Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2757/23.1YRLSB-A.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: MARIA DO CARMO SILVA DIAS
Descritores: HABEAS CORPUS
EXTRADIÇÃO
DETENÇÃO
Data do Acordão: 11/02/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: HABEAS CORPUS
Decisão: IMPROCEDÊNCIA / NÃO DECRETAMENTO
Sumário :
I - A detenção provisória prevista no art. 38.º da LCJIMP, que é feita de forma antecipada e prévia, destina-se a viabilizar um pedido formal de extradição.

II - Por isso, essa detenção provisória integra-se no processo de extradição, sendo sujeita a curtos prazos, atenta a sua natureza e finalidade e, também, constitui uma das exceções ao direito à liberdade, que está consagrada constitucionalmente no art. 27.º, n.º 3, al. c), da CRP.

III - O procedimento de extradição engloba duas fases urgentes, a saber (como se explica no ac. do STJ 08-09-2021, processo n.º 1618/21.3YRLSB-A, relatado por Nuno Gonçalves, consultado em www.dgsi.pt.): “-o administrativo a correr na autoridade central e no ministério governamental organicamente competente para decidir, politicamente, da admissão do pedido; - o judicial a correr no tribunal para, quando o pedido tenha sido admitido, julgar e decidir da concessão – ou recusa – da extradição.”

IV - O procedimento de habeas corpus não pode ser utilizado para invocar irregularidades ou outros vícios (v.g. falta de comunicação atempada sobre o interesse na extradição e/ou sobre a utilização de forma legal nessa comunicação dentro do prazo de 18 dias aludido no art. 38.º, n.º 5, da Lei 144/99 e/ou para discutir a decisão proferida no Brasil manifestando interesse na extradição), nem para decidir questões relativas ao prazo máximo de detenção provisória, as quais devem ser colocadas no tribunal que proferiu a decisão em crise.

V - Quem peticiona o habeas corpus (que não é um recurso) não o pode utilizar indevidamente, nem pretender que, através dele, o STJ se pronuncie sobre matérias que extravasam os seus fundamentos, que são taxativos.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


I - Relatório

1. O arguido AA, através do seu Advogado, requer providência de habeas corpus (ao abrigo dos arts. 31.º da CRP, 222.º, n.º 1 e n.º 2, al. c) e 223.º, do CPP), por, na sua perspetiva, estar em situação de detenção/prisão ilegal, pelos seguintes fundamentos1:

1.º A d. decisão de fls. (…), de 22.09.2023 (ref.ª ......91), prolatada no processo de Extradição n.º 2757/23.1YRLSB,que tramita na 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, determinou que o extraditando, ora paciente, aguarde os ulteriores termos do processo detido provisoriamente (ou seja, “preso preventivamente”, aplicando-se subsidiariamente o CPP, nos termos do n.º 6 do Art. 38.º da lei 144/99 de 31 de Agosto), uma vez que possuí condenação com trânsito em julgado proferida pelas autoridades brasileiras por um crime de roubo com base em uso de arma de fogo e associação criminosa, puníveis em Portugal pelos artigos 210.º n.ºs 1 e 2 e 299.º do Código Penal.

2.º Data máxima vênia, a manutenção da detenção/prisão decretada é ilegal por ultrapassar o prazo de 18 (dezoito) dias fixado em lei (Art. 38.º, n.º 5 da lei 144/99 de 31 de Agosto) para o recebimento do pedido formal de extradição, PODENDO este prazo ser prolongado até 40 (quarenta) dias SE RAZÔES ATENDÍVEIS, invocadas pelo Estado requerente, O JUSTIFICAREM.

3.º Às 11:50h do dia 10.10.2023 (último dia do prazo de 18 dias) o Ministério Público apresentou requerimento no processo, juntando um ofício da PGR dando conta de que teria o Estado requerente comunicado por correio eletrónico que mantinha o interesse na extradição e que efetuariam o pedido formal, no entretanto, não juntou aos autos qualquer documento comprovativo de que teria o Estado requerente feito tal informação.

4.º No mesmo dia, às23:53h, a defesa do paciente apresentou pedido de libertação/restituição à liberdade, uma vez que a partir das 00:00h, estaria ultrapassado o prazo para comprovar a existência de um pedido formulado pelas autoridades brasileiras, sendo que a detenção se mostraria ilegal, para além dos prazos fixados em lei (18 dias).

5.º Já no dia 11.10.2023, às 11:25h, ou seja, após o prazo de 18 (dezoito) dias, veio a PGR juntar aos autos um e-mail enviado pelas autoridades brasileiras, confirmando o interesse na extradição.

6.º Nestes termos, promoveu o Ministério Público pelo indeferimento do requerimento de libertação formulado pelo paciente, o que automaticamente – se deferido – prorrogaria o prazo para 40 (quarenta) dias, in verbis:

“Quanto ao que vem requerido, nomeadamente a libertação imediata do requerente, atenta a situação definida nos autos, por ora, promovo o indeferimento do peticionado. No entanto, e com vista a esclarecer devidamente a situação, e com o envio de cópia do requerimento apresentado, e com referência ao DA n.º ...50/23, promovo que se solicite, urgentemente, ao Departamento de Cooperação Judiciária e Relações Internacionais da PGR que junto das Autoridades Judiciárias Brasileiras averigue e informe, urgentemente, em que data e através de que meio é que o pedido de extradição foi formalizado junto da PGR.” (sic)

7.º É possível observar da d. promoção que há uma confusão entre o pedido formal de extradição, que até então não teriam as autoridades brasileiras formulado, e da comunicação do interesse na extradição que, supostamente, teriam formulado por e-mail.

8.º A referida promoção foi deferida pelo Exm.º (a) Sr. (a) Dr. (a) Desemb.(a), mas mesmo assim confirmou as alegações do paciente quanto ao não cumprimento do prazo para junção dos documentos comprovativo, senão vejamos:

“No dia de hoje (11.10.2023) foi, ainda, junta aos autos certidão relativa a Decisão/Despacho datado de 27.09.2023, proferido no «PROCEDIMENTO ORDINÁRIO Nº .....83-55.2013.8......23/...» da 1ª Vara Criminal da Comarca da Capital do Poder Judiciário do Estado de ..., da República Federativa do Brasil, no qual, tomando conhecimento da detenção do extraditando, «manifesta-se este Juízo pela apresentação do pedido de extradição de AA» (cf. refª Citius ....35).” (sic)

9.º Portanto, restou mais uma vez confirmado que o suposto documento comprovativo da intenção de Extraditar só foi junto aos autos após o 18º (décimo oitavo) dia da detenção, afigurando-se, portanto, ILEGAL a detenção a partir do dia 11.10.2023.

10.º Para além disso, é mister frisar que o referido documento junto em 11.10.2023 pelo Ministério Público não preenche os requisitos do Tratado de Extradição Entre o Governo da República Portuguesa e o Governo da República Federativa do Brasil, uma vez que não é uma cópia autêntica e devidamente certificada, como preconiza o art. 12.º, alínea c):

“Artigo 12.º Instrução do pedido

Ao pedido de extradição devem ser juntos os elementos seguintes:

[...]

c) Certidão ou cópia autenticada da decisão que ordenou a expedição do mandado de detenção, no caso de extradição para procedimento criminal;

11.º Isto porque o documento é um simples e-mail com a fotocópia simples da decisão da 1ª Vara Criminal da Comarca da Capital (...).

12.º Para além disso, como se não bastasse, o próprio Magistrado responsável pela Vara Criminal acima referida, cujo qual decidiu pelo prosseguimento da extradição, se declarou incompetente para apreciar o requerimento do paciente acerca do cumprimento da reprimenda em Portugal, declinando a competência para o Magistrado responsável pela Execução Penal (anexo).

13.º Logo, se o Magistrado não pôde se pronunciar acerca do referido pedido - declarando-se incompetente e declinando a competência para outro Magistrado – também não tem competência para dirimir os assuntos da extradição, não tendo a sua decisão anterior eficácia para o efeito.

14.º Considerando que o art. 60.º, n.º 2, da Lei n.º 144/99 de 31 de Agosto, remete aos prazos estipulados pelo art. 38º, n.º 5 da referida Lei, e define que a detenção/prisão provisória CESSA se o pedido de extradição não for recebido no prazo de 18 (dezoito) dias a contar da mesma, podendo, no entanto, prolongar-se até 40 (quarenta) dias se razões atendíveis, invocadas pelo Estado requerente, o justificarem.

15.º Contudo, o referido órgão sequer fez prova dentro do prazo previsto de que teria sido protocolado tal comunicação na PGR até o 18º (décimo oitavo) dia, e promoveu requerendo o indeferimento do pleito do paciente, culminando com a prorrogação do prazo para 40 (quarenta) dias.

16.º Além de não fazer prova no prazo legal, fez somente quando instada a libertação pelo paciente, juntando uma cópia simples da decisão das autoridades brasileiras!

17.º A d. Promoção do Ministério Público foi indevidamente deferida, uma vez que não existia até o fim do prazo determinado em lei, prova nos autos de que o Estado requerente teria requerido formalmente a extradição ou então, pelo menos, teria sinalizado o interesse na extradição.

18.º No que respeita ao cabimento de habeas corpus em virtude de prisão ilegal, o artigo 222.º do CPP prevê expressamente que: “1 - A qualquer pessoa que se encontrar ilegalmente presa o Supremo Tribunal de Justiça concede, sob petição, a providência de habeas corpus. 2- A petição é formulada pelo preso ou por qualquer cidadão no gozo dos seus direitos políticos, é dirigida, em duplicado, ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, apresentada à autoridade à ordem da qual aquele se mantenha preso e deve fundar-se em ilegalidade da prisão proveniente de: a) Ter sido efectuada ou ordenada por entidade incompetente; b) Ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite; ou c) Manter-se para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial.” (grifo nosso)

19.º No caso concreto, aplicam-se os n.ºs 1 e 2, al. c) do artigo 222.º, do CPP, que consistem na concessão de habeas corpus em situação de prisão ilegal proveniente de manter-se para além dos prazos fixados pela lei.

20.º É mister salientar que não tem fundamento razoável a prorrogação do prazo de 18 (dezoito) para 40 (quarenta) dias sem o mínimo de prova que o justifique.

21.º O mero comunicado da PGR, de que teriam as autoridades brasileiras sinalizado o interesse na extradição, não constitui uma razão atendível conforme exige a lei para prorrogar o prazo de detenção, mas sim constitui uma mera afirmação – que para a outra parte é uma suposição – enquanto não provada documentalmente a sua existência nos autos.

22.º Não tendo o Ministério Público feito prova da manifestação do Estado requerente pelo interesse na extradição dentro do prazo previsto legalmente, implica que a manutenção da detenção provisória do paciente é ILEGAL.

23.º Nesse âmbito, aplica-se a máxima de que se considera inexistente o que não está nos autos («non quod est in actis non est in mundo»).

24.º Afinal, para que o prazo de 18 (dezoito) dias seja alargado para 40 (quarenta) dias, nos termos dos artigos 64.º, n.º 2 e 38.º, n.º 5, da Lei n.º 144/99 de 31 de Agosto, deveria ter sido apresentado, pelo menos, o correio eletrónico do Estado requerente apresentando o interesse na extradição, quando não, fotocópia certificada da decisão do Estado requerente, sob pena desta prorrogação e da própria detenção serem ilegais.

25.º No caso em tela, não sendo a alegação que embasou a prorrogação do prazo de detenção minimamente comprovada, resta claro que o prazo não foi cumprido.

26.º Sucede que, nos presentes autos, conforme já referimos, tal prazo está claramente ultrapassado, configurando, pois, uma detenção/prisão ilegal pela qual tem cabimento a concessão de habeas corpus, nos termos do art. 31.º, da CRP, e dos arts. 222.º, n.º 1 e n.º 2, alínea c) e 223.º, do CPP.

27.º Pelo que a detenção/prisão aplicada ao paciente se extinguiu quando ultrapassados os 18 (dezoito) dias previstos legalmente para o recebimento do pedido formal de extradição ou, pelo menos, da comunicação do interesse na extradição.

28.º Não obstante, ainda não foi dada a ordem de libertação ao paciente, conforme impõe o n.º 1, do art. 217.º, do CPP.

29.º reativo dirigido ao abuso de poder por virtude de prisão ou detenção ilegal.

30.º A providência de habeas corpus tem a natureza de remédio excepcional para proteger a liberdade individual, revestindo carácter extraordinário e urgente, com a finalidade de rapidamente pôr termo a situações de ilegal privação de liberdade, decorrentes de ilegalidade de detenção ou de prisão, taxativamente enunciadas na lei: as primeiras previstas nas quatro alíneas do n.º 1, do art. 220.º, do CPP e as segundas, nos casos extremos de abuso de poder ou erro grosseiro, patente, grave, na aplicação do direito, descritas nas três alíneas do n.º 2, do art. 222.º, do CPP.

31.º A prisão do paciente é ilegal, na medida em que se verifica preenchido o fundamento de habeas corpus previsto na al. c) do n.º 2 do art. 222.º do CPP. Isto porque, o prazo de 18 (dezoito) dias fixado em lei foi ultrapassado, conforme dispõem os artigos 64º, n.º 2 e 38º, n.º 5, da Lei n.º 144/99 de 31 de Agosto.

32.º Pelo exposto, o paciente encontra-se ilegalmente preso, nos termos da al. c), do n.º 2, do art. 222.º, do CPP, em clara violação do disposto nos arts. 27.º e 28º., n.º 4, da CRP e no art. 217.º, n.º 1, do CPP.

33.º Assim, deve ser declarada ilegal a detenção provisória/prisão preventiva e ordenada a imediata libertação do paciente, nos termos do art. 31.º, n.º 1 e 3, da CRP e dos arts. 222.º e 223.º, n.º 4, al. d), do CPP.

Termina pedindo que seja declarada a ilegalidade da detenção/prisão a que está sujeito e ordenada a sua imediata restituição à liberdade.

2. Pelo respetivo Sr. Juiz Desembargador foi prestada a informação a que se refere o art. 223.º, n.º 1, do CPP, nos seguintes termos:

AA foi detido no dia 21.09.2023, pelas 11h00, no âmbito de um pedido de detenção inserido no Sistema de Informação Interpol com o nº A-5890/6-2023, e a refª 2023/...45 (notícia vermelha), emitido pelas autoridades judiciárias brasileiras, pela prática de crimes de associação criminosa e roubo com base no uso de arma de fogo, concurso de agentes e privação de liberdade da vítima, previstos e punidos pelos artigos 157 §2, I, II, V, 288, parágrafo único, 61, I e 69, todos do Código Penal Brasileiro, com vista à sua extradição para a República Federativa do Brasil, para cumprimento da pena de 8 anos e 2 meses de prisão em que foi condenado.

- Por decisão proferida em 22.09.2023 (cf. refª Citius ......24), foi confirmada a detenção provisória e determinada a respetiva manutenção, nos termos previstos nos artigos 38º, 39º, 62º e 64º, nº 1, todos da Lei nº 144/99, de 31 de agosto.

- Em 10.10.2023, a Procuradoria-Geral da República informou ter recebido comunicação das autoridades brasileiras de que mantêm interesse na extradição do requerido AA e que irão apresentar o pedido formal no mais breve espaço de tempo (cf. refª Citius ....46).

- Em 11.10.2023 foi junta aos autos certidão relativa a Decisão/Despacho datado de 27.09.2023, proferido no «PROCEDIMENTO ORDINÁRIO Nº .....83-55.2013.........0023/SC» da 1ª Vara Criminal da Comarca da Capital do Poder Judiciário do Estado de ..., da República Federativa do Brasil, no qual, tomando conhecimento da detenção do extraditando, «manifesta-se este Juízo pela apresentação do pedido de extradição de AA» (cf. refª Citius ....35).

- Nessa mesma data (11.10.2023), foi proferido despacho (refª Citius ......30), no qual se considerou que “(…) de acordo com o disposto no artigo 21º, nº 4 da referida Convenção de Extradição entre os Países da CPLP, é de 40 dias seguidos o prazo para a formalização do pedido de extradição, não sendo aplicável o prazo de 18 dias previsto no artigo 38º, nº 5 da Lei nº 144/99, de 31 de agosto, por força do disposto no artigo 25º da Convenção de Extradição entre os Países da CPLP (neste exato sentido, vd. o acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa de 06.10.2021 (no processo nº 1627/21.2YRLSB-3, acessível em www.dgsi.pt).”

- Mais se considerou, nesse mesmo despacho “(…) manifesto, face aos elementos já constantes dos autos, que as autoridades brasileiras comunicaram, em tempo, a sua intenção de formalizar o pedido de extradição, pelo que, mesmo que fosse aplicável a disposição convocada pelo requerido, ainda assim, haveria que aguardar o decurso do prazo previsto para a formulação do pedido de extradição, já que está em causa uma extradição não diretamente solicitada (vd., a propósito, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13.05.2015, no processo nº 231/15.9YRLSB.S1, acessível em www.dgsi.pt)”, tendo-se, em consequência, entendido não estar esgotado o prazo de detenção provisória do requerido.

- Em 17.10.2023, o MINISTÉRIO PÚBLICO comunicou aos autos ter sido apresentado pelas autoridades brasileiras, junto da Procuradoria-Geral da República, pedido formal de extradição do requerido AA, (cf. refª Citius ....79), mais dando conta, no dia de hoje (25.10.2023), de ter sido o pedido em questão remetido ao Gabinete de S. Exª a Srª Ministra da Justiça, para emissão de parecer (cf. refª Citius ....78).

- O requerido mantém-se, pois, detido à ordem dos presentes autos, completando-se os 40 dias sobre a data da sua detenção em 01.11.2023, pelas 11h00.

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Instrua-se apenso com a petição de habeas corpus e certidão do requerimento inicial do processo de extradição e documentos que o acompanharam e de todos os elementos processuais a que se alude na informação supra, bem como do presente despacho.

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Remetam-se os autos de habeas corpus ao Senhor Conselheiro Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, em conformidade com o disposto no artigo 223º do Código de Processo Penal.

D.N.

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3. Tendo entrado a petição neste Supremo Tribunal, após distribuição, teve lugar a audiência aludida no art. 223.º, n.º 3, do CPP, pelo que cumpre conhecer e decidir.

II - Fundamentação

4. Factos

Extrai-se dos elementos constantes da petição, da informação prestada nos termos do art. 223.º, n.º 1, do CPP, bem como da certidão junta aos autos e demais elementos recolhidos, o seguinte:

i- No âmbito de um pedido de detenção internacional inserido no Sistema de Informação Interpol n.º 2023/...45 (notícia vermelha), com o n.º de controlo A-..90/6-2023 emitido pelas Autoridades Competentes do Brasil, foi detido em ..., em 21.09.2023, pelas 11h00, AA, para cumprimento de pena;

ii- O pedido de detenção foi feito com base na Red Notice 2023/...45, para cumprimento de pena, na sequência de condenação/sentença nº .....83-55.2013.8.....23, proferida em 7 de junho de 2017, pela 1ª Vara Criminal de ... (Tribunal de Justiça de ..., Brasil, (constando que o referenciado esteve presente em tribunal quando a sentença foi proferida), por associação criminosa e roubo, com base no uso de arma de fogo, concurso de agentes e privação de liberdade da vítima, p. e p. no artigo 157 § 2, I, II, V com o artigo 288, § único, com o art. 61, I, com o art. 69, todos do CP Brasileiro, sendo a pena imposta de 8 anos e 2 meses de prisão, bem como o pagamento de 13 dias de multa, indicando-se como resumo dos factos do caso: “No dia 14/04/2012, AA (que acompanhou e orquestrou as ações dos executantes pelo telefone a partir de outros locais) e cúmplices, todos agindo livremente, decidiram associar-se de maneira estável e permanente, para cometerem diversos crimes de roubo no município de ..., com a participação efetiva de R. D., então adolescente. Foi também imputada a AA a participação em roubo cometido em 19/07/2012, com subtração de todo o numerário armazenado no interior da caixa ATM "Banco do Brasil", localizada no interior do Banco ... - Agência de Fomento do Estado de ..., com recurso a arma de fogo, múltiplos agentes e privação de liberdade da vítima (restringiram a liberdade das vítimas, deixando-as amarradas, mantendo-as sob seu poder e controlando suas ações por tempo relevante). Outros roubos agravados com a sua participação: 05/05/2012; 29/05/2013, todos com restrição de liberdade das vítimas (vigilantes de Agências Bancárias), arrombamento de ATM e utilização de maçaricos, barras de ferro, botijas de gás.”

Consta ainda da mesma Red Notice o seguinte:

“3. Medidas a tomar em caso de localização

Localização e prisão com vista à extradição

Garante-se que a extradição será solicitada após a detenção da pessoa em causa, em conformidade com a legislação nacional e/ou com os tratados bilaterais e multilaterais aplicáveis.

Detenção provisória

Este pedido deve ser considerado como um pedido formal de detenção provisória em conformidade com a legislação nacional e/ou tratados bilaterais e multilaterais aplicáveis.

Em caso de localização desta pessoa, informar imediatamente Interpol, Brasília - Brasil (referência de Interpol Brasília: ....56/2023-64 de 23 de Junho de 2023) e o Secretariado Geral da Interpol.”

iii- O aqui requerente/peticionante AA, nasceu em ... .05.1988, com nacionalidade Brasileira, filho de AA e de BB, sendo titular de carta de condução do Brasil n.º .........06, com data de emissão de ........2016 e data de validade até ........2021 e de cartão de cidadão do Brasil n.º .....49, com data de emissão de 16 de Janeiro de 2012, com emissão em ... ..., Brasil;

iv- Depois de detido em 21.09.2023, foi ouvido no TRL em 22.09.2023, pelas 11.55, no âmbito do processo de extradição n.º 2757/23.1YRLSB, nos termos que constam do respetivo auto, que aqui se dá por reproduzido, tendo sido decidido o seguinte:

Valido a detenção do requerido, a qual foi efetuada a pedido da autoridade judiciaria do Brasil com base numa notícia vermelha inserida no sistema de informações da Interpol com o n° A-....76-2023, por factos que integram crime de roubo com base em uso de arma de fogo c associação criminosa, os quais admitem a detenção nos termos do art 39 da Lei 144/99 de 31/08.

Estes factos são igualmente puníveis pelo C. Penal português nos termos dos arts 210 n° 1 e 2 e 299 daquele diploma legal.

A pena aplicada ao requerido no processo é superior a 6 meses de prisão, o que se mostra relevante nos termos do art 2 n 2 da Convenção de Extradição entre Estados membros da CPLP e art. 2 n° 2 do acordo sobre a extradição simplificada a que alude a resolução da Assembleia da República de 2015.

O requerido não consente na extradição pelo que se mostra necessário aguardar pelo prazo de apresentação formal do pedido.

Por outo lado, mostra-se necessário também acautelar as funções do presente pedido e fixar o estatuto coativo ao requerido, no que se secunda os argumentos vertidos na promoção antecedente c se tem em atenção que o requerido está objetivamente numa situação de fuga às autoridades brasileiras art 204 nº al a) de CPP e art 202 n° 1 do mesmo diploma legal, pelo que se impõe garantir que, sendo feito o pedido formal pelas Autoridades brasileiras, se garantam as finalidades do pedido com vista à cooperação internacional.

Essas finalidades, na nossa perspetiva, apenas se mostram asseguradas com a manutenção da detenção cm ordem a garantir a efetivação de eventual ordem de extradição

Pelo exposto decide-se:

Manter a detenção aguardando o requerido cm tal situação;

Ordenar a comunicação imediata com expressa indicação da data da detenção à embaixada do Brasil, PGR, e ao Gabinete Internacional da Interpol. Solicitando que pela via mais expedita as Autoridades brasileiras a quem interessa a extradição formulem, com a necessária urgência o pedido de extradição c com expressa advertência nos termos do art. 64 n° 3 da Lei 144/99 de 31/08;

Se aguarde o decurso do prazo de 18 dias c 40 dias a que se refere o art. 64 n° 2 na mesma lei sem prejuízo do disposto no art. 40 n° 6 do mesmo diploma;

Passe Mandados de condução ao EP c proceda às notificações c demais diligências necessárias.

v- Entretanto, em 10.10.2023 a PGR informou que “as autoridades brasileiras, comunicaram via eletrónica que mantêm interesse na extradição de AA e que irão apresentar o pedido formal no mais breve espaço de tempo.”

vi- Com efeito, no dia anterior, ou seja, ainda em 9.10.2023, pelas 17:31 a CETPC-Extradicao (ou seja, a Coordenação Geral de Extradição e Transferência de Pessoas Condenadas) havia enviado mail para a PGR, com “a decisão pela qual a 1ª Vara Criminal da Comarca da Capital confirma o interesse na extradição de AA”, datada de 27.09.2023, adiantando também que “O pedido de extradição será encaminhado com a maior brevidade possível.”

vii- Em 11.10.2023 foi proferido o seguinte despacho judicial no acima identificado processo de extradição2:

Veio o requerido AA, m. id. nos autos, através de requerimento atravessado nos autos em 10.10.2023, às 23h53, pugnar pela sua imediata libertação, nos termos do artigo 64º, nº 3 da Lei nº 144/99, para que aguarde os ulteriores termos do processo em liberdade, mediante aplicação de medida de coação não detentiva.

Alega para o efeito que o prazo de 18 dias previsto no artigo 64º, nº 3 da Lei nº 144/99, de 31 de agosto, se esgotou em 09.10.2023 e que não está demonstrado nos autos que as autoridades brasileiras tenham comunicado a intenção de formular pedido de extradição.

O Ministério Público junto deste Tribunal da Relação pronunciou-se pelo indeferimento da pretensão do requerente, e promoveu ainda a junção aos autos de comunicação recebida das autoridades brasileiras, via Procuradoria-Geral da República.

Cumpre apreciar.

O requerido AA foi detido no dia 21.09.2023, às 11h00, no âmbito de um pedido de detenção inserido no Sistema de Informação Interpol nº 2023/...45 (notícia vermelha), emitido pelas Autoridades Judiciárias Brasileiras, com vista à sua extradição para o Brasil.

Em 22.09.2023 teve lugar a audição do requerido, nos termos previstos nos artigos 62º e 64º da Lei nº 144/99, de 31 de agosto, tendo-se decidido manter a respetiva detenção - cf. refª Citius ......24.

Até à data não foi recebido pedido formal de extradição do detido, nos termos previstos nos artigos 9º e 10º da Convenção de Extradição entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), assinada na Cidade da Praia em 23.11.2005, aprovada pela Resolução da Assembleia da República nº 49/2008, de 15 de setembro, ratificada pelo Decreto do Presidente da República nº 67/2008, de 15 de setembro, e publicada no Diário da República, Iª série, nº 178, de 15.09.2008, em vigor para a República Portuguesa desde 01.03.2010 e para a República Federativa do Brasil desde 01.06.2009 (cf. Aviso nº 183/2011, publicado no Diário da República, Iª série, nº 154, de 11.08.2011).

No entanto, em 10.10.2023, a Procuradoria-Geral da República transmitiu a estes autos a informação de que «as autoridades brasileiras comunicaram via eletrónica que mantêm interesse na extradição de AA e que irão apresentar pedido formal no mais breve espaço de tempo» (cf. refª Citius ....46).

No dia de hoje (11.10.2023) foi, ainda, junta aos autos certidão relativa a Decisão/Despacho datado de 27.09.2023, proferido no «Procedimento Ordinário Nº 0043183-55.2013.........0023/SC» da 1ª Vara Criminal da Comarca da Capital do Poder Judiciário do Estado de ..., da República Federativa do Brasil, no qual, tomando conhecimento da detenção do extraditando, «manifesta-se este Juízo pela apresentação do pedido de extradição de AA» (cf. refª Citius ....35).

Posto isto, importa ter em conta que, de acordo com o disposto no artigo 21º, nº 4 da referida Convenção de Extradição entre os Países da CPLP, é de 40 dias seguidos o prazo para a formalização do pedido de extradição, não sendo aplicável o prazo de 18 dias previsto no artigo 38º, nº 5 da Lei nº 144/99, de 31 de agosto, por força do disposto no artigo 25º da Convenção de Extradição entre os Países da CPLP (neste exato sentido, vd. o acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa de 06.10.2021 (no processo nº 1627/21.2YRLSB-3, acessível em www.dgsi.pt).

Em todo o caso, é manifesto, face aos elementos já constantes dos autos, que as autoridades brasileiras comunicaram, em tempo, a sua intenção de formalizar o pedido de extradição, pelo que, mesmo que fosse aplicável a disposição convocada pelo requerido, ainda assim, haveria que aguardar o decurso do prazo previsto para a formulação do pedido de extradição, já que está em causa uma extradição não diretamente solicitada (vd., a propósito, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13.05.2015, no processo nº 231/15.9YRLSB.S1, acessível em www.dgsi.pt).

Não há, por isso, razão para considerar esgotado o prazo de detenção provisória do requerido.

Assim, tendo em conta o teor do citado artigo 21º, nº 4 da Convenção de Extradição entre os Países da CPLP, os autos aguardarão até 01.11.2023 a formalização do pedido de extradição, mantendo-se a detenção provisória do requerido até àquela data e indeferindo-se, em consequência, o requerido pelo extraditando AA. Notifique-se e informe-se a Procuradoria-Geral da República em conformidade. D.N.

viii- Em 17.10.2023 o MINISTÉRIO PÚBLICO comunicou aos autos ter sido apresentado pelas autoridades brasileiras, junto da Procuradoria-Geral da República, pedido formal de extradição do requerido AA e também deu conta que em 25.10.2023 tal pedido foi remetido ao Gabinete da Srª Ministra da Justiça, para emissão de parecer;

ix- entretanto, a Srª Ministra da Justiça em 31.10.2023, deferiu o pedido, sendo promovido pelo MP junto da Relação de Lisboa o cumprimento do pedido de extradição, tendo ainda promovido que o arguido aguarde o decurso da fase judicial, entretanto iniciada, sujeito à medida de coação em que se encontra colocado; nessa sequência, foi proferido despacho judicial pela Srª. Juiz Desembargadora, nos seguintes termos:

O pedido de extradição foi apresentado em tempo e mostra-se instruído com todos os elementos relevantes, devendo considerar-se válido, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 10°, nos 2 e 3, 11° e 21°, n° 4, da Convenção de Extradição CPLP, e no artigo 51°, n° 1 da Lei n° 144/99, de 31 de agosto.

Subsistindo os pressupostos que determinaram que, na 1ª audição do requerido, se mantivesse a respetiva detenção provisória, e não se mostrando ultrapassado o respetivo prazo máximo (cf. artigo 52° da Lei n° 144/99, de 31 de agosto), o requerido aguardará os ulteriores termos do processo na situação de detenção provisória em que se encontra.

Para a audição do extraditando, nos termos previstos no artigo 54° da citada Lei n° 144/99, designa-se o dia 10 de novembro de 2023, pelas 15h00. Notifique-se.

Face à pendência do incidente de habeas corpus, informe-se o Supremo Tribunal de Justiça do estado dos autos - nomeadamente, da apresentação do pedido formal de extradição e da declaração de admissibilidade da mesma emitida por Sua Excelência a Srª Ministra da Justiça.

D.N.

x- O peticionante deste habeas corpus mantém-se atualmente detido à ordem do processo de extradição supra referenciado n.º 2757/23.1YRLSB, que está pendente no TRL na 5ª secção.

5. Direito

5.1. Invoca o peticionante, em resumo, que está detido/preso preventivamente ilegalmente por estar ultrapassado o prazo de 18 dias fixado na lei (arts. 38.º, n.º 5 e 60.º, n.º 2, da Lei 144/99, de 31.08), sem que o Ministério Público tivesse comunicado atempadamente e na forma legal o interesse na extradição e feito prova da mesma, prova esta que apenas apresentou no dia seguinte (11.10.2023) - e não observando o formalismo previsto no art. 12.º do Tratado de Extradição entre Portugal e o Brasil - a se completarem os referidos 18 dias (o que sucedeu em 10.10.2023), além de ter confundido o pedido formal de extradição com a comunicação do interesse na extradição, sendo que o despacho judicial de 11.10.2023 deferiu indevidamente a promoção do MP, prorrogando o prazo de detenção para 40 dias, dado que não existia prova nos autos de que o Estado requerente teria requerido formalmente a extradição ou então pelo menos teria sinalizado o interesse na extradição, o que implica que a manutenção da sua detenção provisória é ilegal, estando já ultrapassado o respetivo prazo de 18 dias e, nos termos dos arts. 31.º da CRP, 222.º, n.º 1 e n.º 2, al. c) e 223.º do CPP, deve, por isso, ser de imediato restituído à liberdade.

5.2. Dispõe o artigo 222.º (habeas corpus em virtude de prisão ilegal) do CPP:

1 - A qualquer pessoa que se encontrar ilegalmente presa o Supremo Tribunal de Justiça concede, sob petição, a providência de habeas corpus.

2 - A petição é formulada pelo preso ou por qualquer cidadão no gozo dos seus direitos políticos, é dirigida, em duplicado, ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, apresentada à autoridade à ordem da qual aquele se mantenha preso e deve fundar-se em ilegalidade da prisão proveniente de:

a) Ter sido efetuada ou ordenada por entidade incompetente;

b) Ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite; ou

c) Manter-se para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial.

São taxativos os pressupostos do habeas corpus (que também tem assento no art. 31.º da CRP), o qual não se confunde com o recurso, nem com os fundamentos deste.

Aliás, como diz Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, vol. II, Lisboa: Editorial Verbo, 1993, p. 260, o habeas corpus “não é um recurso, é uma providência extraordinária com a natureza de acção autónoma com fim cautelar, destinada a pôr termo em muito curto espaço de tempo a uma situação de ilegal privação de liberdade”.

Convém ter presente, como se refere no art. 31.º, n.º 1 CRP, que “Haverá habeas corpus contra o abuso de poder, por virtude de prisão ou detenção ilegal, a requerer perante o tribunal competente.” Ou seja, esta providência, que inclusivamente pode ser interposta por qualquer cidadão no gozo dos seus direitos políticos (art. 31.º, n.º 2 CRP), tem apenas por finalidade libertar quem está preso ou detido ilegalmente e, por isso, é uma medida excecional e muito célere.

De resto, quando se aprecia a providência de habeas corpus não se vai analisar o mérito da decisão que determina a prisão, aqui o mérito da decisão que determinou a detenção para extradição, ou que alargou o seu prazo, conforme previsto na lei, nem tão pouco erros procedimentais (cometidos pelo tribunal ou pelos sujeitos processuais) já que esses devem ser apreciados em sede de recurso, mas tão só incumbe decidir se ocorrem quaisquer dos fundamentos indicados no art. 222.º, n.º 2, do CPP.

5.3. Apreciação

E, o que é que se passa neste caso concreto?

O peticionante deste habeas corpus foi detido provisoriamente em 21.09.2023, pelas 11:00, em ..., no cumprimento de mandado divulgado pela Interpol (o que significa que estamos perante uma extradição não diretamente solicitada), conforme a Red Notice supra referida, emitida pelas autoridades judiciárias Brasileiras, com vista à sua extradição para o Brasil, para cumprir a pena de 8 anos e 2 meses de prisão, por crimes de roubo e associação criminosa, em que fora condenado por sentença de 7.06.2017, proferida pela 1ª Vara Criminal de ..., Tribunal de Justiça de ..., Brasil (sendo que esteve presente em tribunal quando a sentença foi proferida), por factos ocorridos em 14.04.2012 e 19.07.2012, acima indicados em resumo.

E, tendo sido apresentado o detido ao MP junto do TRL, procedeu-se depois (como determina o art. 64.º da LCJIMP) à sua audição judicial em 22.09.2023, pelas 11h55, tendo a final a Srª. Juíza Desembargadora validado e confirmado a sua detenção, determinando que continuasse nessa situação de detenção, pelos motivos já acima indicados e que os autos aguardassem por 18 dias e 40 dias a que se refere o art. 64.º, n.º 2 da Lei 144/99, sem prejuízo do disposto no art. 40.º, n.º 6, do mesmo diploma legal (sendo a diligência encerrada pelas 13:00).

Contando-se o referido prazo de 18 dias desde a data e hora do final da prolação do despacho judicial, o mesmo terminava, como o próprio requerente reconhece, em 10.10.2023 pelas 13:00 e, o que é certo é que, como também o próprio requerente adianta, o Ministério Público em 10.10.2023, pelas 11:50 apresentou requerimento no processo, juntando um ofício da PGR, dando conta de que o Estado requerente comunicou eletronicamente que mantinha interesse na extradição e que iriam apresentar o pedido formal no mais breve espaço de tempo.

Além dessa informação essencial para o alargamento do prazo que entrou atempadamente no processo de extradição, foi ainda junto no dia seguinte, em 11.10.2023, ao processo de extradição certidão relativa a Decisão/Despacho datado de 27.09.2023, proferido no «Procedimento Ordinário Nº .....83-55.2013.........0023/SC» da 1ª Vara Criminal da Comarca da Capital do Poder Judiciário do Estado de ..., da República Federativa do Brasil, no qual, tomando conhecimento da detenção do extraditando, «manifesta-se este Juízo pela apresentação do pedido de extradição de AA» (a qual havia sido enviada por mail para a PGR em 9.10.2023) e, foi nessa data (11.10.2023) proferido despacho a alargar o prazo da detenção para 40 dias para a formalização do pedido de extradição, conforme se alcança do acima já transcrito, sendo considerado atempada a comunicação das autoridades brasileiras sobre a intenção de formalizar o pedido de extradição e, portanto, justificado o interesse na extradição.

Ora, como sabido, essa detenção provisória prevista no art. 38.º da LCJIMP integra-se no processo de extradição, sendo sujeita a curtos prazos, atenta a sua natureza e finalidade e, por isso, também, constitui uma das exceções ao direito à liberdade, que está consagrada constitucionalmente no art. 27.º, n.º 3, al. c), da CRP.

No caso dos autos o aqui peticionante foi detido provisoriamente, de forma antecipada e prévia a um pedido formal de extradição, o que é lícito como se viu3 e, foi por despacho judicial, proferido nos autos de extradição, alargado o prazo de detenção para 40 dias, o qual esteve a decorrer (prevendo-se na altura o terminus em 01.11.2023), ao mesmo tempo que estava a ser tramitado pelos canais diplomáticos o pedido formal de extradição (que em 25.10.2023 foi remetido ao Gabinete da Srª. Ministra da Justiça, tendo sido deferido em 31.10.2023), tendo o Ministério Público na Relação de Lisboa, em requerimento instruído com aqueles elementos, ido ao processo à ordem do qual o extraditando estava provisoriamente detido, promover o cumprimento do pedido de extradição, o que foi aceite, por ser válido e estar devidamente instruído, por despacho judicial de 31.10.2023, tendo sido decidido que, em virtude de subsistirem “os pressupostos que determinaram que, na 1ª audição do requerido, se mantivesse a respetiva detenção provisória, e não se mostrando ultrapassado o respetivo prazo máximo (cf. artigo 52° da Lei n° 144/99, de 31 de agosto), o requerido aguardará os ulteriores termos do processo na situação de detenção provisória em que se encontra.”

Assim, tendo sido o pedido formal de extradição apresentado em juízo em 31.10.2023 (portanto antes de terminar o prazo de 40 dias acima aludido), o que significa que o processo passou para a fase subsequente, dita fase judicial e, continuando o requerente sujeito à mesma medida de coação de detenção, por despacho judicial, visto o disposto nos arts. 52º, n.º 1 e 63.º, n.º 3, da LCJIMP, ainda não se mostra esgotado ou ultrapassado o prazo máximo dessa medida a que está sujeito.

As questões que o requerente coloca na petição deste habeas corpus quanto à suposta ou alegada insuficiente informação do Ministério Público apresentada em 10.10.2023 ou quanto à falta de prova da comunicação das autoridades Brasileiras sobre o seu interesse na extradição, bem como sobre a decisão enviada em 9.10.2023 para a PGR e junta ao processo de extradição em 11.10.2023, não ser uma cópia autenticada e devidamente certificada, bem como sobre ter sido mal deferida a promoção do Ministério Público, quando foi proferido o despacho judicial em 11.10.2023, que prorrogou a detenção provisória para 40 dias a fim de ser formalizado o pedido de extradição (o que significava que o prazo de detenção apenas terminava em 1.11.2023, mas hoje, face ao estado atual do processo, perante o despacho posteriormente proferido em 31.10.2023 no processo de extradição, que já se encontra na fase judicial, foi elevado o prazo de detenção, tendo em atenção o disposto nos arts. 52º, n.º 1 e 63.º, n.º 3, da LCJIMP) deveriam ter sido colocadas no processo de extradição (nº 2757/23.1YRLSB) a correr termos no TRL (de que este habeas é apenso), invocando os respetivos vícios, e não neste habeas que é providência inadequada para esse efeito (uma vez que essa matéria não integra qualquer dos fundamentos do art. 222.º do CPP, que são taxativos).

De resto, se não concordava com tal entendimento, deveria ter recorrido da respetiva decisão que alargou/prorrogou o prazo de detenção para 40 dias, não sendo a providência de habeas corpus o meio próprio para discutir essas questões ou o mérito daquela decisão de 11.10.2023, nem tão pouco da decisão/despacho proferida no Brasil em 27.09.2023 (v.g. sobre questões de competência do respetivo Magistrado para dirimir assuntos relacionados com a extradição).

O requerente não pode utilizar indevidamente este habeas corpus (que não é um recurso) nem pretender que através dele o STJ se pronuncie sobre matérias que extravasam os seus fundamentos, que são taxativos.

Como acima já se viu, a detenção do aqui requerente foi motivada por facto que a lei permite (detenção para extradição) mantendo-se, mesmo atualmente, dentro do prazo legal (na sequência das decisões judiciais proferidas que, atempadamente, alargaram a detenção, nos termos legais).

Assim, não foram violados os princípios e as disposições legais invocados pelo requerente deste habeas corpus.

III - Decisão

Pelo exposto, acordam nesta Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em indeferir a providência de habeas corpus formulado por AA.

Custas pelo peticionante, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC`s.


*


Processado em computador e elaborado e revisto integralmente pela Relatora (art. 94.º, n.º 2 do CPP), sendo assinado pela própria, pelas Senhoras Juízas Conselheiras Adjuntas e pelo Senhor Juiz Conselheiro Presidente da Secção.

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Supremo Tribunal de Justiça, 02.11.2023

Maria do Carmo Silva Dias (Relatora)

Maria Teresa Féria de Almeida (Adjunta)

Ana Barata Brito (Adjunta)

Nuno Gonçalves (Presidente da Secção)

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1. Transcrição sem negritos, nem sublinhados.

2. Foi feita a transcrição, sem negrito, nem sublinhado.

3. Ver, com interesse, sobre esta matéria, ac. do STJ 8.09.2021, processo n.º 1618/21.3YRLSB-A, relatado por Nuno Gonçalves, consultado em www.dgsi.pt.