Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1766/20.7T8VCT-G.G1.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: ANTÓNIO BARATEIRO MARTINS
Descritores: CONFISSÃO
FACTOS ADMITIDOS POR ACORDO
FACTOS PROVADOS
RECONHECIMENTO DA DÍVIDA
INVERSÃO DO ÓNUS DA PROVA
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
MATÉRIA DE FACTO
PROVA VINCULADA
DIREITO PROBATÓRIO MATERIAL
Apenso:


Data do Acordão: 11/02/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA (COMÉRCIO)
Decisão: REVISTA PROCEDENTE.
Sumário :

I – Se uma parte reconhecer num articulado que a parte contrária tem créditos sobre ela, sem identificar minimamente “os factos concretos que originaram” tais créditos, não confessa um facto com o sentido com que o mesmo está previsto no art. 352.º do C. Civil: o que a parte faz é reconhecer uma dívida, o que convoca a aplicação do art. 458.º do C. Civil.

II – Artigo 458.º C. Civil que apenas estabelece um regime de “abstração processual”, dispensando a parte (a favor de quem foi reconhecida a dívida) da prova da relação fundamental, mas não a dispensando, tendo em vista a dedução de pedido reconvencional, de alegar os factos constitutivos da relação fundamental (que constituirá a verdadeira causa de pedir do pedido reconvencional).

III – Efetivamente, o reconhecimento de dívida previsto no art. 458.º do C. Civil não constitui fonte autónoma duma obrigação: cria tão só a presunção de existência duma relação negocial/fundamental (a que o art. 458.º se refere explicitamente), sendo esta a verdadeira fonte da obrigação, razão por que se inverte o ónus da prova, mas apenas o ónus da prova, ou seja, o art. 458º do C. Civil apenas dispensa o credor do ónus de provar a relação fundamental subjacente ao negócio unilateral aí previsto, mas já não do ónus de alegar tal relação.

IV – A matéria de facto é, em princípio, da exclusiva competência das Instâncias, porém, face ao disposto no art. 674.º/3/2.ª parte do CPC, o STJ não está totalmente tolhido no que diz respeito ao controlo da decisão da matéria de facto, ainda que aqui a sua intervenção se circunscreva a aspetos em que se haja verificado a violação de normas de direito probatório; ou em relação a factualidade plenamente provada (por documento ou confissão) que assim não foi considerada pelas Instâncias ou a factualidade que o confronto dos articulados revele a existência de acordo das partes.

Decisão Texto Integral:

Processo: 1766/20.7T8VCT-G.G1.S1

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

I – Relatório

Por apenso aos autos principais de insolvência, em que foi declarada em tal situação IEN - Instalações Electromecânicas do Norte, Cari Construtores, SA intentou, nos termos do art. 146.º do CIRE, ação para verificação ulterior de créditos, contra a Massa Insolvente de IEN - Instalações Electromecânicas do Norte, Lda., contra a própria Insolvente e contra os seus credores, pedindo que seja «reconhecido o crédito da Autora sobre a Massa Insolvente no valor de € 197.209,05, ordenando-se a sua graduação no lugar que lhe compete».

Alegou, para fundamentar a sua pretensão, que, “no exercício da sua atividade, contratou a Insolvente para a execução de contratos de subempreitada, designadamente especialidades de AVAC e de Instalações Elétricas na obra “Edifício B......... . ..... .. ..........” e na obra “M........ - Edifício M...... .. ........”; sucedendo que, em ambas as obras, a R. Insolvente executou defeituosamente os trabalhos, danificou material fornecido pela A. para a execução das subempreitadas por dificuldade de tesouraria daquela, vendo-se a A. obrigada a comprar, a preços superiores aos contratados à insolvente, equipamentos que caberia a esta fornecer, por falta de meios em obra da insolvente, a recorrer a mão-de-obra para reforço das equipas de trabalho com um custo superior ao contratado àquela e a concluir a parte da obra não executada por aquela a preços superiores àqueles a esta contratados, tudo culminando no abandono de ambas as obras por parte da R. Insolvente, do que, tudo somado, resultaram para a A. prejuízos no montante global de € 197.209,05.

Apenas a Ré Massa Insolvente contestou, articulado em que impugnou os factos conducentes aos prejuízos peticionados pela A. e em que pediu, reconvencionalmente, que «seja declarada a inadmissibilidade da compensação pretendida pela Autora e, consequentemente, ser a Autora/reconvinda condenada ao pagamento da quantia de 70.349,15 € à R./Massa Insolvente, enquanto crédito detido pela insolvente e apreensível nos termos dos art.ºs 149.º e 150.º do CIRE».

Para o que alegou que a “Massa Insolvente é credora da Autora pelo montante de € 70.349,15 e que a Autora reconhece ser devido” (art. 49.º da contestação).

Foi proferido despacho saneador – que julgou improcedente a intempestividade da contestação e a ineptidão da reconvenção suscitadas pela A. na resposta – declarando a regularidade da instância; e dispensando a identificação do objeto do litígio e a enunciação dos temas da prova.

Realizada a audiência final, foi proferida sentença com o seguinte decisório:

“Em conformidade com o exposto, julga o Tribunal a presente ação totalmente improcedente termos em que decide absolver os réus do respetivo pedido, julgando-se, por sua vez, prejudicado o conhecimento do pedido reconvencional entretanto deduzido pela massa insolvente [cfr. art.º 266.º, n.º 6 a contrario do Cód. Proc. Civil]”.

Sentença de que apenas a R. Massa Insolvente interpôs recuso de apelação, o qual por Acórdão da Relação de Guimarães de 25/05/2023, foi julgado procedente e, em consequência, foi decidido:

“(…)

1) revogar a sentença recorrida quanto ao segmento decisório «julgando-se, por sua vez, prejudicado o conhecimento do pedido reconvencional entretanto deduzido pela Ré massa insolvente [cfr. art.º 266.º, n.º 6 a contrario do Cód. Proc. Civil]»

2) e julgar procedente o pedido reconvencional deduzido pela Ré Massa Insolvente/Recorrente contra a Autora e, consequentemente, condenar a Autora a pagar a quantia de € 70.349,15 à Ré Massa Insolvente/Recorrente, enquanto crédito detido pela insolvente e apreensível nos termos dos arts. 149º e 150º do C.I.R.E. (…)”

Agora inconformado a A., interpõe o presente recurso de revista, visando a revogação do acórdão da Relação e a sua substituição por decisão que a absolva do pedido reconvencional.

Terminou a sua alegação com as seguintes conclusões:

“(…)

I – Da admissibilidade do presente recurso de revista

1.ª) Consubstanciando os presentes autos uma ação de verificação ulterior de créditos que corre por apenso ao processo de insolvência, dúvidas não subsistem de que os mesmos constituem um “apenso declarativo do processo de insolvência.”

2.ª) Cumprindo com os requisitos gerais respeitantes ao valor da alçada da Relação, bem como ao da sucumbência, e ainda ao da chamada “dupla conforme”, a qual não se verifica, conclui-se que o presente recurso de revista é admissível nos termos do artigo 14.º nº 1 a contrario sensu do C.I.R.E. e dos artigos 671.º e seguintes do C.P.C.

II – Da matéria de facto dada como provada pelas Instâncias: do conteúdo concreto dos pontos nº 3.2. e 3.3. da matéria de facto provada no seio dos presentes autos

3.ª) As Instâncias deram como provado que:

3.2. No exercício da sua atividade, a A. contratou a Insolvente para a execução do(s) contrato(s) de subempreitada relativo(s) às especialidades de AVAC e de Instalações Elétricas nas obras “Edifício B......... . ..... .. ..........” e “M........ – Edifício M...... .. ........”.

“3.3. A sociedade IEN - Instalações Electromecânicas do Norte, Lda, declarada insolvente, é detentora sobre a Autora de um crédito na quantia total de € 70.349,15 relativa a «retenções de garantia»”.

4.ª) Mas, se assim é [e bem, diga-se], imperioso se torna saber em que termos e condições a R. Reconvinte é detentora deste crédito relativo a “retenções de garantias”.

5.ª) Pelo que, para tanto, impõe-se dissecar o conteúdo dos contratos de subempreitada celebrados entre as Partes, os quais são expressamente referidos no ponto 3.2., e dos quais emerge o direito reconhecido à R. Reconvinte no ponto 3.3.; tratam-se dos documentos nº 1 a 4 da petição inicial, cujos clausulados são idênticos. Os trechos relevantes são os seguintes:

1) Nos termos da cláusula 4.ª (Pagamentos, deduções e retenções):

nº 9: “Em cada fatura deverão ser deduzidos 5% (cinco por cento) como caução para o cumprimento do contrato.”

2) Nos termos da cláusula 6.ª (Receção Provisória, Prazo de Garantia, Receção Definitiva, Devolução de Garantias Bancárias e/ou Quantias Retidas):

nº 3: “O prazo de garantia dos trabalhos que constituem a Subempreitada, é de 10 (dez) anos a contar da data em que o Dono da Obra a rececione provisoriamente a obra.”

nº 4: “Durante Prazo de Garantia, a Segunda Contraente compromete-se a corrigir, à sua custa, todos os defeitos existentes que lhe sejam imputáveis, nos termos e nos prazos que a Primeira Contraente venha a indicar.”

nº 5: “A Segunda Contraente suportará, ainda os custos com o fornecimento de bens, serviços ou tarefas complementares que a Primeira Contraente venha a suportar, necessários, quer à correção dos ditos defeitos, quer à das consequências resultantes dos danos por eles provocados.”;

nº 6: “Se a Segunda Contraente não cumprir o previsto nos números 4 e 5 desta Cláusula, a Primeira Contraente pode recorrer, de imediato, a Subempreiteiro externo para proceder ou concluir as reparações, que não tenham sido, ainda, feitos (relativamente a trabalhos já executados), debitando o respetivo custo à Segunda Contraente ou acionando a caução.”

nº 7: “Findo o prazo de garantia, será feito um Auto de Vistoria para a Receção Definitiva da Subempreitada. Caso esta se encontre em condições de ser recebida, isso mesmo será declarado no respetivo Auto. O auto de vistoria para efeitos de receção definitiva deve acontecer na mesma data e em conjunto com o dono de Obra.

Caso se verifiquem deficiências, elas serão exaradas no Auto e a Primeira Contraente fixará um prazo para a Segunda Contraente proceder às reparações necessárias.

Logo que estejam concluídas e aceites pela Primeira Contraente, será emitido um Auto de Receção Definitiva.”

nº 8: “As quantias retidas e/ou as garantias bancárias serão pagas e/ou devolvidas (100%) 5 após a Receção Definitiva da Subempreitada pelo Dono de Obra.”

6.ª) Também com interesse para a boa decisão da causa, importa ter em consideração que os contratos de subempreitadas foram celebrados:

a) No dia 7 de março de 2018 no que concerne ao Edifício B........., sito na Rua ... (vide documentos nº 1 e 2 da petição inicial).

b) No dia 2 de fevereiro de 2018 no que diz respeito ao Edifício M...... .. ........, sito na Calçada ... (videdocumentosnº 3 e 4da petiçãoinicial)

7.ª) Como é bom de ver, embora não estejam condensadas direta e explicitamente na matéria de facto dada como provada pelas Instâncias, estas cláusulas encontram-se indireta e implicitamente contempladas nos pontos 3.2. e 3.3. da Decisão quanto à matéria de facto.

8.ª) Não se pode entender as referidas “retenções de garantias” sem recorrer aos contratos onde as mesmas se encontram previstas. E só se pode compreender e interpretar estes contratos se analisarmos o respetivo conteúdo, designadamente tudo quanto se encontra previsto contratualmente a respeito das já referidas “retenções de garantias”. Ou seja, estamos necessariamente perante um “círculo perfeito”, o qual não é de todo “vicioso”, mas antes “virtuoso” …

9.ª) Pelo que, ao lermos a decisão da matéria de facto, mormente os pontos 3.2. e 3.3., jamais poderemos olvidar o próprio conteúdo dos contratos de subempreitada celebrados entre as Partes e referidos expressamente nestes pontos, principalmente as cláusulas supra reproduzidas. Esquecê-lo será, no mínimo, sinónimo de incompletude… E a incompletude, seja no Direito, seja na Vida, acaba sempre no infortúnio…

III – De Jure Constituto

1. Do prazo certo da obrigação

10.ª) A obrigação inscrita na esfera jurídica da A. Reconvinda, ora Recorrente, carateriza-se, no que concerne ao tempo do seu vencimento, por ser a prazo,

11.ª)… sendocertoque opróprio prazoda obrigaçãoda A. Reconvindaqualifica-se como: convencional, originário, suspensivo e essencial objetivo.

2. Da(s) condição(ões) do negócio jurídico

12.ª) Do clausulado dos respetivos contratos de subempreitada, verifica-se que o cumprimento da obrigação por parte da A. Reconvinda, i.e., a devolução das “retenções de garantia”, está dependente da verificação dos seguintes factos:

a. Decurso do prazo de garantia: 10 anos a contar da data em que o Dono da Obra rececione provisoriamente a obra;

b. Elaboração de um Auto de Vistoria para a Receção Definitiva da Subempreitada, no qual se verificarão duas situações:

a. Caso a obra se encontre em condições de ser recebida, isso mesmo será declarado no respetivo Auto;

b. Caso se verifiquem deficiências, elas serão exaradas no Auto e a Primeira Contraente fixará um prazo para a Segunda Contraente proceder às reparações necessárias. Logo que estejam concluídas e aceites pela Primeira Contraente, será emitido um Auto de Receção Definitiva.

c. Decurso do prazo de 5 dias após a Receção Definitiva da Subempreitada pelo Dono de Obra.

13.ª) Face ao teor do clausulado, conclui-se que as Partes estabeleceram um conjunto de condições para que a R. Reconvinte pudesse exercer o respetivo direito de crédito e cuja prestação debitória corresponde à devolução das “retenções de garantia” por parte da A. Reconvinte.

14.ª) Recordando as saudosas palavras de MOTA PINTO: “A situação do devedor no negócio sob condição resolutiva é idêntica à do credor no negócio sob condição suspensiva, pois a condição resolutiva é suspensiva da dissolução do negócio condicionado.”

15.ª) In casu, na perspetiva da R. Reconvinte, enquanto credora, o negócio foi celebrado sob condição suspensiva; por sua vez, já na ótica da A. Reconvinda, na qualidade de devedora, este mesmo negócio espelha uma condição resolutiva, a qual é “suspensiva da dissolução” do negócio condicionado celebrado. Em suma, trata-se, no fundo, “das duas faces da mesma moeda” …

3. Das normas violadas ou erroneamente interpretadas no Acórdão recorrido

16.ª) Conhecendo o Supremo Tribunal de Justiça apenas de Direito nos termos do nº 1 do artigo 674.º do C.P.C., impõe-se saber quais foram os preceitos legais violados ou erroneamente interpretados pelo Acórdão recorrido “ao julgar procedente o pedido reconvencional deduzido pela Ré Massa Insolvente/Recorrente contra a Autora e, consequentemente, condenar a Autora a pagar a quantia de € 70.349,15 (setenta mil trezentos e quarenta e nove euros e quinze cêntimos) à Ré Massa Insolvente/Recorrente, enquanto crédito detido pela insolvente e apreensível nos termos dos arts. 149º e 150º do C.I.R.E.”

17.ª) Ademais, porquanto nos termos do citado artigo 149.º do C.I.R.E., a apreensão de todos os bens integrantes da massa insolvente é “imediata”.

a. Do princípio da liberdade contratual plasmado no artigo 405.º do Código Civil

18.ª) No caso sub judice, as Partes celebraram diversos contratos de subempreitada, fixando livremente o respetivo conteúdo, designadamente reunindo diversas regras de diferentes negócios jurídicos típicos e atípicos. Por outras palavras, as Partes conformaram o respetivo conteúdo contratual de acordo com os seus interesses e vontades.

19.ª) Ora, ao condenar a A. Reconvinda nos termos supra expostos, o Acórdão recorrido acabou por violar o artigo 405.º do C.C., na medida em que, sem qualquer fundamento, alterou o conteúdo contratual fixado livremente pelas Partes, designadamente eliminando o chamado “prazo de garantia fixado” bem como as condições resolutivas (na perspetiva da A. Reconvinda) estabelecidas contratualmente.

b. Do benefício do prazo a favor do devedor estabelecido no artigo 779.º do Código Civil

20.ª) Como já tivemos oportunidade de verificar, a obrigação da A. Reconvinda está ligada ao “prazo de garantia”, o qual recorde-se é de 10 (dez) anos. Também já vimos que este prazo tem natureza convencional, originário em termos genéticos, suspensivo no que toca aos seus efeitos, e essencial objetivamente na sua essência.

21.ª) Ora, salvo melhor opinião, parece indiscutível que o prazo de garantia foi estabelecido a favor da A. Reconvinda, enquanto devedora da prestação (condicionada) de devolução das quantias retidas / caucionadas.

22.ª)Assim sendo, a R. Reconvinte, na qualidade de credora, não poderá exigir o cumprimento desta obrigação antes do vencimento do prazo convencionado.

23.ª) Contudo, oAcórdão recorrido, ao decidir condenar aA. Reconvinda a pagar imediatamente(enquanto crédito apreensível nos termos dos arts. 149º e 150º do C.I.R.E.) à Ré Reconvinte, a quantia de € 70.349,15 (setenta mil trezentos e quarenta e nove euros e quinze cêntimos), está a violar ostensivamente o artigo 779.º do C.C. e a regra basilar do benefício do prazo.

c. Da subversão da regra da perda do benefício do prazo nos termos do artigo 780.º do Código Civil

24.ª) Mais, verifica-se que o sentido da Decisão recorrida teve o condão de inverter a regra da perda do benefício do prazo, subvertendo a própria ratio legis da norma legal.

25.ª) Ou seja, ao condenar a A. Reconvinda no pagamento imediato das “cauções de garantia”, o Acórdão acabou por premiar a Subempreiteira com base na sua própria declaração de insolvência, a qual, recorde-se, consubstancia o reconhecimento judicial de uma “situação de insolvência” segundo a qual “o devedor que se encontre[a] impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas.”

26.ª) Conforme flui dos autos, a A. Reconvinda não foi declarada insolvente, nem tampouco se encontra numa situação de insolvência; já em relação à R. Reconvinte, tratando-se de uma massa insolvente, pouco ou nada cumpre acrescentar.

27.ª) Pelo que, em caso e em momento algum, aA. Reconvinda poderia e deveria ter perdido o benefício do prazo. Já não tanto assim em relação à R. Reconvinte, e às suas obrigações [durante o prazo de garantia] de “corrigir, à sua custa, todos os defeitos existentes que lhe sejam imputáveis, nos termos e nos prazos que a Primeira Contraente venha a indicar.”

28.ª)Aliás, em bom rigor, a questão da perda do benefício do prazo coloca-se em relaçãoà R. Reconvinte, a qual, por ter sidodeclarada insolvente, e por ter cessado qualquer atividade, jamais estará em condições de cumprir com as suas obrigações caso se venham a verificar o aparecimento de defeitos até ao terminus do prazo de garantia.

29.ª) No entanto, voltando ao caso, conclui-se inelutavelmente que o Acórdão recorrido acabou por violar clamorosamente o artigo 780.º do C.C., ao inverter indevidamente a regra da perda do benefício do prazo a favor da R. Reconvinte, subvertendo assim a própria ratio legis do preceito.

d. Do Julgamento no caso de inexigibilidade da obrigação previsto no artigo 610.º do C.P.C.

30.ª) Considerando que a A. Reconvinda impugnou os créditos detidos pela R. Reconvinte, e mesmo que a obrigação pudesse ser reconhecida através do douto Acórdão recorrido, o facto de a mesma não ser exigível, levaria a que a A. Reconvinda fosse “condenado[a] a satisfazer a prestação no momento próprio” nos termos do nº 1 do citado artigo 610.º do C.P.C.

31.ª) Contudo, mesmo que assim não fosse, i.e., mesmo que não houvesse litígio relativamente à existência da obrigação, e ainda que a mesma se vencesse em data posterior à decisão, a A. Reconvinda deveria ter sido condenada a satisfazer a prestação “sem prejuízo do prazo” de acordo com a alínea a) do nº 2 do referido artigo 610.ºdo C.P.C.

32.ª) Ou seja, poderá concluir-se, com alguma propriedade, que o artigo 610.º do C.P.C. acaba por constituir a refração ou a garantia a nível processual do benefício do prazo estabelecido na Lei substantiva no já citado artigo 779.º do C.C.

33.ª) Pelo que, sem mais delongas, conclui-se que o Acórdão recorrido também violou o artigo 610.º nº 1 e 2 alínea a) do C.P.C.

e. Da renovação do pedido quando a condição se verificar e o prazo se preencher ex vi doartigo621.º do C.P.C.

34.ª) O busílis da questão tratada no ponto anterior radicava no prazo e na exigibilidade da obrigação. Todavia, também conforme já se viu exaustivamente, ao negócio jurídico celebrado pelas Partes foi aposta uma condição.

35.ª) Embora com natureza distinta, a questão da condição, enquanto “elemento acidental do negócio jurídico”, encontra-se de “braço dado” com o tema do prazo.

36.ª) Não é, aliás, por acaso que, ainda em anotação ao artigo 610.º do C.P.C., ABRANTES GERALDES, PAULO PIMENTAe LUÍS FILIPE DE SOUSA abordam a questão da condição e, com particular interesse para o thema decidendum, da “condenação condicional”, citando o Acórdão do “STJ 7-4-11, 419/06, por força do princípio da determinabilidade do conteúdo das decisões judiciais, a lei não admite, em regra, a condenação condicional (…)”

37.ª)Ainda relativamente à figura da condenação condicional, também importará ter em linha de conta os ensinamentos de LEBRE DE FREITAS e ISABEL ALEXANDRE, curiosamente ainda em anotação artigo 610.º do C.P.C., segundo os quais: “Não estando verificada a condição suspensiva, a solução é outra, pois é difícil sustentar que a lei admite a figura da condenação condicional, isto é, da condenação em que o direito reconhecido fica dependente da verificação de determinada condição, ainda não ocorrida à data do encerramento da discussão. O art. 621 prevê, como fundamento de absolvição do pedido, a situação em que o facto condicionante do direito não está verificado, declarando-a impeditiva da constituição de caso julgado que obste à renovação do pedido quando a condição se verifique.”

38.ª) Já relativamente artigo 621.º C.P.C., e chamando novamente à colação as doutas palavras de LEBRE DE FREITAS e ISABELALEXANDRE95: “Quando o juiz constate que a condição suspensiva, estipulada pelas partes (art. 270 CC)” “não está verificada,”, [designadamente: a) o decurso do prazo de garantia; b) a elaboração de um Auto de Vistoria para a Receção Definitiva da Subempreitada, no qual se verificarão se existem deficiências ou não para proceder às reparações eventualmente necessárias; c) a elaboração de um auto de Receção Definitiva; d) o decurso do prazo de 5 dias após a Receção Definitiva da Subempreitada pelo Dono de Obra];

39.ª) … “de que depende o direito invocado”, [a devolução das quantias retidas / caucionadas], …

40.ª) … “na última data a que pode atender (art. 610-1),” [na data do Acórdão recorrido], …

41.ª) …“o direito não pode ser reconhecimento ou constituído e o réu há de ser absolvido do pedido.”

42.ª) Pelo que, salvo melhor opinião, o Acórdão recorrido acabou também por fazer uma errada interpretação do artigo 621.º do C.P.C., porquanto não foi capaz de vislumbrar que “não estar(va) verificada uma condição, por não ter decorrido umprazooupornãotersidopraticadodeterminado facto.”, impondo desta forma a absolvição do pedido.

IV – Do abuso de Direito

a. Do exercício ilegítimo do direito por exceder os limites impostos pela boa fé e pelo fim económico do mesmo

43.ª) A demanda da R. Reconvinte, a qual mais não é do que uma Massa Insolvente, não é compaginável com a assunção da responsabilidade pelas obrigações decorrentes do prazo de garantia a cargo da Insolvente.

44.ª) Esta iniciativa processual ofende o Princípio da confiança e do Princípio da boa fé.

45.ª) Por outras palavras, a A. Reconvinda jamais poderia esperar que, em virtude da declaração de insolvência da R. Reconvinte, e da reconvenção deduzida, esta última beneficiasse da antecipação dos direitos da Insolvente, permitindo-lhe receber de imediato aquilo que a mesma não teria direito senão no fim do prazo de garantia.

46.ª) Mas, para além do fator “tempo”, ao fazê-lo, a R. Reconvinte está a tentar receber a sua prestação sem assegurar a respetiva contrapartida: a eventual reparação de defeitos que venham a aparecer.

47.ª) Ao fazê-lo, a R. Reconvinte está a exceder os mais elementares ditames da boa fé e o próprio fim económico do direito que porventura lhe pudesse assistir.

48.ª) Perante tudo quanto se acaba de aduzir, reconhecer imediatamente o direito à devolução das quantias retidas/cauções, nestas circunstâncias, na esfera jurídica da R. Reconvinte, consubstanciaria um flagrante e inadmissível abuso de direito.

49.ª) Infelizmente, foi precisamente o que o Venerando Tribunal a quo fez ao proferir oAcórdão objeto da presente impugnação, o qual viola ostensivamente o artigo 334.º do Código Civil, sendo certo que o abuso de Direito é de conhecimento oficioso.

b. Por uma questão de Justiça!

50.ª) Perante todo quadro factual provado e devidamente comprovado e comprovável nos autos, coloca-se a seguinte questão: será correto (?), justo (?) e équo (?) a R. Reconvinte receber imediatamente as quantias retidas / cauções realizadas para efeitos de garantia das obras dos autos? (…)

A recorrida Massa Insolvente respondeu, sustentando que o Acórdão recorrido não violou qualquer norma, pelo que deve ser mantido nos seus precisos termos.

Terminou a sua alegação com as seguintes conclusões:

“(…)

I.Com todo o devido respeito que possa merecer outro entendimento, falece, salvo melhor opinião, qualquer razão à pretensão da recorrente na certeza da bondade do acórdão entretanto recorrido

i. seja porque é inadmissível, sob duas vertentes;

ii. seja ainda porque lhe falece qualquer fundamento para reverter a douta decisão proferida pelo Tribunal da Relação, sendo este a reposição da mais elementar Justiça.

I - da INADMISSIBILIDADE DO RECURSO

II. Invoca a ora recorrida a inadmissibilidade legal do presente recurso, o que sucede com os seguintes e diversos fundamentos, a saber:

i. da inadmissibilidade recursória, por via da limitação eivada no art.º 14.º n.º 1 do CIRE;

ii. da inadmissibilidade da impugnação/revisão da decisão proferida relativa à matéria de facto. É que;

i - da LIMITAÇÃO DO ART.º 14.º N.º 1 DO CIRE

III. Pretende desde logo a recorrente lançar mão do presente recurso de revista para, por via do mesmo, não só impugnar a matéria de direito, mas obter igualmente a reapreciação da matéria de facto. Destarte;

IV. Tal viabilidade recursória está-lhes vedada, nos termos do art.º 14.º n.º 1 do CIRE.

V.E nem se diga que, por se tratar de uma acção apensa, a mesma deveria ter um tratamento diferente e privilegiado em relação aos demais apensos/incidentes do processo de insolvência.

VI.Na verdade, a admitir-se a viabilidade recursiva de revista numa Acção de Verificação Ulterior de Créditos como os presentes autos, estar-se-ia a “premiar” a conduta relapsa da A., quando os demais credores tiveram de reclamar os seus créditos, nos termos e trâmites do art.º 128.º do CIRE, com todas as condicionantes em termos de prazos, produção de prova e capacidade de recurso que aí se encontram legalmente previstas.

VII. A razão de ser daquele normativo prende-se, não só com a urgência do processo de insolvência – cfr. art.º 9.º n.º 1 do CIRE – onde se incluem “todos os seus incidentes, apensos e recursos” sendo que, para isso, optou o legislador por limitar a viabilidade de recurso de revista, por razões óbvias, apenas aos casos de oposição de acórdãos – cfr. art.º 14.º n.º 1 do CIRE -, como igualmente com a necessidade de estabilizar os credores e o passivo do devedor.

VIII.Assim, o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça não deve ser admitido, em função disposto no art.º 14.º n.º 1 do CIRE, na medida em que os presentes autos correm por apenso aos autos falimentares, com influência directa na Reclamação de Créditos, na Apreensão de Bens e na Liquidação do Activo dos Autos de Insolvência, sendo-lhes tal normativo aplicável.

IX.Pelo que, não poderá ser admitida a pretensão recursória do recorrente.

ii - da IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

X.Por outro lado, a recorrente lançar mão do presente recurso de revista para, de modo enviesado, obter a reapreciação da matéria de facto definitivamente assente. Contudo;

XI.Quanto à apreciação da matéria de FACTO, encontra-se sonegada tal faculdade à A./recorrente, nos termos do art.º 674.º do CPCivil vigente, já que apenas seria admissível recurso de revista com fundamento na violação da lei substantiva e já não, nesta sede, da reapreciação do julgamento da matéria de facto.

XII. Como tal não deverá ser admitido o recurso agora interposto.

Sem prescindir;

II - da RESPOSTA NAS ALEGAÇÕES;

XIII. No mais, naufragará o recurso interposto, com fundamento no acórdão recorrido, o qual por imaculadamente fundamentado e se tratar de matéria de óbvia decisão, não merece qualquer censura, dando-se o seu teor aqui por integralmente reproduzido. Na verdade;

XIV.A A./recorrente optou por trilhar, nos presentes autos, o caminho que entendeu ser aquele que lhe seria mais favorável e, para tanto, optou por RECONHECER EXPRESSAMENTE um crédito à aqui R./recorrida e invocou a sua COMPENSAÇÃO com crédito emergentes de defeitos, omissões e correcções que apontava à insolvente e que – VEJA-SE -, até já estavam supridos, corrigidos e ALEGADAMENTE PAGOS !!!

XV. Mau grado, soçobrou aquela sua pretensão uma vez que a A./recorrente não logrou demonstrar a existência do seu crédito, pelo que, apenas agora arrepiando caminho, vem “dar o dito por não dito”.

XVI. Destarte, foi uma opção processual da A./recorrente, cujas consequências deverá acatar. Na verdade;

XVII. O Acórdão agora proferido mais não é do que a reposição da Justiça que escapou à decisão de 1.ª Instância, tanta é clareza do fundamento, em função da confissão perpetrada pela própria A./recorrente.

XVIII. Esclarecido e resposto tal desiderato, a questão que se apresenta é manifestamente simples.

XIX. Assim, em sede da presente acção, a A./recorrente alegou, em suma, que:

a. é detentora de um crédito sobre a insolvente, no montante de 197.209,05 €;

b. a insolvente (agora Massa Insolvente) é credora da A. no montante de 70.349,15 €;

c. a A. invocou a compensação de tais crédito;

d. peticionando o reconhecimento do seu crédito.

XX. Como tal, incumbia à A./recorrente a demonstração da existência do seu crédito, o que manifestamente não logrou demonstrar.

XXI. Por sua vez, em sede reconvencional, a A./reconvinda confessou a existência do crédito da R./reconvinte no valor de 70.349,15 €.

XXII. É que, aquele que recorre ao instituto da compensação CONFESSA, AUTOMÁTICA E PREVIAMENTE, A EXISTÊNCIA DO CRÉDITO DA CONTRAPARTE !!!

XXIII O que não se pode aceitar é que, até agora, à A./recorrente servia a compensação e existia um crédito a favor da R./recorrida a compensar, mas provada a inexistência do seu crédito e, consequentemente, da impossibilidade de compensação, então tal crédito afinal, qual volte face, não existe.

XXIV - NÃO PODE SER !!! Sendo que, é a A./recorrente quem age, no mínimo, em manifesto ABUSO DE DIREITO, na modalidade de venire contra factum proprium.

XXV - Mais a mais considerando o que a A./recorrente alegou na sua petição inicial – cfr. artigos 5.º e 8.º da petição inicial -, ou seja, apenas em ABUSO DE DIREITO e/ou com intentos DILATÓRIOS e/ou com eventual MÁ-FÉ, a A./recorrente pode vir alegar qualquer objeção à verificação do direito ao crédito que é DEVIDO, RECONHECIDO e CONFESSADO à R./recorrida;

XXVI - Já que, qualquer defeito/vício/incompletude/prejuízo que se pudesse ter alegadamente verificado, não subsistia, nem à data da propositura da presente ação, nem muito menos agora.

XXVII - Certo é que, à data da propositura da presente acção, as empreitadas em causa e seus ALEGADOS defeitos, falhas e/ou omissões – que não estão sequer alegados, documentados ou comprovados - JÁ ESTAVAM SUPRIDOS !!! Tanto que serviram de fundamento à ação.

XXVIII - Por sua vez, o crédito da R./recorrido é exigível à A./recorrente, no montante de 70.349,15 €, nos termos dos art.ºs 149.º e 150.º do CIRE, pedido esse em que esta última foi, e bem, condenada, pelo que tal decisão por inatacável, deverá ser mantida.

NO MAIS;

XXIX. Além de não lhes subsistir qualquer fundamento de facto ou de direito, verifica-se que todas as demais questões suscitadas no presente recurso de revista extravasam, e muito, o âmbito da presente ação;

XXX. Representando, além do mais, questões novas que não podem ser objeto de apreciação no presente recurso, por força da limitação do art.º 627.º n.º 1 do CPCivil.

NO ENTANTO e CAUTELARMENTE;

XXXI. Sempre se dirá que carece de qualquer fundamento a NOVA pretensão da A./reconvinda/recorrente, na medida em que, nos presentes autos, está em causa o processo de insolvência, confundindo a aqui R./reconvinte/Massa Insolvente com a própria insolvente.

XXXII.Aplicando-se-lhes, consequentemente, as regras do processo de insolvência, enquanto EXECUÇÃO UNIVERSAL sobre a devedora, em que vigora o PRINCÍPIO DA IGUALDADE.

XXXIII Onde a A./reconvinda/recorrente pretende ver que a R./reconvinte/Massa Insolvente age na obtenção de um benefício e em abuso de direito, o que temos é que a A./reconvinda/recorrente pretende obter para si um benefício ilegítimo, colocando-se acima dos demais devedores e, a demonstrá-lo, que não demonstrou, dos demais credores da insolvente. Na verdade;

XXXIV.As regras aplicáveis ao processo de insolvência e aos efeitos da declaração de insolvência, em parte alguma legitimam que a A./reconvinda/recorrente possa reter aqueles montantes e obter o seu pagamento/retenção a expensas da Massa Insolvente e em prejuízo dos demais credores, já que a A./reconvinda/recorrente não é seguramente credora e, se viesse a sê-lo, teria de reclamar os seus créditos futuros, como qualquer outro credor, no processo de insolvência, como infra se verá. Neste sentido;

XXXV.Qualquer compensação/retenção dos créditos seria legalmente inadmissível e igualmente inoponível à Massa Insolvente, o que sucede nos termos dos art.ºs 847.º n.º 1, alínea a), 848.º n.º 2, 851.º e 853.º n.º 2 do CCivil e art.ºs 36.º, alínea g), 90.º, 91.º n.º 1, 99.º, 149.º e 150.º do CIRE.

XXXVI.Tal equivale a dizer que logo que decretada a insolvência, a insolvente fica imediatamente privada da administração e do poder de disposição dos seus bens, os quais passam a integrar a massa insolvente e passam a ser administrados pelo Administrador da Insolvência, a fim deste poder satisfazer os credores da insolvência, depois de pagas as dívidas da massa e, salvo disposição em contrário, abrange todo o património dos devedores à data da declaração de insolvência.

XXXVII Se a crise económica do devedor torna previsível que nem todos os credores verão satisfeito o seu direito, a insolvência visa precisamente o tratamento igualitário de todos os credores do insolvente, por forma a que, perante a insuficiência do património do devedor, por todos sejam repartidas de forma proporcional as perdas - cfr. art.º 176.º do CIRE.

XXXVIII Corolário fundamental deste princípio é que, para poderem beneficiar do processo de insolvência e aí obterem, na medida do possível, a satisfação dos seus créditos, os credores têm que proceder à reclamação dos seus créditos no processo de insolvência, dentro do prazo fixado na sentença declaratória de insolvência - cfr. art.ºs 128.º e 146.º do CIRE.

XXXIX - Já que, o meio processual próprio para a A./reconvinda/recorrente ver reconhecido e pago um qualquer EVENTUAL, PRESENTE ou FUTURO, PSEUDO-crédito é através da Reclamação de Créditos/Verificação Ulterior de Créditos, para que possa ser graduado e pago em sede de Rateio Final.

XL.Outrossim, não são admitidos pagamentos foram do âmbito do Processo de Insolvência, que não estejam contemplados em sede de Rateio Final. Deste modo;

XLI. Nos termos da legislação especial aplicável – cfr. art.ºs 149º e 150º do CIRE – compete ao Administrador de Insolvência proceder à apreensão do respectivo montante para o acervo da Massa Insolvente, como bem determinou a decisão recorrida.

XLII.Ou seja: os normativos do CIRE que vimos alinhavando mantém subjacente, basicamente e como refere Catarina Serra – in "O Novo Regime Português da Insolvência-Introdução" 2.ª edição, pp 45 - “impedir que algum credor possa obter, por via distinta do processo de insolvência, uma satisfação mais rápida ou mais completa, em prejuízo dos restantes credores.”.

XLIII. Do exposto resulta, assim, que logo que conhecida a declaração de insolvência da insolvente não é possível prosseguir com quaisquer pagamentos/retenções – cfr. art.º 88.º,n.º 1, do CIRE -, montantes esses que integram a massa insolvente, nos termos do art.º 149.º do CIRE.

XLIV. Como tal, aquando da declaração da insolvência, tal valor encontra-se disponível, face ao determinado nos citados art.ºs 149.º e seguintes do CIRE, pelo que o mesmo terá de ser entregue ao Administrador da Insolvência/Massa Insolvente, com vista à sua apreensão.

XLV. Cumulativamente, a MASSA INSOLVENTE não se confunde com a própria INSOLVENTE, sendo que a A./recorrente, a ter ou vir a ter algum crédito, seria sempre um crédito sobre a insolvente, a reclamar em momento próprio, ao passo que a sua dívida, nos termos em que veio a ser reconhecida em sede de acórdão, é uma dívida para com a Massa Insolvente, tornando inadmissível e ilegal qualquer retenção/compensação. Em suma;

XLVI. Assenta tal entendimento no princípio da igualdade de tratamento dos credores concursais e dos devedores, destinando-se a evitar que a invocação da compensação resulte num “prémio” para o devedor do insolvente mais moroso, que dentro dos limites da compensação seria integralmente pago, em detrimento de um devedor mais diligente que já tivesse cumprido a sua obrigação para com o insolvente, e que se veria por isso sujeito ao pagamento rateado do seu crédito;

XLVII. Na certeza de que a A./recorrente NÃO DEMONSTROU, NEM DEMONSTRA, a existência de qualquer crédito a seu favor, pelo que, inexiste qualquer fundamento para a retenção/compensação de montantes.

XLVIII. Assim, a invocação da pretendida retenção de montantes mais não é do que uma tentativa de pretender não satisfazer as dívidas que mantêm para com a insolvente (agora Massa Insolvente) e, como tal, acarretariam o benefício da credora em detrimento dos restantes, obtendo por essa via um pagamento preferencial numa situação em que o estado de insolvência era já do conhecimento generalizado, e uma desobrigação injustificada da devedora que se pretende eximir ao pagamento da dívida.

XLIX. Outrossim e sempre cautelarmente, conforme a A./recorrente alegou na sua petição inicial – cfr. artigos 5.º e 8.º da petição inicial -, os materiais, equipamentos, mão-de-obra e trabalhos foram executados e finalizados por si.

L. A assim ser, a responsabilidade futura por quaisquer defeitos, vícios ou omissões são da EXCLUSIVA responsabilidade da A./reconvinda/recorrente ou de quem esta contratou para o efeito.

LI. Sendo que, a A./reconvinda/recorrente nem sequer aponta quaisquer defeitos, vícios ou omissões à parte da obra executada pela insolvente, muito menos os compra ou quantifica, pelo que, também aqui carece de fundamento a pretensão da A./reconvinda/recorrente.

LII. No mais, quanto ao teor do recurso, a recorrida mantém tudo quanto alegou anteriormente a tal respeito, respristinando a sua posição, quer ao teor das suas alegações de apelação, quer ao teor do acórdão recorrido, o qual por devidamente fundamentado é inatacável e aqui se dá por integralmente reproduzido.

LIII. Bem andou o Tribunal a quo, ao determinar a procedência do pedido reconvencional e a condenação da A./reconvinda/recorrente, devendo improceder integralmente o recurso mantendo-se inalterada a decisão recorrida,

(…)”

Obtidos os vistos, mantendo-se a regularidade da instância, cumpre, agora, apreciar e decidir.

*

II – Fundamentação de Facto

II – A – Factos Provados

A) A A. tem como objeto social a construção civil e obras públicas.

B) No exercício da sua atividade, a A. contratou a Insolvente para a execução do(s) contrato(s) de subempreitada relativo(s) às especialidades de AVAC e de Instalações Elétricas nas obras “Edifício B......... . ..... .. ..........” e “M........ – Edifício M...... .. ........”.

C) Contratos de subempreitada, celebrados em 07/03/2018 (quanto ao Edifício B...........) e em 02/02/2018 (quanto ao Edifício M...... .. ........), de cujo clausulado consta, em termos idênticos:

cláusula 4.ª (Pagamentos, deduções e retenções):

Em cada fatura deverão ser deduzidos 5% (cinco por cento) como caução para o cumprimento do contrato.

cláusula 6.ª (Receção Provisória, Prazo de Garantia, Receção Definitiva, Devolução de Garantias Bancárias e/ou Quantias Retidas):

O prazo de garantia dos trabalhos que constituem a Subempreitada, é de 10 (dez) anos a contar da data em que o Dono da Obra a rececione provisoriamente a obra.

Durante Prazo de Garantia, a Segunda Contraente compromete-se a corrigir, à sua custa, todos os defeitos existentes que lhe sejam imputáveis, nos termos e nos prazos que a Primeira Contraente venha a indicar.

A Segunda Contraente suportará, ainda os custos com o fornecimento de bens, serviços ou tarefas complementares que a Primeira Contraente venha a suportar, necessários, quer à correção dos ditos defeitos, quer à das consequências resultantes dos danos por eles provocados.”;

Se a Segunda Contraente não cumprir o previsto nos números 4 e 5 desta Cláusula, a Primeira Contraente pode recorrer, de imediato, a Subempreiteiro externo para proceder ou concluir as reparações, que não tenham sido, ainda, feitos (relativamente a trabalhos executados), debitando o respetivo custo à Segunda Contraente ou acionando a caução.

Findo o prazo de garantia, será feito um Auto de Vistoria para a Receção Definitiva da Subempreitada. Caso esta se encontre em condições de ser recebida, isso mesmo será declarado no respetivo Auto. O auto de vistoria para efeitos de receção definitiva deve acontecer na mesma data e em conjunto com o dono de Obra.

Caso se verifiquem deficiências, elas serão exaradas no Auto e a Primeira Contraente fixará um prazo para a Segunda Contraente proceder às reparações necessárias.

Logo que estejam concluídas e aceites pela Primeira Contraente, será emitido um Auto de Receção Definitiva.”

“As quantias retidas e/ou as garantias bancárias serão pagas e/ou devolvidas (100%) 5 dias após a Receção Definitiva da Subempreitada pelo Dono de Obra.”

D) Em relação às faturas emitidas no âmbito das duas subempreitadas referidas em B) deduziu a A. 5% ao valor de cada fatura emitida pela ora insolvente, como caução para o cumprimento dos contratos, deduções essas que somam o montante total de € 70.349,15.

*

II – B – Factos não Provados

Não se provou que

a) Não obstante as constantes interpelações da A. para o efeito, jamais a R./Insolvente cumpriu com aquilo a que se havia obrigado no âmbito dos contratos descritos ids. em 3.2..

b) Na obra “Edifício B......... . ..... .. ..........”, e em ambas as Especialidades: a R. executou defeituosamente os trabalhos; a R. danificou material fornecido pela A. para a execução das subempreitadas da A.; por dificuldade de tesouraria da R., a A. viu-se obrigada a comprar, a preços superiores aos contratados à A., equipamentos que caberia a esta fornecer; por falta de meios em obra por banda da R., a A. viu-se obrigada a recorrer a mão-de-obra para reforço das equipas de trabalho com um custo superior ao contratado à R.; a A. viu-se obrigada a concluir a parte da obra não executada pela R. a preços superiores aqueles a esta contratados.

c) O incumprimento da R. culminou no abandono desta da obra “Edifício B......... . ..... .. ..........”, e em ambas as especialidades, no dia 26/07/2019.

d) Do incumprimento da R. para com a A. na obra “Edifício B......... . ..... .. ..........”, e em ambas as especialidades, resultaram para esta última os seguintes prejuízos: na especialidade de AVAC na obra “Edifício B......... . ..... .. ..........”, €49.964,43; na especialidade de Instalações Elétricas na obra “Edifício B......... . ..... .. ..........”, €77.894,86.

e) Na obra “M........ – Edifício M...... .. ........”, e em ambas as especialidades: a R. executou defeituosamente os trabalhos; a R. danificou material fornecido pela A. para a execução das subempreitadas da A.; Por dificuldade de tesouraria da R., a A. viu-se obrigada a comprar, a preços superiores aos contratados à A., equipamentos que caberia a esta fornecer; por falta de meios em obra por banda da R., a A. viu-se obrigada a recorrer a mão-de-obra para reforço das equipas de trabalho com um custo superior ao contratado à R.; a A. viu-se obrigada a concluir a parte da obra não executada pela R. a preços superiores aqueles a esta contratados.

f) O incumprimento da R. culminou no abandono desta da obra “M........ – Edifício M......... ........”, e em ambas as especialidades, no dia 26/07/2019.

g) Do incumprimento da R. para com a A. na obra “M........ – Edifício M...... .. ........”, e em ambas as especialidades, resultaram para esta última os seguintes prejuízos: na especialidade de AVAC na obra “M........ – Edifício M...... .. ........”, € 11.338,50 €; na especialidade de Instalações Elétricas na obra “M........ – Edifício M...... .. ........”, € 58.011,26.

h) Perante a falta de pagamento da R./Insolvente quanto aos prejuízos que lhe havia causado, compensou parcialmente os mesmos com outros créditos que a R./Insolvente sobre a primeira detinha, assim resultando ainda a favor da A. um crédito sobre a R/Insolvente no montante de € 57.510,14.

*

III – Fundamentação de Direito

Iniciou-se o relatório do presente Acórdão a dizer que a A. veio intentar, nos termos do art. 146º do CIRE, ação para verificação ulterior de créditos, ação em que, certamente por lapso, a A. pediu que lhe fosse «reconhecido um crédito sobre a Massa Insolvente», quando o correto e típico do meio processual por si utilizado seria pedir que lhe fosse reconhecido um crédito sobre insolvência; trata-se, porém, de lapso neste momento completamente irrelevante, uma vez que a instância processual se mantém viva e pendente apenas e só em relação à reconvenção deduzida pela R. Massa Insolvente.

Efetivamente, a improcedência da ação ficou consolidada pela respetiva decisão da 1.ª Instância, de que a A. não apelou; e, quanto à reconvenção, a questão da sua admissibilidade – negada na 1.ª Instância e concedida pelo Acórdão recorrido – não faz parte da divergência recursiva da A., circunscrevendo-se assim o objeto da presente revista à questão substantiva da condenação da A. no pedido reconvencional.

E, debruçando-nos sobre tal objeto, importa começar por relatar e analisar o contexto singular em que a reconvenção foi deduzida.

A A., na sua breve PI, após alegar os “incumprimentos” que imputava à insolvente na execução dos dois contratos de subempreitada com ela celebrados (“incumprimentos” esses que fazem parte, na sua totalidade, dos factos não provados), alegou que compensou os prejuízos que a Insolvente lhe causou, no montante de € 197.209,05, com os créditos da Insolvente sobre ela/A. e que “da compensação operada resulta ainda a favor da A. um crédito sobre a insolvente de € 57.510,14” (art. 13.º da PI).

Mas, em vez de pedir os € 57.510,14 que ficavam a seu crédito após a compensação, que diz que operou, terminou a A. a sua PI, algo estranhamente, a pedir o pagamento de € 197.209,05, ou seja, num primeiro momento, deixou a A. a clara sensação de ter em vista “ultrapassar” os apertados limites à reconvenção colocadas pelo art. 99.º do CIRE, mas logo a seguir, ao arrepio de tal sensação, pediu a totalidade do seu pretenso crédito sem qualquer compensação.

E é a partir daqui, por a A. dizer que a Insolvente tinha contra créditos sobre ela, que “nasce” a reconvenção.

A A. não fez, na PI, a mais pequena exposição factual sobre o modo de constituição do contra crédito que reconhecia à Insolvente (que aparentemente, fazendo as contas, até seria de € 139.698,91), antes se limitando a remeter para documentos e, estes juntos aos autos (o que a A demorou 6 meses a fazer), a R. Massa Insolvente, veio alegar, com a mesma singeleza com que a A. havia alegado na PI o reconhecimento do contra crédito da A., tão só o seguinte (artigos 49.º e 50.º da contestação):

A R/Massa Insolvente é credora da A. pelo montante de € 70.349.15 que a A. reconhece ser devido, mas cuja compensação pretende operar deste modo”, acrescentando que “detém um crédito cuja exigibilidade pecuniária (…) deverá ser reconvencionalmente considerado”.

E – é a questão que se coloca a quem tratar as questões processuais com algum rigor – porquê € 70.349,15, onde é que a R. Massa Insolvente foi “buscar”, sem qualquer explicação, tais € 70.349,15?

A resposta não é difícil: foi buscá-los a uma listagem constante do documento 12 junto pela A., listagem em que por 123 vezes, sempre com a designação “retenção de garantia”, são mencionados valores que somam a peticionada quantia de € 70.349,15.

Enfim, a reconvenção e o pedido reconvencional (cuja substância está sob revista) resume-se a isto: a A. reconheceu que a Insolvente tem créditos sobre ela/A. e a R. Massa, perante tal reconhecimento, foi a um documento junto pela A. e pediu que lhe fosse reconhecido um crédito correspondente à soma de uma listagem constante dum documento junto pela A., sem alegar minimamente (como decorre da transcrição acabada de efetuar dos arts. 49.º e 50.º da sua contestação) a factualidade que está na origem da constituição de tal crédito (embora se perceba, por ter sido retirado da referida listagem, que tem a ver com a “retenção de garantia” por parte da A.).

E, chegada a questão da reconvenção à Relação, o Acórdão recorrido considerou que a A. havia confessado judicialmente e extrajudicialmente e ainda que estaria provado, por acordo das partes, nos termos do art. 574.º/2 do CPC, que “a sociedade IEN - Instalações Electromecânicas do Norte, Lda, declarada insolvente, é detentora sobre a Autora de um crédito na quantia total de 70.349,15 relativa a «retenções de garantia»”.

E agora, na presente revista, as partes abandonam a postura minimalista dos articulados e, com grande loquacidade, defendem a revogação e a manutenção do Acórdão recorrido.

Entre muitas outras coisas, diz a Massa Insolvente que a A. vem “dar o dito por não dito”, que confessou que devia e agora vem dizer que não deve; e diz a A. que o Acórdão recorrido esquece os pontos 3.2. e 3.3. dos contratos de subempreitada e que é incompleto e “a incompletude, seja no Direito, seja na Vida, acaba sempre no infortúnio”.

A R. tem razão: a A. dá de facto o “dito por não dito”, ou seja, a A, “pensando melhor”, vem agora sustentar que afinal a Massa Insolvente não terá sobre ela/A. um contra crédito certo e exigível de € 70.349,15 (como foi reconvencionalmente condenada).

Outrotanto, porém, não se pode dizer da afirmação da A.: embora, nos processos, a incompletude acabe invariavelmente por “correr mal” para quem a pratica e a A. esteja, no caso, na origem de toda a incompletude que rodeia o pedido reconvencioanl, o certo é que a A. não pode ser, como foi, condenada reconvencionalmente.

Por razões bem simples:

Entende-se por confissão, de acordo com o art. 352.º do C. Civil, “o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária”, ou seja, a confissão tal como resulta da lei civil, só pode incidir sobre factos, “sendo indubitável que não constitui o facto a que se refere o art. 352.º do C. Civil um direito ou outra situação jurídica1.

Sendo admissível a utilização na declaração confessória de conceitos jurídicos simples e facilmente compreensíveis da linguagem corrente, não por através deles se fazer uma confissão de direitos, mas apenas como elementos de identificação do objeto da confissão.

“ (…) a afirmação de que se vendeu uma coisa ou se arrendou um prédio equivalerá a afirmar, tidas em conta as circunstâncias concretas em que a confissão (judicial ou extrajudicial) é produzida, que, mediante um preço, se transmitiu a propriedade da primeira ou (…) se contraiu a obrigação de proporcionar a outrem o gozo do segundo. Mas já não é de admitir como confissão a declaração de que se é ou não, ou de que outrem é ou não, titular duma determinada situação jurídica, ainda que referida a um conceito de direito de fácil compreensão e correntemente utilizado por não especialistas de direito, a menos que ela seja referenciada aos factos concretos que a originaram: a declaração de que não se é proprietário de certa coisa ou de que outrem é arrendatário dum prédio do declarante, incidindo sobre situações jurídicas e não sobre factos, está fora da previsão do art. 352.º do C. Civil”2.

Ou seja – é onde se pretende chegar – a A. ao reconhecer na PI que a Massa Insolvente tem créditos sobre ela, sem identificar minimamente “os factos concretos que originaram” tais créditos, não confessou um facto com o sentido com que o mesmo está previsto no art. 352.º do C. Civil.

O que a A. fez, nos artigos 12.º e 13.º da PI, foi reconhecer uma dívida para com a Massa Insolvente, o que convoca, diferentemente do que foi feito no Acórdão recorrido, a aplicação do art. 458.º do C. Civil.

E – é o aspeto que aqui convém salientar – o 458.º C. Civil apenas estabelece um regime de “abstração processual”, ou seja, dispensava a Massa Insolvente da prova da relação fundamental, mas não a dispensava de alegar os factos constitutivos da relação fundamental e que constituiria a verdadeira causa de pedir do pedido reconvencional.

Quem se dirige a um tribunal (e exige o cumprimento dum direito de crédito) tem que expor a fonte/causa de tal crédito e os negócios unilaterais – que é o que o referido reconhecimento configura – não valem como fonte autónoma de obrigações, ou melhor, a declaração/negócio unilateral só é reconhecida como fonte autónoma de obrigações nos casos especialmente previstos na lei, como é o caso do testamento, dos títulos de crédito, da procuração e da promessa pública do art. 459.º do C. Civil.

Como regra, para que haja o dever de prestar e o correlativo poder de exigir a prestação, fora dos casos em que a obrigação nasce diretamente da lei (gestão de negócios, enriquecimento sem causa, responsabilidade civil, etc.), é necessário o acordo (contrato) entre o devedor e o credor: é o chamado “princípio do contrato”, que significa que só a convenção bilateral, no domínio das obrigações assentes sobre a vontade das pessoas, pode (em regra e fora das situações excecionais referidas) criar o vínculo obrigacional.

Princípio/regra este de que o art. 458.º não se desvia.

Efetivamente, o reconhecimento de dívida previsto no art. 458.º do C. Civil não constitui fonte autónoma duma obrigação: cria tão só a presunção de existência duma relação negocial/fundamental (a que o art. 458.º se refere explicitamente), sendo esta a verdadeira fonte da obrigação, razão por que se inverte o ónus da prova, mas apenas o ónus da prova, ou seja, o art. 458º do C. Civil apenas dispensa o credor do ónus de provar a relação fundamental subjacente ao negócio unilateral aí previsto, mas já não do ónus de alegar tal relação.

“Sendo que a inversão do ónus da prova não dispensa do ónus de alegação e que o autor tem de alegar, na petição inicial, a causa de pedir, o credor que, tendo embora em seu poder um documento em que o devedor reconhece uma dívida ou promete cumpri-la sem indicar o facto que a constituiu, contra ele propuser uma ação, deverá alegar o facto constitutivo do direito de crédito – o que é confirmado pela exigência de forma do art. 458º, n.º 2, do CC, que pressupõe o conhecimento da relação fundamental – e daí que a prova da inexistência de relação causal válida, a cargo o devedor/demandado se tenha de fazer apenas relativamente à causa que tiver sido invocada pelo credor, e não a qualquer possível causa constitutiva do direito unilateralmente reconhecido pelo devedor”3.

Significa isto4 que quem, como a Massa Insolvente, pretende demandar quem reconheceu unilateralmente um débito não pode limitar-se a pedir que a contraparte seja condenada a pagar-lhe o montante reconhecido (e foi apenas isto que a Massa Insolvente fez), devendo, isso sim, no articulado (em que formula o pedido) identificar a relação causal, alegando os seus factos essenciais constitutivos – embora, por via da dispensa de prova, contida no art. 458º do CC, esteja dispensada de provar tal factualidade, cumprindo à demandada demonstrar que essa concreta causa constitutiva, invocada pela Massa Insolvente, afinal não existe em termos juridicamente válidos e/ou exigíveis (se a demandada/reconhecedora provar que tal relação não existe, a obrigação “dissipa-se”, não lhe servindo de suporte bastante o reconhecimento da dívida).

Assim, tendo isto presente:

Ou se considera, numa perspetiva processualmente rigorosa, que a Massa Insolvente não identificou, em termos inteligíveis e com um nível mínimo de densificação e concretização, a relação causal subjacente ao reconhecimento da dívida.

Ou se considera, numa perspetiva assaz condescendente, que a Massa Insolvente remeteu implicitamente para os documentos juntos pela A. com a PI e que, então, a relação causal (assim identificada) subjacente ao reconhecimento da dívida decorre e consiste em os contratos de subempreitada preverem, na cláusula 4.ª, a dedução de 5% em cada fatura como caução para o cumprimento do contrato, sendo a dedução de tais 5%, ao longo de 23 faturas, que compõe e constitui um crédito a seu favor de € 70.349,15.

Mas, seja qual for a “consideração” – processualmente rigorosa ou condescendente – o desfecho da reconvenção é o mesmo: improcedência.

Na primeira hipótese, por se considerar que a Massa Insolvente não alegou sequer a relação causal subjacente ao reconhecimento da dívida (e, por conseguinte, não a tendo alegado, não a logrou provar).

Na segunda hipótese, por a remissão implícita para os documentos juntos pela A. com a PI também não poder deixar de ser considerada extensiva ao restante clausulado dos contratos de subempreitada, em que se inclui, designadamente, estar a devolução das “retenções de garantia” dependente da verificação do decurso do prazo de garantia (10 anos a contar da data em que o Dono da Obra rececione provisoriamente a obra) e da elaboração de um Auto de Vistoria para a Receção Definitiva da Subempreitada, no qual se verificará que a obra se encontra em condições de ser recebida definitivamente; ou seja, tendo os contratos de empreitada sido celebrados em 07/03/2018 e 02/02/2018, é de todo evidente que a obrigação de devolução das “retenções de garantia” não só não se venceu (art. 779.º do CC) e não é exigível, como inclusivamente – estando tal obrigação dependente duma condição suspensiva (elaboração de um Auto de Receção Definitiva em que verifique que a obra se encontra em condições) – não é certo e seguro que tal obrigação venha a existir, razão pela qual a A./reconvinda não pode ser sequer condicionalmente condenada (a lei não admite uma condenação que fique dependente da hipotética verificação dum facto futuro e incerto) a satisfazer a obrigação de devolver as “retenções de garantia” num momento futuro.

O que, para aqui chegar, exige que se proceda às inerentes alterações da matéria de facto: em vez do facto dado como provado no Acórdão recorrido5 – em que se deu como provado que “ a sociedade IEN - Instalações Electromecânicas do Norte, Lda, declarada insolvente, é detentora sobre a Autora de um crédito na quantia total de 70.349,15 relativa a «retenções de garantia»” – deve passar a dar-se como provado o que já se fez constar das alíneas C) e D) dos factos provados deste Acórdão.

É correntemente referido que a matéria de facto é da exclusiva competência das Instâncias (que o STJ, como tribunal de revista, apenas conhece de matéria de direito, sendo da exclusiva competência das Instâncias a apreciação e fixação da matéria de facto), porém, face ao disposto no art. 674.º/3/2.ª parte do CPC, o STJ não está totalmente tolhido no que diz respeito ao controlo da decisão da matéria de facto, ainda que aqui a sua intervenção se circunscreva a aspetos em que se possa ter verificado a violação de normas de direito probatório.

E o mesmo sucede em todas as situações em que estejam subjacentes (à fixação dos factos) erros de aplicação do direito, que justificam do mesmo modo – por estarem em causa violações de normas de direito – a intromissão do STJ na delimitação da realidade factual que será objeto de qualificação jurídica: é o caso de factualidade plenamente provada (por documento ou confissão) que assim não foi considerada e é o caso dos factos que o confronto dos articulados revela a existência de acordo das partes.

É verdade – como refere o Conselheiro Abrantes Geraldes6 – “que estas situações não se encontram formalmente assinaladas nos preceitos que especificamente delimitam a esfera de poderes do STJ e o âmbito do recurso de revista, mas parece evidente que a assunção de factualidade que esteja plenamente provado, como questão de direito que realmente é, deve ser considerada (art. 5.º/3 do CPC). Conclusão que pode ser ainda reforçada mediante a invocação da aplicação remissiva ao recurso de revista (com as devidas adaptações) do disposto no art. 663.º/2 (e do art. 607.º/4/2.ª parte), prevista no art. 679.º. A recolha de factos que se mostram plenamente provados, mas que, apesar disso, não foram considerados pelas instâncias constitui um fator que pode servir para uma melhor integração jurídica do caso, sem necessidade sequer de reenvio do processo para o T. da Relação”.

É exatamente o caso: o facto C) que foi dado como provado (no Acórdão recorrido) não podia – por, como se explicou, não se poder falar de confissão – ser dado como provado e o clausulado dos contratos de subempreitada está provado por acordo das partes, pelo que, corrigindo os erros de direito em sede de fixação dos factos (sem necessidade de reenviar o processo ao T. da Relação), temos os factos C) e D) feitos constar deste Acórdão, dos quais resulta, muito singelamente, repete-se, que a obrigação de devolução das “retenções de garantia” não só não se venceu (art. 779.º do CC) e não é exigível, como inclusivamente – estando tal obrigação dependente duma condição suspensiva (elaboração de um Auto de Receção Definitiva em que verifique que a obra se encontra em condições) – não é certo e seguro que tal obrigação venha a existir, razão pela qual a A./reconvinda não pode ser sequer condenada condicionalmente a satisfazer a obrigação de devolver as “retenções de garantia” num momento futuro.

É quanto basta para julgar procedente a revista.

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IV – Decisão

Nos termos expostos, acorda-se em conceder a revista, revogando-se o Acórdão recorrido, julgando-se improcedente o pedido reconvencional e absolvendo-se a A. do mesmo.

Custas, quanto à reconvenção, da revista e nas Instâncias, pela Massa Insolvente.

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Lisboa, 02/11/2023

António Barateiro Martins (Relator)

Maria Olinda Garcia

Luís Espírito Santo

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1. A confissão no direito probatório, Lebre de Freitas, pág. 66.↩︎

2. A confissão no direito probatório, Lebre de Freitas, pág. 70/1.↩︎

3. Lebre de Freitas, A Confissão no Direito Probatório, pág. 445/6.↩︎

4. Sustentado, entre outros, nos Acórdãos deste STJ de 07/07/2010, de 15/09/2011 e de 07/05/2014, todos disponíveis in ITIJ.↩︎

5. Que é, aliás, questionável como facto: são hoje admitidas, tendo presente a distinção entre a matéria de facto e a matéria de direito, asserções jurídicas nos factos provados e não provados, desde que, claro, as mesmas não correspondam à questão de direito que se discute nos autos, ou seja, numa ação/reconvenção em que se pede o pagamento de um crédito, não parece que se possa/deva dar isso mesmo como assente nos factos, o mesmo é dizer, que se possa/deva, logo aí, dar a solução de direito.↩︎

6. Recursos em Processo Civil, 6.ª ed., pág 454 e 463; e .↩︎