Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
6330/18.8JFLSB.S1
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: AGOSTINHO TORRES
Descritores: ACORDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
RECLAMAÇÃO
ARGUIÇÃO DE NULIDADES
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA
Data do Acordão: 06/22/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário :
I- reclamação de Acórdão (do STJ) é improcedente quando surge como uma insistência do recorrente na discordância do raciocínio a quo seguido e assumido quanto à consideração da prova e da qualificação jurídica do crime e à alegada não verificação do elemento subjectivo do crime (in casu de associação criminosa), deslocando essa discordância para  a caracterização de uma nulidade por omissão, em suposto ganho de tempo para se obter decisão definitiva.
II- Inexiste omissão de pronúncia quando é claro que do texto do acórdão reclamado resulta que nas questões identificadas se reflectiu sobre a questão concreta alegadamente omitida e sobre ela o tribunal se pronunciou  clara e consistentemente,  a identificou, justificou e sobre ela emitiu análise e pronúncia. Caracterizado o crime na sua  formulação dogmático-jurídica, sublinhado o papel e acção do arguido no crime de organização criminosa destacando não se tratar de uma simples co-autoria na prática de crimes fiscais e acentuada ainda, no plano adequado e provado, a consciência e motivação do arguido na execução dessa finalidade por aquela via organizativa, é manifesta a falta de fundamento para a referida reclamação.
Decisão Texto Integral:


Procº n.º 6330/18.8JFLSB.S1- ( Reclamação de Acórdão do STJ)

*

Acordam, em conferência, na 5ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça

1. Por acórdão desta 5ª secção deste Supremo Tribunal de Justiça, de 11.05.2023, no âmbito deste processo n.º 6330/18.8JFLSB.S1, proferido em recurso suscitado pelo arguido AA quanto ao Acórdão de 28.Novembro 2022 do Tribunal Colectivo do Juízo Central Criminal ...- [que o condenara como ali mencionado : pela prática de um crime de associação criminosa, p. e p. pelo art.º 89.º, n.º 1 e 3 da Lei n.º 15/2001, de 05 de junho na pena de 4 (quatro) anos de prisão; pela prática de 5 (cinco) crimes de falsificação ou contrafacção de documentos, p. e p. pelo art.º 256.º, n.º1, alíneas a), e) e f) e n.º 3 do Código Penal na pena de 2 (dois) anos de prisão por cada um; pela prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art.º 86.º, n.º 1, alínea d), com referência aos artigos 2.º, n.º 1, alínea m) e 3. º, n.º 2, alínea ab), da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro na pena de 1 (um) ano de prisão;

Em cúmulo jurídico, na pena única de 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão. (…)” e perdida a favor do Estado a quantia de €426.930,00 (quatrocentos e vinte e seis mil, novecentos e trinta euros)(…)”,

foi  decidido:
a) Julgar improcedente o recurso interlocutório em relação ao despacho que indeferiu a prorrogação do prazo de recurso, condenando o recorrente em taxa de justiça criminal de  5 Uc nos termos do RCJ- ( DL 34/2008 e artº 513º do CPP)
b) Não conhecer por intempestividade, o recurso interposto quanto ao despacho de não admissão de testemunhas.
(…)

C) Julgar improcedente o recurso da Decisão final (…)”

2. Desta Decisão do STJ de 11.05.2023 veio agora o arguido reclamar para a Conferência, dizendo:

 “Arguir a nulidade do acórdão, com base nos seguintes fundamentos:

Um dos pontos fundamentais suscitados pelo recorrente prendia-se com a verificação ou não dos factos que suportam os elementos subjetivos do tipo do crime de associação criminosa.

O recorrente suscitou nas conclusões do seu recurso o seguinte:

“4.5.                 Por outra via, constata-se uma TOTAL ausência dos factos
sustentadores dos elementos subjetivos do tipo do crime de associação
criminosa. A acusação/pronúncia não imputava factos que suportassem
o elemento subjetivo do tipo;

4.6.                 Com efeito, a acusação/pronúncia imputa os factos atinentes aos
elementos subjetivos do tipo nos pontos 76 e seguintes. Ora,
calcorreando estes imputados factos em vão se deteta qualquer alusão ao
elemento subjetivo do crime de associação criminosa. É por demais
evidente a ausência de factos que se reportem ao crime de associação
criminosa. Nem um só sinal de que o recorrente tinha conhecimento de
que colaborava ou prestava apoio a uma associação criminosa, nem um
só sinal de que o recorrente tivesse consciência da ilicitude de colaborar
com uma associação criminosa, nem um só sinal de que o recorrente
quisesse colaborar com uma associação criminosa, enfim nem um só sinal
de que o recorrente sabia que pertencer e/ou colaborar com uma
associação criminosa era punido criminalmente;

4.7. O mesmo se diga relativamente aos factos dados como provados no acórdão recorrido. Esses factos não ultrapassam – aliás, não podiam extravasar sob pena de se estar perante uma alteração substancial dos factos – os factos que vinham imputados na acusação/pronúncia;
4.8. O crime de associação criminosa é um crime cujo tipo não integra, para além do dolo, qualquer outro e específico momento subjetivo (vg.,uma qualquer intenção de obter um qualquer efeito ou produzir um qualquer resultado), o tipo subjetivo identifica-se e esgota-se no dolo-do-tipo. Com que os factos dados como provados não têm nada, rigorosamente nada, a ver. Nem do lado do elemento intelectual nem do lado do elemento volitivo. Elementos – intelectual e volitivo – que, por causa da relação de congruência ou de correspondência total que tem de mediar entre o dolo-do-tipo e o tipo objetivo, teriam de se reportar e abranger todos os pressupostos e momentos do tipo objetivo. Na expressão de FIGUEIREDO DIAS: no respeitante ao elemento intelectual do dolo, o tipo subjetivo supõe, por isso, conhecimento (a representação) pelo agente de todos os elementos constitutivos do tipo objetivo de ilícito: que existe uma organização de que o agente é promotor ou fundador, membro, apoiante, chefe ou dirigente, e de que constitui escopo da organização a prática de crimes;

4.9. Ora, foi precisamente o dolo do crime de associação criminosa que
aqui não aconteceu, não foi afirmado, menos ainda provado. Uma lacuna
ou omissão que resulta linear exposta dos únicos três pontos que o
Tribunal votou aos factos subjetivos dados como provados 76 e seguintes.
Na formulação já por demais de uma vez utilizada, afirma-se o dolo-do-
tipo dos crimes de associação; silencia-se o dolo-do-tipo do crime de
associação;

4.10. Uma interpretação das normas constantes dos artigos 14º e 299º do Código Penal conjugadas com o disposto no artigo 89º, nº1 e 3 da Lei 15/2001, de 05 de junho que não exija, para o preenchimento desses ilícitos penais e consequente condenação, a prova/demonstração a nível da matéria de facto dada como provada os elementos subjetivos do tipo inquina   aquelas   normas   de   inconstitucionalidade   por   violação   dos artigos 18º, 29º e 32º da Constituição da República Portuguesa; Calcorreando o douto acórdão, salvo o devido respeito que é muito, não encontramos decisão sobre este ponto concreto e decisivo para a defesa do recorrente. Tendo o acórdão omitido pronúncia sobre esta questão padece, por esta via, de nulidade.

Nestes termos deve o acórdão ser declarado nulo com todas as consequências legais.”

3. Perante esta reclamação, o MPº veio responder dizendo, em síntese:

“O reclamante alega vício de nulidade, por omissão de pronúncia, no Acórdão reclamado, argumentando que não foi apreciada a concreta questão suscitada na sua motivação de recurso in­terposto, relacionada com a errónea subsunção jurídica da factualidade apurada quanto ao crime de associação criminosa em que foi condenado, dizendo que os factos provados não são susceptíveis de pre­encher o elemento subjectivo daquele ilícito.

Porém, cfr se lê de fls 78  ss, a mencionada questão suscitada pelo re­corrente na sua motivação de recurso mereceu o devido tratamento jurídi­co na fundamentação do Acórdão proferido por este Supremo Tri­bunal de Justiça, analisando-a da forma como havia sido configurada, pelo próprio recorrente, na motivação de recurso e, sobretudo, nas respectivas conclusões.

O Acórdão proferido nos autos é absoluta­mente claro e insusceptível de dúvida objectiva, encontra-se, pois, devida­mente fundamentado quanto às razões processuais e substantivas que le­varam ao indeferimento dos pedidos formulados pelo arguido no recurso interposto, não enfermando de qualquer vício de nulidade, designadamente daquele que agora lhe é imputado pelo recorrente.

Pelo exposto, somos de parecer que o presente reque­rimento deve ser rejeitado, por não ter ocorrido nenhuma nulida­de assacada ao douto Acórdão proferido nos presente autos.”

4. Admitida liminarmente a reclamação, os autos foram a vistos e designou- se Conferência tendo-se deliberado e decidido como se segue.

Conhecendo:

5.  O reclamante identifica  a questão subjacente à sua reclamação como sendo uma nulidade por omissão de pronúncia sobre questão suscitada em recurso.

Essa questão seria a da não pronúncia deste STJ sobre a alegada não verificação do elemento subjectivo do crime de associação criminosa.

Vejamos então.

6. No acórdão reclamado referiu-se, nomeadamente:

 -A págs 44 :

“2.4- As questões em apreciação (…)

-A págs 53 e ss:

“ 2.4.2 – Do recurso do Acórdão final (…)”

-A Pag 58 :

” Ora, esse factos atêm-se ao elemento subjectivo (intencional) e ao conhecimento da ilicitude:

“61. Ao actuar da forma descrita o arguido AA, em colaboração de esforços e intentos com indivíduos cuja identidade se desconhece, quis retirar de território português elevadas quantias em numerário sem proceder à declaração dessas quantias junto das autoridades aduaneiras.

62. O arguido AA sabia que estava obrigado a justificar perante as autoridades aduaneiras a proveniências daquelas quantias e o seu destino mas, não obstante, não se absteve de prosseguir a sua conduta.

63. O arguido AA bem sabia que estava obrigado a declarar perante as autoridades tributária e aduaneira a origem e o destino das quantias monetárias que movimentou, num montante global de pelo menos €776.905,00 (setecentos e setenta e seis mil, novecentos e cinco euros), procedendo ao pagamento dos impostos devidos mas, não obstante, actuou com o propósito de ocultar e dissimular a origem e o destino daquelas quantias, bem sabendo que tal conduta não lhe era permitida e que, dessa forma, prejudicava o Estado Português, o que quis.  “

Por outro lado, esta factualidade decorre da narrativa provada nos pontos  1 a 3 e de 36 e ss quanto à actividade ali descrita dada como tendo sido desenvolvida pelo arguido. E foi explicada claramente na motivação:

“(…)

Vejamos, então, as razões pelas quais ficou provado o acordo e a adesão a uma organização para as restantes acções.

O Tribunal entendeu que, de acordo com as regras da experiência comum, uma pessoa com as características do Arguido, por si só, não tem capacidade para produzir todos os elementos e acções que se lhe reconheceram.

Com efeito, a existência de várias identidades à sua disposição, a sua utilização para a abertura e movimentação de diversas contas bancárias, e na celebração de contratos, aliada à recolha de quantias muito elevadas em contado e o seu depósito em variados bancos e agências, variadas contas para, seguidamente, as transferir para o estrangeiro, demonstram um nível de organização que ultrapassa a capacidade do agente solitário.

Aliadas tais tarefas ao registo de operações e valores, reconhecido nos cadernos apreendidos e traduzidos no Ap. VIII, torna-se clara a existência de uma estrutura organizada e a participação estruturada do Arguido, de acordo com um plano de divisão de tarefas, nas quais se incluía o registo das quantias de forma a poder “apresentar contas” a terceiro.

Não existindo outros indicadores quanto à origem do dinheiro, torna-se claro que a sua manipulação, desta forma, apenas pode significar que se pretende a sua circulação sem referencial económico directo, escapando, assim, às malhas do controlo da AT e sem que possa ser cobrada a devida prestação tributária.

(…)

A prova do uso dos passaportes decorre quer da sua apreensão em poder do Arguido, quer da documentação bancária, seja ela a disponível na casa de AA, seja a que foi pedida aos Bancos com referência às contas identificadas nos autos.

(…)

Da dita documentação bancária resultou demonstrada a circulação do dinheiro, depositado em contado, e não transferido. Tendo presente que as quantias depositadas coincidiram com as quantias enviadas por transferência bancária, não se provou que o Arguido ficava para si com uma percentagem.

(…) O Tribunal convenceu-se da actuação do Arguido, por aquilo que foi encontrado em seu poder, o dinheiro, os documentos bancários e societários, os registos das quantias manuseadas, e os passaportes.

Dessa actuação, e dos termos da adesão ao plano acima mencionados, concluiu o Tribunal, de acordo com as regras da experiência comum, qual era o intento do Arguido e o seu conhecimento sobre as proibições da sua actuação.

Assim sendo, socorreu-se o Tribunal dos documentos indicados na acusação, a saber:

(…)”

-A págª 68 :

“ (…)Ponto 2.4.2.2 - Qualificação do crime de associação criminosa e de falsificação de documentos

O recorrente  defende que “os factos dados como provados não permitem enquadrá-los no crime de associação criminosa; não procede o argumento do Tribunal segundo o qual a falsificação de cada passaporte constitui a violação de um bem jurídico tutelado uma vez que o bem jurídico é o mesmo; pelo menos, estamos face a um crime continuado”

(…)

- A pág 72 :

b) Quanto ao crime de associação criminosa

Antes de mais, vejamos a estrutura e configuração típica deste tipo de crime.
(…) Quanto ao dolo, o mesmo não tem por objecto cada um dos crimes concretos cometidos, mas antes a aquiescência à finalidade comum (cfr. Ac. do TRE, de 24/01/1987, in BMJ, n°. 353, p. 526);

(…)
- o critério para aferir se estamos perante uma mera comparticipação ou perante uma crime de associação criminosa, parte da consideração da maior existência de perigo pela mera associação de vontades: saber se por essa mera associação de vontades resulta desde logo a perturbação da paz social ou se a mesma é apenas tocada pela prática concreta dos crimes que sejam encetados; (...).
O bem jurídico assume, na questão da tipicidade, um relevo primacial e insubstituível, devendo recorrer-se aos restantes elementos típicos numa perspectiva de consideração global do sentido social do comportamento que integra o tipo. Só assim se pode ter a esperança de acederá compreensão do sentido jurídico-social do comportamento delituoso. No caso em apreciação, o bem jurídico protegido pelo crime de associação criminosa é a paz pública, como resulta desde logo da secção II, em que o tipo se integra. Trata-se de intervir num estádio prévio, quando a segurança e a tranquilidade públicas não foram ainda necessariamente perturbadas, mas se criou já um especial perigo de perturbação que só por si viola a paz pública. (...)
(…)
I) Analisados os requisitos do crime de associação criminosa, cabe averiguar se, face à factualidade provada, os supra citados requisitos estão preenchidos, desde já se afigurando ter de se concluir que estão.
Designadamente, vejam-se os termos enunciados no acórdão recorrido, não esquecendo que o arguido o foi nos termos p. e p. pelo art.º 89.º, n.º 1 e 3 da Lei n.º 15/2001, de 05 de junho, cuja configuração aqui importa ter em atenção particular:

“(…)- da associação criminosa -

(…)

Como se expressou acima, o Tribunal entendeu que, de acordo com as regras da experiência comum, uma pessoa com as características do Arguido, por si só, não tem capacidade para produzir todos os elementos e acções que se lhe reconheceram.

Por isso, tal como ficou provado, estão demonstrados os três elementos essenciais deste tipo de crime: um elemento organizativo, um elemento de estabilidade associativa e um elemento de finalidade criminosa.(sublinhado nosso)

Senão, vejamos. São todos os factos que, como se disse, afastam a actuação do Arguido por si, antes o integrando num colectivo, que permitem tal conclusão. A existência de várias identidades à sua disposição, a sua utilização para a abertura e movimentação de diversas contas bancárias, e na celebração de contratos, aliada à recolha de quantias muito elevadas em contado e o seu depósito em variados bancos e agências, variadas contas para, seguidamente, as transferir para o estrangeiro, são factos demonstrativos do tal elemento organizativo. A duração da acção, e o papel de confiança atribuído ao Arguido, pelos montantes que manuseou e pela função de registo que lhe cabia, são, por seu turno, demonstrativos da estabilidade da associação.

(…)

Resta-nos a finalidade criminosa.

Não existindo outros indicadores quanto à origem do dinheiro, torna-se claro que a sua manipulação, desta forma, apenas pode significar que se pretende a sua circulação sem referencial económico directo, escapando, assim, às malhas do controlo da AT e sem que possa ser cobrada a devida prestação tributária e, consequentemente, a prática de crimes fiscais.

Ora, não obstante não ter sido imputada ao Arguido a prática do crime de fraude fiscal, provou-se, porque fazia parte do objecto do processo atento o núcleo de factos descritos na acusação e na pronúncia, que o Arguido, em colaboração de esforços e intentos com indivíduos cuja identidade se desconhece, quis retirar de território português elevadas quantias em numerário sem proceder à declaração dessas quantias junto das autoridades aduaneiras e actuou com o propósito de ocultar e dissimular a origem e o destino daquelas quantias, bem sabendo que tal conduta não lhe era permitida e que, dessa forma, prejudicava o Estado Português, o que quis.

Tal conclusão em nada contende com o entendimento adoptado para arquivar a matéria da eventual fraude fiscal, por ter o Ministério Público entendido que não sabia qual o valor do imposto em causa. Para efeitos da associação criminosa, apenas importa este escopo de princípio de ocultação de verbas à AT para as não sujeitar a tributação.

Desta forma, está demonstrado o escopo da associação criminosa, na qual se reconhecem os referidos elementos essenciais. Associação essa destinada à prática de crimes fiscais e, como tal, punida nos termos do citado art.º 89.º/1 e 3 do Regime Geral das Infracções Tributárias que, sendo lei especial, é a aplicável ao caso concreto, importando uma pena mais grave para quem participa, faz parte, da dita organização.»

Demonstrados e explicitados ficaram assim os elementos estruturantes do crime de associação Criminosa visando prática de crimes fiscais , tendo em conta “(…)um elemento organizativo, um elemento de estabilidade associativa e um elemento de finalidade criminosa (sublinhado nosso) muito para além do que seria a mera comparticipação na acepção e limites que anteriormente se enunciaram.

Assim, no que respeita ao acordo e a adesão a uma organização para as ações levadas a cabo pelo arguido, socorreu-se o Tribunal a quo das regras da experiência comum, considerando que “uma pessoa com as características do Arguido, por si só, não tem capacidade para produzir todos os elementos e ações que se lhe reconheceram.”

Apontou a existência de várias identidades  à disposição do arguido, utilizadas para a abertura e movimentação de diversas contas bancárias, na celebração de contratos e recolha de quantias muito elevadas em dinheiro a que se seguiu o seu depósito em várias contas bancárias de diversos bancos e agências, em mais do que um local, que, de seguida se transferiram para o estrangeiro, demonstrando “um nível de organização que ultrapassa a capacidade do agente solitário.

Por outro lado, considerou o Tribunal a quo, que tais tarefas se desenvolviam paralelamente com todo um registo de operações e valores tornando clara a existência de uma estrutura organizada e a participação estruturada do Arguido, de acordo com um plano de divisão de tarefas, nas quais se incluía o registo das quantias de forma a poder “apresentar contas” a terceiro.

Assentou-se, ainda, em que  ainda que  “a duração da ação e o papel de confiança atribuído ao Arguido, pelos montantes que manuseou e pela função de registo que lhe cabia, são, por seu turno, demonstrativos da estabilidade da associação.”

- e, a págs 82 e ss:

“Quanto ao terceiro elemento do tipo, a finalidade criminosa, verificou-se e considerou o Tribunal a quo que do desconhecimento da origem do dinheiro aliado à forma como o mesmo foi manipulado, resulta claro que se pretendia “a sua circulação sem referencial económico direto, escapando, assim, às malhas do controlo da AT e sem que possa ser cobrada a devida prestação tributária e, consequentemente, a prática de crimes fiscais”, considerando-o também verificado.

Posto isto, inexistem dúvidas relevantes que impeçam que de igual modo se conclua pelo acerto da qualificação jurídica como crime de associação criminosa visando prática de crimes fiscais e não como uma mera co-autoria como pretendia o recorrente.”

*

7. Destes excertos do texto do acórdão reclamado resulta pois que nas questões identificadas se reflectiu sobre a questão concreta alegadamente omitida e sobre ela o tribunal se pronunciou  clara e consistentemente. Identificou-a, justificou-a e sobre ela emitiu análise e pronúncia. Caracterizou-se o crime na sua  formulação dogmático-jurídica, sublinhou-se o papel e acção do arguido crime de organização criminosa destacando não se tratar de uma simples co-autoria na prática de crimes fiscais e acentuou-se ainda, no plano adequado e provado, a consciência e motivação do arguido na execução dessa finalidade por aquela via organizativa.

8. A reclamação surge apenas, salvo o devido respeito, como uma insistência do recorrente na discordância do raciocínio  a quo seguido e assumido quanto à consideração da prova e da qualificação jurídica, deslocando essa discordância para  a caracterização de uma nulidade por omissão, em suposto ganho de tempo para se obter decisão definitiva.

9.Decisão

Deste modo, julga-se a reclamação manifestamente improcedente.

Taxa de justiça em 3 Uc a cargo o reclamante- (Tabela III e nº 9 do artº 8º do RCP)


Supremo Tribunal de Justiça, 22.06.2023

[Texto Processado em computador, elaborado e revisto integralmente pelo Relator (art. 94.º, n.º 2 do CPP), sendo assinado pelo próprio e pelos Senhores Juízes Conselheiros Adjuntos].

Agostinho Soares Torres  (Juiz Conselheiro Relator)
António Latas (Juiz Conselheiro Adjunto)
Eduardo Sapateiro (Juiz Conselheiro Adjunto)