Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
27/21.9PJLRS-C.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: ANA BARATA BRITO
Descritores: HABEAS CORPUS
PRISÃO PREVENTIVA
PRAZO DA PRISÃO PREVENTIVA
ACUSAÇÃO
NOTIFICAÇÃO
Data do Acordão: 06/28/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: HABEAS CORPUS
Decisão: IMPROCEDÊNCIA/ NÃO DECRETAMENTO
Sumário :
I - Para a verificação do cumprimento do prazo máximo de prisão preventiva previsto no art. 215.º, n.º 1, al. a), do CPP é relevante a data de dedução da acusação e não a notificação desta ao arguido.

II - Constatando-se que foram (e continuam a ser) respeitados os prazos de duração da prisão preventiva, inexistindo qualquer excesso do prazo legal máximo, é de concluir que a presente providência de Habeas corpus deduzida com esse fundamento carece manifestamente de base factual e legal que a suporte.

Decisão Texto Integral:

1. Relatório

1.1. No processo n.º 27/21.9PJLRS, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte, Juízo de Instrução Criminal ... - Juiz ..., os arguidos AA e BB, em petição conjunta, vieram apresentar pedido de habeas corpus subscrito pela sua mandatária, ao abrigo do disposto no art. 222.º do CPP, e com os fundamentos seguintes:

“ DOS FACTOS:

1º - Por despacho proferido pela Juíza de Instrução Criminal ..., a 15/12/2022, foi decretada a prisão preventiva aos requerentes AA e BB.

2º - Os arguidos mantiveram-se detidos preventivos ininterruptamente até ao dia de hoje - 19/06/2023.

3o - A 19/06/2023, os arguidos ainda não foram notificados da acusação, portanto volvidos mais de 6 meses.

DO DIREITO

Segundo o Art° 20° da Constituição da República Portuguesa:

N° 1- A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos.

N° 4 - Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo.

N° 5 - Para defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade de modo a obter tutela efectiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos.


Por sua vez, o Art. 27.° da Constituição da República, sob a epígrafe "Direito à liberdade e à segurança", preceitua no seu n° 1:" Todos têm direito à liberdade e à segurança"- o n° 4: "Toda a pessoa privada da liberdade deve ser informada imediatamente e de forma compreensível das razões da sua prisão ou detenção e dos seus direitos".

O art° 28° da Constituição da República Portuguesa, sob a epígrafe "Prisão Preventiva", no seu n° 2: " A prisão preventiva tem natureza excepcional não sendo decretada nem mantida sempre que possa ser aplicada caução ou outra medida mais favorável prevista na lei".

O Art° 31° da Constituição da República Portuguesa, sob a epígrafe "HABEAS CORPUS", preceitua o seguinte:

1 -   Haverá habeas corpus contra o abuso de poder, por virtude de prisão ou detenção ilegal, a requerer perante o tribunal competente.

2 -  A providência de Habeas Corpus pode ser requerida pelo próprio ou por qualquer cidadão no gozo dos seus direitos.

3 -   O juiz decidirá no prazo de oito dias o pedido de habeas corpus em audiência contraditória.

0 art° 32° da Constituição da República Portuguesa, sob a epígrafe #Garantias do processo criminal", prescreve o seguinte:

1- O procedimento criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso.

3 - O arguido tem direito a escolher o defensor e a ser por ele assistido em todos os actos do processo, especificando a lei os casos e as fazes em que a assistência por advogado é obrigatória".

 A petição de habeas corpus contra a detenção ilegal, inscrita no Art. 31.° da CRP, tem tratamento processual nos Arts 215°, 222° e 223° do Cód. Processo Penal, que concretizam a injunção e a garantia constitucional.

Segundo o Art. 215° do Cód. Processo Penal:

1 - A prisão preventiva extingue-se quando, desde o início, tiverem decorrido:

a)   6 meses sem que tenha sido deduzida acusação;

b)        

No caso em apreço, os arguidos encontram-se em prisão preventiva há mais de 6 meses e ainda não foi deduzida a acusação.

 Nestes termos e nos mais de direito que v: exas doutamente suprirão, requer-se a concessão imediata da providência de habeas corpus em razão da prisão ilegal.”

1.2. A informação a que se refere o art. 223.º, n.º 1, do CPP foi a seguinte:

“A fls.4771 a 4773 dos autos, vieram os arguidos AA e BB suscitar habeas corpus com base nos arts. 222.º e 223.º do Código de Processo Penal e dos artigos 20º nº1, 4 e 5, 27º nº1 e 4, 28º nº2 e 4, 31º e 32º todos da Constituição da República Portuguesa.

Para tanto invocam em síntese que estão sujeitos à medida de coacção de prisão preventiva desde 15/12/2022, no Estabelecimento Prisional ... e se encontram em prisão ilegal por se mostrar decorrido o prazo máximo de duração da prisão preventiva dado que até à presente data de 20/06/2022, decorridos mais de 6 meses desde a data de aplicação da prisão preventiva, não foram notificados da dedução de acusação pública.

Importa prestar a informação necessária sobre a prisão e sua manutenção nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 223.º, n.º 1, do Código de Processo Penal:

Aos arguidos AA e BB foi aplicada em 15/12/2021, em sede de primeiro interrogatório judicial de arguidos detidos, a medida de coacção de prisão preventiva (cfr. auto de interrogatório de fls. 3428 a 3444), tendo por base, no essencial, os seguintes fundamentos:

1.   A constatação de fortes indícios da prática pelos arguidos de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º do Decreto-Lei 15/93, de 22 de Janeiro.

2.    A verificação da concreta existência dos perigos de continuação da actividade criminosa, de perturbação do inquérito, na modalidade de perigo para a conservação ou veracidade da prova, e de perturbação da ordem e da tranquilidade públicas, estando cabalmente explicados os motivos que levaram a concluir pela existência concreta dos aludidos perigos e pela necessidade de aplicação da medida de coacção mais gravosa do nosso ordenamento jurídico.

3.    Tais medidas foram reexaminadas por despachos proferidos a 8 de Março de 2023 (cfr. fls.3999 a 4440), 7 de Junho de 2023 (cfr. fls. 4648 a 4652) e, por último a 15 de Junho de 2023 e, na sequência da dedução de acusação pública em 14 de Junho de 2023 e por despacho constante de fls.4747 a 4749.

Face ao exposto, é de concluir que a medida de coacção de prisão preventiva aplicada em sede de primeiro interrogatório judicial de arguidos detidos:

- Foi aplicada por entidade competente;

- Foi motivada por facto que a lei permite e prevê;

- Não se encontram excedidos os prazos fixados por lei ou decisão judicial.

Relativamente a este último aspecto, é de salientar que não se encontra esgotado o prazo máximo de duração da prisão preventiva, pois, atentos os crimes indiciados nos autos (crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/01), e tendo sido deduzida acusação pública a 14/06/2023, o prazo máximo de duração da prisão preventiva é caso haja lugar à fase de instrução de dez meses nos termos das disposições conjugadas dos artigos 215.º, n.º 1, al. b), e n.º 2, e 1.º, al. m), do Código de Processo Penal sendo o mesmo naturalmente superior como também decorre do artigo 215º nº1 al.c) e nº2 e artigo 1º al.m) todos do Código de Processo Penal caso a fase subsequente seja a de julgamento.

Acresce que, conforme decorre literalmente do disposto pelo artigo 215.º, n.º 1, al. a), e n.º 2, do Código de Processo Penal, e tem vindo a ser entendimento uniforme na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, a data que releva para determinação do termo final do prazo de duração da prisão preventiva (na dicotomia entre data da acusação ou data em que o arguido toma conhecimento da peça acusatória), é a data da prolação da acusação (neste sentido, vide, a título meramente exemplificativo, os acórdãos do STJ de 09/02/2011, proc. 25/10.8MAVRS-B.S1; de 04/11/2021, proc. 77/21.5JALSB-C.S1; de 10/02/2022, proc. 44/21.9GBCVD-B.S1; todos disponíveis em www.dgsi.pt, e o acórdão proferido nestes mesmos autos processo 2610/18.0T9VFX-C.S1 de 01/06/2022).

Em face do exposto, entendemos que os arguidos AA e BB estão legalmente sujeitos a prisão preventiva e por isso a mesma deverá ser mantida ao abrigo do disposto nos artigos 191.º, 192.º, 193.º, n.º 1 e 2, 196.º, 202.º, n.º 1, alíneas a) e c), 204.º, alíneas b) e c), e 215.º, n.º 1, als. a) e b), e n.º 2, do Código de Processo Penal, não estando, de todo, preenchido o requisito previsto no artigo 222.º, n.º 2, alínea c) do Código de Processo Penal.

Destarte considera-se que carece de fundamento o requerimento de habeas corpus para o Colendo Supremo Tribunal de Justiça, não estando, de todo em todo, preenchido o requisito previsto no art. 222.º, n.º2, alínea c) do Código de Processo Penal.

No entanto, Vossas Excelências, Colendos Senhores Conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça, melhor decidirão.”

1.3. Notificados o Ministério Público e o defensor do arguido, realizou-se a audiência na forma legal, tendo-se reunido para deliberação.


2. Fundamentação

O habeas corpus é uma providência com assento constitucional, destinada a reagir contra o abuso de poder por virtude de prisão ou detenção ilegal, podendo ser requerida pelo próprio detido ou por qualquer outro cidadão no gozo dos seus direitos políticos, por via de uma petição a apresentar no tribunal competente (art. 31º da CRP).

A petição de habeas corpus tem os fundamentos previstos taxativamente no art. 222.º, n.º 2. do CPP, que consubstanciam “situações clamorosas de ilegalidade em que, até por estar em causa um bem jurídico tão precioso como a liberdade ambulatória (…), a reposição da legalidade tem um carácter urgente”. O “carácter quase escandaloso” da situação de privação de liberdade “legitima a criação de um instituto com os contornos do habeas corpus” (Cláudia Cruz Santos, “Prisão preventiva – habeas corpus – recurso ordinário”, in RPCC, ano 10, n.º 2, 2000, pp. 303-312, p. 310).

Os autores convergem, pois, no sentido de que “a ilegalidade que estará na base da prevaricação legitimante de habeas corpus tem de ser manifesta, ou seja, textual, decorrente da decisão proferida. Pela própria natureza da providência, que não é nem pode ser confundida com o recurso, tem de estar em causa, por assim dizer, uma ilegalidade evidente e actual. (…) O habeas corpus nunca foi nem é um recurso; não actua sobre qualquer decisão; actua para fazer cessar «estados de ilegalidade»” (José Damião da Cunha, “Habeas corpus (e direito de petição «judicial»): uma «burla legal» ou uma «invenção Jurídica»?”, in Homenagem ao Professor Doutor Germano Marques da Silva (coord. José lobo Moutinho et al.), vol. 2, lisboa: uce, 2020, pp. 1361-1378, pp 1369 e 1370).

E constitui também jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal de Justiça a excepcionalidade da providência e a sua distanciação da figura dos recursos. O habeas corpus não é um recurso e não se destina a decidir questões que encontram no recurso o seu modo normal de suscitação e de decisão.

Preceitua então o art. 222.º do CPP, sob a epígrafe “Habeas corpus em virtude de prisão ilegal”, que o Supremo tribunal de Justiça concede, sob petição, a providência a qualquer pessoa que se encontrar ilegalmente presa (n.º 1).

Por força do n.º 2 da mesma norma jurídica, a ilegalidade da prisão deve (ou tem de) provir de uma das seguintes circunstâncias:

a) Ter sido efectuada ou ordenada por entidade incompetente;

b) Ser motivada por facto pelo qual a lei o não permite;

c) Se mantiver para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial.

No presente caso, os requerentes invocam o requisito da al. c).

Argumentam que o prazo máximo de duração de prisão preventiva é, no presente caso, de seis meses, que por despacho de 15/12/2022 foi decretada a sua prisão preventiva, que se mantém detidos ininterruptamente “até ao dia de hoje - 19/06/2023”, que ainda não foram notificados da acusação, portanto volvidos mais de 6 meses”. Por tudo, encontrar-se-ia esgotado o prazo máximo de duração da prisão preventiva, previsto nas disposições dos arts. 215.º, n.° 1, al. a), e n.º 2, e 1.º, al. m), do CPP.

Como se vê, não se mostra controvertido que aos arguidos requerentes foi aplicada a medida de coacção prisão preventiva em 15/12/2022, que ao crime dos autos corresponde o prazo máximo (de prisão preventiva) de seis meses até à acusação (arts. 215.º, n.° 1, al. a), e n.º 2, e 1.º, al. m), do CPP).

Mas também não resulta controvertido  que a acusação pública foi deduzida em 14.06.2023. Assim resulta da informação prestada pela Senhora Juíza do processo, assim o confirmam os demais elementos que instruem a presente certidão, e assim se retira da petição apresentada, em que é referido que os arguidos não se encontram notificados da acusação, mas em que verdadeiramente não se adversaria que esta tenha sido proferida.

Mais disse a Senhora Juíza que a medidas de coacção foram reexaminadas por despachos proferidos a 8 de Março de 2023 (cfr. fls.3999 a 4440), 7 de Junho de 2023 (cfr. fls. 4648 a 4652) e, por último a 15 de Junho de 2023 e, na sequência da dedução de acusação pública em 14 de Junho de 2023, por despacho constante de fls.4747 a 4749.

Ao invocar o fundamento da al. c), pretendem os requerentes que ocorreu a ultrapassagem dos prazos legais da prisão preventiva (para lá dos prazos fixados no art. 215.º CPP) por não terem sido notificados da acusação dentro do referido prazo de seis meses. Ou seja, depreende-se da sua alegação, embora não o refiram expressamente, que não bastaria a dedução tempestiva da acusação pública no processo, exigindo-se ainda a notificação aos arguidos no mesmo prazo.

Sucede que a pretensão dos requerentes não encontra fundamento na lei, não tem cobertura legal nem constitucional, e contraria a jurisprudência constante do Supremo Tribunal de Justiça, consentânea com a visão do Tribunal Constitucional.

De entre muitos, vejam-se os seguintes acórdãos:

Acórdão do STJ de 09-02-2011 (Raul Borges), em cujo sumário pode ler-se:

“II -  No caso concreto, o que está em discussão é a questão de saber se o dies ad quem do prazo previsto no art. 215.º, n.º 1, al. a), e n.º 2, do CPP – 6 meses – se deverá fazer coincidir com a data da acusação, ou com o momento em que o arguido toma efectivo conhecimento da peça acusatória. Nesta dicotomia, é de ter como correcta a opção pela data em que é elaborada a acusação.

III - Desde logo, um argumento literal, a extrair da al. a) do n.º 1 do art. 215.º do CPP, quando refere o decurso do prazo sem que tenha sido deduzida acusação e de modo similar nas restantes alíneas, como na b), ao referir o decurso do prazo sem que tinha sido proferida decisão instrutória, e nas als. c) e d), ao colocar o ponto final do prazo sem que tenha havido condenação, em 1.ª instância, ou com trânsito em julgado.

IV - Em todos estes casos é patente a referência à data da prática do acto processual ou elaboração da decisão (acusação, decisão instrutória e condenação) proferida no processo de acordo com cada etapa ou fase processual e não com o momento em que chega ao conhecimento do destinatário da mesma. De contrário, em caso de pluralidade de arguidos, teríamos datas diferentes consoante os diversos momentos em que a decisão fosse chegando ao destino

V - Por outro lado, furtando-se o destinatário ao recebimento da notícia, descoberto estaria o caminho para se prolongar o prazo, caso se mostrasse pontualmente necessária ou conveniente tal estratégia.

VI - Em conclusão, o termo final do prazo referido na al. a) do n.º 1 do art. 215.º do CPP é a data da dedução da acusação, solução de que não resulta prejudicado o direito de defesa.” (itálicos nossos)

Na fundamentação deste acórdão, já a propósito da conformidade constitucional do entendimento que o Supremo sempre adoptou, pode ler-se:

“Decidindo sobre a invocada inconstitucionalidade da norma do artigo 215.º, n.º 1, alínea a), do CPP, estando em causa questão similar à presente, no âmbito do processo n.º 522/2008, de que fomos relator, pronunciou-se o Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 280/2008, processo n.º 295/08-1.ª secção, de 14-05-2008.

Estava em causa a inconstitucionalidade do artigo 215.º, n.º 1, alínea a), do C.P.P., interpretado no sentido de que para os efeitos nele previstos os prazos se contam da prolação da acusação e não da sua notificação, por violação do disposto nos artigos 28.º, n.º 4, 31.º e 32.º, n.º 1, todos da C.R.P.

Como pode ler-se em tal acórdão, « (…), como resulta do citado artigo 28.°, n.° 4, da Constituição da República Portuguesa, “a prisão preventiva está sujeita aos prazos estabelecidos na lei”, significando que não pode, face à sua natureza de “ultima ratio”, de deixar de estar temporariamente limitada. Cabendo à lei a fixação de prazos de prisão preventiva, dispõe, consequentemente, o legislador ordinário de uma relativa margem de liberdade de conformação, sem embargo de dever ser respeitado o princípio da proporcionalidade (…).

E depois de afirmar não se detectar razão de ser para emitir um juízo de inconstitucionalidade, adianta: «Com efeito, estamos perante a fixação do termo de um prazo fixado na lei, de acordo com uma interpretação desta que "não se mostra incongruente com a aventada justificação do sistema instituído de duração de prisão preventiva, não desrazoável, tendo em atenção os factores relevantes de estar em causa crime de especial gravidade (...)." (Acórdão n.° 208/2006, já citado).

Na verdade, o legislador não está impedido de tomar em conta como termo final do prazo da primeira fase da prisão preventiva a data de acusação, uma vez que este momento se revela congruente com propósito de promover sem delongas o normal decurso do processo.

Não é assim desrazoável a opção do legislador».

Sobre a também aqui suscitada inconstitucionalidade, alegadamente decorrente de uma apodada violação dos direitos de defesa do arguido, pouco há a aditar. A conformidade constitucional da posição que se sufraga, e que decorre de uma clara e legítima opção legislativa sobre o termo final do prazo da primeira fase da prisão preventiva (a data de acusação),  sempre foi reconhecida pelo Tribunal Constitucional. Estranho (e ilegal) seria afirmar agora aqui o contrário.

No acórdão do STJ de 04-11-2021 (Rel. Helena Moniz), pode ler-se no sumário:

“IV – Para a verificação do cumprimento do prazo máximo de prisão preventiva, previsto no art. 215.º, do CPP, é relevante a data de prolação da acusação (ou do despacho de pronúncia, ou da condenação) de modo que não se faça recair sobre os serviços o ónus de cumprimento, pois cabe apenas ao Magistrado Judicial ou ao Ministério Público (consoante a fase processual em que se encontrem os autos) o cumprimento deste prazo”.

E na fundamentação deste acórdão frisou-se lapidarmente: “Acresce referir que a norma consagrada no art. 215.º, do CPP, é muito clara — “a prisão preventiva extingue-se quando, desde o seu início, tiverem decorrido: (...) meses sem que tenha sido deduzida acusação”. Pretender que se deve interpretar o momento da dedução da acusação como sendo o momento da sua notificação é não só uma interpretação em violação clara da letra da lei, como também é dizer, em desrespeito do disposto no art. 9.º, n.º 3, do Código Civil, que o legislador utilizou erroneamente o termo “deduzida” querendo dizer “notificada”, não tendo sabido exprimir o seu pensamento.”

Veja-se ainda o acórdão do STJ de 10-02-2022 (Rel. Cid Geraldo):

“I - Para a verificação do cumprimento do prazo máximo de prisão preventiva, previsto no art. 215.º, do CPP, é relevante a data de prolação da acusação (ou do despacho de pronúncia, ou da condenação) e não a notificação ao arguido dessa peça processual.

II - Este Supremo Tribunal já tomou posição sobre a questão, defendendo-se no acórdão de 11-10-2005, in CJSTJ 2005, tomo 3, pág. 186, que para o efeito previsto no artigo 215.º do CPP, releva a data da acusação e não a notificação ao arguido dessa peça processual, podendo ver-se neste sentido ainda os acórdãos de 14 e 22 de Março de 2001, in Sumários do Gabinete de Assessores, n.º 49, págs. 62 e 81; de 15-05-2002 e de 11-06-2002, ibid., n.º 61, pág. 84 e n.º 62, pág. 81; de 13-02-2003, processo n.º 599/03-5.ª; de 22-05-2003, processo n.º 2159/03-5.ª; de 18-06-2003, processo n.º 2540/03-3.ª; de 13-11-2003, processo n.º 3943/03-5.ª; de 08-06-2005, processo n.º 2126/05-3.ª; de 19-07-2005, processo n.º 2743/05-3.ª; de 10-05-2007, processo n.º 1689/07-5.ª; de 24-10-2007, processo n.º 3977/07-3.ª; de 12-12-2007, processo n.º 4646/07-3.ª; de 13-02-2008 no processo n.º 522/08 -3.ª; de 10-12-2008, processo n.º 3971/08-3.ª; de 06-01-2010, processo n.º 28/09.5MAPTM-B.S1-3.ª e de 30-12-2010, processo n.º 4/09.8ZCLSB-A.S1-3.ª – Jurisprudência indicada no Acórdão do STJ de 09/02/2011, proc. 25/10.8MAVRS-B.S1, 3ª Secção, Relator: Raul Borges; cfr. também, o recente Ac. do STJ de 04/11/2021, proc. 77/21.5JALSB-C.S1, 5ª Secção, Relator: Helena Moniz.” (itálicos nossos)

E no mesmo sentido podem também ver-se os acórdãos de 01.06.2022 e 30.11.2022, que tiveram a mesma relatora do presente.

Conclui-se assim, como o fez a Senhora Juíza de instrução criminal, que  resulta evidente que a medida de coacção de prisão preventiva foi aplicada por entidade competente, que foi motivada por facto que a lei permite e prevê, e que não se encontram excedidos os prazos fixados por lei, pois, atentos os crimes indiciados nos autos (crime de tráfico de estupefacientes do art. 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93), e tendo sido deduzida acusação pública a 14/06/2023, o prazo máximo de duração da prisão preventiva é agora, caso haja lugar à fase de instrução, de dez meses nos termos dos arts. 215.º, n.º 1, al. b), e n.º 2, e 1.º, al. m), do CPP, e superior, caso a fase subsequente seja a de julgamento (art. 215.º n.º 1 al. c) e n.º 2 e art. 1.º al. m) do CPP.

De tudo resulta que foram (e continuam a ser) respeitados os prazos de duração da prisão preventiva, inexistindo qualquer excesso do prazo legal máximo, concluindo-se que a presente providência de habeas corpus carece manifestamente de base factual e legal que a suporte, relativamente a ambos os requerentes.


*


3. Decisão                                                                        

Pelo exposto, delibera-se neste Supremo Tribunal de Justiça em indeferir os pedidos de habeas corpus por falta de fundamento bastante (art. 223.º, n.º 4, do CPP).

Custas pelos requerentes, fixando-se a cada um deles 4 UC de taxa de justiça, indo ambos condenados ainda na importância de 6 UC a título de sanção processual (art. 223.º, n.º 6, CPP).

Lisboa, 28.06.2023


Ana Barata Brito (relatora)

José Luis Lopes da Mota (adjunto)

Teresa de Almeida (adjunta)

Nuno Gonçalves (Presidente da Secção)