Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1097/18.2T8VNF.G1.S1
Nº Convencional: 4.ª SECÇÃO
Relator: MÁRIO BELO MORGADO
Descritores: NULIDADE DE ACÓRDÃO
CASO JULGADO
CASO JULGADO FORMAL
ACIDENTE DE TRABALHO
NEXO DE CAUSALIDADE
Data do Acordão: 10/11/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Sumário :
I- As nulidades de sentença apenas sancionam vícios formais, de procedimento, e não patologias que eventualmente possam ocorrer no plano do mérito da causa.

II- Em matéria de “pronúncia”, o tribunal deve conhecer de todas (e apenas) as questões suscitadas nas conclusões das alegações apresentadas pelo recorrente, excetuadas as que venham a ficar prejudicadas pela solução, entretanto dada a outra(s), questões (a resolver) que não se confundem com os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, os quais não vinculam o tribunal.

III- Em sentido amplo, o conceito de caso julgado compreende três situações distintas: i) a exceção de caso julgado (material), essencialmente prevista e regulada nos arts. 577.º, alínea i), 580º, 581º, 595º, nº 3, 2ª parte, 619º e 621º, do CPC; ii) o caso julgado formal (art. 620º); iii) e a autoridade de caso julgado, que “tem a ver com a existência de prejudicialidade entre objetos processuais, tendo como limites os que decorrem dos próprios termos da decisão, como se depreende dos arts. 619.º e 621.º, ambos do CPC, e implica o acatamento da decisão proferida em ação anterior, cujo objeto se inscreve, como pressuposto indiscutível, no objeto de uma ação posterior, obstando a que a relação jurídica ali definida venha a ser contemplada, de novo, de forma diversa” (Ac. do STJ de 12.01.2021, Proc. nº 2030/11.8TBFLG-C.P1.S1, 1ª Secção).

IV- A primeira e terceira situações pressupõem a repetição de uma causa, ao contrário do caso julgado formal, que opera “dentro do processo”.

V- O caso julgado formal restringe-se às decisões que apreciam matéria de direito adjetivo.

VI- Proferido despacho a fixar a matéria de facto considerada assente, e mesmo depois de decididas as reclamações contra ele eventualmente apresentadas, não se forma caso julgado formal sobre o mesmo, podendo os factos dados como assentes ser alterados pelo juiz do julgamento e/ou pelo juiz do tribunal de recurso.

VII- Os acidentes de trabalho suscitam um duplo nexo de causalidade.

VIII- A aceitação pela seguradora do nexo causal existente entre o acidente e determinadas lesões que o recorrente apresentava (na região lombar), em nada obsta a que esse nexo não se verifique relativamente a outras lesões (na anca), tal como em nada interfere com a questão de saber quais das lesões em discussão nos autos provocaram a IT e IPP do autor, sendo certo que as lesões se distinguem das sequelas (que são o resultado das lesões) e não se confundem com estas.

Decisão Texto Integral:

Revista n.º 1097/18.2T8VNF.G1.S1


MBM/DM/JG


Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça


I.


1. AA participou ter sido vítima de um acidente de trabalho quando trabalhava para a sua entidade patronal, “A............., S.A.”, sendo seguradora “Companhia de Seguros Allianz Portugal.


Decorrida a fase conciliatória do processo, as partes não chegaram a acordo, uma vez que a seguradora não aceitou o resultado do exame médico efetuado no GML, nem o pagamento do subsídio por situação de elevada incapacidade permanente, diferenças na indemnização por ITS e qualquer quantia, a título de taxas moderadoras, consultas médicas, exames e análises clínicas, medicamentos, despesas de deslocação a Centros de Saúde, hospitais e médicos da especialidade, nem a sessões de fisioterapia, relacionadas com o sinistro.


Consequentemente, o sinistrado requereu a abertura da fase contenciosa do processo contra a seguradora, para efetivação dos direitos resultantes do sinistro.


2. Foi proferida sentença, a julgar a ação parcialmente procedente.


3. Interposto recurso pelo A., de facto de direito, foi negado provimento à apelação.


4. De novo inconformado, interpôs o mesmo recurso de revista, arguindo a nulidade da decisão recorrida e sustentando ocorrer ofensa de caso julgado formal e material.


5. A R. não contra-alegou.


6. Neste Supremo Tribunal, o Ministério Público pronunciou-se no sentido de ser negada a revista, em parecer a que apenas respondeu o A., em linha com o antes sustentado nos autos.


7. Em face das conclusões da alegação de recurso, as questões a decidir são as seguintes:


– Se o acórdão da Relação enferma de nulidade, por omissão e excesso de pronúncia, bem como por contradição entre os fundamentos e a decisão.


– Se há ofensa de caso julgado “formal e material”.


Decidindo.


II.

a) - Se o acórdão da Relação enferma de nulidade.

8. Sobre o alegado excesso de pronúncia, pronunciou-se o TRG nos seguintes termos:

«Sustenta-se que o acórdão é nulo por excesso de pronúncia […], porque o nexo de causalidade entre o acidente e as lesões que o recorrente apresentava já se encontraria assente na tentativa de conciliação, por aceitação das partes, pese embora a seguradora não tivesse aceite o resultado e a avaliação da incapacidade para o trabalho atribuída pela perita do GML. Logo, o tribunal não poderia mais pronunciar-se sobre esta questão na fase contenciosa […]. A igual resultado de excesso de pronúncia se chega porque no despacho saneador ficou assente/provada a causalidade entre o acidente e as lesões.

[…] [E]sta argumentação é praticamente um repisar dos vícios então apontados à sentença de primeira instância, indeferidos no acórdão do TR e agora direcionados ao tribunal superior.

[…]

As questões não são os argumentos ou a retórica das partes. Nem são factos, nem são meios de prova.

O juiz é também livre na indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, incluindo as referentes à prova - 5º, 3, CPC. As partes não cingem, nem delimitam o juiz nesta sua operação jurídica.

Refere o recorrente que já “estava decidida” a causalidade entre as lesões e o acidente, porque na tentativa de conciliação tal facto já tinha sido aceite e que a decisão que fixou a incapacidade extravasou o objeto do processo, o mesmo acontecendo com a análise feita pelos peritos que se deveriam cingir à apreciação da incapacidade.

Ora, nos termos supraditos, ocorrendo unicamente excesso de pronúncia quando o tribunal se pronuncie sobre “questão” que não lhe tenha sido colocada, a fixação da incapacidade para o trabalho, ao invés, era, sim, precisamente a” questão” principal a decidir.

Os autos de ação especial emergente de acidente de trabalho prosseguiram para a fase contenciosa porque a seguradora, aceitando a ocorrência de acidente de trabalho, não aceitou o resultado do exame médico efetuado no GML, nem a avaliação da incapacidade, nem os períodos de IT1, nem aceitou pagar subsídio de elevada incapacidade permanente, nem tão pouco outras quantias reclamadas que entendeu não relacionáveis ao acidente (taxas moderadoras, consultas médicas, exames/e análises clínicas, medicamentos, despesas de deslocação a Centros de Saúde, hospitais e médicos da especialidade, sessões de fisioterapia, etc.)

A tarefa de fixação de incapacidade para o trabalho envolve várias operações, entre elas a delimitação e enquadramento de sequela que provoca, ou não, incapacidade para o trabalho. Não cabe aqui repetir o direito que ficou plasmado no acórdão e para o qual se remete, mas apenas evidenciar que a fixação da incapacidade para o trabalho era questão submetida a apreciação do tribunal e esta envolve uma valoração global (fixação da sequela, enquadramento na TNI e atribuição, ou não, de desvalorização).

O demais referido pelo recorrente (matéria que já estaria assente no saneador ou na tentativa de conciliação) relaciona-se com impugnação de matéria de facto e não com vícios de acórdão. Tal como já ali se referiu “Questão diversa é saber se tal facto (nexo de causalidade) se deveria considerar assente por ter havido acordo na tentativa de conciliação - 112º, e 131º, 1, c), CPT. Trata-se, como referido, de apreciar se o julgamento da matéria de facto é correto, ou seja, se avaliou bem as cominações decorrente do ónus de tomar posição definida sobre factos.”


Refere-se, também, o recorrente a vícios do relatório pericial. Invoca-se, sem necessidade de mais, o já referido no acórdão recorrido: “... diga-se que as nulidades do art. 615º CPC referem-se a sentenças e despachos e não ao laudo dos peritos que está sujeito a regime próprio de reclamação previsto no artigo 485º CPC, ou, quiçá, ao regime geral de irregularidade de atos do artigo 195º CPC, misturando-se, mais uma vez, conceitos”.


9. Pelas razões aqui bastamente explicadas ao recorrente, é manifesta a improcedência do invocado excesso de pronúncia. Bem como a das demais nulidades suscitadas2.


Com efeito:


Entre as causas de nulidades da sentença, enumeradas taxativamente no artigo 615.º, n.º 1, do CPC3, não se incluem o “chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, o erro na construção do silogismo judiciário” (Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in Manual de Processo Civil, 2ª Edição Revista e Atualizada, Coimbra Editora, 1985, pág. 686). Na verdade, como se sabe, as nulidades de sentença apenas sancionam vícios formais, de procedimento, e não patologias que eventualmente possam ocorrer no plano do mérito da causa, como este Supremo Tribunal tem reiteradamente declarado (v.g. Ac. do STJ de 10.12.2020, proc. n.º 12131/18.6T8LSB.L1.S1, 7.ª Secção).


Em matéria de pronúncia, o tribunal deve conhecer de todas (e apenas) as questões suscitadas nas conclusões das alegações apresentadas pelo recorrente, excetuadas as que venham a ficar prejudicadas pela solução, entretanto dada a outra(s) [cfr. arts. 608.º, 663.º, n.º 2, e 679º], questões (a resolver) que não se confundem com os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, os quais nem vinculam o tribunal, como decorre do disposto no art. 5.º, n.º 3, do mesmo diploma.


O tribunal não tem o dever de responder a todos os argumentos, tal como não se encontra inibido de usar argumentação diversa da utilizada pelas partes.


No caso vertente, o acórdão recorrido circunscreveu-se, estritamente, ao objeto do processo.

O TRG não conheceu de matéria não alegada pelas partes. E, reciprocamente, conheceu de todas as questões suscitadas nos autos, sendo irrelevante, para efeitos de omissão de pronúncia, que não tenha sido analisado algum argumento ou elemento processual que o recorrente, no seu juízo valorativo, tenha por pertinente (mormente para efeitos de fixação da matéria de facto).

10. Quanto à invocada contradição, relembra-se que a nulidade prevista no art. 615.º, n.º 1, c), consiste numa contradição intrínseca da decisão, qual seja a de os fundamentos (de facto e/ou de direito) invocados pelo tribunal (em si mesmo considerados) conduzirem, em termos logicamente inequívocos, a uma conclusão oposta ou diferente da adotada.

Assim, por exemplo, “quando, embora indevidamente, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, está-se perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade; mas, já se o raciocínio expresso na fundamentação apontar para determinada consequência jurídica e na conclusão for tirada outra consequência, ainda que esta seja juridicamente correta, verifica-se a apontada nulidade (Ac. do STJ de 30.11.2021, Proc. 760/19.5T8PVZ.P1.S1, 2.ª Secção).

In casu, não se vislumbra qualquer contradição desta natureza, nunca sendo de mais reafirmar que a nulidade em análise não se confunde, naturalmente, com a (distinta) questão de saber se o acórdão recorrido padecerá de algum erro na aplicação do direito.

Como certeiramente dilucida o TRG, no acórdão que se pronuncia sobre as alegadas nulidades:

“O pensamento do recorrente assenta em pressuposto errado. A contradição teria de ser verificar dentro do acórdão recorrido. E não entre o facto que o recorrente julga que está provado e não está (que a patologia da cabeça do fémur foi causada pelo acidente) e a conclusão a que o acórdão chegou (não atribuição de IPP, porque a sequela de traumatismo lombar decorrente do acidente não provoca incapacidade).

No acórdão objeto de recurso considerou-se que a sequela resultante do traumatismo provocado pelo acidente reportava-se somente à região lombar e que aquela sequela não era causadora de incapacidade para o trabalho. O sinistrado pode padecer de várias mazelas, eventualmente limitadoras de incapacidade para o trabalho, as quais podem ter várias causas, algumas delas de origem natural, outras decorrente de contexto laboral. No caso somente nos interessa a sequela relacionado ao acidente de trabalho.”

11. Uma nota complementar, que, ao mesmo tempo, é uma nota prévia relativamente ao mais suscitado na revista:

É patente que as posições assumidas pelo recorrente na revista, tal como antes na apelação, radicam numa premissa básica que é incorreta. Ao contrário do suposto, uma vez que os acidentes de trabalho suscitam um duplo nexo de causalidade, a aceitação (pela seguradora) do nexo causal existente entre o acidente e determinadas lesões que o autor apresentava, em nada obsta a que esse nexo não se verifique relativamente a outras lesões, tal como em nada interfere com a questão, diversa, de saber quais as sequelas, impacto e consequências das comprovadas lesões, maxime, no plano da sua (in)capacidade para o trabalho. Esta última questão, envolvendo também a problemática da causalidade (agora entre as lesões e as suas sequelas, ou o seu resultado), situa-se em plano distinto daquela.


Improcedem, pois, as arguidas nulidades.

b) - Se há ofensa de caso julgado formal e material”.

12. Também não oferece a menor dúvida a improcedência desta questão.


Em sentido amplo, o conceito de caso julgado compreende três situações distintas: i) a exceção de caso julgado (material), essencialmente prevista e regulada nos arts. 577.º, alínea i), 580º, 581º, 595º, nº 3, 2ª parte, 619º e 621º; ii) o caso julgado formal (art. 620º); iii) e a autoridade de caso julgado, que “tem a ver com a existência de prejudicialidade entre objetos processuais, tendo como limites os que decorrem dos próprios termos da decisão, como se depreende dos arts. 619.º e 621.º, ambos do CPC, e implica o acatamento da decisão proferida em ação anterior, cujo objeto se inscreve, como pressuposto indiscutível, no objeto de uma ação posterior, obstando a que a relação jurídica ali definida venha a ser contemplada, de novo, de forma diversa” (Ac. do STJ de 12.01.2021, Proc. nº 2030/11.8TBFLG-C.P1.S1, 1ª Secção).


A primeira e terceira situações pressupõem a repetição de uma causa, ao contrário do caso julgado formal, que opera “dentro do processo”, pelo que no caso vertente estão à partida afastadas aquelas duas.


Igualmente não se verifica o caso julgado formal, desde logo porque este se restringe às decisões que apreciam matéria de direito adjetivo e, por outro lado, pois, «ainda que se admita não haver obstáculo a que o juiz, no âmbito do novo Código de Processo Civil, continue a proferir despacho de fixação da matéria de facto considerada assente, é inquestionável que tal despacho não pode deixar de ser visto como um “guião” ou mero “suporte de trabalho” para o julgamento, pelo que, mesmo depois de decididas as reclamações contra ele apresentadas, não se forma caso julgado formal sobre ele, podendo, por isso, os factos dados como assentes ser alterados pelo juiz do julgamento e/ou pelo juiz do tribunal de recurso» (Ac. do STJ de 17.05.2018, Proc. nº 3811/13.3TBPRD.P1.S1, 2ª Secção). Com efeito, decidiu o Assento do STJ nº 14/94, de ........1994 que “a especificação, tenha ou não havido reclamações, tenha ou não havido impugnação do despacho que as decidiu, pode sempre ser alterada, mesmo na ausência de causas supervenientes, até ao trânsito em julgado da decisão final do litígio”4.


Acresce que de forma alguma se verifica a contradição apontada pelo recorrente.

Na expressão sintética e certeira do Exmo. Procurador-Geral-Adjunto, no seu Douto Parecer, o recorrente entende que ocorreu ofensa de caso julgado porque a seguradora aceitou na tentativa de conciliação o nexo de causalidade entre o acidente e as lesões descritas no auto de exame médico singular, tendo assim sido dado como assente no despacho saneador que, como consequência direta e necessária do acidente, resultou para o A. traumatismo da região lombar, o que lhe provocou as lesões constantes no auto do exame médico de fls. 239 a 242 dos autos, mas, apesar disso, o acórdão recorrido veio a concluir que “a lesão do acidente não levou causalmente à sequela da anca, esta sim causadora da IT e IPP do autor, tendo este ficado sem sequelas na data provada”.

Ora, como já dito em supra nº 11, é claro que a aceitação do nexo causal entre o acidente e determinadas lesões que o recorrente apresentava (na região lombar), em nada obsta a que esse nexo não se verifique relativamente a outras lesões (na anca), tal como em nada interfere com a questão de saber quais das lesões em discussão nos autos provocaram a IT e IPP do autor, sendo certo que as lesões se distinguem das sequelas (que são o resultado das lesões) e não se confundem com estas.

Com efeito, citando ainda o mesmo Parecer5, “as lesões consistem em alterações patológicas dos órgãos e tecidos, derivadas, nomeadamente, de pancada ou contusão, sendo que as sequelas são o sintoma ou efeito que fica permanentemente depois de curadas certas doenças – ou seja, são as consequências da lesão”.

Como decidiu – e bem – o acórdão recorrido:

«O conceito de acidente de trabalho compreende: a lesão (perturbação funcional/doença, no caso a fratura), a redução na capacidade de trabalho/ganho, o nexo de causalidade entre o evento e a lesão e o nexo de causalidade entre a lesão e a sequela geradora de redução na capacidade de trabalho/ganho (duplo nexo de causalidade) - Lei 98/2009, de 4-09 (NLAT). O acidente é uma cadeia de factos sucessivamente interligados, obedecendo a uma ordem lógica em que cada uns dos referidos elos estão ligados por um nexo causal. Em particular a lesão/doença terá de resultar do evento naturalístico e a incapacidade para o trabalho (temporária ou absoluta) deverá resultar da lesão/doença e dos seus efeitos. Diga-se “en, passant” que a presunção de causalidade entre o acidente e a lesão restringe-se à constada no tempo e local de trabalho (primeiro nexo, no caso traumatismo da região lombar) e não a lesões/sequelas constadas dois anos depois (na anca), como acontece no caso- artigo 10º da NLAT. Assim, a fixação das lesões e do duplo nexo de causalidade (evento-lesões-incapacidade) poderia ser discutida e decidida em julgamento no processo principal -arts. 118º, 126º, 1 e 132º do CPT.»

Improcedendo, deste modo, a questão em apreço, igualmente se afasta a invocada infração aos princípios constitucionais de equidade, legalidade, confiança e proporcionalidade, aos arts 18º, n.º 1, 20º, n.º 4 e 5, 202º e 204º, da CRP, ou qualquer outra violação da nossa Lei Fundamental, sendo certo que esta problemática foi invocada sem qualquer consistência, sem minimamente se explicitar as razões subjacentes ao apontado neste âmbito.


III.


13. Em face do exposto, negando a revista, acorda-se em confirmar o acórdão recorrido.


Custas da revista pelo recorrente.


Lisboa, 11 de outubro de 2023


Mário Belo Morgado (Relator)


Domingos Morais


Júlio Gomes





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1. Todos os sublinhados e destaques são nossos.

↩︎
2. Com a mesma lógica argumentativa subjacente a todas as demais questões suscitadas no recurso, diz o recorrente, fundamentalmente, em matéria de omissão de pronúncia e de contradição entre os fundamentos e a decisão: o acórdão recorrido omite que no despacho saneador ficou assente que “Como consequência, direta e necessária, do acidente resultou-lhe traumatismo da região lombar, que provocou as lesões no auto de exame médico de fls. 239 a 242 dos autos”, e não só o traumatismo da região lombar, tudo por forma a escamotear que as lesões que o recorrente sofreu resultaram numa IPP de 37,50%.; tal omissão é suscetível de uma omissão de pronúncia ou, caso assim não se entenda, que os fundamentos da decisão recorrida estejam em oposição com factos já dados como assentes nos presentes autos; o acórdão entrou em contradição porque ao admitir que a seguradora, em sede de tentativa de conciliação, aceitou o nexo causal entre o referido acidente e as lesões descritas no auto de exame médico consideradas pelo perito médico do GML, mas ao mesmo tempo julgou improcedente o recurso do recorrente.↩︎

3. Como todas as demais disposições legais citadas sem menção em contrário↩︎

4. Publicado no DR, I Série, nº 230, de 04.10.94.↩︎

5. Parecer que, citando Francisco Manuel Lucas, in Avaliação das sequelas em direito civil, Coimbra, outubro 2005, pp. 35-36, explicita a seguinte “Terminologia médico-legal útil”:

«LESÃO – perda ou alteração parcial ou total do órgão (definição médica). As alterações anatómicas ou biológica no órgão são causadas por agentes internos ou externos. As alterações físicas ou psíquicas por agentes mecânicos, físicos, químicos ou biológicos. Resultam de acções exógenas com carácter doloso ou não (definição médico-legal)» …

SEQUELAS – manifestações anatómicas, funcionais, estéticas, psíquicas e morais permanentes, que menosprezam ou modificam o património biológico dos indivíduos (…)».

↩︎