Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 2.ª SECÇÃO | ||
Relator: | ANA PAULA LOBO | ||
Descritores: | PROCESSO DE PROMOÇÃO E PROTECÇÃO MEDIDA DE PROMOÇÃO E PROTEÇÃO MEDIDA DE CONFIANÇA COM VISTA À FUTURA ADOÇÃO INTERESSE SUPERIOR DA CRIANÇA PATERNIDADE BIOLÓGICA LEI DE PROTEÇÃO DE CRIANÇAS E JOVENS EM PERIGO REQUISITOS DIREITOS FUNDAMENTAIS ADOÇÃO PROGENITOR FILIAÇÃO | ||
Data do Acordão: | 11/02/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA | ||
Sumário : | Quando tudo foi feito para que os pais assumissem os seus deveres para com a criança, sem sucesso e o menor apenas estabeleceu relações afectivas estruturantes de grande significado e de referência para o seu saudável e harmónico desenvolvimento com as pessoas que dele cuidaram, na instituição, desde o seu nascimento, a medida de confiança a instituição com vista a adopção, cumpre as finalidades estabelecidas no art.º 34.º Lei de protecção de crianças e jovens em perigo, Lei n.º 147/99 de 1 de Setembro | ||
Decisão Texto Integral: |
I – Relatório I.1 – relatório No presente processo de promoção e protecção relativo ao menor CC, os requeridos AA, e BB, seus progenitores, interpuseram recurso de revista excepcional do acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães que confirmou a sentença de primeira instância que decidiu aplicar à criança a medida de acolhimento em instituição com vista à futura adopção, nos termos do artigo 35.º, n.º 1, al. g), da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo - … , medida que deverá durar até ser decretada a adopção e não sujeita a revisão artigo 62º-A, nº 1, da mesma Lei, tendo igualmente determinado que os pais ficariam inibidos do exercício das responsabilidades parentais, tendo para o efeito apresentado as seguintes conclusões: 1. Com o presente Recurso de Revista Excecional, pretendem os Recorrentes, ao abrigo do disposto nos artigos 629.º n.º 1, 631.º, 672.º n.º 1 al. a) e b) e 674.º n.º 1 al. a) do CPC, a reapreciação da seguinte questão: violação ou erro na interpretação e aplicação das normas jurídicas aplicáveis ao caso constantes dos artigos 1978.º, n.º 1, alíneas c), d) e e) do Código Civil e 4.º, 34.º, 35º e 38.º -A da LPCJP, atenta a relevância jurídica da questão e por estarem em causa interesses de particular relevância social. 2. Incumbe ao julgador, apurar, interpretar e aplicar as normas jurídicas que dizem respeito ao caso em mérito. Nesta operação, o acórdão recorrido, confirmou a decisão do Tribunal da Primeira instância que aplicou uma medida de promoção e proteção – a medida de confiança a instituição com vista a futura adoção - em violação dos pressupostos imperativamente fixados por lei, cujo preenchimento a justificam. 3. Com efeito, a medida de promoção e proteção de confiança a instituição com vista a futura adoção encontra-se estatuída nos artigos 35.º, n.º 1 al. g), 38.º-A da LPCJP que deverão ser articulados com o artigo 1978.º do CC. 4. Neste quadro normativo, a medida de confiança a instituição com vista a futura adoção pode ser aplicada quando se verifique objetivamente alguma das situações previstas nas várias alíneas do n.º 1 do artigo 1978.º do CC. 5. Ora, a medida decretada, in casu, assentou na verificação dos pressupostos das alíneas c)”Se os pais tiverem abandonado a criança; d) “Se os pais, por ação ou omissão, mesmo que por manifesta incapacidade devida a razões de doença mental, puserem em perigo grave a segurança, a saúde, a formação, a educação ou o desenvolvimento da criança” e alínea e) “Se os pais da criança acolhida por um particular, por uma instituição ou por família de acolhimento tiverem revelado manifesto desinteresse pelo filho, em termos de comprometer seriamente a qualidade e a continuidade daqueles vínculos, durante, pelo menos, os três meses que precederam o pedido de confiança”. 6. Contudo, para além da verificação objetiva de um dos pressupostos vertidos nas alíneas a) a e) do artigo 1978.º é necessário que se verifique o pressuposto genérico da medida que é a inexistência ou o sério comprometimento dos vínculos afetivos próprios da filiação. 7. E, neste âmbito, concordam os Recorrentes com o entendimento que vem sendo defendido de que, ainda que, num primeiro momento, o tribunal verifique o desinteresse dos pais para com a criança deve, num segundo momento, avaliar se esse desinteresse comprometeu seriamente a qualidade e a continuidade dos vínculos afetivos. 8. Assim, a aplicação da medida de confiança com vista a futura adoção só deverá ocorrer quando já não exista qualquer ligação afetiva entre os pais e a criança, própria da filiação, quando há um preclaro abandono da criança, quando há uma absoluta certeza de que a relação parental se esvaziou de forma irremediável e irreversível. 9. Para o efeito é necessário o preenchimento factual do conceito jurídico indeterminado de inexistência ou sério comprometimento dos vínculos afetivos. 10. O Tribunal apenas olhou aos aspetos negativos dos progenitores, ignorando as características positivas dos mesmos, nomeadamente, admitem que ainda não têm reunidas todas as condições para ficar com o CC sozinhos, mas não colocam qualquer entrave a que a criança fique com os avôs maternos e até paternos, tentando manter a criança junto da sua família biológica. 11. Além disso, também não foi tida em apreço a clara situação de desespero e descompensação emocional de que os progenitores padeciam em face de ver ser-lhes retirado um filho logo à nascença, não os deixando aprender a ser pais. E isto justificaria, desde logo, os alegados comportamentos desviantes e demonstrativo do desnorte em que se encontravam, e que o Tribunal apreciou contra seu favor. 12. Na verdade, tem sempre de se dizer que ninguém nasce ensinado, e não se deixou os progenitores aprenderem, por forma a adquirirem as capacidades necessárias. 13. Enveredando logo desde o início todo o processo de promoção e proteção (e os intervenientes com responsabilidade) pela premissa de que a adoção seria sempre a melhor e única solução, não procurando ativamente outras alternativas que pudessem existir. 14. O Tribunal apenas teve em apreço propriedades menos positivas, determinando, em suma, uma irrecuperável quebra de laços afetivos, uma irremediável incapacidade dos progenitores, somada a uma impossibilidade de virem a melhorar as suas condições, emocionais, económicas e sociais. 15. É evidente que todos os intervenientes no processo de promoção e proteção partiram da premissa de que se estaria perante um caso em que em todo e qualquer caso o melhor para o menor era a adoção. 16. E a partir dai enveredaram por um caminho único que tinha como desiderato a entrega do menor para adoção, não procurando efetivar as alternativas existentes. 17. Pode-se dizer, aliás, e salvo o devido respeito, que o comportamento demonstrado ao longo do processo pelos técnicos responsáveis pelo processo foi preconceituoso em relação não só aos progenitores, como aos restantes familiares. 18. E tudo foi demonstrativo da existência de uma prévia determinação de que o melhor para o CC seria a adoção, e não se fez o possível para procurar e efetivar as alternativas. 19. Ora, hipoteticamente admitindo um irremediável corte de laços afetivos e uma impossibilidade definitiva dos apelantes se tornarem capazes e com possibilidades de ficarem com a guarda do menor, o que apenas por mera cautela de patrocínio se concede, nada existia nos autos que permitisse com certeza, concluir que não havia mais familiares capazes e com vontade de acolher o menor. 20. Com efeito: 21. Por um lado, os avós maternos eram e são uma opção. 22. Aliás, a avó materna avançou com uma ação para alteração das responsabilidades parentais do menor, onde pretende assumi-las, tal como resulta do processo anexo aos presentes autos. 23. Em sentido oposto, o Tribunal de primeira instância, diz que não eram opção, sem sequer os ter ouvido, ou efetuado qualquer diligência para averiguar tal possibilidade, circunstância inexplicavelmente aceite e confirmada pelo Tribunal da Relação de Guimarães!!! 24. Não se concorda que se conclua em sentido contrário, e desde logo, por aqui, ao ser o menor acolhido junto dos avós maternos, sem lá viverem os progenitores daquele, já havia uma alternativa à adoção em que o principio da prevalência da família se mantinha intacto. 25. A mãe da aqui Apelante AA, verdadeiramente, ainda não teve possibilidade de mostrar o quanto gosta do neto e é capaz de cuidar dele, já que apenas lhe foi imposto pelo Tribunal a obrigação de acolher o neto e a sua filha na sua casa. Note-se que nunca lhe foi permitido exercer as responsabilidades parentais do neto sozinha com auxílio do marido, sem ingerência dos aqui Apelantes. 26. E merece uma oportunidade, que lhe foi tirada pelo Tribunal, que, neste caso, não a chamou a depor, não deixou que o seu mandatário participasse no debate judicial e não teve em conta que se encontra a correr, por apenso a este, um processo intentando pela mesma, onde pede, entre outros, que o CC fique à sua guarda. 27. Por outro lado, existem os avós paternos – tendo sido dito pelo progenitor que tinham disponibilidade, capacidade e vontade em ajudar e até acolher o menor. 28. Percebe-se imediatamente, que desde o princípio houve uma determinação que o melhor para o menor era a adoção, e a partir daí tudo o resto foi ignorado, quando era evidente serem os pais do progenitor uma alternativa. 29. É até evidente que não houve uma real aferição da capacidade deles, sendo claro que foram descartados logo ao início com base em meras suposições e conjeturas sem prova e até preconceituosas. 30. Poderá até dizer-se que os avós paternos demonstraram pouco interesse (o que tampouco é verdade já que foi dito que ligavam muitas vezes à suprarreferida técnica), mas não é a função destas instituições procurar ativamente alternativas à adoção? Procurar falar e chegar ao contacto com essas pessoas? Procurar saber o que pretendem e se tem interesse em ser parte da solução? 31. Salvo o devido respeito por opinião contrária, isso não foi feito. 31. E isto demonstra, mais uma vez, que existiam alternativas à adoção que mantinham o vínculo biológico, evidenciando que não foram envidados todos os esforços no sentido procurar essas alternativas. 32. Não se pode imputar esta negligência, exclusivamenteaos aqui recorrentes, que em virtude da sua condição social ou cultural ou por insuficiência de meios económicos desconheciam como exercer a defesa dos seus direitos e do seu filho. 33. Em face disto, resulta claro e evidente que ao não se optar por medidas de promoção e proteção alternativas à de confiança a instituição para futura adoção, esta medida é precipitada, e, salvo o devido respeito, o Tribunal a quo decidiu mal e de forma injusta para com os progenitores e a família do menor, que tão precocemente vêem ser cortados os laços com o filho. 34. Devendo por isso ser alterada por este Venerando Tribunal a medida de promoção e proteção aplicada, aplicando medidas alternativas como sendo o apoio junto de outro familiar ou o acolhimento familiar – na hipotética eventualidade de as medidas junto dos próprios progenitores serem comprovadamente inexequíveis. 35. E, salvo o devido respeito, não se procurou fazer qualquer esforço no sentido de aplicação de medida de promoção e proteção alternativa, avançando imediatamente e de forma precipitada, e cruel até, para a adoção, quando um longo caminho havia ainda a percorrer até tal conclusão de separar o CC dos pais poder ser ponderada. 36. Ao assim ter decidido, o acórdão de que se recorre viola clara e inequivocamente os princípios da intervenção mínima, da proporcionalidade e atualidade, da responsabilidade parental e da prevalência da família, previstos no artigo 4.º da LPCJP. 37. Segundo estes princípios, as medidas de promoção e proteção a aplicar devem intrometer-se o menos possível nas situações apreciadas, devem ser proporcionais ao caso, e dar, sobretudo, prevalência à manutenção dos laços familiares e biológicos, aplicando medidas que vão de encontro a esse objetivo. 38. Quer isto dizer que opção pela aplicação da medida de confiança dum menor a pessoa ou instituição para futura adoção só pode funcionar em último recurso, e apenas e só após se percorrer um longo caminho onde se procura perceber se as restantes medidas do elenco normativo se mostram insuficientes e incapazes de resolver o problema. 39. E tal como se explanou, isso não aconteceu, e o Tribunal de primeira instância, aplicou, sem mais, de forma precoce, a medida mais gravosa, quando para proteger o superior interesse da criança seria bastante a medida de apoio junto dos pais, o acolhimento em instituição, o acolhimento familiar, ou qualquer outra medida do vasto leque do referido artigo 35.º da LPCJP, e o Tribunal a quo confirmou tal decisão. 40. O art.º 9.º, n.º 1, da Convenção Sobre os Direitos da Criança, disposição nos termos da qual “1 – Os Estados partes garantem que a criança não é separada de seus pais contra a vontade destes, salvo se as autoridades competentes decidirem, sem prejuízo de revisão judicial e de harmonia com a legislação e o processo aplicáveis, que essa separação é necessária no interesse superior da criança. Tal decisão pode mostrar-se necessária no caso de, por exemplo, os pais maltratarem ou negligenciarem a criança ou no caso de os pais viverem separados e uma decisão sobre o lugar da residência da criança tiver de ser tomada.”. 41. Essa mesma ideia de proteção da família natural estando expressa no preâmbulo da dita Convenção, quando ali se considera que a família, elemento natural e fundamental da sociedade e meio natural para crescimento e bem-estar de todos os seus membros, e em particular das crianças, deve receber proteção e a assistência necessárias para desempenhar plenamente o seu papel na comunidade (…) a criança, para o desenvolvimento harmonioso da sua personalidade, deve crescer num ambiente familiar, em clima de felicidade, amor e compreensão;”. 42. Merecendo a família reconhecimento constitucional como “elemento fundamental da sociedade”, com direito “à protecção da sociedade e do Estado” – cfr. art.º 67º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa – e assim, “independentemente de qualquer vínculo conjugal”, enquanto “constituída por pais e filhos”. 43. É certo que, por outro lado, o art.º 69º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, consagra o direito das crianças “à protecção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral, especialmente contra todas as formas de abandono, de discriminação e de opressão e contra o exercício abusivo da autoridade na família (…)”. 44. No art.º 36º, n.º 6, da Constituição da República Portuguesa, apenas como “ultima ratio, uma decisão judicial que ordene a separação dos filhos dos pais.”. 45. E surgindo as medidas de “Acolhimento em instituição”, e de “Confiança a pessoa seleccionada para a adopção ou a instituição com vista a futura adopção”, como as duas últimas, na ordem da elencação feita no já citado art.º 35º da LPCJP. 46. Com prevalência da medida de apoio junto dos pais – prevista na alínea a) do citado art.º 35º, e densificada no art.º 39º da LPPCJP – de acordo com o supracitado princípio de prevalência da família, aliás subjacente aos princípios consagrados na Recomendação n.º R (84) 4 sobre as Responsabilidades Parentais, adotada pelo Comité de Ministros do Conselho da Europa, em 28 de Fevereiro de 1984, no 367.º Encontro dos Delegados dos Ministros. 47. Da essência da aplicada medida de promoção – envolvendo o agregado familiar dos menores, como aliás prevê o art.º 42º da LPPCJP – é, na anotação de Almeida Ramião,“trabalhar com os pais no sentido de obter a sua colaboração, disponibilidade e empenhamento, prestando-lhes a ajuda necessária, para que estes assumam a sua função parental e afastem a situação de risco em que a criança ou o jovem se encontram e lhes proporcionem condições adequadas ao seu desenvolvimento normal e promover e desenvolver a sua segurança, saúde educação e bem estar.”. 48. Devendo ser potenciados os aspetos positivos da família, bem como as suas competências e capacidades, por forma a incentivar a sua autoestima e uma imagem positiva. 49. Contemplando a Lei, e para tanto, que os pais beneficiem “de um programa de formação visando o melhor exercício das funções parentais”, cfr. art.º 41º.” 50. Assim, em face de tudo o exposto, ao optar pela aplicação da medida de promoção e proteção de confiança do menor a instituição com vista a futura adoção, quando outras medidas se mostravam disponíveis e suscetíveis de proteger o superior interesse do menor, salvaguardando ainda a relação familiar, o acórdão violou clara e frontalmente os reditos princípios que impunham uma decisão diferente da proferida. 51. Pelo que deve este Venerando Tribunal decidir pela alteração da medida de promoção e proteção aplicada em primeira instância, determinando a aplicação das medidas previstas no artigo 35.º da LPCJP que não impliquem a ida do menor para adoção. 52. Atendendo ao quadro normativo e principio lógico que rege esta matéria é consabido que “os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos”, conforme dispõe o nº 5 do artigo 36.º da CRP, “não podendo estes ser separados daqueles, a não ser que os pais não cumpram para com eles os seus deveres fundamentais e sempre mediante decisão judicial”, nos termos do n.º 6. 53. E, por força da proteção da maternidade e paternidade, consagrada no artigo 68.º do mesmo diploma, os pais têm direito à “protecção da sociedade e do Estado na realização da sua insubstituível acção em relação aos filhos, nomeadamente quanto à sua educação (…)” 54. Neste seguimento, e antes de mais, caberá ao Estado ajudar e dotar os pais de competências que lhes permitam exercer as responsabilidades parentais, mantendo a criança no seu meio natural de vida e não, conforme se verifica in casu, colocar a criança na via da adoção. 55. Considerou-se que os progenitores não têm capacidade para exercer, de forma autónoma, as responsabilidades parentais, fazendo-se uma dedução dessa incapacidade e esquecendo-se que ela não é permanente, nem definitiva, não se podendo pressupor uma imutabilidade comportamental e incapacidade de aprendizagem. 56. Sem olvidar, as crianças também são sujeitos de direitos fundamentais e têm, por seu lado, direito “à protecção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral, especialmente contra todas as formas de abandono, de discriminação e de opressão e contra o exercício abusivo da autoridade na família e nas demais instituições”, conforme dispõe o nº 1 do artigo 69º da CRP. Aliás, é incumbência do Estado assegurar especial proteção às crianças órfãs, em estado de abandono ou que se encontrem, por qualquer forma, privadas de um ambiente familiar normal. 57. É na criação de medidas tendentes a assegurar essa proteção a crianças privadas de um ambiente familiar normal que surgiu a Lei de Proteção de Crianças e Jovens e Perigo, onde se erige como princípio basilar por que se deve orientar e a que deve obedecer a intervenção do Estado, o superior interesse da criança. 58. Na mesma linha, a Convenção sobre os Direitos da Criança, no seu artigo 3.º, n.º 1 estabelece que: “Todas as decisões relativas a crianças, adotadas por instituições públicas ou privadas de proteção social, por tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, terão primacialmente em conta o interesse superior da criança.” 59. E no artigo 9.º da mesma Convenção, à semelhança do que consta do nº 6 do já citado artigo 36º da Constituição, impõe que a criança não seja separada dos pais, salvo se as entidades competentes decidirem que essa separação é necessária no interesse superior da criança. 60. O núcleo do conceito em causa servirá, pois, de fator primordial na escolha da medida de promoção e proteção a aplicar, incumbindo ao julgador optar pela que melhor satisfaça o direito da criança a um desenvolvimento integral, no plano físico, intelectual e moral, devendo a difícil tarefa de assegurar a tutela efetiva dos direitos dos pais em confronto com os direitos da criança ser orientada e, em última análise, determinada pela necessária prevalência dos interesses desta última. 61. In casu, os factos apurados não permitem concluir que a adoção, dada a sua particular natureza e caraterísticas, é a medida que melhor tutela os direitos e interesses da criança, sendo certo que de todas as medidas previstas no artigo 35.º da LPCJP é a que maior e mais expressivo impacto tem na vida e no futuro da criança, desde logo, porque determina a inibição do exercício das responsabilidades parentais por parte dos pais e a cessação dos laços afetivos existentes entre a criança e a sua família biológica. 62. Seguimos, assim, a “corrente jurisprudencial que entende que as crianças cuja a dotabilidade é discutida nos tribunais pertencem a famílias biológicas pobres e vulneráveis, que devem ser ajudadas pelo Estado através da concretização dos seus direitos sociais e económicos e não através da adoção”. – Cf. Maria Clara Sottomayor (coord), Código Civil Anotado, Livro IV, Direito da Família, p.1009 63. E a lei dá preferência, como se sabe, asoluções que mantenham a criança dentro do círculo da sua família natural, como se infere, designadamente, da primeira parte da alínea h) do artigo 4º da LPCJP e do artigo 21º, alínea c) da Convenção sobre os Direitos da Criança. 64. A adoção, neste caso concreto, revela-se uma medida desproporcional face a todos os elementos colhidos e é manifestamente excessiva, desadequada e não é a última ratio. 65. A decisão de adoção de uma criança implica um corte total e definitivo com os pais biológicos. O TEDH tem, em determinados casos, condenado os Estados por ingerência no direito à vida familiar consagrado no artigo 8.º da CEDH, a indemnizarem os pais pela retirada prematura das crianças, sem que lhes tenha sido dado um período temporal ou a oportunidade de reunirem as condições necessárias para serem pais (Lebbink v. The Netherlands; Nylund v. Finland; Pontes v. Portugal; Boughanemi v. France). - – Cf. Maria Clara Sottomayor (coord), Código Civil Anotado, Livro IV, Direito da Família, p.1009 66. A insuficiência de capacidade parental não significa inexistência… E é obrigação do Estado, antes de equacionar a adoção, dotar os Recorrentes das aptidões em falta, a fim de se tornarem suficientes. 67. É ponto assente que a aplicação da medida de confiança a instituição com vista a futura adoção, prevista no art.º 35, n.° l, al g) da LPCJP, para além da verificação dos pressupostos contidos no artigo 1978° do CC, impõe que aos pais da criança sejam dadas todas as garantias e direitos de que dispõem. 68. A adoção é o recurso único e último, depois de esgotadas as outras hipóteses e não o foram. Não demonstra a decisão que o tenham sido, antes pelo contrário, tanto mais que existem outras alternativas válidas à institucionalização e futura adoção, conforme se disse supra. A adoção é o caminho mais fácil e, optou-se pelo caminho mais fácil, em atropelo aos princípios e normas que regem esta matéria. Com isto não se defende que à criança deverá ser aplicada uma continuidade de medidas, numa base de experimentação, mas sim que seja ponderada uma medida que lhe permita manter e desenvolver os laços afetivos com os Recorrentes, que não implique um corte irremediável com a sua família biológica. 69. Não pode o Tribunal, com base em juízos não sustentados, que mais não são do que juízos de prognose, concluir, sem mais, pela ineptidão dos Recorrentes, e/ou os avôs maternos ou até paternos, para acolher o menor, em clara violação do princípio da atualidade. 70. Nos presentes autos não foram, assim, seguidos os princípios orientadores da intervenção para a promoção dos direitos e proteção das crianças em perigo. Dúvidas não podem restar de que que não foram esgotados todos os recursos que a lei prevê sem se defender, contrariamente ao vertido no douto acórdão do Tribunal da Relação, que se esgotem as medidas, enquanto tentativa, mas sim que se esgotem os recursos disponíveis, mediante a intervenção das Instituições existentes, a fim de ajudar os Recorrentes, e/ou até dotar os avôs maternos ou paternos e condições para superar as dificuldades que revelam e que limitam as suas capacidades. 71. A aplicação de tal medida provoca o afastamento da criança da família e é o último recurso, apenas possível se outra medida suscetível de ser aplicada não for possível, em respeito pelo princípio da intervenção mínima. 72. Contudo, é entendimento dos Recorrentes que não foram esgotadas todas as vias, não lhes tendo sido dada qualquer oportunidade, bem como principalmente aos avôs maternos, de sozinhos, sem ingerência dos progenitores, cuidarem do menor. Em conclusão, a decisão recorrida incorreu na violação dos artigos 1978.º, n.º 1 alíneas c), d) e e) do Código Civil e 4.º, 34.º, 35.º e 38.º-A da LPCJP. Da Pretensão dos Recorrentes: 73. Conforme decorre dos autos, o Exmo. Tribunal de Primeira Instância considerou que a “medida a aplicar será a de confiança a instituição em vista da futura adoção, cessação de contactos e inibição”. 74. Dando aqui por reproduzido tudo quanto acima se alegou, e uma vez verificados os pressupostos formais para apreciação do presente Recurso de Revista Excecional, quanto à apreciação das sobreditas questões, consideram os Recorrentes, com o devido respeito por diferente e melhor opinião, que este Supremo Tribunal, face à factualidade provada nos autos e admitindo, ainda assim, que os Recorrentes carecem de desenvolver as suas competências parentais; ou aos avôs maternos, e/ou paternos de sozinhos, sem ingerência dos progenitores, cuidarem do menor, deverá atender às suas pretensões, revogando a anterior decisão. 75. O douto acórdão ora posto em crise violou, por errada interpretação e aplicação, o disposto, designadamente, nos artigos 1978º, n.º 1, alíneas c), d) e e) do Código Civil e 4.º, 34.º, 35º e 38.º-A da LPCJP, com especial incidência nos princípios orientadores da intervenção. 76. Assim, deve o douto acórdão ser substituído por outro em que se decida nos moldes apontados, em que se aplique, acima de tudo, medida de promoção e proteção em consonância com os princípios da intervenção mínima, da proporcionalidade, da adequação, da responsabilidade parental, da prevalência da família e do superior interesse da criança, com o que se fará oportuna e, acima de tudo, equitativa Justiça. O Magistrado do Ministério Público apresentou contra-alegações onde considera dever ser confirmado o acórdão recorrido. * I.2 – Questão prévia - admissibilidade do recurso Por acórdão da Formação a que se refere o art.º 672.º, n.º 3 do Código de Processo Civil proferido em 13 de Setembro de 2013 foi admitida a revista excepcional interposta. * I.3 – O objecto do recurso Tendo em consideração o teor das alegações de recurso e o conteúdo da decisão recorrida, cumpre apreciar a seguinte questão: 1. Erro de direito na aplicação da medida de acolhimento em instituição com vista à futura adopção do menor CC. * I.4 - Os factos O acórdão recorrido considerou relevantes para a decisão do recurso os seguintes factos: 1. CC nasceu em ... de ... de 2021 no Hospital ..., em ..., e é filho de AA e de BB. 2. É sua avó materna, DD (58 anos), casada com EE (86 anos). 3. São seus avós paternos, FF e GG. 4. Nos meses que precederam o nascimento da criança: a. A família foi sinalizada ao SAAS - Serviço de Atendimento e Acompanhamento Social de ... - no dia ... de julho de 2021, pela Dra. HH, técnica superior de serviço social do Centro de Saúde de ..., que informou que AA se encontrava grávida de 17 semanas e a viver com o companheiro, ambos sem rendimentos e em habitação que teriam de deixar em breve, podendo ficar desalojados. b. Quando foram sinalizados, viviam em ... numa casa que, segundo AA, era arrendada, mas que posteriormente se apurou que lhes havia sido cedida temporariamente e cujo arrendamento teria início apenas após a integração de BB no mercado de trabalho. Foram expulsos desta habitação na noite de ... de julho de 2021, após a proprietária, que vive e reside em ..., ter sido chamada a ... por familiares na sequência da intervenção da GNR por alegadamente o casal poder ser o autor de um assalto a uma moradia vizinha. A senhoria informou os serviços que a habitação se encontrava sem quaisquer cuidados de higiene e que foram encontrados na mesma vestígios de consumo de drogas. c. No dia .../05/2021 realizou-se o primeiro atendimento ao casal, que informou que se encontrava sem habitação, sem rendimentos e a pernoitar no carro pertencente a BB. AA não trabalha nem parece ter hábitos de trabalho, atendendo à ausência de registos de remunerações na Segurança Social e BB despediu-se, alegadamente, por não lhe ter sido pago o último salário, correspondente ao mês de Abril/2021. Foram sensibilizados para a necessidade de BB se inserir profissionalmente, de forma a ter capacidade económica para suportar o pagamento de uma renda e restantes despesas inerentes à habitação e dar resposta às necessidades básicas do casal. d. De forma a garantir o alojamento do casal, avaliou-se a retaguarda familiar de ambos, tendo-se apurado que não existe relação positiva com nenhuma das famílias, que se mostram indisponíveis para os acolher ou ajudar. Perante a inexistência de alternativas, nomeadamente nas pensões do concelho, no mesmo dia, 20/05, o casal foi integrado na casa de emergência social do Município de ..., disponível para acolher situações de exclusão social pelo período de 15 dias. Foi também apoiado pela autarquia que lhes atribuiu um cabaz de bens alimentares para assegurar a alimentação dos dias seguintes. e. No dia .../05/2021, realizou-se atendimento conjunto no SAAS, com o casal, a Dra. HH e a Dra. II (psicóloga que acompanhou AA enquanto criança e adolescente e figura a quem recorre nas situações mais complicadas). Sensibilizou-se para a necessidade de cumprir com as regras da casa de emergência do Município, uma vez que, logo na primeira noite, incumpriram permitindo que um casal amigo pernoitasse na referida habitação. f. No atendimento abordou-se a real questão que os fez sair da casa onde viviam, a necessidade imperativa de AA se alimentar, o que parecia não estar a acontecer convenientemente atendendo aos relatos da própria, que em dois dias consecutivos se teria alimentado apenas de bolachas, e de priorizar o cumprimento das orientações dadas pela Dr.ª JJ, médica de família, que, no dia .../05/2021, após não ter conseguido ouvir o coração do bebé, a orientou para se deslocar ao Hospital de ... para realizar uma ecografia. g. Perante as verbalizações do casal relativas à ausência de rendimentos que permitissem fazer face a esta deslocação, o SAAS ofereceu-se para acompanhar AA, mas esta recusou, dizendo que não queria ir com as técnicas da equipa. Articulou-se com a mãe de AA (D. DD, contacto: .......27) para averiguar a possibilidade de acompanhar a filha ao hospital, tendo esta informado que não o poderia fazer por se encontrar a trabalhar. No entanto, D. DD pediu à Dra. II para emprestar €10 a AA, para que esta conseguisse custear esta deslocação. h. Neste atendimento desenvolveu-se, em conjunto com o casal, um plano de intervenção que passava pela integração profissional de BB, pelo arrendamento de uma habitação, que possibilitasse a mudança de morada e permitisse que a jovem requeresse o abono pré-natal, e pelo cumprimento das orientações médicas. O SAAS assumiu o compromisso de apoiar no pagamento do primeiro mês de renda. O casal deixou as instalações do serviço com a orientação de se deslocar durante a tarde ao Hospital de ..., conforme as indicações dadas na semana anterior pela médica de família. Posteriormente, apurou--se junto da Dra. KK, técnica de serviço social do Hospital de ..., que AA não cumpriu as orientações, não foi realizar a ecografia, tendo priorizado a ida a casa da mãe, para ver o seu cão. i. No dia seguinte, .../05/2021, AA foi ao Hospital de ..., onde realizou a ecografia, na qual se confirmou que o bebé estava bem. j. Após a ida ao Hospital, apurou-se que AA tinha faltado à consulta de rastreio do 1.º trimestre, para a qual foi convocada por carta, que não recebeu por não ter a morada actualizada. À data, o Hospital terá tentado estabelecer contacto telefónico, sem sucesso, uma vez que AA não atendeu as chamadas. O serviço de Obstetrícia do Hospital de ... determinou que a utente passaria a ser seguida na consulta hospitalar da especialidade, deixando de ser apenas seguida no Centro de Saúde, por se tratar de um caso social. Ficou agendado para o dia .../06/2021, consulta para realização do rastreio do 2º trimestre de gravidez. k. No dia .../05/2021 realizou-se visita domiciliária ao casal com a Dra. HH. BB informou que iniciou trabalho no dia anterior, .../05/2021, na empresa P........., encontrando-se em casa naquela tarde por ter consulta no âmbito da Medicina no Trabalho. Neste contacto o casal pareceu demonstrar empenho na procura de uma alternativa de alojamento. No mesmo dia, o serviço procedeu à pesquisa de alternativas para arrendamento, tendo agendado uma visita e fornecido a AA alguns contactos. Sensibilizou-se para a necessidade de conseguirem fiadores, uma vez que tem sido uma das condições exigidas pelas imobiliárias e mesmo por particulares. l. Uma vez que o casal não conseguiu alternativa de alojamento e que parecia até ter adoptado uma postura de colaboração com os serviços, solicitou-se ao município o prolongamento do tempo de permanência na casa de emergência social, que teriam inicialmente de abandonar no dia .../06/2021. m. No dia .../06/2021 contactou-se telefonicamente o casal para avaliar a evolução da situação. A partir desta data deixaram de atender o telefone aos serviços, tendo atendido apenas no dia .../06/2021 quando foram contactados através do número de outro serviço. AA assumiu uma postura muito reactiva, referindo que são os serviços os responsáveis por encontrar uma solução de alojamento e acusando-os de terem como objectivo a retirada do bebé. Foi informada relativamente às responsabilidades de cada uma das partes, serviços e casal, e esclarecida que a permanência da criança com os pais ou a sua eventual retirada dependem unicamente do comportamento dos próprios. n. No dia .../06/2021, AA recorreu à urgência de Obstetrícia com queixas de dor abdominal que persistiam há 6 dias. Foi-lhe prescrita medicação e foi orientada para o serviço social por ter verbalizado ausência de rendimentos para adquirir a mesma; a Dr.ª KK tentou contactar a utente telefonicamente para apoiar a compra da medicação, mas sem sucesso. o. Nos dias 14, 15 e .../06/2021 AA não atendeu o telemóvel, apesar das inúmeras tentativas de contacto por parte do SAAS. p. No dia 14/06 o SAAS tentou realizar visita domiciliária duas vezes, sem sucesso. Na primeira, por volta das 10h00, verificou-se que o carro do casal se encontrava no estacionamento do prédio e apurou-se junto de vizinhos que o casal se encontrava em casa. Na visita realizada por volta das 14h30 os vizinhos informaram que o casal tinha saído de manhã, pouco tempo depois da equipa ter deixado o local. Os mesmos vizinhos verbalizaram dúvidas relativamente à integração profissional de BB, uma vez que o vêem em casa durante o horário de trabalho. q. No dia 15/06 o SAAS solicitou colaboração à GNR de ... para notificar o casal para comparecer em atendimento nas instalações do serviço no dia 17/6 às 14h00. r. Na manhã do dia 16/06 a Dra. II informou o SAAS que na noite anterior AA contactou telefonicamente a mãe de madrugada a chorar dizendo que BB a tinha agredido fisicamente, apertando-lhe o pescoço e que disse que a matava. Confrontada pela mãe acerca da necessidade de apresentar queixa e de se deslocar ao hospital a fim de ser avaliada, uma vez que referiu ter marcas físicas, recusou-se dizendo que gosta muito dele e que as agressões são mútuas. Contactou-se a D. DD que confirmou as informações prestadas pela psicóloga. s. Ainda na manhã do dia 16/06, a Dra. LL, técnica superior de serviço social da autarquia, informou o SAAS que o serviço social do município foi contactado por um casal que vive no mesmo bloco onde se situa a casa de emergência para informar que não tinham conseguido descansar na noite anterior devido à discussão entre o casal, tendo reproduzido a seguinte verbalização de BB: "para de me bater, para de me bater, AA, já me partiste o telemóvel". t. Uma vez que no dia .../06/2021 o casal não compareceu no atendimento no SAAS para o qual foi notificado pela GNR, solicitou-se a colaboração dos agentes para realizar visita domiciliária, que ocorreu no dia seguinte, .../06/2021, pelas 10h00. A GNR colaborou com o serviço tendo sido os militares a bater à porta e a solicitar que abrissem. Após alguns minutos de insistência, AA abriu a porta e permitiu a entrada das técnicas e das autoridades. u. Na habitação encontrava-se o casal. Questionados relativamente ao episódio de violência ocorrido na madrugada do dia 16/06, ambos confirmaram e não tiveram qualquer pudor em assumir que se batem mutuamente, não se retraindo nem com a presença da GNR que, atendendo ao teor das verbalizações, informou que iria reportar a situação ao Ministério Público. BB assumiu de forma tranquila, com uma postura totalmente descontraída e desadequada, que agrediu AA na madrugada de .../06/2021 e esta informou, assumindo a mesma postura, que também o agrediu fisicamente, chamando a atenção dos presentes para as marcas visíveis no nariz do companheiro. BB apresentava uma nódoa negra no nariz e AA arranhões no pescoço que referiu terem sido feitos pela própria "para se acalmar”. Mais informaram que estes episódios são recorrentes. v. Questionado relativamente ao trabalho, BB disse que se despediu na semana anterior para procurar casa. Foi confrontado com a inexistência de qualificação aberta na Segurança Social, mas, mesmo perante tal facto, ripostou de forma agressiva oferecendo-se para se deslocar com as técnicas à empresa a fim de alegadamente comprovar o que dizia. w. Mantendo a tentativa de o sensibilizar para a importância da integração no mercado de trabalho, informou-se que a P.........., empresa de construção civil com sede no concelho, se encontra à procura de trabalhadores. BB respondeu que não quer trabalhar na referida empresa porque, no seu entender, os salários são baixos. Confrontado com a total ausência de rendimentos e com a necessidade de aproveitar qualquer oportunidade, manteve uma postura de indiferença verbalizando apenas “eu desenrasco-me”. x. Questionados relativamente a alternativas de alojamento, referiram ter conhecimento de uma casa para arrendar na freguesia da ..., possibilidade que AA rapidamente descartou referindo que não tem forma de se deslocar à vila para as consultas no centro de saúde. Após intervenção da gestora do processo, a referir que poderia deslocar-se de transportes públicos, tal como grande parte das pessoas, verbalizou apenas "eu não gosto de andar de autocarro". y. As verbalizações desadequadas e que demonstram a postura de inércia, desinteresse e alheamento dos utentes foram uma constante durante toda a diligência. Comentários como "eu desenrasco-me", "você não tem nada a ver com isso" (quando questionados acerca do trabalho, da obtenção de dinheiro, do alojamento, etc.), "olhe prá minha cara de preocupada", "tou-me a cagar", foram repetidos várias vezes pelo casal. z. Questionada relativamente à medicação que lhe foi prescrita na Urgência de Obstetrícia no dia .../06/2021 e às tentativas de contacto por parte do serviço social do Hospital de ... para apoiar na sua compra, AA informou que não precisa de medicação, mantendo uma postura negligente relativamente à gravidez e ao bebé. aa. Quando confrontados com as eventuais consequências dos comportamentos mais recentes que podem efectivamente levar a que as entidades competentes optem por proceder à retirada da criança, AA reagiu dizendo que os serviços não lhe retirarão o filho verbalizando: "antes morre do que mo tiram". Perante o choque dos presentes, AA manteve-se inalterada, não demonstrando qualquer afecto pela criança nem nenhuma emoção associada. BB não reagiu. bb. Após várias tentativas de envolver o casal na definição de um projecto de vida e de alertar para que o objectivo dos serviços é apoiar na estruturação das suas vidas, não foi possível obter colaboração nem nenhum ponto de consenso que permitisse definir estratégias de intervenção. cc. Entendendo que, naquele momento, a intervenção do SAAS se havia esgotado, combinou-se com o casal uma nova diligência, envolvendo o serviço e a Câmara Municipal a fim de definir a sua permanência na habitação e um eventual prazo para tal, caso se justificasse. Informou-se que, pelas 14h30, realizariam nova visita para avaliar as alternativas. AA referiu que não pretendia esperar e que deixaria a casa naquele momento, se assim o entendêssemos. O agendamento foi mantido, tendo-se alterado o horário da visita pela impossibilidade da Dr.ª MM, Vereadora da Acção Social, se deslocar à habitação à hora combinada. Comunicou-se telefonicamente a AA a mudança do horário da visita solicitando que permanecessem na habitação durante a tarde e informando que, logo que fosse possível, os serviços compareceriam na mesma. A utente reagiu de forma agressiva, informou que tinha compromissos, que não especificou ("não tem nada a ver com isso"), e que iria deixar a casa, referindo que a chave ficaria na porta. Alertou-se para a necessidade de estarem presentes para analisar em conjunto a situação. Mantiveram uma postura agressiva tendo BB referido que ficariam em casa apenas até às 17h30. dd. Por volta das 17h00, a Dra. MM, juntamente com a Dra. LL, técnica do Município, deslocou-se à habitação. Não se encontrando ninguém e atendendo à intenção expressa de que iriam deixar a casa, a autarquia diligenciou no sentido de confirmar se efectivamente haviam deixado a habitação. A casa encontrava-se vazia e limpa, sem os pertences do casal. ee. Contactou-se AA que informou que tinham saído, mas que estariam a caminho da casa, referindo que não se encontravam muito próximos da habitação. Entretanto, a Dr.ª MM já tinha deixado a casa de emergência. Tentou-se contactar AA, sem sucesso, enviou-se SMS a pedir para atender o telemóvel, também sem sucesso. Perante a impossibilidade de contacto articulou-se com o casal através da seguinte SMS: “A Sra. Vereadora já não está na casa. Saíram por iniciativa vossa e mais uma vez não colaboraram com os serviços. Devem deixar a chave ao Sr. NN, funcionário da Câmara, que vai lá estar daqui a pouco, ou na segunda-feira aqui no SAAS". ff. No dia 21/06/2021 o SAAS articulou com o município, que informou que o casal não entregou a chave ao funcionário da autarquia. Tentou-se contactar telefonicamente AA, mas sem sucesso. Contactou--se telefonicamente a mãe de AA que informou que a filha foi a sua casa no domingo, dia .../06, pedir fruta e que à porta, no carro, estava BB e um casal que não conhece e que a filha terá dito que lhes asseguraram alojamento até segunda-feira, dia .../06/2021. Apesar das tentativas, não foi possível descobrir o paradeiro do casal nem avaliar se o mesmo tem as suas necessidades básicas salvaguardadas. gg. No dia .../06/2021 articulou-se com a Dra. KK, técnica superior de serviço social do Hospital de ..., a fim de informar da situação do casal, nomeadamente do facto de poderem estar desalojados. Solicitou-se a colaboração da técnica no sentido de informar o SAAS acerca da comparência de AA à consulta. hh. No mesmo dia, após tentativa infrutífera de contacto telefónico com o casal, AA devolveu a chamada do SAAS. Questionada relativamente ao seu bem-estar informou "estou sempre muito bem, estou à sombra". Após ter acusado os serviços de a terem obrigado a sair da casa de emergência do município, foi relembrada da forma como tudo aconteceu e de que a iniciativa de retirar todos os pertences e de deixar a habitação ter sido deles próprios. ii. Questionada acerca do seu paradeiro, informou "vocês não têm nada a ver com isso, a partir do momento em que saí da casa não tenho de vos dar satisfações". Questionada relativamente a alguma necessidade a que serviço pudesse dar resposta informou "não preciso de nada"; questionada relativamente a alguma necessidade do bebé, verbalizou "o meu filho está muito bem de saúde". jj. Ameaçou que terá recorrido ou que iria recorrer aos meios de comunicação social "vocês vão aparecer na TV, que lindas", tendo sido informada que os serviços prestaram apoio e foram eles, utentes, que nunca colaboraram e que não contribuíram para a definição de um projecto de vida estruturado e de futuro. kk. Perante o desgaste verbalizado relativamente ao acompanhamento realizado pelos serviços "vocês andam sempre atrás de mim", "se há uma coisa de que eu não preciso é de vocês, eu sou maior e vacinada", o SAAS informou AA que não a voltaria a contactar, mostrando-se, no entanto, disponível caso o casal entenda que necessitava do apoio do serviço. ll. No dia .../06/2021, a Dr.ª KK informou o SAAS que AA compareceu no Hospital de ... para realizar o rastreio agendado. Foi avaliada em termos médicos e sociais. A Dr.ª Inês não foi demasiado intrusiva na sua avaliação nem revelou que tem articulado com o SAAS, uma vez que havia a possibilidade de a utente deixar de recorrer aos serviços de saúde se se sentir pressionada. Questionada acerca da morada, informou que está a viver na casa de amigos, não tendo morada certa. AA ficou com nova consulta agendada para .../08/2021. mm. No mesmo dia, o SAAS foi informado pela Dra. II que comunicou ter sido contactada por AA a contar que está grávida de um menino. Questionada relativamente ao paradeiro informou que “não tem poiso certo". Questionada ainda sobre se havia informado a médica do Hospital dos consumos de tabaco, álcool e drogas, AA terá referido que disse que fumava apenas quatro cigarros por dia, não referindo outros consumos. nn. No dia .../06/2021, a Dra. II contactou novamente o SAAS para informar que no dia anterior, .../06/2021, AA foi a casa da mãe com o objectivo de mostrar a ecografia e que esta visita terá terminado com conflitos entre a utente e o marido da mãe. oo. Contactou-se a D. DD que informou que AA foi a sua casa num estado que descreve como sendo "alterado". Estava a beber uma bebida não identificada que o marido da mãe desconhecia, mas que verificou não ser recomendada para grávidas e crianças. A animosidade aumentou após a ter sensibilizado para este facto, tendo AA alegadamente verbalizado "você não tem nada a ver com isso". Para tentar impedir o escalar do conflito, a D. DD pediu ao marido para se retirar para o andar inferior. AA terá feito a seguinte verbalização: "devia era cair das escadas abaixo e morrer". A Sra. informou que nunca deixa AA sozinha em sua casa, apesar dos seus pedidos nesse sentido, pois receia que a mesma possa roubar objectos de valor. Por fim informou que a filha não aceitou alimentação referindo que onde está não tem frigorífico. pp. Confrontada pela mãe, referiu que felizmente tinha amigos que os acolheram, coisa que a mãe e o marido não fizeram. A D.DD refere que sente muito desgosto por toda esta situação e verbaliza muito medo do que a filha poderá fazer à sua habitação e particularmente a ela e ao seu marido, idoso de 85 anos que permanece sozinho na residência do casal durante o dia enquanto a D. DD está a trabalhar. Verbalizou, visivelmente amedrontada, "até tenho medo que ela me faça mal” "tenho muito medo pelo meu marido, ele fica sozinho em casa, eles até podem ir lá, ele estar no jardim darem-lhe uma paulada ou qualquer coisa". qq. No dia .../06/2021, a Dra. LL, técnica da autarquia, contactou o SAAS a fim de informar que o casal compareceu na Câmara Municipal dia .../06/2021, a fim de entregar a chave da habitação de emergência do Município. Mais informou que o Serviço Social da autarquia foi contactado pelo Sr. OO, presidente da Conferência de ..., a questionar da existência de uma habitação social para o casal, uma vez que os utentes terão contactado ontem os ... para solicitar apoio por se encontrarem desalojados e a pernoitar novamente no carro, não tendo sido possível averiguar o local onde costumam ficar. Questionou-se a técnica relativamente à apresentação, pelo casal, de candidatura a habitação social, resposta habitacional da responsabilidade do Município, tendo-se apurado que nunca o fizeram, embora tenham sido orientados para tal desde o início do processo. rr. O casal saiu de ... e, apesar de a assistente social do Hospital de ... tentar apurar informação sobre a residência ou trabalho, AA não quis partilhar essa informação; e tanto dizia que vivia em casa de amigos, como no Hotel ... de ..., onde era ..., e onde lhe forneciam quarto e alimentação; por fim, que trabalhava no Hotel ... de ..., e numa numa consulta de rotina de final de gravidez, é que que cederam o contrato de arrendamento, e onde a AA terá dito que já não se encontra a trabalhar. O BB estava a acompanhá-la e referiu estar a trabalhar numa empresa de pladur em .... A morada que consta no contrato é Praça ... ... ... com início em 1/10/2021. 5. No dia do parto, .../.../2021, a Assistente Social do Hospital ... sinalizou a criança à CPCJ, em virtude de se ter tratado de uma gravidez mal vigiada, com muitas intercorrências no decorrer da mesma, tais como, haver violência entre o jovem casal e ambos estarem sem emprego e sem residência conhecida, terem prestado falsas declarações às autoridades, e, ainda, pelo facto de a progenitora ter sido condenada em pena de 2 dois anos de prisão, suspensa na sua execução, por um crime de violência doméstica, sendo vítima a sua mãe (Processo 6/12.8...). 6. No dia 26 de Outubro de 2022, face à manifesta incapacidade dos progenitores para o exercício das responsabilidades parentais e ausência de retaguarda familiar, a criança CC saiu do Hospital e foi de imediato acolhida n’..., em ..., na sequência de tomada de uma medida provisória urgente de promoção e protecção de acolhimento residencial, por três meses. 7. Em 28/10/2021 foi estabelecido com os progenitores um plano de visitas, permitindo a permanência dos progenitores na Casa de Acolhimento ..., desde as 09:00 horas até às 13.00 horas e das 16:00 horas até às 18:00 horas de forma a poderem passar o maior tempo possível com a criança, assegurando a satisfação das necessidades básicas ao nível da higiene, alimentação, conforto e afectos, permitindo, assim, o estabelecimento da vinculação mãe/pai-filho. 8. No mês de Outubro de 2021 os progenitores efectuaram 8 visitas institucionais. 9. Por motivos de alteração de rotinas de alimentação da criança e também de acordo com a disponibilidade/pretensão manifestada pelos progenitores, foi contratualizado um novo horário com os progenitores, desde o dia 10-11-2021. Desta forma, as visitas mantiveram- se de segunda feira a domingo, no horário compreendido entre as 9:00 horas e as 12:00 horas e entre as 16:30 horas e as 18:00 horas. E assim: a. No mês de Novembro de 2021, os progenitores efectuaram 25 visitas institucionais das 60 contratualizadas. b. No mês de Dezembro de 2021, os progenitores efectuaram 37 visitas institucionais das 62 contratualizadas. Em conjunto efectuaram 34 visitas e o BB 3 visitas sozinho. c. No mês de Janeiro de 2022, os progenitores efectuaram 35 visitas institucionais das 62 contratualizadas. Em conjunto efectuaram 25 visitas e o BB 10 visitas sozinho. O isolamento profiláctico devido ao COVID-19 foi do dia 21 a 28 de Janeiro. d. No mês de Fevereiro de 2022, os progenitores efectuaram 36 visitas institucionais das 56 contratualizadas. A AA efectuou 1 sozinha e o BB 7 sozinho. e. No mês de Março de 2022, os progenitores efectuaram 21 visitas institucionais das 62 contratualizadas. A AA efectuou 7 visitas sozinha e o BB 4 sozinho. f. No mês de Abril de 2022, os progenitores efectuaram 20 visitas institucionais das 60 contratualizadas. A AA efectuou 17 visitas e 3 em conjunto com o BB. g. No mês de Maio de 2022, os progenitores efectuaram 29 visitas institucionais das 62 contratualizadas. A AA efectuou 11 visitas sozinha e as restantes foram em conjunto. h. No mês de Junho de 2022, os progenitores efectuaram 3 visitas institucionais e uma, sozinho cada um. i. No mês de Agosto de 2022, os progenitores efectuaram 6 visitas institucionais, 3 visitas foram em conjunto e outras 3 foram efectuadas apenas pela progenitora. j. No mês de Setembro de 2022, a progenitora efectuou 12 visitas institucionais das 60 contratualizadas. 10. Devido aos sucessivos incumprimentos da progenitora no período da manhã, acordou-se a terceira contratualização no dia .../.../2022 novo horário das 16h00-17h00 de segunda-feira a domingo. 11. No dia 15/10/2021 foi necessário alterar a contratualização devido à dinâmica da casa em período escolar, sendo acordado segunda, quarta e quinta-feira das 15h30-16h30 e domingo das 16h00-17h00 (progenitores e avós maternos). E assim: a. No mês de Outubro de 2022, os progenitores efectuaram 20 visitas institucionais das 22 contratualizadas. A AA efectuou 3 visitas sozinha. b. No mês de Novembro de 2022, os progenitores efectuaram 14 visitas institucionais das 22 contratualizadas. A AA efectuou 8 visitas sozinha e o BB efectuou 1 visita sozinho. c. No mês de Dezembro de 2022, os progenitores efectuaram 12 visitas institucionais das 16 contratualizadas. A AA efectuou 9 visitas sozinha. d. No mês de Janeiro de 2023, os progenitores visitaram 3 vezes juntos e a AA visitou 1 vez sozinha. 12. Pela Gestora de Caso foi elaborado e apresentado aos pais em 18/11/2021, um Plano de Intervenção para a Execução da Medida com o objectivo de conferir aos pais o conhecimento da necessidade de estimular o bebé nos vários domínios do desenvolvimento, reforçando as ligações de qualidade entre todos, com as seguintes acções e com a intervenção dos pais: a. Proporcionar uma alimentação equilibrada à faixa etária do CC, cumprindo as orientações da Equipa de Saúde. b. Aceitar (a progenitora) o acompanhamento na especialidade de psiquiatria e/ou psicologia, cumprindo com as orientações médicas, caso seja orientada nesse sentido. c. Proporcionar todos cuidados de higiene que incluem banho diário, utilização produtos de higiene adequados, mudança diária de roupa, utilização de vestuário limpo e adequado às condições climatéricas, mudança de fralda sempre que necessário, efectuar uma higiene adequada das unhas; d. Estimular o CC de acordo com as orientações da Equipa de Saúde. e. Possibilitar a existência de uma interacção positiva entre todos os elementos do agregado familiar; f. Assegurar um ambiente estruturado e favorável ao bom desenvolvimento físico e emocional do CC; g. Não expor o CC a conflitos entre os progenitores, ou qualquer outro tipo de comportamento que possa colocar em perigo o bem-estar e desenvolvimento da criança; h. Assegurar que o CC está protegido contra perigos dentro e fora da Casa de Acolhimento, não o deixando sozinho ou ao cuidado de terceiros não idóneos; i. Aceitar o acompanhamento no Centro de Respostas Integradas, cumprindo com as orientações médicas. j. Prestar os cuidados e afectos de acordo com as necessidades do CC, passando momentos agradáveis e de qualidade com o mesmo. k. Estabelecer rotinas diárias de forma a ter as horas de repouso adequadas; l. Criar rotinas bem planeadas, estruturadas e organizadas; m. Efectuar procura activa de emprego de forma a autonomizarem-se. n. Manter todas as divisões da habitação limpas, arejadas e organizadas. o. Assegurar que o rendimento familiar seja suficiente e utilizado de forma adequada para responder à satisfação das necessidades básicas do agregado e, se necessário, recorrer aos serviços competentes. 13. Desde a institucionalização da criança, e apesar dos progenitores visitarem quase diariamente o filho, especificamente, nos meses de Outubro a Dezembro 2021, ainda que a progenitora fosse consecutivamente informada sobre a importância dos primeiros meses de vida da criança serem fundamentais para o estabelecimento de uma relação de vinculação mãe/pai-filho, estes não cumpriam com o horário contratualizado, nomeadamente não se disponibilizaram a cumprir com os cuidados de higiene e alimentação do CC no período da manhã nos dias 28/10, 4/11 (a mãe disse ter adormecido e ter perdido o autocarro), 5/11, 9/11, 12/11, 15/11 e 16/11/2022. 14. Em contexto de visita, os progenitores apresentaram uma postura distante, limitando-se a estar com o bebé ao colo ou colocando-o a dormir, sendo por vezes necessária a intervenção de um elemento da equipa técnica para acalmar o CC ou para auxiliar a progenitora nos momentos de refeição. 15. Quando a progenitora concretiza visitas institucionais sozinha, é necessária, por vezes, a intervenção de um elemento da equipa técnica para orientar nos momentos em que há maior resistência (e.g. birra/choro) por parte do CC, sendo necessário transmitir estratégias adaptativas às necessidades do mesmo (e.g., dar colo para acalmar, permitir que explore brinquedos), o que AA não faz e persiste mesmo em respostas desadequadas (e.g. não consegue acalmar o CC, tenta forçar que ele adormeça deitado com ela, após a sesta do mesmo). 16. E quando visitam juntos, os pais evitaram perante as técnicas a abordagem de assuntos como o comportamento da progenitora com a mãe DD, a relação do progenitor com os seus pais, os rendimentos para o pagamento das rendas da habitação e automóvel, consumo de substâncias psicoactivas, envolvimento em factos que constituam crime. 17. A avó DD manifestou estar disponível para apoiar a filha nos cuidados à criança, porém, atendendo a sua actividade profissional e respectivos horários recusou disponibilidade e capacidade para supervisionar os cuidados a prestar à criança, pois, mais cedo ou mais tarde, vai deixar de trabalhar atendendo a que irá precisar de prestar cuidados ao seu marido, face à idade do mesmo. 18. No dia 7 de Dezembro de 2021, foi homologado acordo de promoção e protecção, com aplicação ao CC de uma medida de acolhimento residencial, medida sujeita ao comprometimento dos progenitores de arranjarem ocupação profissional, providenciarem por habitação em ... junto dos avós maternos e sujeição a avaliação psicológica e acompanhamento do CRI e do CAFAP. 19. Em 16/12/2021, DD, assim como o seu marido, manifestaram a sua vontade relativamente à criança passar o dia 24-12-2021 e dia 25-12-2021, assumindo a supervisão da criança e aceitando que os progenitores pernoitem em sua casa. O que foi concedido por despacho e deste modo, ficou estipulado que DD se deslocaria à Casa de Acolhimento, com os progenitores, no dia 24-12-2021, pelas 16:00 horas e procederiam à entrega da criança, no, no dia 25-12-2021, às 16:30 horas. 20. Nesse dia 25/12 foi cumprida a hora da entrega da criança e encontrava-se bem cuidada e calma. As rotinas da criança foram cumpridas e a permanência em casa da avó materna decorreu de forma tranquila. O CC dormiu bem, acordando pelas 05:00 horas para realizar a mamada. A avó auxiliou a progenitora na prestação dos cuidados básicos e de alimentação ao CC. Ainda assim, a progenitora referiu estar muito cansada perante tal exigência. 21. Na visita ao filho em 3/12/2021, o progenitor, quando questionado sobre uma eventual adopção do CC, verbalizou perante a técnica que “não quero saber disso para nada…só quero saber de mim mesmo”. 22. Por vezes, quando convocados para uma entrevista com a Técnica da Segurança Social, os progenitores não compareciam, nem justificavam a sua ausência ou mesmo devolviam as chamadas que lhes faziam, chegando inclusive a rejeitar as chamadas que lhes eram feitas. 23. Conforme subscrito no Acordo de Promoção e Protecção, ambos os progenitores foram encaminhados para consulta no CRI-Centro de Respostas Integradas. 24. Contactada a progenitora pela gestora do processo para a informar da data da consulta, dia 15-03-2022, aquela solicitou antecipação da mesma justificando que, nessa data, o BB já não estaria em Portugal, pois iria trabalhar para o estrangeiro. Foi informada que deveria ser a própria a estabelecer contacto com o CRI e solicitar alteração do agendamento. Segundo informação do CRI, ambos os progenitores faltaram à consulta e não foi solicitada qualquer remarcação. 25. No entanto, em entrevista aos progenitores, realizada no dia 17-05-2022, a progenitora justificou que não compareceram à consulta porque tinham o automóvel avariado. Confrontado o progenitor com o que tinha sido transmitido à Técnica anteriormente, nomeadamente que o progenitor não poderia comparecer, este verbalizou de imediato "nesse dia eu ainda estava cá" (Sic). 26. Tendo sido marcada nova consulta no CRI para o dia 22/9/2022. Todavia, os progenitores não foram notificados por não residirem na morada conhecida, em casa de uma irmã de BB, em ..., e terem resultado infrutíferos os contactos telefónicos com eles. 27. Em .../.../2022, a PSP apurou que os pais viviam na Rua ..., ..., embora mantivessem o apartamento arrendado na ..., todavia, o proprietário não recebia a renda desde Fevereiro de 2022, e, apesar dos vários contactos com a progenitora, o senhorio nunca recebeu as rendas, nem AA, apesar de alegar que tinha pago as rendas, comprovou tal pagamento junto da Gestora do Processo. 28. No dia 2 de Junho de 2022, na sequência de sentença judicial homologatória de acordo de promoção e protecção, foi decidido a alteração da medida de acolhimento residencial para medida de apoio junto de outro familiar, concretizado na pessoa da avó materna DD, pelo período de três meses com as seguintes regras: a. À mãe da criança é permitido residir junto da avó e do filho, devendo respeitar as orientações e regras por aquela impostas, evitando discussões e conflitos. b. Os progenitores comprometem-se neste período a arranjarem ocupação profissional e aceitam a sujeição a perícia psicológica e acompanhamento no CRl. 29. No dia 7/6/2022, o CC saiu pela primeira vez da instituição e foi entregue à avó materna, sendo que, a cuidar daquele, ficariam esta, o seu marido e a progenitora. 30. Contudo, no dia 8 de Junho de 2022, por cerca das 20 horas, a progenitora, à revelia da avó materna, levou o berço do CC para o seu quarto e fechou-se no mesmo com a criança, dizendo com um tom de voz elevado que “atirava-se pela janela com o bebé”. A acrescer a isto, agarrou na cabeça da sua mãe e abanou-a, motivando a intervenção da G.N.R. do Posto Territorial ... e o regresso imediato da criança ao “...”. 31. Mesmo na presença dos militares da G.N.R., a progenitora desferiu murros e pontapés nas portas da residência da avó materna e desatou aos berros pela casa, revelando descontrolo. 32. A progenitora manteve, durante a aplicação desta medida e na entrevista com as técnicas da segurança social no dia 9/6, uma atitude agressiva e desrespeitosa para com a mãe adoptiva e seu marido, bem como com aquelas, dizendo que “O BB vem cá, vai dar merda”, e que não tinha problemas em “partir tudo”, bem como a magoá-los sozinha ou com o BB. 33. Na mesma reunião, tentando-se aferir qual a pretensão da avó materna e do marido relativamente ao CC, o marido da avó materna mostrou-se apreensivo com o comportamento da progenitora da criança, referindo que se ela fosse dormir lá a casa "vai vir outra vez guerra" (Sic) e "eu tenho medo" (Sic). Referiram que, na noite anterior, não conseguiram pôr a filha fora de casa, mas dormiram com a porta do quarto trancada à chave, com medo do que a filha pudesse fazer, tendo em conta as ameaças. 34. A avó materna assumiu perante a Técnica que não consegue garantir a segurança e protecção do CC, caso ocorra alguma situação com os progenitores, tendo noção que pode pôr em risco a sua própria segurança e a do seu marido, tendo ambos admitido "não conseguimos viver assim". 35. Assim, em 17 de Junho de 2022, foi novamente aplicada uma medida provisória de acolhimento residencial, no “...”, pelo período de 6 meses. 36. Desde a nova admissão do CC (8/6/2022), AA visitou o filho no dia 9/6 pelas 17H00, porém, estando CC a dormir, foi-lhe pedido que esperasse até acordar; aguardou 15 minutos e foi-se embora sem o ver. DD e EE estavam no carro e não quiseram ver o CC. 37. AA voltou a visitar no dia 10/6 pelas 17H10, e irritada por não poder ver de imediato o filho, foi-lhe dito que ainda estava a dormir, mas que se estava a preparar o biberão para ela lhe dar ao lanche; DD e EE estiveram presentes, mas afastados de AA. 38. Desde que CC foi institucionalizado até Maio de 2022, DD (58 anos), casada com EE visitaram a criança na instituição durante seis vezes; não tendo sido observado qualquer proximidade afectiva à criança, não sendo visível qualquer gesto de carinho, preocupação ou apego; desde 9/6/2022, EE concretizou visitas institucionais às quartas-feiras (no período da manhã, das 10h00 - 11h00) e aos domingos (no período da tarde, das 17h00 -18h00), enquanto a D. DD só efectua visita aos domingos com o Sr. EE, justificado pela sua actividade laboral. 39. Face à idade dos avós maternos, as visitas institucionais são pautadas por uma pobre interacção entre os Avós e o neto, limitando-se a permanecerem com este ao colo ou sentados no sofá. Os avós não utilizam frequentemente os brinquedos disponíveis na sala de visitas para o estimular, não proporcionando momentos lúdicos, na qual recorrem a telemóveis, chaves do carro e cócegas. O Sr. EE é quem demonstra maior interesse em interagir com o CC, contrariamente a DD, que permanece sentada ao lado da criança ou com ela ao colo, mas sem iniciativa de utilização dos brinquedos disponíveis na sala para o estimular, considerando-o um “entretenimento para passar o tempo” (Sic). 40. De 12 de Junho de 2022 até 02 de Agosto de 2022, os progenitores estiveram em França, tendo a progenitora passado a realizar videochamadas para a instituição com uma periodicidade diária, acompanhada, por vezes, pelo progenitor. 41. Durante as videochamadas, a progenitora permanece breves minutos, demonstrando uma postura desadequada (e.g. utilizando linguagem inapropriada e calão: “foda-se” ou “puta que pariu”) e de desinteresse, pois enquanto está em videochamada distrai-se com o seu redor (e.g. circular pela casa, fazer compras, andar de carro, ter conversas paralelas com outros familiares, trabalhar nas limpezas). A interacção é caracterizada por verbalizações ("oh filho", "oh CC ", "olha a mãe", "estas nervosinho") para obter atenção do filho, pelo que não são bem-sucedidas, tendo em conta que não apresenta um discurso apelativo perante a tenra idade do CC, existindo momentos de silêncio. Em relação ao progenitor, não demonstra interesse em interagir com o filho nem questionar o seu bem-estar, sendo a AA a incentivar a sua presença nas videochamadas dizendo-lhe: “anda ver o teu filho”. 42. Regressados a Portugal, os pais visitaram diariamente apenas durante o período da tarde, normalmente entre as 16H30-18H00, dado que a progenitora, não obstante estar desempregada, alegava ter “coisas para fazer”; e quando agendavam durante a manhã não compareciam nem avisavam ou justificavam a ausência, comprometendo o acompanhamento das rotinas do bebé. 43. Quando retomaram as visitas institucionais o CC não aderiu de forma receptiva às interacções dos progenitores (e.g. não demonstrando interesse querer ir para o colo dos pais, não reage com entusiasmo ou expressões positivas, como sorrisos). Actualmente, com a regularidade das visitas, o CC não estranha os progenitores, porém, não “corre” para os pais quando os vê, nem chora no momento da despedida, aderindo ou procurando facilmente ao/o colo da técnica presente. 44. A progenitora, nas visitas realizadas ao CC tem apresentado um comportamento desadequado com o CC, sendo advertida pelas técnicas. A AA tem demonstrando impaciência para as necessidades do CC, limitando-o fisicamente, deitando o bebé para a própria realizar videochamadas ou falar ao telefone. Em alguns momentos, utiliza linguagem inapropriada e calão durante a conversa enquanto fala com outras pessoas e chega a fazer gestos agressivos "deita outra vez para o chão, olha que levas" (Sic) (estava com a mão perto da face do CC), "pára, vais levar uma sapatada no cu" (Sic). Apesar de a equipa já a ter informado que o CC já gatinha e começa a dar os primeiros passos com auxílio, a progenitora não questiona a equipa técnica sobre o bem-estar do filho nem que tipo de actividades pode realizar com este para que as suas visitas não se tornem monótonas e sejam mais dinâmicas. 45. AA tenta dissimular da técnica o seu comportamento e altera-o quando vê que um elemento da equipa está por perto, tentando interagir de forma pedagógica. Contudo, quando um elemento da equipa técnica se afasta da sala como estratégia de supervisão, AA retoma os comportamentos desadequados e impróprios. Quando confrontada com estes comportamentos e questionada se está tudo bem por demonstrar este comportamento mais irritável durante as visitas, nega a situação. 46. Atendendo a que os progenitores regressaram a Portugal, foi agendada entrevista aos mesmos para o dia 22-08-2022. Foi necessário a equipa técnica d’... agendar a referida entrevista, tendo em conta que a progenitora não atendia as chamadas da Técnica da EMAT, rejeitando as mesmas. 47. No dia da entrevista, os progenitores não compareceram, nem comunicaram ausência. Em contexto de visita institucional, ao serem confrontados pela Técnica d’..., com a falta de comparência à reunião, o BB verbalizou baixinho "eu disse-te" (Sic) e a AA justificou-se que o patrão "chamou-me para trabalhar" (Sic), "a prioridade é o filho e trabalho, não é a PP" (Sic). 48. Embora a progenitora tenha referido que se encontrava a trabalhar no Café ..., em ..., estabelecido contacto telefónico com o referido café, em 01-09-2022, foi transmitido que já não trabalha no café há mais de um ano. 49. Os progenitores estão constantemente a mudar de residência sem a darem a conhecer ao processo, à família ou aos técnicos, sendo que viveram recentemente com outras pessoas, num T2 com mais 5 casais, um apartamento pertencente à actual entidade empregadora do progenitor. 50. Em atendimento de urgência no Hospital de ... no dia 10/4/2021 AA referiu estar grávida de 11 semanas e de novo atendida em 20/4/2021, AA referiu estar grávida de 4 semanas. 51. Actualmente, o CC é um bebé saudável que apresenta um bom desenvolvimento para a sua faixa etária, que estabelece relações positivas com os elementos da equipa técnico-educativa. A nível comportamental apresenta-se bem-disposto e expressivo, aderindo facilmente às interacções e brincadeiras lúdicas. 52. DD verbaliza querer cuidar do neto, mas assume não ser capaz de gerir as dificuldades emocionais que sente com a sua filha, mãe do CC, dizendo-se magoada e desgastada com as constantes desilusões que a filha lhe provoca; se ficasse a tomar conta do neto, entende que a AA teria de ficar afastada, porém, reconhece que não tem capacidade para gerir/impedir a interferência da filha na vida do neto. Apresenta valores baixos nas escalas primárias de altruísmo, assertividade, capacidade para resolver problemas, empatia, sociabilidade, capacidade para estabelecer vínculos afectivos capacidade de resolução do luto. E apresenta valores baixos nas escalas secundárias de cuidado afectivo e sensibilidade aos outros. 53. Em 23/5/2022 a Gestora do Processo propôs nos autos, pela primeira vez, a alteração da medida de promoção de acolhimento residencial para a aplicação à criança a medida de confiança a instituição com vista à adopção, proposta que manteve em todos os ulteriores relatórios remetidos ao processo. 54. Os progenitores de BB, FF e GG, nunca visitaram CC na instituição, e informam a 12 e 13/10/2022, que desconhecem a localização de AA e BB nem têm qualquer meio de contacto com eles. 55. Os progenitores são suspeitos de terem praticado factos qualificados pela lei penal como crime, nomeadamente, o progenitor foi constituído arguido e acusado no âmbito do processo n.º54/21.6..., pela prática de dois crimes de furto, e a progenitora foi constituída arguida no âmbito do Processo 693/22.8..., em que está em causa a prática de crime de furto e do crime de abuso de cartão de garantia ou de cartão, dispositivo ou dados de pagamento. 56. Ambos os progenitores encontram-se acusados pela prática de crime de furto qualificado nos autos 128/21.3... 57.AA reconhece não ter condições para cuidar do filho, entendendo que deve ser confiado aos cuidados da avó DD, pretendendo serem-lhe permitidas, a ela, mãe, visitas ao domingo. 58.BB reconhece que AA não tem condições para cuidar do filho. Só “se ela for para casa dos pais dela” (SIC). 59. A tia paterna, QQ, desde que a criança se encontra integrada n’..., em momento algum procurou obter informação acerca da criança e do seu bem-estar e nunca se mostrou como resposta alternativa. II - Fundamentação 1. Medida de acolhimento em instituição com vista à futura adopção do menor CC Os recorrentes consideram que o Tribunal recorrido, confirmando a decisão anteriormente decretada pelo Tribunal de 1.ª instância incorreu em erro de direito por errada interpretação do disposto nos artigos 1978º, n.º 1, alíneas c), d) e e) do Código Civil e 4.º, 34.º, 35º e 38.º-A da Lei de protecção de crianças e jovens em perigo - Lei n.º 147/99 de 1 de Setembro - Lei n.º 147/99 de 1 de Setembro -. Resulta inequivocamente do texto do artigo 1978.º que a medida de confiança com vista à adopção, tem como principal finalidade garantir que as crianças crescem num ambiente saudável e equilibrado que garanta o seu desenvolvimento, a sua saúde, a sua formação e a sua educação, atendendo prioritariamente aos direitos e interesses da criança. Partindo da situação normal em que as crianças nascem e, por regra crescem, no seio da sua família, também por imperativo constitucional o legislador ordinário dá uma particular relevância à família sem colocar os direitos das crianças como subalternos dos direitos dos seus familiares. Mas quando não existam ou se mostrem seriamente comprometidos os vínculos afectivos próprios da filiação, sabendo que as crianças crescem todos os dias, que em caso algum poderão ser instrumentalizadas como meio de recuperação social dos seus progenitores, o legislador entende que devem ser encaminhadas para a adopção, regime jurídico que permitirá estabelecer um vinculo jurídico igual ao da filiação natural. Os recorrentes admitem no recurso que não têm condições para se ocupar do menor CC, mas deviam ter porque são cidadãos adultos, seus progenitores, com o dever de o cuidar e estimar porque é seu filho. As tentativas que o estado através da segurança social e do hospital fez para garantir que estes pais tenham casa, que a mãe grávida se alimente, siga a vigilância médica própria da gestação, tenham trabalho e condições de cuidar do seu filho são hercúleas. Só mesmo por retórica absolutamente desligada do razoável se poderia exigir que o estado tivesse feito mais para ensinar melhor estes pais a serem pais, eles que tanto se aplicam em não aprender a serem pais. Depois de nascer, a criança foi institucionalizada e “contratualizado” – num contrato que só verdadeiramente a instituição cumpria, um regime de aproximação dos pais à criança e de ensino destes a desempenharem as tarefas próprias dos progenitores. Há umas queixas ao longo das alegações de que não tiveram oportunidade de aprenderem a ser pais, mas não foi por falta de ensino, apenas por falta de vontade de aprenderem. Tendo em conta a matéria provada é evidente que não existem vínculos afectivos próprios da filiação dos progenitores para com o CC, e este não tem qualquer vínculo afectivo com estas duas pessoas que de vez em quando apareceram lá pela instituição. A inércia, inépcia e falta de capacidade de sair do seu modo de vida para o adequar às necessidades da criança por parte destes progenitores é até chocante porque negadora daquilo que aparenta ser a natureza das coisas, mesmo no reino animal. Várias foram as situações em que durante as visitas, não fora serem na instituição e sob alguma vigilância não se criariam mesmo situações de perigo para o CC. Ora a ausência de vínculos afectivos é mesmo um dos requisitos legais para ser aplicada a medida sob análise. Por outro lado, não impõe o legislador que antes de ser decretada a medida se tenha de levar a criança de parente em parente, para ver se algum dos seus familiares pode ficar com ele e impedir que seja aplicada esta medida. Foram efectuadas as tentativas possíveis no âmbito da família alargada para ver se era possível obter uma situação de não institucionalização da criança que assegurasse o seu harmonioso desenvolvimento. Mas não foi possível. Apenas a avó materna manifestou alguma disponibilidade, teve o menor consigo duas vezes e a última terminou com intervenção policial. Esta avó que tem um cônjuge muito idoso também não interagia muito com o CC, nas vezes que o visitou. Porém, aquilo que impediu que se tentasse aprofundar mais esta hipotética ligação é, como se percebe, a incapacidade desta avó de controlar as fúrias e violência da sua filha, aqui requerente contra si, contra o seu cônjuge e contra o neto. A circunstância de a mãe do CC ter sido já condenada por violência doméstica praticada contra esta avó dá um índice do que será o medo desta senhora perante esta filha que não conhece limites. No caso de ausência de vínculos afectivos próprios da filiação a medida aqui em análise não pode ser aplicada se a criança se encontrar a viver com ascendente, colateral até ao 3.º grau ou tutor e a seu cargo. Acontece que o CC viveu desde sempre na instituição “...”, e não teve ascendente ou colateral que estivesse ali ao lado do seu berço quando nasceu para dele se ocupar e garantir a sua segurança, a sua saúde, a sua formação, a sua educação, o seu normal desenvolvimento. Os avós e tios e demais familiares de que falam as alegações são desconhecidos no processo. Não há registo de que tenham ido uma única vez visitar o CC, saber de que cor são os seus olhos ou qual a melhor canção para o adormecer. O n.º 4 do art.º 1978 do Código Civil tem aplicação nas situações muito diversas desta em que a criança, abandonada ou, mal cuidada pelos seus pais, tem profundos laços afectivos com outros familiares que dela sempre cuidaram. Mas o CC sempre viveu na Instituição, não teve uns tais parentes que dele se lembrassem, que dele efectivamente tivessem cuidado. Não há, pois, na presente situação e face à matéria de facto que relata as ocorrências de parte do período de gravidez, o nascimento e a vida do CC até agora que fazer qualquer aplicação do disposto no art.º 1978, n.º 4, como muito bem concluíram as instâncias. A intervenção para a promoção dos direitos e protecção desta criança em perigo, situação de perigo não questionado no recurso, tal era o modo de vida dos seus pais, foi norteada, como a lei impõe, prioritariamente pelos interesses e direitos da criança e, na data do seu nascimento não existindo uma relação afectiva a preservar havia uma relação afectiva a construir, nisso tendo sido desenvolvidos amplos esforços de garantir a um tempo o bem-estar, porventura a sobrevivência do CC, e o convívio com os seus pais. Houve uma intervenção precoce, ainda durante a gravidez e, depois do nascimento do menor a intervenção institucional manteve-se dentro dos limites legais, foi uma intervenção mínima, necessária e adequada à situação de perigo em que a criança se encontrava. Tudo foi feito para que os pais assumissem os seus deveres para com a criança, sem sucesso. Neste caso, as relações afectivas estruturantes de grande significado e de referência para o saudável e harmónico desenvolvimento do CC, são as que conseguiu estabelecer com as pessoas que dele cuidaram, na instituição, desde o seu nascimento. Foi tentado tudo o que era possível para devolver o CC à sua família biológica. Não tendo esta condições de garantir um sadio desenvolvimento do menor há que redireccionar esforços para garantir que ele encontre tão rápido quanto possível a sua família de adopção, garantida também em termos constitucionais como família. Os progenitores foram repetidamente ouvidos neste processo e solicitada a sua interacção com o menor sendo-lhe facultados todos os meios de conhecimento sobre como cuidar da criança, os meios materiais para o realizarem, dando notas o pai de querer saber de si mais que do menor e a mãe de que o menor era coisa sua tendo mesmo verbalizado que antes o mataria do que o deixaria ser adoptado. O menor foi ouvido na forma possível atenta a sua pouca idade através da análise do seu comportamento nas visitas dos progenitores que não revelavam a existência de qualquer vínculo afectivo com as figuras parentais. A medida aplicada, cumpre as finalidades estabelecidas no art.º 34.º Lei de protecção de crianças e jovens em perigo, Lei n.º 147/99 de 1 de Setembro, designadamente afastando o perigo de um bebé não ser bem cuidado pelos seus progenitores, e desse modo ver comprometido de forma irremediável o seu integral desenvolvimento, proporcionando-lhe as condições que permitam proteger e promover a sua segurança, saúde, formação, educação, bem-estar e desenvolvimento integral. Na falta de outro familiar capaz de assegurar ao CC um desenvolvimento adequado, e dado o tempo de institucionalização que já conta, mostra-se como única medida capaz de assegurar os interesses da criança a sua confiança a instituição com vista a adopção que foi aplicada pela autoridade competente definida no art.º 38.º da Lei de protecção de crianças e jovens em perigo e na modalidade prevista no art.º 38.-A da mesma lei. A medida aplicada na conjugação da matéria provada e tendo em conta os preceitos legais aplicáveis e antes analisados funda-se em razões pertinentes e suficientes para garantir o superior interesse da criança apresentando-se como proporcionais ao fim legítimo prosseguido. O art.º 67.º da Constituição da República Portuguesa define que a família, como elemento fundamental da sociedade, tem direito à protecção da sociedade e do Estado e à efectivação de todas as condições que permitam a realização pessoal dos seus membros. Porém a família não é apenas a família biológica e a mesma protecção goza a família adoptiva que o CC venha a integrar. As crianças têm direito à protecção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral, mesmo contra a vontade da sua família biológica quando estejam privadas de um ambiente familiar normal, nos termos do art.º 69.º da Constituição da República Portuguesa. Falecem, pois, todos os argumentos apresentados como suporte à revista. Improcede, pois, a revista. *** III – Deliberação Pelo exposto acorda-se em negar a revista e confirmar o acórdão recorrido. Custas pelos recorrentes. * Lisboa, 2 de Novembro de 2023 Ana Paula Lobo (relatora) Catarina Serra Isabel Salgado |