considera a defesa que o arguido só foi notificado regularmente para a primeira sessão de audiência de julgamento, inexistindo notificação, conforme impõe a lei no art.º 113.º do CPP, para as subsequentes datas designadas para continuação de audiência de julgamento, ocorrendo assim nulidade insanável nos termos do art.º 119.º do CPP, que implica a invalidade de todos os actos praticados após a nulidade e a remessa dos autos para a audiência de julgamento.

b) Efectivamente verifica-se a fls. 371 e 372 dos autos que o arguido foi regularmente notificado para audiência de julgamento, a qual se realizaria, como realizou, no dia 2 de Julho de 2020, constando apenas esta data na notificação por prova de depósito endereçada ao arguido.

c) E ao contrário do que entende o Venerando Tribunal da Relação no Douto Acórdão ora proferido, a defesa não olvidou que o arguido prestou TIR e foi notificado pessoalmente no dia 24.01.202, parece-nos sim que o Douto Tribunal de que ora se recorre olvidou o facto de o julgamento ter sido efectuado aquando e no meio da pandemia quando todos os serviços, se encontravam também numa autêntica “pandemia”, completamente caóticos o que é do conhecimento público.

d) Este julgamento foi adiado sine die, num primeiro momento a 12.03.2020 (ref.ª .......77, tendo a 20.05.2020 (ref.ª .......09), sido reagendado para o dia 02.07.2020, foi o arguido, no meio da pandemia notificado desta data por prova de depósito para a morada constante do TIR.

e) O arguido não foi notificado para a morada constante do TIR por carta com prova de depósito das datas subsequentes da audiência de julgamento, onde, também ao contrário do que conclui o Venerando Tribunal da Relação não, houve apenas alegações orais e leitura de acórdão, existiu também a produção de prova testemunhal, no entanto mesmo que se tratasse apenas da Leitura do acórdão, que não foi o que sucedeu, padeceria sempre o acórdão de primeira instância e as audiências que não foram comunicadas/notificadas ao arguido de nulidade insanável importando a repetição da audiência de julgamento, o que se requer e exige.

f) Aliás é o próprio Tribunal da Relação que no último paragrafo de fls. 14 declara expressamente que “Constata-se efectivamente que nas sessões posteriores a 02.07.2020 o arguido não foi previamente notificado por aviso postal simples, mas foram feitas várias tentativas infrutíferas de notificação pessoal na morada constante do TIR, sendo que já existiam informações nos autos que o arguido ali não residia.”,

g) Estávamos em pandemia, alguém se lembrou de verificar se o arguido tinha efectuado um reenvio de correspondência, sabendo que tinha prestado TIR numa morada que não pôde continuar a residir devido à pandemia? Claro que não. Exactamente porque estávamos em pandemia e os serviços, incluindo os serviços postais estavam caóticos, tendo os CTT implementado uma série de novas regras que, infelizmente e sempre em prejuízo do cidadão os Tribunais foram se adaptando.

h) Não se venha alegar que não foi o supra expendido alegado em sede de recurso para o Tribunal da Relação pelo que não pode o Supremo conhecer e questão nova não alegada, porquanto tudo o que agora foi dito é redundante, porquanto é do conhecimento publico e o arguido não tem de alegar o que é do conhecimento público e faz parte do bom senso, esta pessoa apenas quer se defender e entende que tem esses Direito e entende que as coisas se passaram de modo menos adequado no seu caso devido à pandemia, mas não pode deixar de exigir que o ouçam que deixem que o mesmo efectue o contraditório, a fim de ser feita justiça.

i) O arguido apenas pretende defender-se, prestando declarações no processo, apresentando uma defesa que assegure os seus interesses legítimos e constitucionais, pois duvida o arguido que depois de o ouvir o Tribunal mantenha a presente condenação.

j) Apenas a título de curiosidade cumpre aqui informar que ainda existe pelo menos, mais um processo desta alegada vitima contra o arguido, por factos idênticos aos aqui julgados (violência doméstica e violação), podendo finalmente o arguido neste novo processo, pelos factos que ali se indicam, também sem data certa, efectuar o exercício do contraditório, não obstante tem, neste momento uma condenação em nove anos de prisão por crimes que não praticou e tal só sucedeu, porque o arguido não foi notificado tendo sido coartado, entre outros, o seu Direito à defesa e o exercício do contraditório.

k) Pelo que em seguida alegaremos exactamente o já alegado anteriormente e que o Tribunal da Relação resolveu muito sucintamente entendendo que não obstante o Tribunal de 1.ª Instância não ter cumprido o exigido por Lei, tal deveu-se a culpa exclusiva do arguido, uma vez que tentaram (durante a pandemia notifica-lo pessoalmente tendo indicação que não vivia no local, sem nunca se ter apurado se tinha sequer reenvio de correspondência, ou algum tipo de acordo com uma pessoa para abrir o correio e reenvia-lhe as cartas.

l) Alguém tentou durante a pandemia, como mero cidadão, sem conhecimentos jurídicos dirigir-se a um Tribunal e/ou praticar algum acto em Tribunal?? Tenho de confessar que era e foi bastante difícil, vezes que foi totalmente impossível, mesmo para um jurista, quanto mais para um cidadão sem conhecimentos jurídicos.

m) Conclui ainda o tribunal da Relação que o defensor oficioso que o defendeu em sede de audiência de julgamento nada disse quanto às sucessivas faltas de notificação, nem pediu para o mesmo ser ouvido, pelo que não tendo requerido qualquer diligencia quanto à notificação do arguido, não pode agora o arguido vir escudar-se na preterição desse Direito.

n) O arguido não se está a escudar em preterições de Direito, o arguido está a afirmar que o Tribunal não cumpriu a Lei e tal incumprimento gera nulidade insanável tendo o julgamento de ser repetido.

o) É um Direito do arguido estar presente e para estar presente tem de ser notificado para o efeito, não tendo sido notificado, existe nulidade insanável que só pode ser suprida com a repetição da audiência de julgamento, o que se impõe.

p) Pois, não pode o arguido ser prejudicado e ignorar-se a nulidade insanável decorrente da omissão de notificação do arguido, por muito que se tente fundamentar o contrário tal entendimento é ilegal e inconstitucional.

q) Cfr. melhor consta da acta de audiência de julgamento do dia 2 de Julho de 2020, fls. 405 a 408 dos autos, “Não se considera, por ora indispensável a presença do arguido, motivo pelo qual se dará inicio à audiência de julgamento nos termos do disposto no art.º 333, n.º 2 do CPP.” (…) “Relativamente ao arguido, que se encontra regularmente notificado, vai o mesmo condenado em 2Uc’s de multa pela falta injustificada e determina-se a emissão de mandados de detenção a fim de assegurar a presença do mesmo na data que se vier a designar para continuação da audiência de julgamento para todas as moradas conhecidas nos autos e as que vierem a ser indicadas pelo Exmo. Senhor procurador, abrindo-se vista conforme requerido.”

r) Compulsados os autos, verifica-se que os mandados não foram cumpridos, nunca tendo o arguido, sido notificado da continuação da audiência de julgamento cfr. determina a Lei, ou seja, para a morada do TIR com prova de depósito.

s) Cfr. Se verifica nos autos a fls. 409 a 474 o arguido não foi notificado nos termos legais e obrigatórios, ou seja, para a morada do TIR com prova de depósito, das datas designadas para a continuação de audiência de julgamento, mormente as dos dias 03.09.2020 e a de 24.09.2020, (actas de fls. 434 a 436 e 438 respectivamente), não podendo os mandados não cumpridos, suprir a nulidade de falta de notificação do arguido nos termos legais. Dá-se aqui por reproduzido o alegado nas motivações de 1 a 12, por serem factos do conhecimento publico e a defensora oficiosa ser sucessivamente alertada pelos Tribunais superiores, devido ao seu fraco poder de síntese.

t) O arguido alega que foi apenas notificado para a 1.ª data de audiência de julgamento, não tendo sido devidamente notificado para as subsequentes datas de audiência de julgamento (o tribunal nunca mais enviou carta com prova de depósito para a morada do TIR), o que constitui uma nulidade insanável nos termos da lei.

u) Tal como supra se referiu e melhor se explanou nas alegações, verifica-se nos autos que o arguido foi regularmente notificado para a primeira sessão de audiência de julgamento, mas não foi notificado para as datas de continuação da audiência, não podendo por tal motivo comparecer às mesmas e defender-se como era seu Direito.

v) Cfr. melhor se verifica da leitura das actas, o tribunal decidiu iniciar a audiência mesmo sem a presença do arguido, que estava regularmente notificado apenas e tão só para essa 1.ª data, tendo depois determinado a emissão de mandados de detenção para assegurar a sua presença, mas nunca mais o notificou da continuação da audiência, como manda e exige a Lei, para a morada do TIR com prova de depósito.

w) Não tendo os mandados sido cumpridos, não foi o arguido notificado para as datas designadas para a continuação da audiência de julgamento.

x) A falta de notificação do arguido para as sessões de julgamento, viola a lei e implica a nulidade dos atos subsequentes.

y) A presença do arguido na audiência de julgamento é obrigatória, desde que ele esteja devidamente notificado das datas de cada sessão, o que não sucedeu.

z) Portanto, a falta de notificação do arguido para as sessões de continuação da audiência de julgamento resulta na nulidade dos atos subsequentes.

aa) Pelo que o arguido alega a nulidade das sessões de audiência de julgamento realizada em datas em que não foi notificado, conforme previsto no Código de Processo Penal.

bb) O arguido tem o direito e o dever de estar presente na audiência, salvo se o tribunal considerar que a sua presença é absolutamente indispensável.

cc) A falta de notificação do arguido para as datas da audiência implica a anulação de todos os atos subsequentes, de acordo com a lei.

dd) O arguido indicou uma nova morada no Termo de Identidade e Residência, mas não foi notificado para essa morada.

ee) A lei não exige que a notificação do arguido seja feita com base na sua residência atual, mas sim na morada indicada no Termo de Identidade e Residência.

ff) A notificação por via postal simples é considerada válida e eficaz para transmitir o ato notificado ao conhecimento do arguido, pelo que devem todos os actos subsequentes à falta de notificação do arguido repetidos, como impõe a Lei.

gg)Mesmo que não se considerasse o argumento da nulidade do julgamento, por falta de notificação do arguido, para a diversas sessões de continuação da audiência de julgamento, o qual correu sem o arguido ter conhecimento das datas da continuação da audiência, cfr. supra se expôs, sempre teria de se ter em conta que o arguido não tem antecedentes criminais, é de modesta condição económica e social, e padecia de alcoolismo na época dos factos.

hh) Pelo que, a determinação da medida da pena deve ser feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, levando em consideração todas as circunstâncias relevantes.

ii) Considerando o concurso aparente de crimes e a prática de um crime de trato sucessivo, a pena aplicada ao arguido deve ser reduzida e suspensa na sua execução, subordinada a um regime de prova e obrigações adequadas.

jj) Em resumo, o recurso defende a nulidade dos atos processuais posteriores à falta de notificação do arguido, caso assim não se entenda, ainda alega a existência de um concurso aparente de crimes e um crime de trato sucessivo, solicita a redução das penas aplicadas e a suspensão da pena de prisão, considerando as condições pessoais do arguido à data da prática dos factos e todo o circunstancialismo envolvente.

kk) As normas que a defesa considera violadas são as seguintes:

ll) Artigo 113º do Código de Processo Penal (CPP) - Alega que o arguido não foi notificado corretamente para as subsequentes datas designadas para a continuação da audiência de julgamento, resultando em nulidade insanável nos termos do artigo 119º do CPP.

mm) Artigo 119º, nº 1, alínea c) do CPP - Alega que a falta de notificação do arguido para as sessões de audiência de julgamento realizadas em setembro de 2020 constitui uma nulidade insanável, resultando na anulação de todos os atos subsequentes.

nn) Artigo 61º, nº 1, alínea a) do CPP - Alega que o arguido tem o direito e o dever de estar presente na audiência de julgamento, desde que devidamente notificado.

oo) Artigo 333º, nºs 1 e 2 do CPP - Alega que se o arguido, devidamente notificado, não estiver presente no início da audiência, esta só é adiada se o tribunal considerar absolutamente indispensável para a descoberta da verdade material a sua presença desde o início.

pp) Artigo 343º, nº 1 do CPP - Alega que o arguido tem o direito de prestar declarações em qualquer momento da audiência, desde que se refiram ao objeto do processo.

qq) Quanto às provas que impõem uma decisão diversa, a defesa menciona os seguintes argumentos:

rr) Alega que o arguido foi regularmente notificado para a primeira sessão de audiência de julgamento, conforme consta nos autos.

ss) Alega que não houve a devida notificação do arguido para as sessões de audiência de julgamento realizadas em setembro de 2020, violando assim a lei.

tt) Alega que a falta de notificação do arguido para as referidas sessões de julgamento resulta em nulidade, exigindo a anulação de todos os atos subsequentes.

uu) Mais alega o recorrente que a vítima apresenta declarações contraditórias e que não houve a devida comprovação de lesões ou agressões, fazendo referência aos autos e à ausência de prova documental.

vv) Alega que a vítima recusou-se a utilizar o aparelho de controlo de proximidade e que a sua credibilidade é questionável.

ww) Mais alega que, no caso de se considerar a existência do crime de violação, as penas aplicadas são excessivas e desadequadas, solicitando uma redução das mesmas e a possibilidade de suspensão da pena de prisão, mediante as condições e injunções que se entenderem necessárias.

xx) É possível identificar as seguintes violações aos princípios e normas constitucionais no recurso apresentado:

yy) Princípio do contraditório e ampla defesa: O arguido alega que não foi regularmente notificado para as subsequentes datas designadas para continuação da audiência de julgamento, violando assim o artigo 113.º do Código de Processo Penal (CPP). Isso teria prejudicado seu direito à ampla defesa e contraditório, conforme garantidos pela Constituição.

zz) Princípio do devido processo legal: O arguido argumenta que a falta de notificação para as sessões de audiência de julgamento viola o artigo 32.º da Constituição, que estabelece o direito ao devido processo legal. Ele afirma que não foi informado das datas designadas para a continuação da audiência, o que comprometeu seu direito de estar presente e de prestar declarações.

aaa) Princípio da presunção de inocência: O arguido alega que a condenação por violação foi baseada principalmente no depoimento da vítima, sem outras provas concretas que corroborem a acusação. Mais argumenta que a ausência de relatórios clínicos que comprovem lesões ou agressões, bem como a recusa da vítima em receber tratamento médico, sendo que o entendimento do Tribunal de que se recorre viola o princípio da presunção de inocência consagrado no artigo 32.º, n.º 2, da Constituição.

bbb) Nulidade processual: O arguido alega que a falta de notificação para as sessões de continuação da audiência de julgamento constitui uma nulidade insanável nos termos do artigo 119.º do CPP. Ele argumenta que, devido a essa nulidade, todos os atos subsequentes devem ser anulados, incluindo a leitura do acórdão.

ccc) Essas são algumas das principais violações constitucionais alegadas no recurso apresentado, relacionadas à notificação inadequada do arguido eà falta de garantia de seus direitos fundamentais durante o processo. Cabe ao tribunal competente analisar e decidir sobre todas as questões levantadas pelo arguido com base nas leis e normas vigentes.

ddd) A audiência de julgamento pode iniciar-se, decorrer e terminar na ausência do arguido, mas tudo isto desde que o mesmo esteja notificado das datas de cada uma das sessões, nos termos do n.º 10 do art.º 113.º do CPP, em respeito pelos princípios da audiência e presença, consignados na lei.

eee) Em consequência, por não ter sido determinada a notificação do arguido para as referidas sessões de audiência, nomeadamente para a de audição de testemunhas, alegações e leitura de acórdão, verifica-se a nulidade do art.º 119.º, n.º 1, al. c), do CPP, a qual determina a anulação de todos os actos subsequentes, nos termos do art.º 122.º, n.ºs 1 e 2, ainda deste diploma.

fff) Mais entende o arguido que qualquer interpretação das normas, que não a que supra se expôs, implica clara e total violação dos mais elementares direitos de defesa do arguido, e é claramente inconstitucional por violação do disposto nos artigos 1.º, 4.º, 7.º, 24, 32º e 202.º, 203.º e 204.º da CRP.

Nestes Termos e nos Demais de Direito que V. Exas. Doutamente suprirão deve o presente recurso merecer provimento, nos termos peticionados, só assim se fazendo Douta e Costumada Justiça.

3. Por despacho do Senhor Desembargador relator, de 06/09/2023, foi este recurso admitido, com efeito suspensivo.

4. O Ministério Público, junto do tribunal recorrido, respondeu, em 11/09/2023, ao recurso do arguido, defendendo, em síntese, que deveria ser julgado improcedente, por não se mostrar violada qualquer disposição legal e constitucional e, em consequência, o acórdão recorrido integralmente confirmado.

5. Por sua vez, neste Supremo Tribunal, o Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu, em 19/09/2023, douto parecer, concluindo nos seguintes termos (Transcrição):

- O recurso interposto pelo arguido AA não deverá ser admitido, de acordo com o disposto no artº 414º, nº 2, do CPP, pois que:

- Na parte em que versa acerca da matéria de facto, viola o disposto no artº 434º, do CPP;

- Na parte em que versa acerca de matéria de direito, porque viola o disposto nos artºs:

- 432º, nº 1. Al. b) e 400º, nº 1, al. f), do CPP (ao pretender recorrer de decisão em que se verificou dupla conforme e em que nenhuma das penas parcelares atingiu os 8 anos de prisão); e

- 411º, nº 3 e 412º do CPP (ao, entendendo-se versar o recurso acerca da pena única de 9 anos de prisão, não se mostrar o recurso motivado, nem chegando a referir-se expressamente à pena obtida em cúmulo jurídico e como teria aquela violado alguma disposição legal).

Observado o contraditório, o recorrente não respondeu ao parecer do Ministério Público.

6. Submetidos os autos à Conferência, cumpre apreciar e decidir.

II. Fundamentação

Como podemos verificar dos autos, apenas seria admissível, in casu, recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, relativamente à pena única aplicada de 9 anos de prisão1, em resultado cúmulo jurídico efetuado, atendendo à dupla conformidade, uma vez que o Tribunal da Relação de Lisboa confirmou integralmente o acórdão do tribunal coletivo da primeira instância (Cfr. art. 400.º n.º 1 f) e 432.º n.º 1 b), do C.P.P.)

As penas parcelares relativas aos crimes de violência doméstica e de violação são, respetivamente, de 4 anos e de 7 anos de prisão, por conseguinte, inferiores a 8 anos de prisão.

Acontece, porém, como alerta o Senhor Procurador-Geral Adjunto, no seu esclarecido e muito bem elaborado parecer, o recorrente, nas suas extensíssimas Conclusões (quase chegando às 60!!), não põe, em momento algum, em causa a medida da pena única fixada nem sequer se refere expressamente à mesma.

Não existem também referências às normas jurídicas que, na perspetiva do recorrente, teriam sido, a este propósito, violadas.

A base do recurso, conforme consta das Conclusões, é constituída à volta de uma pretensa nulidade (art. 119.º n.º 1 c), do C.P.P.) e, por outro lado, com considerações sobre a matéria de facto, que, como é sabido, não cabem nos poderes de cognição deste Tribunal (art. 434.º, do C.P.P.).

Nesta conformidade, sem necessidade de outos considerandos, impõe-se a rejeição, por inadmissibilidade legal, do presente recurso, não obstando a tal o facto de ter sido admitido pelo tribunal a quo (art. 414.º n.º 3, do C.P.P.).

III. Decisão

Em face do exposto, acorda-se em rejeitar, por inadmissibilidade legal, o recurso do arguido AA (arts. 420.º n.º 1 b) e 414.º n.º 2, do C.P.P.).

Custas pelo arguido, fixando-se a taxa de justiça em 6 UC, a que acrescerá mais 4 UC, nos termos do art. 420.º n.º 3, do C.P.P.

Lisboa, 8 de novembro de 2023

(Processado e revisto pelo Relator)

Pedro Branquinho Dias (Relator)

Maria Teresa Féria de Almeida (Adjunta)

Ana Barata de Brito (Adjunta)

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1. Cfr., nesse sentido, entre outros, os acórdãos do STJ de 7/6/2023, relatora a Senhora Conselheira Leonor Furtado, Proc. n.º 453/18.0PFLRS.L1.S1, e de 10/1/2023, relatora a Senhora Conselheira Ana Barata de Brito, Proc. n.º 4153/16.8JAPRT.G3.S1, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.