Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
386/18.0TXPRT-L.S1
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: ORLANDO GONÇALVES
Descritores: HABEAS CORPUS
AMNISTIA
PERDÃO
LIBERDADE CONDICIONAL
Data do Acordão: 10/11/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: HABEAS CORPUS
Decisão: IMPROCEDÊNCIA / NÃO DECRETAMENTO.
Sumário :
I - Se em 1 de setembro de 2023, data da entrada em vigor da Lei n.º 38-A/2023, de 02.08 - ou na data da aplicação do perdão, como entende a Ex.ma Juíza do TEP - a pena a cumprir, remanescente, for inferior a 1 ano de perdão, é essa pena remanescente que deve ser perdoada, é essa pena que não terá de ser cumprida.
II - Não tendo sido cumpridos ainda os 5/6 da pena a que alude o art. 63.º, n.º 3 do CP, não tem o peticionante de beneficiar obrigatoriamente da liberdade condicional.
Decisão Texto Integral:

Proc. n.º 386/18.0TXPRT-L.S1


Habeas Corpus


*


Acordam, em Audiência, na 5.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça


I- Relatório


1. O condenado AA, em cumprimento de pena, vem apresentar ao Ex.mo Presidente do Supremo Tribunal de Justiça petição de Habeas Corpus, ao abrigo do disposto nos artigos 222.º e 223.º, do Código de Processo Penal, com os fundamentos que se transcrevem:


“1- O habeas corpus é uma garantia fundamental prevista no artigo 31º da Constituição da República Portuguesa, cujo procedimento, in casu - prisão ilegal - se encontra previsto no disposto no artigo 222º do Código de Processo Penal.


2- O Arguido encontra-se em cumprimento sucessivo de penas cujo cumprimento de 5/6 estava previsto para 13.11.2025 - cfr. Sentença de liquidação de penas emitida pelo TEP a 22.09.2021 com a referência 2812065 - cuja certidão se requereu ser junta,


3- No âmbito da Lei 38-A/2023 de 2 de Agosto foi proferida decisão judicial que fez o desconto de 3 anos às penas aplicadas ao Condenando - vide decisão judicial proferida no processo 2105/17.0... do juiz... do Juízo Central Criminal de ..., do Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra, remetidos para o TEP a 18.09.2023 - cuja certidão se requereu instruísse os presentes autos,


4- Por efeito do perdão da Lei 38-A/2023 de 2 de Agosto o total das penas ficou reduzido em menos 3 anos, pelo que atenta a liquidação das penas em cumprimento sucessivo afirmado pelo Doutro Tribunal de Execução de Penas a pena o cumprimento de 5/6 foi atingido em 13.11.2022,


5- Em concreto realizando o desconto operado pela decisão judicial emanada pelo Tribunal da condenação que operou ao cúmulo jurídico as penas aplicadas ao Condenado foram reduzidas num total de 3 anos,


6- O Condenando manifestou perante ambos os tribunais a sua libertação imediata, bem como prescindiu do prazo de recurso que decorria sobre a decisão judicial que aplicou a Lei nº 38º- A/2023 de 02.08 - cfr. Requerimento apresentados que se juntam e que por aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os devidos efeitos legais, passando o seu conteúdo a fazer parte integrante do presente,


7- O cumprimento dos 5/6 da pena de prisão de medida superior a 6 anos conduz à denominada liberdade condicional obrigatória, patente no número 4 artigo 61º do Código Penal,


8- Operando o desconto patente na decisão judicial proferida pela aplicação do perdão constata-se que o condenando atingiu os 5/6 das penas a 13.11.2022, não obstante, CONTINUA PRESO,


9- Pelo que se considera que estamos perante uma prisão ilegal do condenando, contrária à lei nos termos do disposto na aliena c) do nº 2 do artigo 222º do Código de Processo Penal,


10- A liberdade condicional cumpridos 5/6 opera ex legis, ou seja decorre diretamente da Lei, sem necessidade de qualquer apreciação subjetiva por banda do tribunal,


Cumpre apontar jurisprudência proferida quanto à aplicação da situação sub judice -http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/-/485BE8657F6CDDAD8025702A002AB654


Acórdãos STJ Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça


Processo: 05P1151


Relator: HENRIQUES GASPAR


Descritores: LIBERDADE CONDICIONAL


REQUISITOS OBJECTIVOS


ARGUIDO


DIREITOS


PRISÃO ILEGAL


HABEAS CORPUS


PRESSUPOSTOS DA LIBERDADE CONDICIONAL


Nº do Documento: SJ200503220011513


Data do Acórdão: 22-03-2005


Votação: UNANIMIDADE


Texto Integral: S


Privacidade: 1


Sumário:


1. O artigo 61°. n° 5, do Código Penal estabelece que o condenado a pena de prisão superior a 6 anos é colocado em liberdade condicional logo que houver cumprido cinco sextos da pena, isto é, em diverso dos restantes casos de concessão da liberdade condicional, em que se exigem pressupostos materiais que dependem da apreciação prudencial do juiz, quando se perfizerem cinco sextos da pena é poder-dever do tribunal colocar o condenado em liberdade condicional.


2. A liberdade condicional prevista no artigo 61°, n° 5, do Código Penal, opera ex vi legis, dependendo tão-só da verificação dos requisitos formais enunciados na referida norma; a liberdade condicional depende, em tais casos, unicamente da verificação objectiva, qual acto de acertamento, do decurso de um determinado tempo de cumprimento da pena.


3. Trata-se de um direito do arguido, cujo respeito não depende de qualquer margem de discricionariedade do tribunal, sendo que, por outro lado, é do interesse da própria comunidade que ao condenado seja facilitada a sua reinserção na vida em liberdade plena através das medidas que acompanham a concessão da liberdade condicional.


4. O condenado que cumpriu os cinco sextos da pena deve ser obrigatoriamente colocado em liberdade condicional.


5. Não tendo assim ocorrido, verifica-se uma situação de ilegalidade da prisão, que se manteve para além do prazo fixado na lei, o que constitui o fundamento de habeas corpus previsto na alínea c), do n.° 2, do artigo 222° do Código de Processo Penal.


http://www.gde.mj.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/034b0a111ce61b04802 56dc500582904?OpenDocument.


Acórdão STJ Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça


Processo: 03P2042 JSTJ000


Relator: SILVA FLOR


Descritores: HABEAS CORPUS


LIBERDADE CONDICIONAL


EXECUÇÃO DE PENAS


ESTABELECIMENTO PRISIONAL PENA DE PRISÃO


PENA DE PRISÃO


Nº do Documento: SJ200305230020423


Data do Acordão: 23-05-2003


Votação: MAIORIA COM 1 VOT VENC


Tribunal Recurso: T EXECUÇÃO PENAS LISBOA


Processo no Tribunal 3270/98


Recurso:


Texto Integral: S


Privacidade: 1


Meio Processual: HABEAS CORPUS.


Sumário :


I. Não contemplando a lei a ininterruptabilidade do cumprimento da pena como fundamento para a concessão da liberdade condicional nos termos dos artigos T61.º, n.º 5 e 62.º, n.º 3, do Código Penal, não pode o tribunal de execução de Penas considerar impeditiva de tal liberdade a circunstância de o recluso ter estado ausente ilegitimamente do estabelecimento prisional durante algum tempo. Cumpridos os cinco sextos da pena, o recluso tem obrigatoriamente de ser colocado em liberdade condicional. A relevação desse aspecto do seu comportamento durante a execução da pena, penalizando-o, só se justificaria para efeitos da concessão da liberdade condicional facultativa. III. Na decisão do pedido de habeas corpus com fundamento na não libertação cumpridos os cinco sextos da pena, questão que pode suscitar alguma dificuldade lé a decorrente de não competir ao Supremo Tribunal a concessão de liberdade provisória. Tal dificuldade não pode, todavia, obstar à libertação do arguido, mostrando-se adequado, no âmbito do disposto no artigo 223.º, n.º 4, alínea d), |do Código de Processo Penal, determinar que o tribunal de execução de penas providencie pela libertação imediata do requerente, que ficará em situação de liberdade condicional, fixando o respectivo regime nos termos do artigo 63.º do |Código Penal.


11- Face ao que se demonstra, requer-se que V. Exa., analisando o caso concreto, seja considerado procedente o presente requerimento e seja profira decisão de IMEDIATA LIBERTAÇÃO DO CONDENADO, pelos motivos supra demonstrados, o que desde já se requer, mais se requerendo que se sigam os ulteriores termos atinentes ao procedimento ora requerido.


Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exa. entenda convenientes, requer-se a apreciação da apontada prisão ilegal do Arguido e o deferimento do procedimento de Habeas Corpus, com a imediata libertação do Arguido AA.


2. Pela Ex.ma Juíza do Tribunal de Execução das Penas de ..., Juízo de Execução das Penas de... - J... ., foi prestada a seguinte informação, nos termos do art.223.º, n.º1 do Código de Processo Penal (transcrição)

Do exame dos autos constata-se que o condenado AA se encontra em cumprimento sucessivo de uma pena de 3 anos de prisão, imposta no âmbito do (1.º) cúmulo jurídico realizado no proc. 2105/17.0... (onde foram cumuladas as penas referentes aos procs. 2105/17.0... e 367/14.3...); de uma pena de 4 anos de prisão imposta no âmbito do (2.º) cúmulo jurídico realizado no proc. 2105/17.0... (no qual foram integradas as penas referentes aos procs. 89/16.0..., 9/18.8... e 233/17.0...); de uma pena de 2 anos de prisão, imposta no âmbito do proc. 126/16.9... (por revogação da suspensão); e de uma pena de 40 dias de prisão subsidiária, imposta no âmbito do proc. 2032/14.2...

O condenado iniciou a reclusão em 19.04.2018, à ordem do proc. 233/17.0... (pena esta posteriormente englobada no cúmulo jurídico realizado no proc. 2105/17.0...).

Com efeitos reportados ao dia 15.04.2021 (data em que atingiu o termo da pena aplicada no proc. 233/17.0...) foi o recluso ligado à ordem do proc. 2105/17.0... (encontrando-se já transitada em julgado a decisão cumulatória proferida nesses autos).

Atingido o meio das penas unitárias impostas proc. 2105/17.0... em 12.10.2021, o recluso foi colocado, nessa data, à ordem do proc. 2032/14.2... para cumprimento da pena de 40 dias de prisão subsidiária, que cumpriu integralmente até 21.11.2021.

Nessa sequência, em 21.11.2021 foi ligado ao proc. 126/16.9..., para iniciar o cumprimento da pena que aí lhe foi imposta, ao qual permaneceu e permanece ligado desde então até ao presente momento.

No proc. 2105/17.0..., considerou-se haver lugar a um total de 7 dias de detenção a descontar, como resulta de fls. 392.

Há ainda a descontar 1 dia de detenção sofrido à ordem do proc. 126/16.9... (fls. 73).

Por despacho datado de 15.09.2023, no âmbito do proc. 2105/17.0..., foi determinada a aplicação do perdão, por força da aplicação da Lei n.º 38-A/2023, de 02.08, nos seguintes termos:

1 ano de perdão por referência ao primeiro cúmulo, o qual englobou as penas parcelares aplicadas no âmbito dos procs. 2105/17.0... e 367/14.3...;

1 ano de perdão por referência ao segundo cúmulo, o qual englobou as penas parcelares aplicadas no âmbito dos procs. 89/16.0..., 9/18.8... e 233/17.0...;

1 ano de perdão na pena aplicada no âmbito do proc. n.º 126/16.9...


Não obstante, e atento o exposto supra, verifica-se que a extensão do perdão já não poderia ser concedida na medida em que o foi no que respeita à pena aplicada no âmbito do proc. n.º 126/16.9..., em virtude do cumprimento de pena já realizado pelo condenado (não estando prevista na lei a contabilização retroactiva do perdão).


Assim vejamos,


O recluso iniciou o cumprimento de pena de prisão em 19.04.2018 à ordem do proc. 233/17.0... – cuja pena veio a ficar englobada na pena única de 4 anos referente ao 2.º cúmulo operado no proc. 2105/17.0... – cfr. fls. 373 v.


Em 15.04.2021, foi ligado ao proc. 2105/17.0... (que operou dois cúmulos jurídicos e que resultaram nas penas únicas de 3 e de 4 anos de prisão, a cumprir sucessivamente).


De acordo com a liquidação realizada pelo tribunal da condenação (fls. 392), o meio de ambas as penas únicas ficou previsto ocorrer em 12.10.2021, data para a qual foi determinado o ligamento do condenado ao proc. 2032/14.2... para iniciar o cumprimento da pena de prisão subsidiária – cfr. despacho proferido em 22.09.2021 – fls. 395 e 396.


Logo, no que respeita às duas penas únicas (de 3 e 4 anos) resultantes do 1.º e 2.º cúmulos realizados no âmbito do proc. 2105/17.0..., o condenado cumpriu (entre 19.04.2018 e 12.10.2021) metade de cada uma das penas (já que não mais esteve ligado a tal processo), pelo que, é perfeitamente exequível a aplicação do perdão na medida de 1 ano por referência a cada uma das penas únicas, num total de 2 anos, já que remanesce por cumprir mais de 1 ano em cada uma delas.


No entanto, relativamente à pena (de 2 anos) aplicada no âmbito do proc. 126/16. 9PECBR, atendendo a que o recluso cumpre pena à ordem desses autos desde 21.11.2021 até ao momento presente, à data da prolação do despacho que aplicou o perdão – 15.09.2023 – já se encontravam cumpridos 1 ano, 9 meses e 25 dias; remanescendo, assim, por cumprir o total de 2 meses e 5 dias – o que, crê-se, computa a extensão de pena passível de perdão.


Deste modo, tendo em consideração o perdão de 1 ano para cada uma das penas únicas aplicadas no âmbito do proc. 2105/17.0... e contabilizando o perdão do remanescente de pena por cumprir referente ao proc. 126/16.9... (computado em 2 meses e 5 dias), reformulou-se o cômputo das penas em execução sucessiva nos seguintes termos:


- o ½ da soma das penas de prisão, acrescidas dos 40 dias de prisão subsidiária, teve lugar em 17.10.2021;


- os 2/3 da soma das penas, computados da mesma forma, ocorreram em 06.12.2022;


- os 5/6 de todas as penas prevêem-se para 19.01.2024;


- o termo das penas ocorrerá em 18.03.2025.


Por força da reformulação do cômputo, devido aos perdões que o condenado beneficiou, encontram-se já os autos a encetar as diligências necessárias tendentes à apreciação, o mais urgente possível, da possibilidade de concessão da liberdade condicional por referência aos 2/3 da pena que, atentas as circunstâncias, já se encontra ultrapassado (encontrava-se previsto ocorrer em 21.05.2024 e antecipou para 06.12.2022).


Atento todo o exposto, e face aos elementos constantes dos presentes autos, considera-se, assim, que a prisão de AA corre dentro dos pressupostos legalmente definidos, não havendo lugar, neste momento, à concessão da liberdade condicional por referência aos 5/6 da pena que, conforme se explanou, ainda não foram atingidos.”


3. Convocada a Secção Criminal, notificado o Ministério Público e a Advogada do requerente, procedeu-se à audiência, de harmonia com as formalidades legais, após o que o Tribunal reuniu e deliberou como segue (artigo 223.º, n.º 3, 2.ª parte, do CPP).


II - Fundamentação


4. Das peças processuais juntas aos autos e do teor da informação prestada nos termos do art.223.º do Código de Processo Penal, emergem apurados os seguintes factos relevantes para a decisão da providência requerida:


1. O condenado AA encontra-se em cumprimento sucessivo das seguintes penas:


- pena de 3 anos de prisão, imposta no âmbito do (1.º) cúmulo jurídico realizado no proc. n.º 2105/17.0... (onde foram cumuladas as penas referentes aos procs. n.ºs 2105/17.0... T9CBR e 367/14.3...);


- pena de 4 anos de prisão, imposta no âmbito do (2.º) cúmulo jurídico realizado no proc. n.º2105/17.0... (no qual foram integradas as penas referentes aos procs. n.ºs 89/16.0..., 9/18.8... e 233/17.0...);


-pena de 2 anos de prisão, imposta no âmbito do proc. n.º126/16.9... (por revogação da suspensão);


-pena de 40 dias de prisão subsidiária, imposta no âmbito do proc. n.º 2032/14.2...


2. O condenado iniciou a reclusão em 19.04.2018, à ordem do proc. 233/17.0... (pena esta posteriormente englobada no cúmulo jurídico realizado no proc. 2105/17.0...).


3. Com efeitos reportados ao dia 15.04.2021 (data em que atingiu o termo da pena aplicada no proc. 233/17.0...) foi o recluso ligado à ordem do proc. 2105/17.0... (encontrando-se já transitada em julgado a decisão cumulatória proferida nesses autos).


4. O TEP em despacho proferido a 22-9-2021 (referência:2812065), procedeu ao cômputo sucessivo das penas, nos seguintes termos (transcrição):


“- o ½ da soma das penas de prisão, acrescidas dos 40 dias de prisão subsidiária terá lugar em 20/11/2022;


- os 2/3 da soma das penas, computados da mesma forma, ocorrerão 21/5/2024;


- os 5/6 de todas as penas prevêem-se para 13/11/2025 (aponha-se alarme informático);


- o termo das penas ocorrerá em 21/5/2027 (total da soma: 9 anos de prisão e 40 dias de prisão subsidiária).”


5. Atingido o meio das penas unitárias impostas no proc. n.º 2105/17.0... em 12.10. 2021, o recluso foi colocado, nessa data, à ordem do proc. n.º 2032/14.2... para cumprimento da pena de 40 dias de prisão subsidiária, que cumpriu integralmente até 21.11.2021.


5. Nessa sequência, em 21.11.2021 foi ligado ao proc. n.º 126/16.9..., para iniciar o cumprimento da pena que aí lhe foi imposta, ao qual permaneceu e permanece ligado desde então até ao presente momento.


6. Por despacho de 15.09.2023, do Juízo Central Criminal de ... – J... ., no âmbito do proc. n.º 2105/17.0..., foi determinada a aplicação do perdão por força da Lei n.º 38-A /2023, de 02.08, nos seguintes termos:


1 ano de perdão por referência ao primeiro cúmulo, o qual englobou as penas parcelares aplicadas no âmbito dos procs. 2105/17.0... e 367/14.3...;


1 ano de perdão por referência ao segundo cúmulo, o qual englobou as penas parcelares aplicadas no âmbito dos procs. 89/16.0..., 9/18.8... e 233/17.0...;


1 ano de perdão na pena aplicada no âmbito do proc. n.º 126/16.9...


7. O condenado apresentou requerimento no proc. n.º 2105/17.0... declarando prescindindo do prazo de recurso sobre a decisão judicial que aplicou o perdão da Lei n.º 38-A/2023, de 02.08.


5. Questão objeto do habeas corpus


Saber se o peticionante se encontra em prisão ilegal, nos termos do art.222.º do Código de Processo Penal, pois por efeito da aplicação do perdão da Lei n.º 38-A/2023 de 2 de agosto, atingiu já os 5/6 das penas sucessivas em 13-11-2022.


6. Direito


Delimitado o objeto da providência requerida, importa tecer breves considerações sobre o instituto jurídico de habeas corpus e as normas que fundamentam o pedido das arguidas visando a sua imediata restituição à liberdade.


6.1. A liberdade física, liberdade de movimentos, expressão da dignidade da pessoa humana é, desde tempos longínquos, objeto de ilegalidades e violações por abuso de poder.


Como garantia do direito à liberdade física das pessoas e à segurança, o art.27.º, da Constituição da República Portuguesa, formula o princípio de que «todos têm direito à liberdade e à segurança» (n.º1), «e ninguém pode ser total ou parcialmente privado da liberdade, a não ser em consequência de sentença judicial condenatória pela prática de ato punido por lei com pena de prisão» (n.º2).


Em reforço do mesmo princípio, o art.28.º da C.R.P. estatui, designadamente, que «A prisão preventiva tem natureza excecional, não sendo decretada nem mantida sempre que possa ser aplicada caução ou outra medida mais favorável prevista na lei.» (n.º2) e que « A prisão preventiva está sujeita aos prazos estabelecidos na lei.» (n.º4).


A prisão ou detenção é ilegal quando ocorra fora dos casos previstos nestes preceitos constitucionais.


No mesmo sentido, consagrando o princípio da legalidade, quanto às medidas de coação e de garantia patrimonial, estabelece o art.191.º, n.º1 do Código de Processo Penal, que «a liberdade só pode ser limitada , total ou parcialmente, em função de exigências processuais de natureza cautelar, pelas medidas de coação e de garantia patrimonial previstas na lei


Os artigos 192.º, 202.º e 204.º do Código de Processo Penal, invocados pelas peticionantes, estabelecem, respetivamente, as condições gerais de aplicação das medidas de coação e de garantia patrimonial, os pressupostos de aplicação da prisão preventiva e os requisitos gerais de aplicação, em concreto, das medidas de coação.


Para pôr termo à situação de ilegalidade da prisão, o art.31.º da Constituição da República Portuguesa, prevê, como providência específica, o «habeas corpus», dispondo o seguinte:


«1. Haverá habeas corpus contra o abuso de poder, por virtude de prisão ou detenção ilegal, a requerer perante o tribunal competente.


2. A providência de habeas corpus pode ser requerida pelo próprio ou por qualquer cidadão no gozo dos seus direitos políticos.


3. O juiz decidirá no prazo de oito dias o pedido de habeas corpus em audiência contraditória.».


O abuso de poder, referido nesta norma constitucional, traduz uma atuação especialmente gravosa no âmbito dessa ilegalidade, referindo o deputado Barbosa de Melo, em sede de Comissão Eventual para a Revisão Constitucional, no âmbito da IV Revisão Constitucional, que a ideia por trás da fórmula consagrada no art.31.º, n.º1, “…é que não basta que a prisão viole um aspeto menor, é necessário a violação de um princípio essencial da lei. Uma ilegalidade que é uma mera irregularidade não justifica o habeas corpus que é uma providência excecional.”.1


Anotando este art.31.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, escrevem Gomes Canotilho e Vital Moreira:


Na sua versão atual, o habeas corpus consiste essencialmente numa providência expedita contra a prisão ou detenção ilegal, sendo, por isso, uma garantia privilegiada do direito à liberdade, por motivos penais ou outros, garantido nos arts. 27º e 28.º (...).


A prisão ou detenção é ilegal quando ocorra fora dos casos previstos no art.27º, quando efetuada ou ordenada por autoridade incompetente ou por forma irregular, quando tenham sido ultrapassados os prazos de apresentação ao juiz ou os prazos estabelecidos na lei para a duração da prisão preventiva, ou a duração da pena de prisão a cumprir, quando a detenção ou prisão ocorra fora dos estabelecimentos legalmente previstos, etc..


Sendo o único caso de garantia específica e extraordinária constitucionalmente prevista para a defesa dos direitos fundamentais, o habeas corpus testemunha a especial importância constitucional do direito à liberdade”.


Ainda na doutrina constitucional, Jorge Miranda e Rui Medeiros, em anotação ao art.31.º, n.º1, da Lei Fundamental, defendem, sobre a qualificação de «providência extraordinária», atribuída ao habeas corpus, que esta “…não significa e não equivale á excecionalidade. Juridicamente excecional é a privação da liberdade (pelo menos, fora dos termos e casos de cumprimento de pena ou medida de segurança) e nunca a sua tutela constitucional. A qualificação como providência extraordinária será de assumir no seu descomprometido significado literal de providência para além (e, nesse sentido, fora – extra) da ordem de garantias constituída pela validação judicial das detenções e pelo direito ao recurso de decisões sobre a liberdade pessoal.”. 2


Na conformação constitucional e no seu desenho normativo, o habeas corpos é uma providência judicial urgente. “Visa reagir, de modo imediato e urgente, contra a privação arbitrária da liberdade ou contra a manutenção de uma prisão manifestamente ilegal” decretada ou mantida com violação “patente e grosseira dos seus pressupostos e das condições da sua aplicação”.3


Dando expressão ao art.31.º da Constituição da República Portuguesa, o art.222.º, n.º2, do Código de Processo Penal, estabelece como pressupostos de habeas corpus, em virtude de prisão ilegal:


«a) Ter sido efetuada ou ordenada por entidade incompetente;


b) Ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite; ou


c) Manter-se para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial.».


No seguimento do entendimento do habeas corpus, como uma providência extraordinária, a jurisprudência deste Supremo Tribunal vem considerando que os fundamentos do «habeas corpus» são aqueles que se encontram taxativamente fixados na lei, não podendo esse expediente ser utilizado para a sindicância de outros motivos suscetíveis de pôr em causa a regularidade ou a legalidade da prisão.4


O Supremo Tribunal de Justiça tem decidido uniformemente, ainda, por um lado, que a providência de habeas corpus não se destina a apreciar erros de direito nem a formular juízos de mérito sobre decisões judiciais determinantes da privação da liberdade5 e, por outro, que a procedência do pedido pressupõe a atualidade da ilegalidade da prisão reportada ao momento em que é apreciado o pedido.6


Retomando o caso concreto.


O peticionante entende que em face da decisão judicial proferida em 15-9-2023, no proc. n.º2105/17. 0… , que ao abrigo da Lei n.º 38-A/2023, de 02.08, lhe “fez o desconto de 3 anos às penas aplicadas”, atingiu os 5/6 da pena em 13-11-2022, pois no despacho de 22-9-2021, de liquidação da pena, o TEP indicou que os 5/6 da pena se atingiriam no dia 13/11/2025. Por outro lado, manifestou perante o Juízo Central Criminal e o TEP de Coimbra que prescindiu do prazo de recurso que decorria relativamente a essa decisão judicial.


A Ex.ma Juíza do TEP entende, por seu lado, que o perdão não pode ser concedido na extensão em que consta da decisão judicial proferida em 15-9-2023 no proc. n.º2105/17. ..., relativamente à pena de 2 anos de prisão aplicada no proc. n.º 126/16.9..., pois o condenado cumpre pena à ordem deste processo e à data em que foi proferido o despacho que aplicou o perdão (15-9-2023) o condenado já tinha cumprido neste processo 1 ano, 9 meses e 25 dias, remanescendo, assim, por cumprir neles o total de 2 meses e 5 dias.


Não estando prevista na lei a contabilização retroativa do perdão, este apenas pode ser contabilizado, no que respeita ao proc. n.º 126/16.9..., no remanescente da pena por cumprir, ou seja, em 2 meses e 5 dias.


Deste modo, tendo em consideração o perdão de 1 ano, para cada uma das penas únicas aplicadas no âmbito do proc. 2105/17.0..., e o perdão do remanescente de pena por cumprir referente ao proc. 126/16.9...,computado em 2 meses e 5 dias, entende que os 5/6 de todas as penas em execução sucessiva tem lugar em 19.01.2024.


Vejamos se o peticionante tem razão.


São dois os institutos presentes na petição de habeas corpus: a liberdade condicional e o perdão de penas.


A liberdade condicional é um incidente da execução da pena de prisão, consistindo na antecipação da liberdade de um condenado em pena de prisão, depois de aquele haver cumprido um período mínimo legal de reclusão e a observância de determinados requisitos previstos na lei e o seu consentimento.


O art.63.º, n.º 3 do Código Penal, estabelece que «Se a soma das penas que devam ser cumpridas sucessivamente exceder seis anos de prisão, o tribunal coloca o condenado em liberdade condicional, se dela não tiver antes aproveitado, logo que se encontrarem cumpridos cinco sextos da soma das penas.».


Assim, sempre que o condenado a pena de prisão superior a seis anos houver cumprido 5/6 da soma das penas que devam ser cumpridas sucessivamente e o condenado der o seu consentimento, é “obrigatória” a concessão da liberdade condicional.


O perdão genérico, enunciado no art.127.º do Código Penal, ao lado da amnistia e do indulto, é um ato de graça e um pressuposto negativo da punição.


Nos termos do art.128.º, n.º 3, do Código Penal «O perdão genérico extingue a pena, no todo ou em parte».


Por ocasião da realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude, a Assembleia da República aprovou, através da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto, um perdão de penas e uma amnistia de infrações.


No que respeita ao perdão de penas estabeleceu no seu art.3.º, designadamente o seguinte:


«1 - Sem prejuízo do disposto no artigo 4.º, é perdoado 1 ano de prisão a todas as penas de prisão até 8 anos.


(…)


4 – Em caso de condenação em cúmulo jurídico, o perdão incide sobre a pena única


Neste contexto, com a aplicação do perdão a pena não terá de ser cumprida.


Em artigo de anotação a este preceito da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto, escreve Pedro José Esteves de Brito:


Prevê-se um perdão até 1 ano de prisão a todas as penas de prisão aplicadas, a título principal, em medida inferior ou igual a 8 anos. Na verdade, se a pena de prisão aplicada for inferior a 1 ano terá que ser perdoada a totalidade da pena de prisão aplicada, na medida fixada. No caso de a pena de prisão aplicada superior a 1 ano, mas inferior ou igual a 8 anos, será perdoado 1 ano de prisão. Contudo, como é óbvio, em caso de pena de prisão já parcialmente cumprida no momento da entrada em vigor da Lei em apreço, caso o remanescente por cumprir seja inferior a 1 ano de prisão, o perdão é apenas na medida dessa parte da pena ainda não cumprida.”.7


Posto isto.


O peticionante faz duas afirmações para sustentar que já atingiu os 5/6 da pena em que foi condenado, que se impõem precisar.


A primeira delas, no sentido de que o despacho de 15-9-2023 - proferido pelo Juízo Central Criminal de ... – J... . -– procedeu ao desconto de 3 anos às penas aplicadas, não é de todo correta.


O que Juízo Central Criminal de ... – J... ., fez, foi aplicar 1 ano de perdão na pena única do 1.º cúmulo jurídico, 1 ano de perdão na pena única do 2.º cúmulo jurídico e 1 ano de perdão na pena aplicada no proc. n.º 126/16.9..., por considerar que se verificavam os pressupostos da sua aplicação enunciados pela Lei n.º 38-A/2023, de 02.08.


Em lado algum do despacho se procedeu ao desconto ou redução num total de 3 anos, às penas de cumprimento sucessivo em que que o ora peticionante foi condenado.


Também a afirmação do ora peticionante de que prescindiu do prazo de recurso que decorria relativamente ao despacho que aplicou o perdão, parece ter implícita a ideia de que o despacho de 15-9-2023 teria transitado, o que merece uma precisão.


Pese embora o laconismo da petição de habeas corpus a este respeito, não é correta esta ideia implícita, porquanto não é afirmado pelo ora peticionante, nem resulta dos autos, que o Ministério Público, que como representante da legalidade tem legitimidade para recorrer, tenha prescindido do prazo que ainda decorre de recurso daquele despacho.


Assim, o despacho de 15-9-2023 ainda não terá transitado.


De todo o modo, ao TEP, com competência para decidir da liberdade condicional, cabe verificar perante cada um dos perdões aplicados a cada uma das três penas sucessivas, se eles podem ser aplicados em toda a sua extensão, pois estando o condenado em cumprimento de pena, pode acontecer que alguma delas, por parcialmente cumprida, seja inferior a 1 ano de perdão.


Se em 1 de setembro de 2023, data da entrada em vigor da Lei .º 38-A/2023, de 02.08 - ou na data da aplicação do perdão, como entende a Ex.ma Juíza do TEP - a pena a cumprir, remanescente, for inferior a 1 ano de perdão, é essa pena remanescente que deve ser perdoada, é essa pena que não terá de ser cumprida.


Nos 1.º e 2.º cúmulos as penas únicas que remanescem quando o condenado, ora peticionante passou a cumprir pena à ordem do proc. n.º 126/16.9..., eram superiores a 1 ano de prisão, pelo que nada obsta ao desconto em cada um dos dois cúmulos do perdão de 1 ano, em resultado da aplicação da Lei .º 38-A/2023.


Já relativamente à pena de 2 de prisão que o condenado cumpria à ordem do proc. n.º 126/16.9..., estava quase toda cumprida na data em que foi aplicado o perdão, pois tendo cumprido 1 ano, 9 meses e 25 dias, o remanescente é de 2 meses e 5 dias.8


Assim sendo, como refere o TEP na sua informação prestada ao abrigo do art.223.º, n.º1 do Código de Processo Penal, na reformulação do computo das penas em execução sucessiva, deve atender-se ao perdão de 1 ano em cada uma das penas únicas do 1.º e 2.º cúmulo e ao perdão de 2 meses e 5 dias, correspondente ao remanescente de pena por cumprir no proc. n.º 126/16.9...


Contabilizando estes três perdões, nas três penas sucessivas, tendo o ora peticionante iniciado a reclusão em 19 de abril de 2018, os 5/6 da pena serão atingidos em 19 de janeiro de 2024.


Não tendo sido cumpridos ainda os 5/6 da pena a que alude o art.63.º, n.º 3 do Código Penal, não tem o peticionante de beneficiar obrigatoriamente da liberdade condicional.


Em conclusão, a pena de prisão que o peticionante cumpre mostra-se ordenada por entidade competente; é motivada por facto pelo qual a lei o permite; e não se mantém para além dos prazos fixados na lei ou em decisão judicial, pelo que não se verificam os pressupostos para deferir o habeas corpus fixados nos artigos 31.º da Constituição da República Portuguesa e 222.º do Código de Processo Penal.


Inexistindo um quadro de abuso de poder, por virtude dos fundamentos de habeas corpus invocados pelo peticionante/arguido, mais não resta que indeferir a sua petição.


III - Decisão


Nestes termos e pelos fundamentos expostos, decide-se:


a) Indeferir o pedido de habeas corpus peticionado pelo condenado AA, nos termos do art.223.º, n.º4, alínea a), do C.P.P., por falta de fundamento bastante; e


b) Condenar o requerente nas custas do processo, fixando em 2 (duas) Ucs a taxa de justiça.


*


(Certifica-se que o acórdão foi processado em computador pelo relator e integralmente revisto e assinado pelos seus signatários, nos termos do art.94.º, n.º 2 do C.P.P.).


Lisboa, 11 de outubro de 2023


Orlando Gonçalves (Juiz Conselheiro Relator)


Agostinho Torres (Juiz Conselheiro Adjunto)


António Latas (Juiz Conselheiro Adjunto)


Helena Moniz (Juíza Conselheira Presidente da Secção)

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1. Assim, Diário da Assembleia da República, de 12-9-1996, II série –RC, n.º 20, pág. 523 e Cons. Maia Costa, in “Julgar”, n.º29, “ Habeas corpus: passado, presente, futuro, pág.238.↩︎

2. Cf. “Constituição Portuguesa anotada”, Coimbra ed., 2005, tomo I, págs. 342/343.↩︎

3. Cf. acórdão do STJ de 9/08/2017, in www.dgsi.pt.↩︎

4. Cf. acórdãos do STJ de 19-05-2010, CJ (STJ), 2010, T2, pág.196, e de 03-03-2021, proc. n.º 744/17.8PAESP-A.S1, in www.dgsi.pt.↩︎

5. Cf. por todos, o acórdão do S.T.J. de 4-1-2017, proc. n.º 109/16.9GBMDR-B. S1, e jurisprudência nele citada, in www. dgsi.pt.↩︎

6. Cf., também, entre muitos outros, o acórdão de 8-11-2013, proc. n.º 115/13.3JAPRT-B. S1, in www. dgsi.pt.↩︎

7. Cf. Pedro José Esteves de Brito (Juiz de Direito no Juízo Central Criminal do Porto), in “Notas práticas referentes à Lei n.º 38-A/20023, de 2 de agosto, que estabelece um perdão de penas e uma amnistia de infrações por ocasião da realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude” , Julgar online, agosto de 2023.↩︎

8. A diferença é de 14 dias se a contagem se efetuasse a partir da entrada em vigor da Lei .º 38-A/2023, de 02.08 .↩︎