Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 5.ª SECÇÃO | ||
Relator: | AGOSTINHO TORRES | ||
Descritores: | ACORDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA RECLAMAÇÃO ARGUIÇÃO DE NULIDADES OMISSÃO DE PRONÚNCIA ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA | ||
Data do Acordão: | 06/22/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
Sumário : | I- reclamação de Acórdão (do STJ) é improcedente quando surge como uma insistência do recorrente na discordância do raciocínio a quo seguido e assumido quanto à consideração da prova e da qualificação jurídica do crime e à alegada não verificação do elemento subjectivo do crime (in casu de associação criminosa), deslocando essa discordância para a caracterização de uma nulidade por omissão, em suposto ganho de tempo para se obter decisão definitiva. II- Inexiste omissão de pronúncia quando é claro que do texto do acórdão reclamado resulta que nas questões identificadas se reflectiu sobre a questão concreta alegadamente omitida e sobre ela o tribunal se pronunciou clara e consistentemente, a identificou, justificou e sobre ela emitiu análise e pronúncia. Caracterizado o crime na sua formulação dogmático-jurídica, sublinhado o papel e acção do arguido no crime de organização criminosa destacando não se tratar de uma simples co-autoria na prática de crimes fiscais e acentuada ainda, no plano adequado e provado, a consciência e motivação do arguido na execução dessa finalidade por aquela via organizativa, é manifesta a falta de fundamento para a referida reclamação. | ||
Decisão Texto Integral: | Procº n.º 6330/18.8JFLSB.S1- ( Reclamação de Acórdão do STJ) * Acordam, em conferência, na 5ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça
1. Por acórdão desta 5ª secção deste Supremo Tribunal de Justiça, de 11.05.2023, no âmbito deste processo n.º 6330/18.8JFLSB.S1, proferido em recurso suscitado pelo arguido AA quanto ao Acórdão de 28.Novembro 2022 do Tribunal Colectivo do Juízo Central Criminal ...- [que o condenara como ali mencionado : pela prática de um crime de associação criminosa, p. e p. pelo art.º 89.º, n.º 1 e 3 da Lei n.º 15/2001, de 05 de junho na pena de 4 (quatro) anos de prisão; pela prática de 5 (cinco) crimes de falsificação ou contrafacção de documentos, p. e p. pelo art.º 256.º, n.º1, alíneas a), e) e f) e n.º 3 do Código Penal na pena de 2 (dois) anos de prisão por cada um; pela prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art.º 86.º, n.º 1, alínea d), com referência aos artigos 2.º, n.º 1, alínea m) e 3. º, n.º 2, alínea ab), da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro na pena de 1 (um) ano de prisão; Em cúmulo jurídico, na pena única de 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão. (…)” e perdida a favor do Estado a quantia de €426.930,00 (quatrocentos e vinte e seis mil, novecentos e trinta euros)(…)”, foi decidido: C) Julgar improcedente o recurso da Decisão final (…)”
2. Desta Decisão do STJ de 11.05.2023 veio agora o arguido reclamar para a Conferência, dizendo: “Arguir a nulidade do acórdão, com base nos seguintes fundamentos: Um dos pontos fundamentais suscitados pelo recorrente prendia-se com a verificação ou não dos factos que suportam os elementos subjetivos do tipo do crime de associação criminosa. O recorrente suscitou nas conclusões do seu recurso o seguinte: “4.5. Por outra via, constata-se uma TOTAL ausência dos factos 4.6. Com efeito, a acusação/pronúncia imputa os factos atinentes aos 4.9. Ora, foi precisamente o dolo do crime de associação criminosa que 4.10. Uma interpretação das normas constantes dos artigos 14º e 299º do Código Penal conjugadas com o disposto no artigo 89º, nº1 e 3 da Lei 15/2001, de 05 de junho que não exija, para o preenchimento desses ilícitos penais e consequente condenação, a prova/demonstração a nível da matéria de facto dada como provada os elementos subjetivos do tipo inquina aquelas normas de inconstitucionalidade por violação dos artigos 18º, 29º e 32º da Constituição da República Portuguesa; Calcorreando o douto acórdão, salvo o devido respeito que é muito, não encontramos decisão sobre este ponto concreto e decisivo para a defesa do recorrente. Tendo o acórdão omitido pronúncia sobre esta questão padece, por esta via, de nulidade. Nestes termos deve o acórdão ser declarado nulo com todas as consequências legais.”
3. Perante esta reclamação, o MPº veio responder dizendo, em síntese: “O reclamante alega vício de nulidade, por omissão de pronúncia, no Acórdão reclamado, argumentando que não foi apreciada a concreta questão suscitada na sua motivação de recurso interposto, relacionada com a errónea subsunção jurídica da factualidade apurada quanto ao crime de associação criminosa em que foi condenado, dizendo que os factos provados não são susceptíveis de preencher o elemento subjectivo daquele ilícito. Porém, cfr se lê de fls 78 ss, a mencionada questão suscitada pelo recorrente na sua motivação de recurso mereceu o devido tratamento jurídico na fundamentação do Acórdão proferido por este Supremo Tribunal de Justiça, analisando-a da forma como havia sido configurada, pelo próprio recorrente, na motivação de recurso e, sobretudo, nas respectivas conclusões. O Acórdão proferido nos autos é absolutamente claro e insusceptível de dúvida objectiva, encontra-se, pois, devidamente fundamentado quanto às razões processuais e substantivas que levaram ao indeferimento dos pedidos formulados pelo arguido no recurso interposto, não enfermando de qualquer vício de nulidade, designadamente daquele que agora lhe é imputado pelo recorrente. Pelo exposto, somos de parecer que o presente requerimento deve ser rejeitado, por não ter ocorrido nenhuma nulidade assacada ao douto Acórdão proferido nos presente autos.”
4. Admitida liminarmente a reclamação, os autos foram a vistos e designou- se Conferência tendo-se deliberado e decidido como se segue. Conhecendo: 5. O reclamante identifica a questão subjacente à sua reclamação como sendo uma nulidade por omissão de pronúncia sobre questão suscitada em recurso. Essa questão seria a da não pronúncia deste STJ sobre a alegada não verificação do elemento subjectivo do crime de associação criminosa. Vejamos então.
6. No acórdão reclamado referiu-se, nomeadamente: -A págs 44 : “2.4- As questões em apreciação (…) -A págs 53 e ss: “ 2.4.2 – Do recurso do Acórdão final (…)” -A Pag 58 : ” Ora, esse factos atêm-se ao elemento subjectivo (intencional) e ao conhecimento da ilicitude: “61. Ao actuar da forma descrita o arguido AA, em colaboração de esforços e intentos com indivíduos cuja identidade se desconhece, quis retirar de território português elevadas quantias em numerário sem proceder à declaração dessas quantias junto das autoridades aduaneiras. 62. O arguido AA sabia que estava obrigado a justificar perante as autoridades aduaneiras a proveniências daquelas quantias e o seu destino mas, não obstante, não se absteve de prosseguir a sua conduta. 63. O arguido AA bem sabia que estava obrigado a declarar perante as autoridades tributária e aduaneira a origem e o destino das quantias monetárias que movimentou, num montante global de pelo menos €776.905,00 (setecentos e setenta e seis mil, novecentos e cinco euros), procedendo ao pagamento dos impostos devidos mas, não obstante, actuou com o propósito de ocultar e dissimular a origem e o destino daquelas quantias, bem sabendo que tal conduta não lhe era permitida e que, dessa forma, prejudicava o Estado Português, o que quis. “
Por outro lado, esta factualidade decorre da narrativa provada nos pontos 1 a 3 e de 36 e ss quanto à actividade ali descrita dada como tendo sido desenvolvida pelo arguido. E foi explicada claramente na motivação: “(…) Vejamos, então, as razões pelas quais ficou provado o acordo e a adesão a uma organização para as restantes acções. O Tribunal entendeu que, de acordo com as regras da experiência comum, uma pessoa com as características do Arguido, por si só, não tem capacidade para produzir todos os elementos e acções que se lhe reconheceram. Com efeito, a existência de várias identidades à sua disposição, a sua utilização para a abertura e movimentação de diversas contas bancárias, e na celebração de contratos, aliada à recolha de quantias muito elevadas em contado e o seu depósito em variados bancos e agências, variadas contas para, seguidamente, as transferir para o estrangeiro, demonstram um nível de organização que ultrapassa a capacidade do agente solitário. Aliadas tais tarefas ao registo de operações e valores, reconhecido nos cadernos apreendidos e traduzidos no Ap. VIII, torna-se clara a existência de uma estrutura organizada e a participação estruturada do Arguido, de acordo com um plano de divisão de tarefas, nas quais se incluía o registo das quantias de forma a poder “apresentar contas” a terceiro. Não existindo outros indicadores quanto à origem do dinheiro, torna-se claro que a sua manipulação, desta forma, apenas pode significar que se pretende a sua circulação sem referencial económico directo, escapando, assim, às malhas do controlo da AT e sem que possa ser cobrada a devida prestação tributária. (…) A prova do uso dos passaportes decorre quer da sua apreensão em poder do Arguido, quer da documentação bancária, seja ela a disponível na casa de AA, seja a que foi pedida aos Bancos com referência às contas identificadas nos autos. (…) Da dita documentação bancária resultou demonstrada a circulação do dinheiro, depositado em contado, e não transferido. Tendo presente que as quantias depositadas coincidiram com as quantias enviadas por transferência bancária, não se provou que o Arguido ficava para si com uma percentagem. (…) O Tribunal convenceu-se da actuação do Arguido, por aquilo que foi encontrado em seu poder, o dinheiro, os documentos bancários e societários, os registos das quantias manuseadas, e os passaportes. Dessa actuação, e dos termos da adesão ao plano acima mencionados, concluiu o Tribunal, de acordo com as regras da experiência comum, qual era o intento do Arguido e o seu conhecimento sobre as proibições da sua actuação. Assim sendo, socorreu-se o Tribunal dos documentos indicados na acusação, a saber: (…)” -A págª 68 : “ (…)Ponto 2.4.2.2 - Qualificação do crime de associação criminosa e de falsificação de documentos O recorrente defende que “os factos dados como provados não permitem enquadrá-los no crime de associação criminosa; não procede o argumento do Tribunal segundo o qual a falsificação de cada passaporte constitui a violação de um bem jurídico tutelado uma vez que o bem jurídico é o mesmo; pelo menos, estamos face a um crime continuado” (…) - A pág 72 : ” b) Quanto ao crime de associação criminosa Antes de mais, vejamos a estrutura e configuração típica deste tipo de crime. (…) “(…)- da associação criminosa - (…) Como se expressou acima, o Tribunal entendeu que, de acordo com as regras da experiência comum, uma pessoa com as características do Arguido, por si só, não tem capacidade para produzir todos os elementos e acções que se lhe reconheceram. Por isso, tal como ficou provado, estão demonstrados os três elementos essenciais deste tipo de crime: um elemento organizativo, um elemento de estabilidade associativa e um elemento de finalidade criminosa.(sublinhado nosso) Senão, vejamos. São todos os factos que, como se disse, afastam a actuação do Arguido por si, antes o integrando num colectivo, que permitem tal conclusão. A existência de várias identidades à sua disposição, a sua utilização para a abertura e movimentação de diversas contas bancárias, e na celebração de contratos, aliada à recolha de quantias muito elevadas em contado e o seu depósito em variados bancos e agências, variadas contas para, seguidamente, as transferir para o estrangeiro, são factos demonstrativos do tal elemento organizativo. A duração da acção, e o papel de confiança atribuído ao Arguido, pelos montantes que manuseou e pela função de registo que lhe cabia, são, por seu turno, demonstrativos da estabilidade da associação. (…) Resta-nos a finalidade criminosa. Não existindo outros indicadores quanto à origem do dinheiro, torna-se claro que a sua manipulação, desta forma, apenas pode significar que se pretende a sua circulação sem referencial económico directo, escapando, assim, às malhas do controlo da AT e sem que possa ser cobrada a devida prestação tributária e, consequentemente, a prática de crimes fiscais. Ora, não obstante não ter sido imputada ao Arguido a prática do crime de fraude fiscal, provou-se, porque fazia parte do objecto do processo atento o núcleo de factos descritos na acusação e na pronúncia, que o Arguido, em colaboração de esforços e intentos com indivíduos cuja identidade se desconhece, quis retirar de território português elevadas quantias em numerário sem proceder à declaração dessas quantias junto das autoridades aduaneiras e actuou com o propósito de ocultar e dissimular a origem e o destino daquelas quantias, bem sabendo que tal conduta não lhe era permitida e que, dessa forma, prejudicava o Estado Português, o que quis. Tal conclusão em nada contende com o entendimento adoptado para arquivar a matéria da eventual fraude fiscal, por ter o Ministério Público entendido que não sabia qual o valor do imposto em causa. Para efeitos da associação criminosa, apenas importa este escopo de princípio de ocultação de verbas à AT para as não sujeitar a tributação. Desta forma, está demonstrado o escopo da associação criminosa, na qual se reconhecem os referidos elementos essenciais. Associação essa destinada à prática de crimes fiscais e, como tal, punida nos termos do citado art.º 89.º/1 e 3 do Regime Geral das Infracções Tributárias que, sendo lei especial, é a aplicável ao caso concreto, importando uma pena mais grave para quem participa, faz parte, da dita organização.» Demonstrados e explicitados ficaram assim os elementos estruturantes do crime de associação Criminosa visando prática de crimes fiscais , tendo em conta “(…)um elemento organizativo, um elemento de estabilidade associativa e um elemento de finalidade criminosa (sublinhado nosso) muito para além do que seria a mera comparticipação na acepção e limites que anteriormente se enunciaram. Assim, no que respeita ao acordo e a adesão a uma organização para as ações levadas a cabo pelo arguido, socorreu-se o Tribunal a quo das regras da experiência comum, considerando que “uma pessoa com as características do Arguido, por si só, não tem capacidade para produzir todos os elementos e ações que se lhe reconheceram.” Apontou a existência de várias identidades à disposição do arguido, utilizadas para a abertura e movimentação de diversas contas bancárias, na celebração de contratos e recolha de quantias muito elevadas em dinheiro a que se seguiu o seu depósito em várias contas bancárias de diversos bancos e agências, em mais do que um local, que, de seguida se transferiram para o estrangeiro, demonstrando “um nível de organização que ultrapassa a capacidade do agente solitário. Por outro lado, considerou o Tribunal a quo, que tais tarefas se desenvolviam paralelamente com todo um registo de operações e valores tornando clara a existência de uma estrutura organizada e a participação estruturada do Arguido, de acordo com um plano de divisão de tarefas, nas quais se incluía o registo das quantias de forma a poder “apresentar contas” a terceiro. Assentou-se, ainda, em que ainda que “a duração da ação e o papel de confiança atribuído ao Arguido, pelos montantes que manuseou e pela função de registo que lhe cabia, são, por seu turno, demonstrativos da estabilidade da associação.” “Quanto ao terceiro elemento do tipo, a finalidade criminosa, verificou-se e considerou o Tribunal a quo que do desconhecimento da origem do dinheiro aliado à forma como o mesmo foi manipulado, resulta claro que se pretendia “a sua circulação sem referencial económico direto, escapando, assim, às malhas do controlo da AT e sem que possa ser cobrada a devida prestação tributária e, consequentemente, a prática de crimes fiscais”, considerando-o também verificado. Posto isto, inexistem dúvidas relevantes que impeçam que de igual modo se conclua pelo acerto da qualificação jurídica como crime de associação criminosa visando prática de crimes fiscais e não como uma mera co-autoria como pretendia o recorrente.” * 7. Destes excertos do texto do acórdão reclamado resulta pois que nas questões identificadas se reflectiu sobre a questão concreta alegadamente omitida e sobre ela o tribunal se pronunciou clara e consistentemente. Identificou-a, justificou-a e sobre ela emitiu análise e pronúncia. Caracterizou-se o crime na sua formulação dogmático-jurídica, sublinhou-se o papel e acção do arguido crime de organização criminosa destacando não se tratar de uma simples co-autoria na prática de crimes fiscais e acentuou-se ainda, no plano adequado e provado, a consciência e motivação do arguido na execução dessa finalidade por aquela via organizativa. 8. A reclamação surge apenas, salvo o devido respeito, como uma insistência do recorrente na discordância do raciocínio a quo seguido e assumido quanto à consideração da prova e da qualificação jurídica, deslocando essa discordância para a caracterização de uma nulidade por omissão, em suposto ganho de tempo para se obter decisão definitiva. 9.Decisão Deste modo, julga-se a reclamação manifestamente improcedente. Taxa de justiça em 3 Uc a cargo o reclamante- (Tabela III e nº 9 do artº 8º do RCP) |