Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1247/19.1T8PVZ.P1.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: LINO RIBEIRO
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
PODERES DA RELAÇÃO
CONTRATO-PROMESSA
COISA FUTURA
DAÇÃO EM PAGAMENTO
INTERPRETAÇÃO DA DECLARAÇÃO NEGOCIAL
INTERPRETAÇÃO DA VONTADE
VENCIMENTO
EXIGIBILIDADE DA OBRIGAÇÃO
MODIFICAÇÃO
LOTEAMENTO
PRAZO
CLÁUSULA PENAL
MORA
Data do Acordão: 10/12/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
I. Se o devedor, por facto que lhe é imputável, não se desonera do vínculo a que se acha adstrito, mediante prestação diversa da que era devida, ressurge o regime de cumprimento que teria vigorado se a promessa de dação em cumprimento não tivesse tido o consentimento do credor;

II. Não existindo um prazo para pagar a dívida em dinheiro, o credor pode reclamá-la logo que quiser, mas ela só se considera vencida na data em que interpelar o devedor;

III. A interpelação admonitória dirigia ao cabecelato para pagamento de dívida reconhecida pelo «de cujus» produz efeitos relativamente aos titulares do património hereditário.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


I – Relatório

1. AA, com os demais sinais nos autos, instaurou ação declarativa de processo comum contra BB, CC, DD e EE, por si e na qualidade de cabeça-de-casal e herdeiros da herança aberta por óbito de FF, pedindo a condenação dos réus nos seguintes pedidos:

a) Considerar-se vencida e exigível a obrigação dos réus, na qualidade de únicos e universais herdeiros de FF, no pagamento ao autor da quantia de 150.000,00€;

b) Condenarem-se os réus, na qualidade de únicos e universais herdeiros de FF, no pagamento da quantia de 150.000,00€, mediante a entrega imediata àquele, por transmissão de propriedade a seu favor, dos lotes nºs 15, 32, 33 e 34 do loteamento sito no Lugar ..., freguesia de ... e concelho da ... (melhor descritos no aditamento ao contrato celebrado em 21 de Novembro de 2011), devidamente licenciados, concluídos e infraestruturados, a crescido do pagamento dos juros de mora vencidos, calculados à taxa legal de 4%, os quais na presente data se cifram no valor de 16.358,90€, bem como dos juros de mora vincendos até efetivo e integral pagamento;

c) Considerar-se vencida e exigível, desde 06 de julho de 2013, a obrigação dos réus, por si e na qualidade de únicos e universais herdeiros de FF, no pagamento ao autor da quantia de 30.000,00€ pelo atraso no pagamento da quantia de 150.000,00€ melhor descrita nas alíneas a) e b) dos pedidos anteriores;

d) Condenarem-se os réus, por si e na qualidade de únicos e universais herdeiros de FF, solidariamente, na proporção do seu quinhão hereditário, no pagamento da quantia de 30.000,00€, acrescida de juros de mora vencidos, calculados à taxa legal de 4%, os quais na presente data ascendem ao montante de 3.442,19€ e dos juros de mora vincendos, até efetivo e integral pagamento, sendo, na presente data, os 1º, 3º e 4º réus solidariamente responsáveis pela quantia de 5.573,70€ o 2º réu, solidariamente, responsável pelo pagamento da quantia de 16.271,10€;

Na eventualidade do pagamento imediato da quantia de 150.000,00€ não se puder efetivar mediante a entrega, por transmissão de propriedade, dos lotes de terreno melhor descritos em b) a favor do autor,

f) Considerar-se vencida e exigível a obrigação dos réus, na qualidade de únicos e universais herdeiros de FF, no pagamento ao autor da quantia de 150.000,00€,

g) Condenarem-se os réus, na qualidade de únicos e universais herdeiros de FF, no pagamento da quantia de 150.000,00€, acrescido do pagamento dos juros de mora vencidos, calculados à taxa legal de 4%, os quais na presente data se cifram no valor de 16.358,90€ bem como dos juros de mora vincendos até efetivo e integral pagamento.

h) Considerar-se vencida e exigível, desde 06 de julho de 2013, a obrigação dos réus, por si e na qualidade de únicos e universais herdeiros de FF, no pagamento ao autor da quantia de 30.000,00€ pelo atraso no pagamento da quantia de 150.000,00€ melhor descrita nas alíneas a) e b) dos pedidos anteriores;

i) Condenarem-se os réus, por si e na qualidade de únicos e universais herdeiros de FF, solidariamente, na proporção do seu quinhão hereditário, no pagamento da quantia de 30.000,00€, acrescida de juros de mora vencidos, calculados à taxa legal de 4%, os quais na presente data ascendem ao montante de 3.442,19€ e dos juros de mora vincendos, até efectivo e integral pagamento, sendo, na presente data, os 1º, 3º e 4º RR., solidariamente responsáveis pela quantia de 5.573,70€ o 2º Réu, solidariamente, responsável pelo pagamento da quantia de 16.271,10€.

Para fundamentar o pedido alegou, em súmula, que é ... e foi contratado pelo falecido marido e pai dos réus, FF, para lhe prestar serviços de promoção e valorização para venda de umas parcelas de terreno destinadas a construção de que aquele era proprietário, o que fez e concluiu até ao dia 15 de Maio de 2002, razão pela qual o FF celebrou com o autor, em 15 de Maio de 2002, o contrato denominado de “promessa de cumprimento e reconhecimento de dívida”, reconhecendo que o autor já lhe havia prestado serviços no valor de 150.000,00€ e confessando dever-lhe essa quantia. Falecido aquele, os réus, por si e na qualidade de herdeiros do falecido, acordaram com o autor pagar-lhe os 150.000,00€ mediante a entrega, no prazo máximo de 18 meses a contar da aprovação do loteamento, de 4 lotes de terrenos devidamente infraestruturados, aprovação que ocorreu em 6 de janeiro de 2022, sob pena dos réus, por si e na qualidade de herdeiros, se responsabilizarem solidariamente pelo pagamento ao autor da quantia de 30.000,00€.

Os réus foram citados e dois deles - BB e CC - contestaram, excecionando a prescrição dos juros de mora que excedam os últimos cinco anos, a prescrição do crédito de honorários profissionais do ... autor, a ilegitimidade e ininteligibilidade do pedido e a nulidade do acordo, por consubstanciar um exercício ilegítimo pelo autor da atividade de mediação imobiliária. Alegaram ainda que nunca lhes foi referido pelo falecido marido e pai que tivesse assinado a declaração junta pelo autor, que o réu DD estava conluiado com o autor para obter deste uma comissão do que o autor recebesse pela elaboração dos projetos de arquitetura do loteamento e construções, que o réu DD foi declarado insolvente, que ainda que não foram realizadas quaisquer infraestruturas no imóvel, não tendo qualquer construção, pelo que não existem lotes passíveis de serem entregues.

Realizado julgamento foi proferida sentença, tendo a ação sido julgada improcedente e os réus absolvidos dos pedidos.

Dessa decisão, o autor interpôs recurso de apelação, o qual obteve provimento por acórdão que, revogando a sentença recorrida, julgou a ação parcialmente procedente, condenando os réus BB e CC a pagar ao autor, solidariamente e na proporção do quinhão de cada um na herança aberta por óbito do respetivo marido e pai FF, as quantias de 150.000,00€ e 30.000,00€, acrescidas de juros de mora contados à taxa legal de juros civis desde 1 de Setembro de 2016 até integral pagamento, improcedendo o recurso e absolvendo os réus dos demais pedidos.

2. Inconformados com esta decisão, os réus BB e CC interpuseram recurso de revista para este Supremo Tribunal de Justiça, apresentando alegações separadas, concluindo aquela o seguinte:

1ª) Pelas razões aduzidas no ponto I das alegações do presente recurso, que aqui se dão por integralmente reproduzidas, sendo manifesto que, atenta a decisão de revogar a sentença da 1ª instância que não conheceu nem decidiu da exceção da prescrição do direito de crédito do aqui Recorrido por esse conhecimento estar prejudicado pela decisão final nela proferida, o Tribunal da Relação deveria ter dado cumprimento aos atos/formalidades que resultam do disposto no art.º 665º, n.ºs. 2 e 3, do CPC, respeitantes ao conhecimento e decisão daquela exceção, até porque essa decisão sempre influiria na decisão do mesmo desta ação. Acontece que esses atos/formalidades não foram cumpridos, sendo que essa omissão constitui uma nulidade, atento o disposto no art.º 195.º, do CPC, que determina que todos os atos subsequentes sejam nulos e de nenhum efeito, pelo que o Acórdão ora recorrido é nulo.

2ª) Ainda que assim se não entenda, a omissão desses atos/formalidade e, sobretudo, a não apreciação e decisão daquela exceção da prescrição do direito de crédito do aqui Recorrido, constitui uma violação do disposto naquele art.º 665º, n.ºs. 2 e 3, do CPC, o que constitui fundamento bastante para o presente recurso de revista – art.º 674º, n.º. 1, alínea b), do C.P.C.

3ª ) Pelas razões aduzidas nos ponto III a VII das alegações do presente recurso, que aqui se dão por integralmente reproduzidas, é claro e inequívoco que uma interpretação atenta, critica, ponderada e amadurecida das declarações produzidas/emitidas pelo falecido FF nos documentos escritos de 07/02/2001 e de 15/05/2002, de per si e em conjunto, efetuada por um declaratário normal, medianamente instruído, sagaz e diligente, colocado na posição do real declaratário, concluiria necessariamente que, tendo aquele neles declarado reconhecer uma dívida ao Recorrido no valor de € 150.000,00 pelos serviços prestados de “promoção e valorização dos terrenos para venda”, e prometido o seu pagamento nos termos deles contante, o mesmo também neles expressou, de forma clara e inequívoca, a sua vontade e intenção de condicionar ou fazer depender a validade daquela sua declaração de reconhecimento de divida e, por consequência, a validade e exigibilidade da sua promessa de pagamento da mesma, à verificação de um evento/acontecimento futuro, da venda daqueles terrenos, pois, como resulta dessas declarações, para o falecido FF a venda desses terrenos constituía a finalidade daqueles serviços prestados pelo ora Recorrido e, como tal, era parte integrante dos mesmos, só essa venda tornava válido e eficaz o reconhecimento da divida pela prestação dos mesmos, e, por consequência, válido e exigível o correspondente direito de crédito do ora Recorrido pela sua prestação, bem como válida e exigível o cumprimento da promessa de pagamento dessa divida nos termos declarados por aquele, pelo que é manifesto que o Acórdão recorrido, ao ignorar por completo o documento escrito datado de 07/02/2001 e as declarações nele emitidas/produzidas pelo falecido FF, relevantes para conhecer as circunstâncias e o contexto das declarações emitidas pelo mesmo no documento escrito de 15/05/2002, e para interpretar o teor dessas mesmas declarações, e aoignorarque o teor dos mesmos encerra existência de uma condição devalidadeda declaração de reconhecimento da divida de € 150.000,00 ao aqui Recorrido neles emitida pelo falecido FF, condição essa que nunca se verificou, violou o disposto nos art.ºs 236.º, 238.º, n.º.1, e 270º, todos do Código Civil, o que, desde logo, constitui fundamento bastante para o presente recurso de revista – art.º 674º, nº. 1, alínea a), do C.P.C.

4ª ) Pelas razões aduzidas nos ponto VIIIa XIV das alegações do presente recurso, que aqui se dão por integralmente reproduzidas, é manifesto que o Acórdão ora recorrido, quer na sua interpretação e determinação do sentido e do alcance jurídico e normativo das obrigações assumidas pelas partes nos documentos escritos datados de 16/04/2007 e de 21/11/2011, em cada um deles, no seu conjunto ou em conjunto com o documento escrito de 15/05/2002, quer, ao estabelecer uma relação entre este documento escrito e aqueles documentos escritos de 16/04/2007 e 21/11/2011 sem que haja uma correspondência no teor destes que valide tal relação, quer ao considerar que já ocorreu o vencimento do cumprimento da promessa de dação de bem futuro em pagamento neles declarada pelos herdeiros de FF e aceite pelo aqui Recorrido para pagamento do seu crédito, quer ao considerar que a interpelação escrita por este efetuada à aqui Recorrente – datada de 20/08/2016 – foi suficiente para produzir o efeito jurídico de converter uma situação de mora no cumprimento daquela promessa em incumprimento definitivo da mesma pelos herdeiros de FF, conferindo ao aqui Recorrido o poder de exigir o pagamento do seu crédito em dinheiro viola o disposto nos art.ºs 236.º, 238.º, 270.º, 458º, n.º.1, 798.º, 808.º, n.º.1 e 2091.º, n.º 1, todos do Código Civil, o que constitui fundamento bastante para o presente recurso de revista – art.º 674º, nº. 1, alínea a), do C.P.C.

5ª) Pelas razões aduzidas nos pontos XV e XVI das alegações do presente recurso, que aqui se dão por integralmente reproduzidas, é manifesto que, havendo incumprimento definitivo da promessa de dação dos lotes nºs. 15, 32, 33 e 34, devidamente licenciados e infraestruturados, ao aqui Recorrido por parte dos herdeiros de FF, para pagamento do crédito do mesmo por todos os atos e trabalhos por aquele realizados, na qualidade de ..., para se obter e aprovar o loteamento que os mesmos integram – o que não se aceita nem concede -, o prejuízo daí resultante para o ora aqui Recorrido seria sempre o valor desse seu crédito, valor esse que corresponderia ao valor daqueles lotes, pois o mesmo aceita e declara que, com a sua entrega, considera esse seu crédito totalmente liquidado/pago, nada resultando dos autos quanto ao valor desses lotes, designadamente, que o valor dos mesmos corresponda à quantia de € 150.000,00, pelo que, em resultado do incumprimento definitivo daquela promessa, o aqui Recorrido apenas podia reclamar e receber dos herdeiros de FF o valor daqueles lotes nºs. 15, 32, 33 e 34, devidamente licenciados e infraestruturados, não sendo possível a entrega dos mesmos, teria de ser liquidado e fixado o respetivo valor, o qual seria o valor do crédito a liquidar/pagar com a entrega dos mesmos, e não – até porque nada resulta da prova produzida nos autos nesse sentido – a quantia de € 150.000,00 mencionada pelo falecido FF na sua declaração de reconhecimento de divida emitida em 15/05/2002.

6ª) Assim, ao condenar os herdeiros de FF, designadamente, a aqui Recorrente e o herdeiro CC, a pagarem ao aqui Recorrido, solidariamente e na proporção do quinhão de cada um na herança do falecido FF, a quantia de € 150.000,00, acrescida dos respetivos juros de mora, o Acórdão ora recorrido, pelas razões acima aduzidas, viola o disposto nos art.ºs 236.º, 238.º, 562.º, 563.º, 566.º e 798.º, todos do Código Civil, o que constitui fundamento bastante para o presente recurso de revista – art.º 674º, nº. 1, alínea a), do C.P.C.

3. Por sua vez, o recorrente CC concluiu o seguinte:

1) O recurso apresentado pelo Autor da decisão da primeira instância não devia ter sido conhecido pelo Tribunal da Relação do Porto, pois o Autor não cumpriu com o disposto no n.º 1 do art.º 639.º, do CPC, sendo que devia por tal, o Tribunal da Relação do Porto abster-se de conhecer o recurso.

2) Acresce que, o recurso de apelação apresentado pelo Autor/recorrente não cumpriu com outro ónus a que o Recorrente se encontra obrigado, nomeadamente o disposto no art.º 640.º do CPC, pois o Autor/Recorrente na apelação veio impugnar a matéria de facto, sem ter cumprido com os ónus preceituados nesta disposição legal, nomeadamente, por falta da especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados, devendo por tal ter sido rejeitada a impugnação da matéria de facto.

3) Não cumprindo o Autor/Recorrente com o ónus que tal impugnação se impunha, como supra alegado, não poderia o Autor/Recorrente beneficiar dos 10 dias previstos no art.º 638.º, n.º 7, do CPC. Pelo que deveria ter sido o recurso de apelação ter sido rejeitado por extemporâneo e o Tribunal da Relação do Porto abster-se de julgamento. Violou assim o acórdão do Tribunal da Relação do Porto o estatuído no art.º 638.º do CPC.

4) Como resulta da decisão da 1ª instância as exceções arguidas elos RR nas suas contestações não chegaram a ser conhecidas, pois, a Mma. Juíza a quo afirmou considerar «manifestamente inútil a apreciação das exceções invocadas pelos réus».

5) O Tribunal da Relação do Porto tinha obrigação, ao revogar a sentença proferida, em ter conhecido e apreciado as vertidas exceções, bem como deveria também ouvir a posição das partes sobre as exceções.

6) A omissão de audição das partes nos termos do art.º 665.º, nº. 3, do CPC, constitui uma omissão de um ato ou formalidade que a lei prescreve e prevê, sendo que a decisão sobre as exceções invocadas influi na decisão a proferir e constitui uma nulidade, atento o disposto no art.º 195.º, n.º.1, do CPC, pelo que violou assim a decisão do Tribunal da Relação do Porto o princípio geral do contraditório e o disposto no art.º 665 n.ºs 2 e 3 do CPC. Sendo tal nulidade invocada suporte e fundamento também bastante para o presente recurso de revista Artº.674º, nº. 1, alínea b), do C.P.C.

7) O Tribunal da Relação do Porto andou mal e fez uma errada interpretação jurídica dos documentos juntos aos autos, sendo evidentes alguns erros na interpretação da vontade neles expressa pelos declarantes, o que conduziu à interpretação ou aplicação incorreta de algumas disposições legais substantivas, e inclusive, até à surpreendente alteração da qualificação jurídica das declarações firmadas pelo declarante.

8) O documento a que corresponde ao Doc. 5 junto à PI datado de 15/05/2002 trata-se de uma declaração escrita de FF através da qual resulta deste documento que o falecido FF declarou que requisitou os serviços de promoção e de valorização dos terrenos para venda ao Autor, reconhecendo a divida de 30.000.000PTE pela remuneração dos ditos serviços prestados.

9) Mas mais foi declarado que essa alegada divida pelos serviços de promoção e de valorização dos terrenos para venda por parte do Autor só “nascia” e se vencia com a venda dos terrenos, facto que nunca se verificou até hoje. Mais declarou que os honorários do Autor, como ..., pelo projeto eram imputadas ao potencial comprador que nunca foi apresentado pelos serviços de promoção do Autor.

10) O Tribunal da Relação do Porto, na interpretação que fez dos documentos vertidos, não podia ter ignorado o teor da declaração emitida em 07/02/2001 (também intitulada de promessa de cumprimento e reconhecimento de divida) que referia, ab início, a venda dos terenos como condição para o pagamento da alegada divida.

11) Recordemos que. numa e noutra declaração. o que o falecido declarou foi que “requisitei os serviços de promoção e de valorização dos terrenos para venda…”.

12) Ora, a promoção imobiliária consubstancia a reunião dos meios jurídicos, financeiros e técnicos a fim de construir os edifícios ou de implementar nos terrenos as infraestruturas com vista à venda.

13) Ora o Autor nunca fez os serviços de promoção, e a venda dos terrenos nunca se deu, sendo a venda condição sine qua non para o pagamento do referido valor.

14) O Tribunal da Relação do Porto errou ao qualificar o doc. 5 junto à PI como contrato de prestação de serviços, tal documento é apenas uma promessa sujeita a uma condição que nunca se veio a verificar. E foram as atrás vertidas obrigações (com as condições inerentes) que os herdeiros do falecido FF “receberam” quando aceitaram a herança.

15) O Tribunal da Relação do Porto não cumpriu o dever de, na interpretação deste documento escrito – de 15/05/2002 – levar em consideração o contexto das negociações prévias, as precedentes relações negociais entre as partes, os hábitos do declarante e/ou os usos da prática, em matéria terminológica, ou de outra natureza.

16) Acresce que o declarado pelo falecido FF nos atrás citados documentos sempre foi do conhecimento do Autor.

17) Não foi apenas o pagamento desse crédito – a promessa desse pagamento – que ficou condicionado ou dependente da venda a terceiros dos terrenos e/ou da construção de um imóvel nos mesmos. Foi a própria validade e existência desse crédito que sempre ficou condicionada ou dependente da verificação desse evento futuro, ou seja, da venda dos imoveis a terceiros.

18) O Tribunal da Relação do Porto andou mal ao decidir e julgar que através da cláusula segunda do documento escrito datado de 16/04/2007, (doc. 6 da PI) os RR se tenham vinculado ao pagamento do valor de 150.000€ a favor do Autor.

19) Pois da mencionada clausula não resulta qualquer obrigação do Recorrente, como herdeiro de FF, de pagar ao Autor a quantia de 150.000,00€. Aquela alegada obrigação não constituía um encargo da herança indivisa daquele.

20) A única obrigação assumida para pagamento dos serviços prestados e que, como atrás vimos, não corresponde à que foi inicialmente assumida por FF, foi a de entregar ao A., para pagamento dos serviços prestados até 15/05/2002, os lotes que estão identificados no documento assinado em 2007.

21) As partes acordaram, já depois da morte de FF, que os serviços prestados pelo A. que resultaram provados, e realizados até 15/02/2002, seriam pagos com a entrega de lotes de um loteamento que identificaram, e esses lotes não existem.

22) Conforme resulta da clausula terceira do atrás citado documento de abril de 2007 o terceiro Réu DD propôs-se a promover atos que conduzam à aprovação do loteamento do terreno referido em lotes destinados à construção urbana. Isto é, competia a este R (e não ao aqui recorrente) tudo o que fosse necessário para a aprovação do loteamento e da criação e autonomização dos próprios lotes em si.

23) Os lotes não foram constituídos nem autonomizados.

24) Por documento escrito datado de 21/11/2011, os RR declaram alterar a cláusula segunda constante do contrato de 16/04/2007, na qualidade de herdeiros de FF, e aditar cláusulas ao referido acordo que passam a ser a décima, décima primeira e décima segunda.

25) O que consta desse documento de 2011 é que a quantia seria devida se não fossem realizadas as infraestruturas relativas ao loteamento, considerando o prazo de 18 meses após a sua aprovação. Ora, o loteamento foi aprovado em 06/01/2012 e, assim, tal quantia seria devida se as infraestruturas não fossem realizadas até 06/07/2013, como não foram.

26) Contudo, há que entender o previsto no que conta nas cláusulas décima a décima segunda ao acordo de 2007. Assim, sendo a redação da cláusula segunda, no que ao Recorrente CC importa e diz respeito, a que resulta do aditamento de 21/11/2011, também dela resulta que, o pagamento terá de ser efetuado pelos herdeiros ao referido ... aquando da primeira transação sobre cada um dos lotes referidos.

27) Ou seja, não está ainda vencida a obrigação de pagamento da referida quantia de 30.000,00 euros, pela mora na realização das infraestruturas do loteamento, pois que foi acordado que a mesma seria paga quando fossem vendidos os lotes.

28) Seja, apenas o R. CC estará obrigado ao pagamento da quantia de 30.000,00€ mas, esta obrigação não se venceu ainda e não é exigível, pelo que não pode este ser condenado no seu pagamento.

29) Não pode reconhecer-se que os Réus herdeiros (CC e BB) estão obrigados a pagar ao Autor a quantia de 150.000,00 euros, e muito menos condena-los nesse pagamento, pois que não foi esse o acordo celebrado entre as partes.

30) O que foi acordado foi que, para pagamento dos serviços prestados, os RR. entregariam lotes de um loteamento em relação ao qual o R. DD promoveria os atos conducentes à sua aprovação. Esses lotes não existem, reitera-se !

31) E foi o Réu DD que assumiu obrigações que não estão cumpridas e que inviabilizam o cumprimento da obrigação de entrega dos imóveis.

32) Mesmo que se entenda como o Tribunal da Relação do Porto o faz, mal, que estamos na presença de uma promessa unilateral de dação em pagamento com bens futuros para liquidação dessa dívida, mesmo que resulte da matéria de facto que o loteamento foi aprovado pela Câmara Municipal da ... em 06/01/2012, apesar do que os réus não só não levantaram as licenças respetivas, nem realizaram as infraestruturas dos lotes, permanecendo o terreno no estado anterior ao loteamento.

33) …. mesmo que se entenda que decorrido o prazo de 18 meses sobre a aprovação do loteamento venceu-se a alegada promessa de dação em pagamento, isto é, a obrigação de entregarem ao autor os lotes previstos para pagamento do seu crédito emergente do contrato de prestação de serviços.

34) Mesmo assim…!! Esse incumprimento traduzia apenas um atraso ou uma situação de mera mora já que a prestação continuava a ser possível e a interessar ao credor, conforme resulta à saciedade do estabelecimento da cláusula penal moratória.

35) Assim, a sentença recorrida adotou uma interpretação demasiado rígida e formalista do art.º 394.º do CC, por via de interpretação errada quando aos teores dos doc. nº 5, 6 e 7 da p.i, omitindo uma análise crítica, ponderada, correta e materialmente justa do litígio.

36) Ao não interpretar no sentido em que a decisão da 1ª instância julgou (motivação a que se adere) os documentos em questão, incorreu a sentença recorrida do Tribunal da Relação do Porto em erro de julgamento de facto e erro de julgamento de direito, no caso do artigo 394.º, n.ºs. 1 e 2 do Código Civil e com violação do estatuído no disposto nos art.ºs. 236.º, 238º, n.º.1, e 270.º, todos do Código Civil, o que, desde logo, constitui também fundamento bastante para o presente recurso de revista – art.º. 674.º, nº. 1, alínea a), do C.P.C.

37) Por fim, não existe qualquer prova que o Recorrente CC tenha sido interpelado pelo Autor para o cumprimento de qualquer obrigação, seja, a de entregar os alegados lotes sob pena de incumprimento definitivo, ou outra qualquer!

38) Compulsada a carta junta sob o doc.9 na PI constata-se que a Ré BB foi notificada apenas por, e em si, e não na qualidade de cabeça de casal do falecido marido, ou em outra qualquer qualidade…

39) Não existe qualquer prova nos autos, e muito menos foi alegado, que o Recorrente CC tenha, sequer, tido conhecimento daquela carta. Não existe presunção de interpelação.

40) é evidente que todos os RR. intervieram e emitiram as declarações que constam nos documentos supra referidos a título pessoal e por si, ou seja, todos eles, por si e enquanto herdeiros acordaram a produção e emissão dos citados documentos escritos e acordaram e constituíram-se na obrigação de, aprovado o loteamento do prédio nele identificado, entregar ao Autor os lotes desse loteamento neles identificados referidos no documento escrito de 21/11/2011, devidamente licenciados e infraestruturados.

41) não se pode aceitar que que a interpelação da Ré BB é suficiente para a produção dos efeitos jurídicos da carta interpelatória quanto ao aqui Recorrente CC.

42) A mora só se converte em incumprimento definitivo se o credor, em consequência dela, perder (objetivamente) o interesse que tinha na prestação, ou se esta não for realizada dentro do prazo que razoavelmente for fixado pelo credor.

43) A interpelação admonitória consiste numa intimação formal, do credor ao devedor moroso, para que cumpra a obrigação dentro de prazo determinado, com a expressa advertência de se considerar a obrigação como definitivamente incumprida. Sendo certo que a declaração resolutória só adquire eficácia quando chega ao poder do destinatário,

44) Obviamente, não existe qualquer incumprimento definitivo do Recorrente CC pois este, simplesmente, nunca foi notificado ou interpelado para nada pelo Autor.

45) Pelo que o Tribunal da Relação do Porto ao assim interpretar e decidir andou mal e violou o disposto no art.º 805.º e 808 do Código Civil bem como do estatuído no disposto nos art.ºs. 236.º, 238.º, 270.º, 458.º, nº.1, 798.º, 808.º, n.º. 1 e 2091.º, nº. 1, todos do Código Civil, o que também constitui fundamento bastante para o presente recurso de revista – art.º. 674º, n.º. 1, alínea a), do C.P.C.

Com o provimento do recurso, os réus pretendem a revogação do acórdão recorrido e a repristinação da sentença.

Contra-alegou o autor, no sentido de ser mantido o acórdão recorrido.

Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir

II - FUNDAMENTAÇÃO

A. Fundamentação de facto

4. No acórdão recorrido, foram dados como provados os seguintes factos:

1. FF emitiu uma declaração escrita através da qual,

“com o propósito da venda dos terrenos destinados a construção, sitos no Lugar de ..., freguesia de ..., ..., inscritos na matriz sob os art.ºs. 1996.º, 2063.º, 2066.º e descritos na Conservatória do Registo Predial de ... sob os nºs 00181/070386, 00620/101188 e 006197101188, respetivamente, dos quais sou dono e legítimo possuidor, assumindo a legitimidade para a sua venda, declaro que requisitei os serviços de promoção e consequente valorização dos terrenos para venda ao ... AA (…).

Pelos motivos acima referidos e de acordo mútuo, venho por este meio reconhecer a dívida de 30.000.000 PTE (trinta milhões de escudos) como remuneração dos ditos serviços prestados ao citado ....

Do valor em dívida serão pagos 10.000.00 PTE (dez milhões de escudos) em dinheiro, sendo os restantes 20.000.000 PTE pagos em metros quadrados de área útil de construção para habitação, constante na construção que se vier a efetuar nos referidos terrenos, contabilizada pelo valor fixo de 160.000 PTE por metro quadrado, perfazendo deste modo 125 metros quadrados da área a atribuir. A área a atribuir deverá ser materializada numa fração autónoma constante do edifício citado no projeto de arquitetura como edifício A1 (…).

Esta dívida será liquidada na sua parte em efetivo em 50% (cinco milhões de escudos) aquando do recebimento do sinal da venda dos referidos terrenos, sendo os restantes 50% pagos na altura da escritura de venda dos mesmos.

Os honorários relativos ao projeto de arquitetura elaborado pelo mesmo ... para os referidos terrenos não têm qualquer relação com o pagamento do serviço aqui descrito, sendo as despesas relativas ao citado projeto imputadas ao potencial comprador para o qual será celebrado um contrato específico.

O ... supracitado fica responsável pelo acompanhamento e fiscalização da obra no que diz respeito à parte em permuta que conste do mesmo contrato de venda”.

2. Nessa declaração, datada de 15/05/2002, ficou a constar que a mesma, pelas alterações introduzidas, anulava o documento anterior com data de 07/02/2001.

3. O autor acordou com FF que o pagamento pelos serviços prestados até 15/05/2002 de promoção e valorização para venda dos referidos imóveis seria efetuado nestes termos.

4. Por documento escrito datado de 16/04/2007, os quatro réus declararam ser os únicos herdeiros de FF falecido em .../06/2005 e que sendo ele proprietários dos imóveis identificado no ponto 1 desta decisão, tendo encargos para com a viúva de 350.000,00 euros e tendo deixado testamento em que beneficiava o filho CC instituindo-o herdeiro da sua quota disponível, acordavam todos que:

“Primeira: o terceiro outorgante (o aqui R. DD) propõe-se promover atos que conduzam à aprovação do loteamento do terreno referido em lotes destinados à construção urbana.

Segunda: Os lotes de terreno que no loteamento a aprovar vierem a corresponder aos lotes nºs 30, 31, 47 e 48 devidamente infraestruturados que constam da planta assinada pelo falecido FF são destinados ao ... AA (...) que lhe ficarão a pertencer em propriedade plena, livres de ónus e encargos, em cumprimento de todos os atos e trabalhos realizados, o qual declara, desde já, que uma vez recebidos nada tem a haver de qualquer dos outorgantes.

Terceira: Os lotes e áreas de terreno que no loteamento a aprovar vierem a corresponder aos lotes 21, 22, 23 e 46 devidamente infraestruturados que constam da planta assinada pelo falecido FF, bem como área de 688,55 m2 destinada a equipamento destacada na planta anexa, são destinados ao terceiro outorgante DD que lhe ficarão a pertencer em propriedade plena, livres de ónus e encargos.

Quarta: Cumpridas as entregas dos lotes a que se referem as cláusulas segunda e terceira, do valor que vier a gerar o loteamento do terreno será pago e entregue à primeira outorgante a quantia de 350.000,00 euros em dinheiro ou em lotes de terreno se ela assim preferir. Tal pagamento será efetuado na proporção de % por cada um dos primeira, segundo, terceiro e quarta outorgantes.

Quinta: Dos restantes lotes que resultarem do loteamento, extraído que seja o que consta das Cláusulas segunda, terceira e quarta antecedentes, será entregue, em lotes, 1/6 ao outorgante CC e os restantes 5/6 serão a dividir na proporção de 1/4 para cada um dos outorgantes, incluindo o CC e o DD, sem prejuízo do que lhe cabe conforme as cláusulas terceira e quarta deste contrato.

Sexta: Para efeitos da concretização deste acordo todos se obrigam a assinar as escrituras e os documentos que forem necessários, incluindo escrituras de venda se a elas houver lugar.

Sétima: (...)

Oitava: Com a partilha realizada nestes termos, e sendo feitas as entregas e o pagamento aqui estabelecido, consideram todos os declarantes que fica concretizado o acordo de partilha tal como é vontade de todos.

Nona: Que aceitam expressamente tudo que aqui está fixado, atribuindo a possibilidade de execução específica ao presente acordo e que renunciam expressamente a invocar qualquer invalidade formal da presente declaração”.

5. Esse documento escrito datado de 16/04/2007 e está assinado pelos réus identificados como “outorgantes” e pelo aqui autor identificado como “declarante”.

6. O autor acordou com os réus que o pagamento daqueles serviços fosse efetuado nestes termos.

7. Por documento escrito datado de 21/11/2011, estando identificados como outorgantes BB, CC, DD, EE e AA declaram alterar a cláusula segunda constante do contrato de 16/04/2007, na qualidade de herdeiros de FF, e aditar cláusulas ao referido acordo que passam a ser a décima, décima primeira e décima segunda.

8. Assim, a cláusula segunda passou a ter a seguinte redação:

“os lotes 15, 32, 33 e 34 que ao loteamento a aprovar (sem prejuízo da configuração final, resultante do licenciamento da operação de loteamento em causa) melhor identificado na planta anexa ao presente contrato, denominada de planta de síntese de outubro de 2011, da obra do loteamento urbano “C....... ........”, devidamente assinada pela primeira outorgante, são destinados ao ... AA (...). Os lotes ficarão a pertencer-lhe em propriedade plena, livres de quaisquer ónus e encargos, entregues já licenciados e infraestruturados, no prazo máximo de 18 meses sobre a aprovação do loteamento. Se não se conseguir realizar as infraestruturas no prazo de 18 meses, os primeiro, segundo, terceiro e quarto outorgantes ficam solidariamente responsáveis pelo pagamento, na proporção do quinhão de cada um na partilha de 30.000,00 euros, continuando a ter, aquando da conclusão das infraestruturas a responsabilidade de passar os lotes acima referidos para o quinto outorgante”.

9. A cláusula décima passou a ter a seguinte redação:

“Os herdeiros de FF acima identificados como primeira, segundo, terceiro e quarta outorgantes ficam obrigados a pagar os projetos de arquitetura necessários à instrução do processo para aprovação da habitação para cada lote”.

10. A cláusula décima primeira passou a ter a seguinte redação:

“O valor a pagar pelos projetos será fixado do seguinte modo: Do lote 1 ao lote 22 - 5.000,00 euros por cada um. Do lote 23 ao lote 40 - 4.000,00 euros por cada um. Lotes C51 e C52 - com valor de referência de acordo com fórmula constante da Portaria 7 de Fevereiro de 1972, com a alterações das Portarias de 22 de novembro de 1974 e 27 de Janeiro de 1986”.

11. A cláusula décima segunda passou a ter a seguinte redação:

“O pagamento terá de ser efetuado pelos herdeiros do referido ... aquando da primeira transação sobre cada um dos lotes referidos”.

12. Desse acordo escrito consta ainda que “não é considerada a primeira transação, o caso de sucessão por morte ou doação a familiares” e ainda que “para efeitos de pagamento dos projetos não se considera transação a atribuição dos lotes números 15, 32, 33 e 34 ao quinto outorgante e dos lotes nºs C51, 16, 29, 30 e 31 ao terceiro outorgante”.

13. Desse acordo escrito consta ainda que “o quinto outorgante declara que após a entrega dos referidos lotes e referidos pagamentos encontra-se totalmente pago, nada mais podendo exigir dos de serviços efetuados a FF e Herdeiros”.

14. Este acordo escrito foi assinado pelas pessoas nele identificadas como outorgantes, os aqui autor e réus.

15. O autor aceitou que os honorários pelos serviços prestados fossem efetuados nestes termos.

16. O autor prestou e concluiu os serviços em causa no documento referido em 1 até 15/05/2002.

17. O loteamento foi aprovado pela Câmara Municipal da ... em 06/01/2012, condicionado ao parecer favorável da ARH ..., não tendo sido levantadas as licenças respetivas.

18. Não existem, fisicamente, quaisquer dos lotes a que se reporta o loteamento aprovado nem foram realizadas quaisquer infraestruturas.

19. No dia 01/09/2011, por escritura pública, o réu DD declarou ceder ao réu CC, pelo preço de 20.000,00 euros, que o aceitou, o quinhão hereditário na herança aberta por morte do seu pai FF, correspondente a 1/6 parte indivisa da herança, sendo esta constituída por cinco imóveis, incluindo os que aqui se discutem.

20. O réu DD foi declarado insolvente em .../06/2014, tendo-lhe sido concedida a exoneração do passivo restante por decisão publicitada em .../06/2014 e tendo o processo sido declarado encerrado em .../06/2014.

21. A ré EE foi declarada insolvente em .../01/2020, tendo o processo sido declarado encerrado, tendo-lhe sido concedida a exoneração do passivo restante com publicidade dada em ../05/2020.

22. No dia 05/04/2012, por escritura pública, a ré EE declarou ceder ao réu CC, pelo preço de 20.000,00 euros, que o aceitou, o quinhão hereditário na herança aberta por morte do seu pai FF, correspondente a 1/6 parte indivisa da herança, sendo esta constituída por cinco imóveis, incluindo os que aqui se discutem.

23. Está registada a favor dos réus, desde .../10/2007, a aquisição dos imóveis com a descrição predial 620, 181 e 619, por sucessão hereditária. 23- Está registada a favor do réu CC, desde .../03/2019, a aquisição do quinhão hereditário dos réus DD e EE na herança aberta por morte do pai.

24. Está registada a favor do réu CC, desde .../03/2019, a aquisição do quinhão hereditário dos réus DD e EE na herança aberta por morte do pai.

25. Nem FF nem os seus herdeiros procederam ao pagamento de qualquer quantia ao A. pelos serviços prestados até 15/05/2002.

26. O autor enviou à ré BB a carta datada de 20 de julho de 2016, cuja cópia está junta como documento n.º 9 com a petição inicial e que aqui se dá por inteiramente reproduzida.

B - Fundamentação de direito

5. Delimitada a matéria de facto, importa conhecer do objeto material do recurso de revista, considerando que o “thema decidendum” do mesmo é estabelecido pelas conclusões das respetivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, com base no preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 663. º n.º 2, 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil (CPC).

Os recorrentes impugnam a decisão recorrida, pedindo a sua anulação, com fundamento em razões processuais e substantivas:

i. o recurso de apelação da decisão de primeira instância deveria ter sido rejeitado, por incumprimento do ónus de apresentação, “de forma sintética”, das conclusões das alegações e porque a impugnação da decisão sobre a matéria de facto não indica as concretas passagens da gravação que impunham decisão diversa;

ii. nulidade do acórdão, por omissão de conhecer e decidir as exceções invocadas pelos réus – a prescrição crédito e juros de mora respetivos que excedam os últimos cinco anos; prescrição do crédito de honorários profissionais do autor; e nulidade dos acordos celebrados com o autor, por consubstanciarem exercício ilegítimo da atividade de mediação imobiliária –, que a sentença considerou prejudicadas pela solução dada ao litígio; e por omissão de audição de cada uma das partes sobe essa questão;

iii. errada interpretação jurídica dos documentos particulares juntos aos autos e das declarações de vontade neles incorporadas, em violação dos artigos 394.º, n.ºs 1 e 2, 236.º, 238.º, n.º 1, 270.º, 458.º, n.º 1, 798.º, 805.º, 808.º, n.º 1 e 2091.º, n.º 1, todos do Código Civil.

6. Os recorrentes começam por fundamentar a revista na violação ou errada aplicação da lei processual: o recurso de apelação não deveria ter sido admitido, porque o recorrente não sintetizou as conclusões das alegações, como impõe o n.º 1 do artigo 639.º do CPC, nem impugnou a matéria de facto com indicação das concretas passagens da gravação que impunham decisão diversa da recorrida, como resulta da alínea a) do n.º 2 do artigo 640.º do CPC.

No que se refere à complexidade das conclusões, para além de não ter existido despacho de aperfeiçoamento, sem o qual o recurso não poderia ser rejeitado por tal irregularidade (n.º 3 do artigo 639.º do CPC), o acórdão recorrido não se pronunciou sobre ela, nem os ora recorrentes arguiram a nulidade do ato decisório por omissão de pronúncia (alínea d) do n.º 2 do artigo 615.º do CPC), no pressuposto de que a alegaram na resposta às alegações da apelação.

Não obstante o convite ao aperfeiçoamento das conclusões não configurar faculdade discricionária do relator («o relator deve convidar o recorrente»), os pressupostos desse convite, pela sua natureza vaga e imprecisa, conferem-lhe uma margem de avaliação da maior ou menor gravidade da irregularidade. A deficiência, obscuridade e complexidade são conceitos cuja imprecisão suscita dificuldades de entendimento ou de aplicação ao intérprete. Dificuldades que só são ultrapassáveis através de avaliação, de forma objetiva e não arbitrária, que considere a finalidade ou função das conclusões: definir o objeto do recurso através da identificação abreviada dos fundamentos ou razões jurídicas desenvolvidas nas alegações (artigo 635.º, n.º 4, do CPC). Exercendo a importante função de delimitação do objeto recurso, a precisão das conclusões tem essencialmente por finalidade tornar mais fácil, mais pronta e segura a tarefa de administração da justiça, numa perspetiva dinâmica de «cooperação» entre os intervenientes no processo, e permitir eficaz «contraditório» a quem ganhou a causa e que, por via disso, tem interesse em manter o decidido, reagindo a questões que deverá perceber (artigos 3.º e 7.º do CPC).

O único vício que os recorrentes apontam às conclusões das alegações é o de não terem sido formuladas «de forma sintética» a que se refere o n.º 1 do artigo 639.º do CPC. Dizem que não se cumpre a exigência de sintetização, «atentas as prolixas conclusões que foram/são uma cópia quase integral da sua alegação». Não há dúvida que a prolixidade é um defeito, pois a lógica e a boa arte de alegar mandam que as conclusões sejam proposições sintéticas que emanam do que se desenvolveu nas alegações. Não prescrevendo a lei processual qualquer fórmula para elaborar conclusões de recurso, o esforço de síntese depende muito da arte do mandatário que as formula, pelo que o relator deve estar sempre atento ao essencial, para que a eventual falta de arte não redunde, escusadamente, em desfavor da parte (artigo 7.º do CPC). Daí que a excessiva extensão das conclusões não possa ser discutida em abstrato, devendo conciliar-se a exigência legal de concisão com o grau de complexidade da questão jurídica controvertida. Já Alberto Reis, a propósito da disposição correspondente, advertia que «(A) fórmula do artigo – indicação resumida dos fundamentos – deve interpretar-se e aplicar-se em bons termos, com grano salis. Importa ver nessa determinação legal mais um voto, uma recomendação, de boa técnica processual, do que um comando rigoroso e rígido, a aplicar com severidade e sem contemplações» (in, Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, Coimbra 1984, p. 361).

No caso dos autos, no que respeita à complexidade da questão jurídica envolvida, pode afirmar-se que os problemas suscitados ao autor pela sentença absolutória eram vários e de particular complexidade: incorreta apreciação da matéria de facto dado como provada e não provado, pretendendo demonstrar a realidade dos factos por si alegados em juízo através dos documentos particulares, relatório pericial e depoimentos gravados constantes dos autos; aprecição e qualificação dos vínculos jurídicos emergentes dos documentos n.ºs 5, 6 ,7 e 9 da petição inicial; e vencimento e exigibilidade das obrigações emergentes desses documentos.

Ora, independentemente de se considerar que as conclusões são mais extensas do que podiam e deviam ser – é sempre possível condensar em proposições mais sintéticas os fundamentos porque se pede a anulação da decisão –, certo é que as conclusões, apesar de extensas, não deixam de dar a conhecer ao relator e aos juízes-adjuntos quais as questões postas e quais os fundamentos invocados pelo recorrente, assim como não são suscetíveis de perturbar o exercício do contraditório. Sem obrigar o julgador e o recorrido a esforço exagerado, as conclusões permitem apreender quais os fundamentos do recurso esgrimidos pelo recorrente, o que se mostra suficiente para que o Tribunal pudesse ter conhecido do mérito do mesmo. E por isso, mesmo que se admitisse existir algum desvio ao formalismo processual, a falta de convite ao aperfeiçoamento das conclusões constituiria uma irregularidade sem qualquer influência no exame e decisão da causa.

7. Já no que toca ao alegado incumprimento do ónus de especificação dos pontos da matéria de facto de que se discorda e dos meios probatórios que impõem decisão diversa da recorrida, previsto no artigo 640.º do CPC, com repercussão na tempestividade do recurso, o acórdão recorrido pronunciou-se no sentido da improcedência de tal objeção.

Os ora recorrentes insistem que o autor «apenas indicou a data e a hora do início e término dos depoimentos» invocados como fundamento de erro na apreciação das provas gravadas, o que não permite conhecer com exatidão as passagens da gravação em que se funda o recurso, e por via disso, não podia beneficiar do prazo de 10 dias previsto no n.º 7 do artigo 638.º do CPC, com a consequente intempestividade do recurso.

O acórdão recorrido, depois de distinguir os requisitos de aplicação do prazo alargado de recurso dos requisitos de aceitação da impugnação da decisão da matéria de facto e de julgar tempestivo o recurso, por ter sido impugnada a decisão sobre a matéria de facto com base em perícia e depoimentos gravados, considerou cumpridos “de modo satisfatório” dos requisitos específicos da impugnação da decisão da matéria de facto.

É verdade que o acórdão aceita que o recorrente apenas indica a data e a hora do início e do término dos depoimentos, sem situar «os concretos minutos e segundos da gravação que contém as passagens relevantes dos depoimentos».

Todavia, considera que no corpo das alegações o recorrente transcreve passagens dos depoimentos que chama à colação na impugnação e que por isso mesmo se deve dar por cumprida tal exigência. Diz-se no acórdão que, «seguindo a posição praticamente unânime do Supremo Tribunal de Justiça nesta matéria, afigura-se-nos, por um lado, que a transcrição das passagens dos depoimentos tidas como relevantes é uma forma válida, ainda que indireta, de concretizar as passagens dos depoimentos que se pretende que o tribunal de recurso reaprecie e, por outro lado, que este requisito de impugnação da decisão sobre a matéria de facto é um ónus secundário, que apenas serve para ajudar o tribunal de recurso na tarefa de aceder às passagens da gravação (mas não o impede nem dispensa da necessidade de ouvir bem mais que essas passagens para poder avaliar com rigor o depoimento) e, como tal, não deve assumir uma importância desmedida que cerceie de forma desproporcionada o exercício do direito ao recurso, razão pela qual pode ser cumprido de modo menos rigoroso ou perfeito e inclusivamente não carece de ser cumprido nas próprias conclusões das alegações».

Pode dizer-se ser esta a orientação hoje predominante na jurisprudência do STJ, que nesta e nas demais exigências do recurso que tenha por objeto a matéria de facto afere os ónus processuais pelos parâmetros dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, com objetivo de evitar os efeitos negativos que um excessivo formalismo pode ter na tutela efetiva das posições jurídicos processuais. Além de que, não deixe ainda de acrescentar-se, é abundante a jurisprudência constitucional relacionada com a imposição de ónus processuais às partes em processo civil a afirmar que a liberdade de conformação do legislador na concreta estruturação do processo – não afastada pela garantia de acesso ao direito e à justiça – tem de se mostrar conforme o princípio da proporcionalidade (Acórdãos n.ºs 277/2016, 486/2016, 527/2016, 270/2018, 604/2018, 440/2019, 151/2020 e 346/2020).

A alínea a) do n.º 2 do artigo 640.º do CPC impõe ao recorrente o ónus de «indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes». O objetivo do ónus de especificação das passagens da gravação é facilitar o acesso da Relação e do recorrido ao meio de prova fundamental para a nova decisão de facto.

Ora, se o recorrente, sem localizar os concretos minutos da gravação que contêm as passagens relevantes, indica o momento do início e do fim da gravação de um certo depoimento, transcrevendo aquelas passagens na motivação do recurso, o ato processual mostra-se idóneo a cumprir a missão que lhe é assinalada, de harmonia com o esquema típico formal previsto na lei, porque desse modo acaba por facilitar a tarefa do tribunal e do recorrido (Acórdãos do STJ de 29/10/15 (Proc. 233/09.4TBVNG.G1.S1), 19/1/2016 (Proc. 3316/10.4TBLRA,C1.S1), 31/5/2016 (Proc. 889/10.5TBFIG.C1-A.S1), 6/12/2016 (Proc. 437/11.0TBBGC.G1.S1) e de 22/2/2017 (Proc. 988/08.3TTVNG.P4.S1).

Portanto, se a falta de indicação exata das passagens da gravação não dificulta, de forma substancial e relevante, o exercício do contraditório, nem o exame pelo tribunal, em homenagem aos princípios da economia processual, da conservação dos atos jurídicos e da razoabilidade, deve considera-se cumprido o ónus de especificação das passagens da gravação. A rejeição do recurso, com este fundamento, afigura-se uma solução excessivamente formal, rigorosa e sem justificação razoável.

8. Os recorrentes reagem ainda contra o não conhecimento das exceções que deduziram à pretensão inicial do autor, nomeadamente a prescrição do alegado crédito e dos juros de mora respetivos que excedam os últimos cinco anos, a prescrição do crédito de honorários profissionais e a nulidade dos acordos estabelecidos com o autor, por consubstanciarem exercício ilegítimo da atividade de mediação imobiliária.

Do seu ponto de vista, o acórdão é nulo, porque (i) tendo as exceções ficado prejudicadas pela solução que a primeira instância deu ao litígio, a Relação, ao revogar a decisão recorrida, tinha que as apreciar e decidir; (ii) assim como deveria ouvir cada uma das partes, antes de proferir a decisão (n.º 2 do artigo 665.º do CPC).

É verdade que a sentença, depois de considerar a ação improcedente, afirma que é «manifestamente inútil a apreciação das exceções invocadas pelos réus»; mas também é certo que, logo de seguida, conheceu daquelas exceções. E por isso o acórdão recorrido entendeu que «não estamos perante uma situação em que o tribunal recorrido tenha deixado de conhecer de certas questões, designadamente por as considerar prejudicadas, e em que caiba à Relação, nos termos do n.º 2 do artigo 665.º do Código de Processo Civil, conhecer delas neste Acórdão. Estamos sim numa situação em que o tribunal recorrido, ainda que perfunctoriamente, conheceu dessas questões, pelo que os recorridos teriam, querendo, de ter exercido o mecanismo previsto no artigo 636.º do mesmo diploma para que esta Relação pudesse (tivesse) de reapreciar o decidido em relação a essas questões. O decidido quanto a elas encontra-se, por isso, coberto já pelo caso julgado».

Efetivamente, assim é.

Se o tribunal de primeira instância se limitasse a dizer que não conhecia das exceções por as ter considerados prejudicadas, nos termos previstos no n.º 2 do artigo 608.º do CPC, o tribunal de recurso devia conhecê-las oficiosamente, sem o ónus do vencedor recorrido ampliar o objeto do recurso (Acórdão do STJ de 28/4/2021, Proc. 1977/14.4TJCB-J.C1. S2). A falta dessa ampliação não dispensa o tribunal de as apreciar, uma vez que desapareceu o motivo que justificou o não conhecimento pelo tribunal recorrido de questões de que lhe cabia conhecer, não fora considerá-las prejudicadas (n.º 2 do artigo 665.º do CPC).

Simplesmente, o que acontece é que a sentença, apesar de ter declarado que o conhecimento das exceções estava prejudicado pela solução dada às questões de mérito da causa, tomou posição sobre elas, dando a essa declaração o sentido de mero obiter dictum, que não importa em vinculação para a fundamentação subsequente. Através de um juízo autónomo de juridicidade – juízo enquanto julgamento -, o tribunal entendeu que as exceções invocadas pelos réus não se verificavam.

Portanto, a questão das exceções – cujo conhecimento havia sido relegado para a sentença final – ficou resolvida através de pronúncia negativa do tribunal. Para que o tribunal de revista pudesse reapreciar esse juízo era necessário que os vencedores recorridos tivessem ampliado o objeto do recurso, nos termos previstos no artigo 636.º do CPC. Sobre eles recaía o ónus de na respetiva contra-alegação ampliar o âmbito do recurso interposto pela contraparte, prevenindo assim a procedência do recurso do vencido por revogação dos fundamentos em que saíram vitoriosos. Não tendo sido requerida a alteração dos fundamentos mobilizados pela sentença para se considerar improcedentes as exceções alegadas pelos réus, ficou precludida a possibilidade do tribunal de apelação deles conhecer, e por isso também não se impunha o contraditório previsto no n.º 2 do artigo 665.º do CPC.

9. A questão essencial da revista – tal como vem delimitada nas respetivas conclusões – exige enquadrar os factos provados no direito das obrigações, para determinar se (i) existe vínculo jurídico por virtude do qual os recorrentes devem satisfazer ao recorrido as prestações em que foram condenados, e se (ii) o cumprimento destas prestações se tornou vencido e exigível.

Os recorrentes, com a pretensão de repristinar a decisão de primeira instância, mobilizam na revista o mesmo raciocínio que sustentou a absolvição dos pedidos formulados pelo autor: a única obrigação assumida pelos réus, ora recorrentes, pelo serviços prestados pelo autor, ora recorrido, no valor de 150.000,00 euros, é a entrega de quatro lotes de terreno, mas que não podem ser dados em pagamento porque ainda não existem; a obrigação de pagamento de 30.000,00 euros pela mora na realização das infraestruturas do loteamento só se vence quando os lotes forem vendidos.

Ora esta visão não é correta, como se demonstra no acórdão recorrido.

Incorreta, primeiro, porque a qualificação jurídica que os recorrentes fazem dos acordos e declarações de vontade incorporadas nos documentos referidos nos pontos 1, 4 e 7 da matéria de facto provada (documentos 5, 6 e 7 junto aos autos) – tarefa não realizada pela sentença –, não corresponde, pura e simplesmente, ao que resulta de tais escritos e ao que prescreve o direito positivo.

Os recorrentes subsumem os factos reconhecidos no documento 5 – intitulado «promessa de cumprimento e reconhecimento de dívida» – a figura jurídica que denominam «promessa sujeita a uma condição». Consideram que os elementos que compõem esta qualificação estão exteriorizados ou representados naquele documento: o falecido FF declarou pagar ao recorrido determinado valor, se e quando os seus terrenos destinados à construção fossem vendidos a terceiros. Numa síntese bem elucidativa do conteúdo qualificado, dizem o seguinte: «Não foi apenas o pagamento desse crédito – a promessa desse pagamento – que ficou condicionado ou dependente da venda a terceiros dos terrenos e/ou da construção de um imóvel nos mesmos. Foi a própria validade e existência desse crédito que sempre ficou condicionada ou dependente da verificação desse evento futuro, ou seja, da venda dos imóveis a terceiros» (conclusão 17 das alegações do recorrente CC). E quanto à fonte do reconhecido crédito e correlativa obrigação recusam qualificar a relação contratual como “contrato de prestação de serviços”, referindo-se apenas a “serviços de promoção imobiliária”, sem os reconduzir a uma categoria jurídica tipificada (v.g. contrato de mediação, mandato, comissão, etc.). Assim determinada a natureza da relação jurídica, defendem que a dívida pelos serviços de promoção e valorização dos terrenos só “nascia e se vencia” com a venda dos mesmos; como o recorrido nunca fez tais serviços, nem vendeu os terrenos - «condição sine qua non para o referido valor» -, ainda não se venceu a obrigação.

Não deixa de ser curioso notar que os recorrentes, no diagnóstico jurídico que fazem das declarações incorporadas no documento 5, não se referem aos «serviços prestados até 15/05/2002 de promoção e valorização para venda dos referidos imóveis» e cujo pagamento foi acordado entre o ... recorrido e FF (ponto n.º 3 dos factos provados). Só que, pelas declarações exprimidas nesse documento, foi a prestação desses serviços que constituiu a fonte ou facto constitutivo da dívida nele reconhecida. Foi pelo facto de o recorrido ter prestado serviços, ainda que não especificados, de promoção e valoração de terrenos destinados à respetiva venda que, «de acordo mútuo», se convencionou avaliá-los e remunerá-los em «trinta milhões de escudos». Está, pois, reconhecido nesse documento que o recorrido celebrou com FF um contrato de prestação de serviços, que os serviços lhe foram prestados até 15 de maio de 2002, e que por eles é devida a quantia de 30 milhões de escudos. O documento corporiza uma declaração unilateral de reconhecimento de dívida causada pela prestação de determinados serviços, pressupondo que os serviços e a dívida já existem antes do reconhecimento. Trata-se, pois, de documento confessório de obrigação pré-existente, de natureza contratual.

Contrariamente ao que alegam os recorrentes, a dívida em questão não “nasce” com a vende dos lotes, nem sequer tem origem na promessa de pagamento ou no reconhecimento de dívida. Como é sabido, a regra no direito obrigacional é a de que as obrigações são causais, no sentido de só valem se forem acompanhadas da sua fonte, sendo em função desta que a obrigação tem de ser aferida, designadamente para efeitos de validade e exigibilidade. Por isso, a dívida em questão não tem, efetivamente, origem no ato de reconhecimento de dívida, mas num vínculo obrigacional pré-existente, que tem raiz num contrato de prestações de serviços. É que no reconhecimento de dívida, aquele que se reconhece devedor limita-se a declarar que existe uma obrigação que tem a sua fonte num outro facto idóneo a produzi-la.

No documento 5 junto aos autos o devedor enuncia expressamente a causa da dívida reconhecida. Neste caso, não se torna sequer necessário presumir a existência da obrigação, nos termos do disposto no artigo 458.º do Código Civil. Se o devedor indica a relação que está na origem da dívida reconhecida já não é necessário presumir a sua existência, pois a mesma resulta da própria declaração de dívida. O reconhecimento que o declarante faz da dívida – facto que lhe é desfavorável e favorece o credor – constitui confissão extrajudicial escrita em documento particular que, para efeitos de provas, tem a força probatória prevista nos artigos 352.º, 358.º, n.º 2, 375.º, n.º 1 e 376.º do Código Civil.

Em princípio, a declaração confessória faz prova plena da existência da obrigação, só podendo ser revertida mediante arguição e prova da falsidade do documento ou através de meio de prova que demonstrasse não ser verdadeiro o facto constitutivo do direito de crédito. Com efeito, o n.º 2 do artigo 358.º prescreve que a confissão extrajudicial em documento particular se considera provada nos termos aplicáveis a esse documento e, se for feita à parte contrária ou a quem a represente, tem força probatória plena; nos termos do n.º 1 do artigo 376.º, o documento particular cuja autoria esteja reconhecida faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, sem prejuízo da arguição e prova da falsidade do documento; e o n.º 2 do mesmo artigo preceitua que os factos compreendidos na declaração consideram-se provados na medida em que forem contrários aos interesses dos declarantes.

Decorre daqui que a prova plena abrange não apenas a existência da declaração escrita, como ainda o facto declarado; e que apenas pode ser contrariada por intermédio de meios de prova que demonstrem a falsidade do documento ou que não é verdadeiro o facto confessado, o que não se verificou nos presentes autos. Não há, portanto, dúvida quanto à existência do crédito do recorrido e da correspetiva obrigação dos recorrentes, enquanto herdeiros de quem se reconheceu como devedor: os réus/recorrentes devem ao autor/recorrido a quantia de a 30 milhões de escudos, hoje correspondente a 150.000 euros.

E para dar como provado este facto é irrelevante atender a declarações contidas em documentos anteriores – documento de 7 de fevereiro de 2001 –, de resto anulado pelo reconhecimento de dívida efetuado no documento de 15 de maio de 2002 (ponto 2 dos factos provados).

10. Para além do reconhecimento de dívida nesse valor, o documento 5 contém uma “promessa de pagamento” da mesma dívida em determinadas condições: (i) 10 milhões de escudos seriam pagos em dinheiro e em duas frações iguais: 50% (cinco milhões), aquando do recebimento do sinal da venda dos terrenos e 50%, no momento da escritura definitiva dos mesmos; (ii) e os restantes 20 milhões de escudos, em 125 metros quadrados de área útil de construção, materializados numa fração autónoma do edifício A1, a construir nos terrenos do promitente.

Dizem os recorrentes que enquanto não se verificarem estas condições – venda dos terrenos e/ou construção do edifício – a obrigação não existe verdadeiramente. Ao afirmarem que a obrigação só «nasce» com a venda dos terrenos, pretendem com isso frisar que é a própria existência da obrigação que é posta em causa, quando constituída sob condição suspensiva.

A verdade é que, se olharmos para as declarações reproduzidas nos documentos 5, 6 e 7, aquelas condições são fatores de exigibilidade da dívida e não requisito de existência. Como se referiu, o reconhecimento de dívida expresso no Documento 5 reporta-se a obrigação pré-existente, fundada num contrato de prestação de serviços já realizados. O reconhecimento da dívida e a promessa do seu pagamento conferiu ao credor segurança acrescida relativamente à existência do negócio causal, na medida em que o devedor renunciou à verificação de pressupostos ou a oponibilidade de exceções ao vínculo obrigacional. Sendo declarativo, o reconhecimento tornou seguro para credor a existência do crédito, o seu objeto e o quantum devido.

Daí que as condições a que o devedor e credor, de mútuo acordo, fizeram depender o pagamento da dívida não constituem fatores de incerteza da existência da dívida, mas requisitos de exigibilidade da obrigação. O pagamento da dívida de trinta milhões de escudos ficou dependente de dois acontecimentos futuros e incertos: uma parte (1/3), da venda dos terrenos a terceiros; outra parte (2/3), da construção de edifício em propriedade horizontal. O primeiro tem a natureza de condição suspensiva, um facto futuro e incerto, de cuja verificação depende a eficácia da promessa de cumprimento, mas não o seu objeto, que é certo, desde logo; a segunda tem natureza de promessa de dação e aceitação de um bem futuro em pagamento. A existência prévia da obrigação e o acordo do credor são elementos fundamentais para que o devedor pudesse estabelecer moratória para o pagamento de uma parte da dívida em dinheiro e da outra em prestação diversa da devida. A ocorrência daqueles eventos despoleta o vencimento da prestação debitória, tornado exigível a obrigação: o credor pode pedir o seu cumprimento, através da entrega de parte em dinheiro e parte com transferência da propriedade de fração autónoma; e se o devedor se recusar, pode promover a execução para obter o equivalente do cumprimento voluntário (artigo 817.º do Código Civil).

11. A relação obrigacional assim constituída, reconhecida e prometida extinguir modificou-se com a morte do devedor que a reconheceu e prometeu pagar nas condições referidas. Continuando a ser a mesma relação de crédito, a alteração ocorreu quer por força da lei quer por vontade dos herdeiros em dois elementos: subjetivo, devido à sucessão «mortis-causa» e objetivo, por mudança voluntária do conteúdo da prestação debitória.

Por força da morte do devedor FF, as relações jurídicas patrimoniais de que era titular transmitiram-se aos herdeiros (artigo 2024.º do Código Civil). O subingresso na titularidade das relações jurídicas tanto se refere aos direitos como às dívidas: prescreve o artigo 2068.º do Código Civil que a herança responde «pelo pagamento das dívidas do falecido».

Ou seja, a sucessão «mortis causa» nas dívidas dá lugar a um património autónomo ou separado, que só responde e responde só ele pelas dívidas do hereditando. A herança, definida como conjunto de relações jurídicas patrimoniais que por força da morte de um indivíduo passam da titularidade deste para os herdeiros e legatários, é um património autónomo, na medida em que os bens hereditários respondem apenas pelas dívidas do «de cujus» e não pelas dívidas pessoais dos herdeiros, e pelas dívidas do «de cujus» responde só o ativo da herança e não o património pessoal dos herdeiros. Deste modo, segundo o critério da responsabilidade por dívidas, os bens da herança indivisa respondem coletivamente pela dívida reconhecida e prometida pagar ao recorrido; e se a partilha for efetuada, cada herdeiro responde na proporção da quota que lhe tenha cabido na herança (artigos 2097.º e 2098.º do Código Civil).

Em abril de 2007 (pontos 4 a 6 da matéria de facto provada) e novembro de 2011 (pontos 7 a 14 da matéria de facto provada), em documentos assinados pelos herdeiros do falecido FF e pelo autor/recorrido (documentos 6 e 7), houve modificação do conteúdo da prestação debitória reconhecida e prometida pagar pelo «de cujus», nos seguintes pontos: (i) a obrigação de se pagar uma parte em dinheiro e outra com a entregar de fração autónoma foi substituída pela entrega de quatro lotes de um loteamento a licenciar e concretizar nos prédios herdados; (ii) obrigação de entregar os lotes no prazo máximo de 18 meses sobre a aprovação do loteamento; (iii) responsabilidade solidária dos herdeiros, na proporção do quinhão de cada um na partilha, pelo pagamento ao recorrido de 30.000 euros, se as infraestruturas do loteamento não forem realizadas no prazo de 18 meses. Note-se ainda que as obrigações assumidas no documento de 2011 resultaram de «alteração» das cláusulas expressas no documento de 2007 e que nesses documentos intervieram o autor, na qualidade «prestador de serviços», e os réus, na qualidade de «únicos e universais herdeiros».

A recorrente BB questiona que as declarações contidas nos documentos 6 e 7 representem modificação objetiva da promessa de pagamento da dívida ao autor/recorrido reconhecida pelo «de cujus» no documento 5 junto aos autos. Contrariamente ao alegado pelo recorrente CC – que aceita que depois da morte do FF, as “partes acordaram” que os serviços prestados pelo autor que resultaram provados e realizados até 15 de maio de 2002 seriam pagos com a entrega de lotes (conclusões 20 e 21das respetivas alegações) – vem dizer que «não existe relação» entre a dívida reconhecida pelo hereditando e a obrigação da entrega de quatro lotes ao recorrido; que esta obrigação decorre de trabalhos por ele realizados para os herdeiros, enquanto ..., tendo em vista a aprovação do pedido de loteamento; e que, não tendo sido determinado o valor desse trabalhos, o crédito do recorrido deve corresponder ao valor dos lotes licenciados e infraestruturados.

É evidente que as declarações reproduzidas no documento escrito de 2007 e as alterações que nele foram efetuadas em 2011 não permitem concluir pela inexistência de conexão com a dívida reconhecida pelo «de cujus». Pelo contrário, através desses escritos, os intervenientes pretendem decidir sobre os bens hereditários e as responsabilidades com eles relacionadas. Não só invocam a qualidade de «únicos e universais herdeiros», como emitem declarações visando a liquidação da herança: «Com a partilha realizada nestes termos, e sendo feitas as entregas e o pagamento aqui estabelecido, consideram todos os declarantes que fica concretizado o acordo de partilha tal como vontade de todos» (cláusula 8 do acordo incorporado no documento 6). Ora, se o escopo é liquidar a herança e só ela responde pela dívida reconhecida e prometida pagar pelo «de cujus», então tem todo o sentido a intervenção do credor, como só assim se compreende que os herdeiros lhe tenham destinados quatro lotes «em cumprimento de todos os atos e trabalhos realizados».

Vê-se, pois, o acerto do acórdão recorrido quando estabelece ligação entre o contrato de prestação de serviços prestados ao falecido FF e a promessa de dação em pagamento de quatro lotes para liquidação da dívida originada pela execução daquele contrato: «Não se tratam, contudo, de contratos autónomos, totalmente independentes; ao invés, o contrato-promessa de dação em pagamento foi celebrado para efeitos de liquidação da dívida emergente do outro contrato, sendo por isso um contrato celebrado para um efeito específico, com uma finalidade própria de pagamento de uma dívida já constituída e exigível, razão pela qual as suas vicissitudes têm de ser aferidas em função dessa vinculação finalística». De outro modo, a admitir-se que a promessa de entrega dos lotes é contrapartida de outros serviços e/ou honorários do recorrido, os herdeiros estariam a responsabilizar o património do «de cujus» por mais uma dívida de que ele não era titular, quando é certo que, pela reconhecida autonomia ou separação, o património só pode responder por dívidas próprias.

12. Assente que os herdeiros do devedor se comprometeram a concretizar um loteamento nos bens herdados e, quando concretizado, a entregar ao recorrido quatro deles, para cumprimento da dívida reconhecida pelo falecido FF, há que determinar a natureza dessa relação de direito.

Esse trabalho foi feito pelo acórdão recorrido quando integra aqueles factos na categoria jurídica «promessa de dação de um bem futuro em pagamento». Tal como já havia sido prometido pelo «de cujus», pretendeu-se assegurar que a dívida de quantia certa – trinta milhões de escudos – fosse paga por prestação diversa, com quatro lotes de um loteamento a concretizar. Como os lotes ainda não tinham existência jurídica e a dação em cumprimento tem que ser contemporânea do cumprimento, o cumprimento da prestação creditória através de prestação diversa da devida só poderia ser assumido através de «promessa».

E podia sê-lo, porque do disposto nos artigos 211.º, 399.º, 408.º, n.º 2 e 880, n.º 1, do Código Civil, resulta que é perfeitamente válida a promessa de dação em pagamento de coisa futura. A inexistência da res a que a promessa respeita não é impeditiva da constituição de um contrato sobre coisa futura, desde que «o contrato se realize na perspetiva (suposição) de que ela vem a entrar no património do alienante – emptio rei speratae» (cf. Pires e Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. II, 2.ª ed. p. 153). E numa matéria em que vigora com grande latitude o princípio da autonomia da vontade (artigos 398.º, n.º 1 e 405.º do Código Civil), não há obstáculos a que a realização da prestação creditória possa ser objeto de acordo com o credor.

A promessa de dação em cumprimento, de natureza contratual, empenha e vincula as duas partes: uma promessa dos devedores de dação em pagamento de determinados lotes de terrenos, quando existentes sua esfera jurídica; uma promessa do credor de aceitação em pagamento desses lotes. De facto, o recorrido aparece no documento 6 como declarante e no documento 7 como outorgante, o que é bem revelador de que o acordo sobre esta específica forma de pagamento da dívida teve a sua aceitação; de resto, como teria que acontecer se fosse contemporânea do cumprimento (artigo 837.º do Código Civil).

Trata-se, pois, de um acordo modificativo do objeto da obrigação, com sentido de alterar o meio de cumprimento da obrigação pecuniária através da realização de prestação diferente da que é devida, que implica a ulterior satisfação do direito de crédito e consequente extinção da obrigação e exoneração do devedor. Nesta situação, o ato modificativo do objeto da obrigação não ocorre em simultâneo com o ato extintivo da obrigação, o qual só se verifica com a realização da nova prestação. Note-se, no entanto, que a prometida dação em pagamento não constitui qualquer vínculo com efeito liberatório, pois não se chega a criar uma nova obrigação; a obrigação existente apenas se extinguirá com a efetiva entrega da prestação diversa da devida.

13. A alteração que em 2011 foi feita ao conteúdo da promessa de dação em pagamento tornou mais preciso o regime de cumprimento: estabeleceu-se um prazo para entrega dos lotes, dispensando-se assim o credor de o fixar em tribunal (n.º 2 do artigo 777.º do Código Civil); convencionou-se uma cláusula penal, em caso de eventual inexecução da promessa (artigo 810.º do Código Civil); e apareceu em toda a luz o interesse do credor na prestação substitutiva.

Com efeito, no documento 7 (pontos 7 a 14 dos factos provados) deu-se nova redação à cláusula segunda do documento de 2007, alterando a identificação dos lotes a entregar; acordando que a entrega dos lotes seria feita «no prazo máximo de 18 meses sobre a aprovação do loteamento»; e que, se não se conseguir realizar as infraestruturas no prazo de 18 meses, os herdeiros «ficam solidariamente responsáveis pelo pagamento, na proporção do quinhão de cada um na partilha de 30.0000,00 euros», em cúmulo com a obrigação da entrega dos lotes; aditou-se ainda três novas cláusulas, onde o credor recorrido declarou «que após a entrega dos referidos lotes e referidos pagamentos encontra-se totalmente pago, nada mais podendo exigir dos serviços efetuados a FF e Herdeiros» (parágrafo único da cláusula doze).

Os recorrentes alegam que o prazo de 18 meses não foi estabelecido para cumprimento da promessa de dação dos lotes, mas para realização das infraestruturas relativas ao loteamento; e que, em conformidade com a cláusula doze, a quantia de 30 mil euros pela não realização das infraestruturas só se vencia «aquando da primeira transação sobre cada um dos lotes» (conclusões 26 e 27 das alegações do recorrente CC).

Mas é óbvio o equívoco dos recorrentes: a cláusula segunda é clara quanto à sujeição da dação em pagamento ao prazo de 18 meses: «os lotes ficarão a pertencer-lhe em propriedade plena, livres de qualquer ónus e encargos, entregues licenciados e infraestruturados, no prazo máximo de 18 meses sobre a aprovação do loteamento»; e o pagamento ao ... referido na cláusula 12 refere-se aos projetos de arquitetura das habitações a construir em cada lote, cuja obrigação e quantum foi acordada nas cláusulas 10 e 11, mas que nada têm a ver com os pedidos efetuados pelo autor.

Não há, pois, dúvida que a promessa de dar e aceitar em pagamento os lotes de terreno ficou sujeita ao prazo de 18 meses contados da data da aprovação do loteamento. De modo que o recorrido só poderia solicitar o cumprimento da dação uma vez transcorrido aquele prazo, lapso de tempo que os herdeiros tinham para infraestruturar e fracionar os terrenos, em termos de os poder transferir para o credor. Não obstante ser incerto o dia em que o loteamento seria aprovado – facto que dependia da ação de terceiros – trata-se de um termo certo, por referido a certo espaço de tempo. Decerto que o prazo não ficou na dependência da vontade dos herdeiros, porque o loteamento foi aprovado decorrido um mês e meio após a data desse acordo (6 de janeiro de 2012). O certo é que durante a pendência do prazo de 18 meses assim fixado a dação dos lotes não podia ser reclamada pelo recorrido.

Após a aprovação camarária do loteamento, os herdeiros não levantaram as licenças respetivas nem realizaram as infraestruturas, permanecendo os prédios rústicos no estado anterior. Por isso, decorrido o prazo de 18 meses sobre a aprovação do loteamento, venceu-se a promessa de dação em pagamento. Se o que torna exigível a obrigação é o facto do seu vencimento, satisfeito este requisito, o credor pode pedir o seu cumprimento.

Acontece que o credor não podia exigir a realização da dação em cumprimento, nem promover a execução específica da mesma, porque o objeto da prestação creditória ainda não era suscetível de aquisição derivada: os lotes não eram coisas presentes na titularidade da herança (artigo 408.º, n.º 2 em combinação com o artigo 211.º do Código Civil). Mas, apesar disso, nada obstava a que os lotes se tornassem coisas existentes e disponíveis no património do «de cujus» - bastava realizar as infraestruturas; assim como o recorrido continuava a ter interesse na prestação substitutiva, não só porque lhe associou uma cláusula penal, mas sobretudo porque o acordo previa que era ele quem iria realizar os projetos de arquitetura das habitações a construir em cada lote.

Ora, o atraso no cumprimento por causa imputável ao devedor, com possibilidade de execução futura e com manutenção do interesse do credor, traduz uma situação de «mora do devedor» (n.º 2 do artigo 804.º do Código Civil). Para que a mora não se prolongue indefinidamente, independentemente da perda do interesse do credor, a lei permite que este fixe ao devedor um prazo razoável para cumprir, sob pena, igualmente, de se considera impossível o cumprimento (n.º 2 do artigo 808.º do Código Civil).

É natural que, para sair da mora, quase três anos após o vencimento da promessa de dação dos lotes, o recorrido tivesse fixado um prazo perentório para o cumprimento dessa obrigação e exigido o pagamento em dinheiro, se dentro desse prazo-limite a promessa não fosse cumprida. Assim, provou-se que em 20 de julho de 2016 o recorrido enviou à recorrente BB uma carta – documento 9 junto aos autos – a conceder o prazo, até final de agosto de 2016, para proceder à entrega dos lotes, sob pena de incorrer em incumprimento definitivo e, não lhe sendo entregues os lotes, dever-lhe pagar o montante do crédito sobre a herança (ponto n.º 26 dos factos provados). Por esta via, o credor provocou unilateralmente uma modificação da relação, introduzindo nela um elemento novo, ou seja, um novo prazo de cumprimento, que se caracteriza pela sua perentoriedade.

A intimação para cumprir, denominada interpelação admonitória – ato pelo qual o credor demanda o devedor em mora para que este realize a obrigação a que está vinculado, sob pena de entrar em incumprimento definitivo – produziu duplo efeito: tornou evidente a desvinculação do credor da aceitação da dação em pagamento, se o cumprimento não fosse realizado após o prazo fixado (a resolução do pacto de dação em cumprimento); e, por meio dela, despoletou o vencimento da prestação primitiva. Não se discutindo a razoabilidade do prazo suplementar, a mora na dação em cumprimento considera-se retractivamente convertida em incumprimento definitivo, tudo se passando como se o devedor no vencimento daquela obrigação se colocasse logo nesta situação, com os inerentes direitos para o credor. A prestação que objetivamente já não interessa ao credor em virtude do atraso prolongado vale para o direito como prestação tornada impossível (n.º 2 do artigo 792.º do Código Civil).

É evidente que a desvinculação da aceitação em pagamento da prestação substitutiva, nos termos referidos, não liberta o devedor da prestação primitiva. O recorrido prestou serviços ao falecido FF até 15 de maio de 2002, de que resultou uma dívida reconhecida no valor de 150 mil euros, que não foi paga (pontos 3 e 25 dos factos provados). A impossibilidade de cumprir a promessa de a pagar em espécie – entrega dos lotes – repristina a situação que existira se o credor não tivesse aceitado ser pago com prestação diversa da devida. Se o devedor, por facto que lhe é imputável, não se desonera do vínculo a que se acha adstrito, mediante prestação diversa da que era devida, ressurge o regime de cumprimento que teria vigorado se a promessa de dação em cumprimento não tivesse tido o consentimento do credor. Não existindo um prazo para pagar a dívida em dinheiro, o credor pode reclamá-la logo que quiser, mas ela só se considera vencida na data em que interpelar o devedor.

O mesmo se verifica com a cláusula penal de 30 mil euros, vencida em 6 de setembro de 2013, após o decurso de 18 meses da data da aprovação do loteamento, sem que os recorrentes tenham realizado as infraestruturas necessárias à transferência da propriedade dos lotes. Trata-se de uma liquidação convencional antecipada, à fortait, dos prejuízos decorrente da inexecução culposa da obrigação de dar em cumprimento quatro lotes de terreno. O simples findar deste prazo provoca automaticamente o vencimento da cláusula penal, sem necessidade de intimação do devedor para que cumpra, podendo o credor exigi-la cumulativamente com as demais obrigações (artigos 810.º e 811.º do Código Civil).

14. Os recorrentes consideram que estas dívidas não se venceram porque apenas a recorrente BB foi interpelada, quando se impunha também a interpelação do outro recorrente e herdeiro CC.

O acórdão recorrido, verificando que não se aprovou que o autor tenha enviado carta idêntica aos restantes réus, julgou desnecessária a interpelação dos demais réus, com a seguinte justificação: «Todavia, atenta a circunstância de a dação em pagamento ter sido acordada pelos herdeiros do falecido devedor para pagamento de uma dívida que por morte dele se transferiu para a respetiva herança e a ré BB, destinatária da carta, ser a cônjuge viúva e cabeça-de-casal da referida herança, deve entender-se que a interpelação da cabeça-de-casal é suficiente para a produção dos efeitos jurídicos da carta».

A ter que existir interpelação de todos herdeiros, cumpre, antes demais, afastar aqueles que em data anterior venderam ao recorrente CC o quinhão hereditário na herança aberta por morte do FF (pontos 18 e 21 dos factos provados), porque deixaram ter poderes de disposição sobre o património que responde pelas dívidas peticionadas, e por isso só em relação ao recorrente CC se coloca o problema.

A questão a pôr é só esta: o vencimento das dividas do «de cujus» pode ocorrer com interpelação do cabeça-de-casal?

Já se disse que a herança é um património autónomo que só responde e responde só ele pelas dívidas do falecido. Estabelece o artigo 2068.º do Código Civil que a herança responde pelo «pagamento das dívidas do falecido»; e preceitua o artigo 2097.º que «os bens de herança indivisa respondem coletivamente para satisfação dos respetivos encargos»; e de harmonia com o artigo 2098.º, efetuada a partilha, «cada herdeiro só responde pelos encargos em proporção da quota que lhe tenha cabido na herança».

Portanto, são os bens da herança, como partes integrantes do património autónomo que é a herança indivisa, que respondem em conjunto; enquanto não se fizer a partilha, os herdeiros são titulares de um direito indivisível que recai sobre o conjunto da herança e não sobre bens certos e determinados.

Se há encargos ou mais do que um herdeiro, há que administrar esse património, conservando-o separado do património pessoal dos sucessores, a fim de o liquidar e partilhar entre os co-herdeiros. Durante o período em que se mantém indivisa, a gestão da herança pertence ao cabeça-de-casal, com a capacidade de gestão limitada a atos de mera administração (artigos 2079.º a 2092.º). Tratando-se de um bem que pertence a distintos titulares, a lei restringe os poderes de administração do cabeça-de-casal, para que o património administrado não fique comprometido com atos que ponham em risco ou que afetem a própria substância do património. Daí que os atos de disposição, aqueles que diminuem o património ou alteram a sua composição quanto a elementos estáveis, «só podem ser exercidos conjuntamente por todos os herdeiros» (artigo 2091.º).

Ora, o efeito imediato da interpelação é dar a saber ao devedor que se pretende cobrar a dívida; a partir da data em que o credor interpela o devedor, reclamando o cumprimento, dá-se o vencimento da dívida e o devedor constituiu-se em responsabilidade se não cumprir. A interpelação atua assim o poder de exigir do credor e dever de prestar do devedor, mas não representa ainda uma ação diretamente dirigida ao património do devedor. Na responsabilidade dos herdeiros por dívidas da herança esses momentos são bem visíveis quando se distingue a «liquidação» do património hereditário e do «pagamento» das dívidas (artigos 2068.º, 2097.º e 2098.º). É neste último momento que a substância da herança pode ser afetada, através de atos de disposição, como a conversão em dinheiro dos elementos que a constituem ou transferência para o credor dos bens que a integram, necessários ao pagamento das dívidas da herança (n.ºs 2 e 3 do artigo 2098.º). A responsabilidade dos herdeiros encontra justificação na prévia existência de uma dívida da herança que deve ser paga pelos bens dela. Mas quem estava verdadeiramente vinculado pelo dever correlativo do direito à prestação era o de cujus; os herdeiros, apesar de sucederam nessa relação de crédito, intervêm apenas como cotitulares do património diretamente responsável pelo encargo que ela representa; os herdeiros não são propriamente devedores, porque apenas se lhes pode exigir que reconheçam a existência da dívida ou que satisfaçam os créditos dos credores do de cujus pelos bens da herança.

O acento objetivista, na determinação da responsabilidade pelos encargos da herança, revelado pelo enunciado normativo do artigo 2097.º, explica porque é que que a interpelação admonitória dirigia ao cabecelato produza efeitos relativamente aos titulares do património hereditário. Se pelos encargos da herança é diretamente responsável a massa patrimonial que a constitui – um reflexo da autonomia patrimonial da herança –, então quem gere e administra a herança, agindo como fosse seu representante, tem o dever de diligenciar pelo pagamento das dívidas enquanto a herança não for partilhada. Para que a herança não venha a sofre prejuízo maior com o pagamento de juros ou com encargos resultantes de quaisquer providências conservatórias que o credor entenda por bem requerer, o cabeça-de-casal pode e deve atuar no sentido de liquidar o passivo o mais rapidamente possível, ainda que para tal tenha que fazer cessar a comunhão hereditária.

Naturalmente que no âmbito da atividade que o cabeça-de-casal tem na gestão dos créditos e dívidas, vencidas e não vencidas, e na sua relacionação para efeitos de inventário, cabe a receção da interpelação do credor para tornar a dívida da herança vencida e exigível. Como resulta da norma daquele preceito, enquanto a herança não for partilhada, os herdeiros não são diretamente responsáveis pelo pagamento das dívidas do de cujus, nem tão pouco são titulares de uma «quota ideal» ou de uma «fração» da herança.

Por isso se compreende que uma divida reconhecida pelo falecido e prometida pagar pelos herdeiros produza vencimento e se torne exigível mediante interpelação admonitória dirigida ao cabeça-de-casal.

III - DECISÃO

Atento o exposto, nega-se provimento à revista, confirmando-se o acórdão recorrido.

Custas pelos recorrentes.


Lisboa, 12 de outubro de 2023


Lino Ribeiro (relator)

Oliveira Abreu

Ferreira Lopes