Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1901/21.8T8SRE-A.C1-A.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: OLIVEIRA ABREU
Descritores: ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
REJEIÇÃO DE RECURSO
DUPLA CONFORME
FUNDAMENTAÇÃO ESSENCIALMENTE DIFERENTE
MATÉRIA DE DIREITO
DECISÃO MAIS FAVORÁVEL
RECLAMAÇÃO
Data do Acordão: 10/12/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECLAMAÇÃO - ARTº 643 CPC
Decisão: RECLAMAÇÃO INDEFERIDA
Sumário :
I. Para que a dupla conforme deixe de atuar como obstáculo à revista, em termos gerais, torna-se necessário, uma vez verificada a decisão confirmatória da sentença apelada, a aquiescência, pela Relação, do enquadramento jurídico suportado numa solução jurídica inovatória, que aporte preceitos, interpretações normativas ou institutos jurídicos diversos e autónomos daqueloutros enunciados na sentença proferida em 1ª Instância, sendo que os elementos de aferição da conformidade ou desconformidade das decisões das Instâncias têm de se conter na matéria de direito.

II. Reconhecendo-se que o dispositivo do acórdão recorrido não é totalmente coincidente com a sentença proferida em 1ª Instância, encerrando, no entanto, uma decisão mais favorável para os recorrentes, importará sublinhar que não será esta circunstância que obstará ao reconhecimento da conformidade das decisões, que impede a interposição do recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça.

Decisão Texto Integral:

Acordam em Conferência no Supremo Tribunal de Justiça


I. RELATÓRIO

1. Vem a presente reclamação deduzida por AA e outros do despacho do Mmº. Juiz Desembargador relator a quo que não admitiu o recurso de revista, em termos gerais, consignando, a propósito, o seguinte:

“AA, BB e CC interpuseram recurso de revista contra o acórdão proferido por esta Relação em 24-01-2023, na parte em que ele, julgando improcedente o recurso de apelação, confirmou a decisão do tribunal da primeira instância de julgar improcedente a excepção de prescrição da obrigação exequenda, relativa ao capital e a parte dos juros, baseada na abertura de crédito de 08-04-1998, alterada em 15-02-2000, 16-09-2004 e 18-10-2012.

A título principal foi interposto recurso de revista normal. Para a hipótese de se entender que havia dupla conforme, interpuseram recurso de revista excepcional.

No meu entender não é admissível recurso de revista normal contra o acórdão na parte em que ele confirmou a decisão da 1.ª instância de julgar improcedente a prescrição da obrigação exequenda, relativa ao capital, baseada na abertura de crédito de 08-04-1998, alterada em 15-02-2000, 16-09-2004 e 18-10-2012 por a tanto se opor o n.º 3 do artigo 671.º do CPC e o facto de o acórdão recorrido ter confirmado, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, tal segmento da decisão proferida na 1.ª instância. Com efeito, tal decisão julgou improcedente a excepção de prescrição da obrigação exequenda emergente do contrato de crédito celebrado em 8/04/1998 por entender que tal obrigação estava sujeita não ao prazo de prescrição de 5 anos, previsto na alínea e) do artigo 310.º do Código Civil, mas ao de 20 anos (prazo ordinário), previsto no artigo 309.º do Código Civil.

Foi este entendimento que levou o acórdão desta Relação a confirmar a decisão recorrida quanto à questão da prescrição da obrigação de capital.

Pelo exposto não se admite o recurso de revista normal interposto contra o acórdão desta Relação.

No tocante à revista excepcional, a decisão quanto à verificação dos seus pressupostos compete ao Supremo tribunal de Justiça (n.º 3 do artigo 672.º do CPC).

Pelo exposto, remeta os autos ao Supremo Tribunal de Justiça.”

2. Sustentam os Reclamantes/AA e outros que deve ser deferida a presente reclamação, revogando-se, consequentemente, o despacho de não admissão da revista, enunciando as seguintes conclusões:

“I. Por Despacho do Relator da Relação, o recurso de revista normal foi rejeitado, não obstante estarem verificados os pressupostos gerais de admissibilidade, com fundamento na existência da figura de dupla conforme que se encontra plasmada no n.º 3 do artigo 671.º do Código de Processo Civil.

II. Na presente ação os ora reclamantes opuseram-se à execução, mediante embargos, alegando que as prestações decorrentes dos dois contratos de abertura de crédito em conta-corrente, atinentes a juros e reembolso de capital, se encontram prescritas, por força da aplicação do disposto no artigo 310.º, alínea e), do Código Civil.

III. O Tribunal de 1.ª instância entendeu ter-se verificado o vencimento antecipado de todas as prestações, quer de capital quer de juros, nos termos do artigo 781.º do Código Civil, em resultado do incumprimento dos devedores, mas considerou não ser aplicável ao caso o prazo prescricional de 5 anos, previsto no artigo 310.º, alínea e), do Código Civil, mas antes o prazo de prescrição ordinário de 20 anos.

IV. Por seu turno, o acórdão recorrido veio sustentar que os devedores tinham o dever de reembolsar por inteiro o capital que “foi posto à sua disposição”, por força do artigo 763.º, n.º 1, do Código Civil, segundo o qual “a prestação deve ser realizada integralmente e não por partes”. E acrescenta que isso é quanto basta para afastar a aplicação do disposto no artigo 310.º, alínea e), do Código Civil.

V. Ou seja, o que vale, segundo o acórdão, é o disposto no artigo 763.º, n.º 1, do Código Civil, onde está consagrada, com carácter supletivo, a regra da integralidade da realização da prestação debitória.

VI. O acórdão refere-se ao “reembolso do capital” como um todo, esquecendo que esse reembolso era feito por prestações - prestações semestrais, na versão do contrato agora em causa nos autos.

VII. A solução jurídica do pleito prevalecente na Relação assentou assim, de modo radicalmente ou profundamente inovatório, em norma perfeitamente diversa e autónoma do que havia justificado e fundamentado a decisão proferida na sentença apelada - ou seja, o acórdão se estribou decisivamente no inovatório apelo a um enquadramento jurídico diverso e radicalmente diferenciado daquele em que assentara a sentença proferida em 1.ª Instância.

VIII. Sendo substancialmente diferente o percurso ou o raciocínio jurídico da decisão da Relação e o da 1.ª Instância, estaremos perante fundamentação essencialmente diferente, para efeitos do disposto no artigo 671.º, n.º 3, do Código de Processo Civil.

IX. A desconformidade entre as decisões, circunscritas à matéria de direito, obsta ao funcionamento da limitação recursória decorrente da chamada dupla conforme, razão pela qual foi interposto recurso de revista regra, a título principal.

X. Como argumento adicional, refira-se que inexiste identidade integral ou absoluta, qualitativa e quantitativa, das duas decisões. Do cotejo da decisão da 1.ª Instância e do deliberado pela Relação verifica-se que não ocorreu confirmação irrestrita por esta do julgado por aquela.

XI. A Relação julgou parcialmente procedente o recurso e, em consequência, julgou prescritos os juros vencidos até 09.02.2017, em relação aos executados AA e BB, e até 19.02.2017, em relação à executada CC, substituindo essa parte da sentença por decisão a julgar prescritos os juros vencidos até tais datas, nos montantes de, respetivamente, € 83.667,13 e € 84.166,04.

XII. Não tendo a Relação confirmado, tal qual, o julgado pela 1.ª Instância, antes o alterando/revogando, inexiste a dupla conformidade.

XIII. Pelo que, o Senhor Juiz Desembargador Relator devia ter admitido o recurso como revista – regra.

XIV. O Despacho recorrido violou desta forma o dispositivo legal previsto no artigo 671.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

Atento o supra exposto se vem requerer a Vossa Excelência, Venerando Conselheiro, se digne receber a presente reclamação, fazendo recair sobre a matéria de que esta versa Decisão que admita o recurso de revista normal interposto a título principal.

Assim se fazendo a habitual, inteira e sã Justiça.”

3. Este Tribunal ad quem proferiu decisão singular, em cujo dispositivo consignou: “Termos em que se decide manter o despacho reclamado. Custas pelos Reclamantes/Recorrentes/AA e outros.”

4. Notificados os litigantes da aludida decisão singular, os Reclamantes/AA e outros mostraram o seu inconformismo, tendo reclamado para a Conferência, nos termos do disposto nos artºs. 652º n.º 3 do Código de Processo Civil, concluindo:

“I. Por Decisão singular do Venerando Conselheiro Relator, foi decidido que o caso em apreço encerra uma situação de dupla conforme.

II. A interpretação seguida não apresenta correspondência com o espírito da lei nem tão pouco com a letra da lei porquanto a fundamentação da Relação é radicalmente contraditória e conflituante à da 1.ª instância. Mais: é bom de ver que a segunda decisão não confirma ou está em concordância com a primeira.

III. A Decisão singular não discute a questão processual central que aqui se suscita: saber se a fundamentação legal da Relação, assente no artigo 763.º, n.º 1, do Código Civil é, ou não, essencialmente diferente da fundamentação utilizada pela 1.ª instância, que aplica ao caso o artigo 781.º do Código Civil.

IV. O Tribunal de 1.ª instância entendeu ter-se verificado o vencimento antecipado de todas as prestações, quer de capital quer de juros, nos termos do artigo 781.º do Código Civil, em resultado do incumprimento dos devedores, mas considerou não ser aplicável ao caso o prazo prescricional de 5 anos, previsto no artigo 310.º, alínea e), do Código Civil.

V. Por seu turno, o acórdão recorrido veio sustentar que os devedores tinham o dever de reembolsar por inteiro o capital que “foi posto à sua disposição”, por força do artigo 763.º, n.º 1, do Código Civil, segundo o qual “a prestação deve ser realizada integralmente e não por partes”.

VI. Ou seja, o que vale, segundo o acórdão, é o disposto no artigo 763.º, n.º 1, do Código Civil, onde está consagrada, com carácter supletivo, a regra da integralidade da realização da prestação debitória.

VII. O acórdão refere-se ao “reembolso do capital” como um todo, esquecendo que esse reembolso era feito por prestações – prestações semestrais, na versão do contrato agora em causa nos autos.

VIII. A solução jurídica do pleito prevalecente na Relação assentou assim, de modo radicalmente ou profundamente inovatório, em norma perfeitamente diversa e autónoma do que havia justificado e fundamentado a decisão proferida na sentença apelada - ou seja, o acórdão se estribou decisivamente no inovatório apelo a um enquadramento jurídico diverso e radicalmente diferenciado daquele em que assentara a sentença proferida em 1.ª Instância.

IX. Cremos claro o modo diverso da interpretação do contrato nas duas decisões. A 1.ª Instância, em consonância total com o requerimento executivo, no sentido que a restituição do capital era feita por prestações, por essa razão aplica o artigo 781.º do Código Civil, e a Relação, contrariando o que defende o credor no requerimento executivo, no sentido de que a restituição do capital era efetuada por inteiro e não por prestações, aplicando por isso ao caso o artigo 763.º, n.º 1, do Código Civil.

X. Sendo substancialmente diferente o percurso ou o raciocínio jurídico da decisão da Relação e o da 1.ª Instância, estaremos perante fundamentação essencialmente diferente, para efeitos do disposto no artigo 671.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, não se verificando assim o requisito objetivo exigido para a existência de dupla conforme - da conformidade essencial de fundamentação.

XI. Também falta, a nosso ver, o requisito objetivo da conformidade decisória. Parece‑nos que confirmar é dizer que a decisão da 1.ª instância está correta, é dizer que está bem tal e qual como está; não é dizer que está correta em parte, que está bem aqui, mas não está ali… E confirmar a decisão é confirmar a parte decisória da sentença na sua totalidade, independentemente do fundamento, o que in casu não se verifica.

XII. Outrossim, não parece serem de incluir na delimitação do âmbito da conformidade considerações de benefício para os recorrentes. Não é por causa da decisão da Relação se revelar mais favorável aos recorrentes, importando uma procedência parcial do recurso, que impede a revista; é sim porque a decisão ficou a mesma. Não é a posição dos recorrentes que conta; é o sentido da decisão.

XIII. Por isso, o Senhor Juiz Conselheiro Relator devia ter feito apelo à letra e espírito do n.º 3 do artigo 671.º do Código de Processo Civil, cuja aplicação tornaria incontroversa a admissibilidade do recurso de revista normal, face à inexistência de dupla conforme e cumpridos que estão os demais pressupostos recursórios.

Atento o supra exposto se vem requerer a Vossas Excelências, Venerandos Conselheiros, se dignem receber a presente impugnação da Decisão singular, fazendo recair sobre a matéria de que esta versa o competente Acórdão em que se admita o recurso de revista normal, interposto a título principal, julgando-o procedente como se pede.

Assim se fazendo a habitual, inteira e sã Justiça.”

5. Foram dispensados os vistos.

6. Cumpre decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO

Os Reclamantes/Embargantes/Executados/AA e outros ao impetrarem que seja proferido acórdão que revogue a decisão singular reclamada e se admita o recurso de revista, não aduz, a nosso ver, argumentação que encerre virtualidade bastante que infirme a decisão singular proferida, mantendo, no essencial todo o argumentário até então invocado nos autos.

Distinguimos da reclamada decisão singular razões para que se sustente a bondade de tal decisão, permitindo-nos, a propósito, respigar e sublinhar o que então foi consignado:

“A previsão expressa dos tribunais de recurso na Lei Fundamental, leva-nos a reconhecer estar vedado ao legislador suprimir, sem mais, em todo e qualquer caso, a prerrogativa ao recurso, admitindo-se, todavia, que o mesmo estabeleça regras/normas sobre a existência dos recursos e a recorribilidade das decisões.

A este propósito o Tribunal Constitucional sustenta que “Na verdade, este Tribunal tem entendido, e continua a entender, com A. Ribeiro Mendes (Direito Processual Civil, III - Recursos, AAFDL, Lisboa, 1982, p. 126), que, impondo a Constituição uma hierarquia dos tribunais judiciais (com o Supremo Tribunal de Justiça no topo, sem prejuízo da competência própria do Tribunal Constitucional - artigo 210º), terá de admitir-se que “o legislador ordinário não poderá suprimir em bloco os tribunais de recurso e os próprios recursos” (cfr. a este propósito, Acórdãos nº 31/87, Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 9, pág. 463, e nº 340/90, id., vol. 17, pág. 349). Como a Lei Fundamental prevê expressamente os tribunais de recurso, pode concluir-se que o legislador está impedido de eliminar pura e simplesmente a faculdade de recorrer em todo e qualquer caso, ou de a inviabilizar na prática. Já não está, porém, impedido de regular, com larga margem de liberdade, a existência dos recursos e a recorribilidade das decisões (…)”. (Acórdão n.º 159/2019 de 13 de março de 2019).

Na Doutrina, sustenta Rui Pinto, in, Notas ao Código de Processo Civil, Coimbra, 2015, páginas 174-175, “se o objeto de recurso de apelação é irrestrito, apenas com especificidades quanto à oportunidade da sua dedução (cf. art. 644º), já o objeto do recurso de revista é tipificado pela lei (…).

Nesta perspectiva, o direito ao recurso é essencialmente garantido pelo regime do recurso de apelação, ficando reservada para a revista uma função de estabilização e uniformização na aplicação do direito (…).”

Também Abrantes Geraldes, in, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2017, páginas 335-336, salienta que “com o CPC de 2013 se encontra consolidada a ideia de que o triplo grau de jurisdição em matéria cível não constitui garantia generalizada. Ainda que ao legislador ordinário esteja vedada a possibilidade de eliminar em absoluto a admissibilidade do recurso de revista para o Supremo (…), ou de elevar o valor da alçada da relação a um nível irrazoável e desproporcionado que tornasse o recurso de revista praticamente inatingível na grande maioria dos casos, não existem obstáculos à previsão de determinados condicionalismos a tal recurso. Aliás, (…) o Tribunal Constitucional vem uniformemente entendendo que as normas que, em concreto, restringem o recurso para o Supremo não estão feridas de inconstitucionalidade. O mesmo se poderá dizer das regras que limitam o recurso de decisões intercalares (…).”

Assim, a lei processual civil estabelece regras quanto à admissibilidade e formalidades próprias de cada recurso, reconhecendo-se que a admissibilidade dum recurso depende do preenchimento cumulativo de três requisitos fundamentais, quais sejam, a legitimidade de quem recorre, ser a decisão proferida recorrível e ser o recurso interposto dentro do prazo legalmente estabelecido para o efeito.

No caso que nos ocupa está reconhecida a tempestividade e legitimidade dos Recorrentes/AA e outros, uma vez que a interposição do recurso obedeceu ao prazo legalmente estabelecido, e a decisão de que recorrem lhes foi desfavorável, encontrando-se a dissensão quanto a ser a decisão recorrível.

Neste particular há que convocar as regras recursivas adjetivas civis, concretamente o art.º 671º n.º 3 do Código de Processo Civil, atinente à irrecorribilidade das decisões da Relação em consequência da dupla conforme, nos termos aí concretizados (…não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância …).

Com o deliberado objetivo de racionalizar o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça e acentuar as suas funções de orientação e uniformização de jurisprudência, consagra o direito adjetivo civil - art.º 671º n.º 3 do Código de Processo Civil - a regra da chamada dupla conforme que torna inadmissível o recurso do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1ª instância.

Do art.º 671º n.º 3 do Código de Processo Civil condizente ao n.º 3 do art.º 721º do anterior Código do Processo Civil, com a redação do Decreto-Lei n.º 303/2007 de 24 de Agosto, decorre, importar, agora, que a decisão da segunda instância não tenha uma fundamentação essencialmente diferente da decisão de primeira instância para que produza a dupla conforme, ao contrário do que acontecia com a alteração adjetiva civil, imposta pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, em que se abstraía da fundamentação do acórdão da segunda instância para que se verificasse a dupla conforme.

Levada a cabo a exegese do consignado normativo adjetivo civil o Supremo Tribunal de Justiça tem perfilhado o entendimento de que somente deixa de atuar a dupla conforme, a verificação de uma situação, conquanto a Relação, conclua, sem voto de vencido, pela confirmação da decisão da 1ª Instância, em que o âmago fundamental do respetivo enquadramento jurídico seja diverso daqueloutro assumido neste aresto, quando a solução jurídica prevalecente na Relação seja inovatória, esteja ancorada em preceitos, interpretações normativas ou institutos jurídicos diversos e autónomos daqueloutros que fundamentaram a sentença apelada, sendo irrelevantes discordâncias que não encerrem um enquadramento jurídico alternativo, ou, pura e simplesmente, seja o reforço argumentativo aduzido pela Relação para sustentar a solução alcançada.

Torna-se necessário, pois, para que a dupla conforme deixe de atuar, a aquiescência, pela Relação, da solução jurídica sufragada em 1ª Instância, suportada num enquadramento jurídico inovatório, que aporte preceitos, interpretações normativas ou institutos jurídicos diversos e autónomos daqueloutros enunciados no aresto apelado, neste sentido, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Fevereiro de 2015, de 30 de Abril de 2015, de 28 de Maio de 2015, de 26 de Novembro de 2015, de 16 de Junho de 2016, e de 8 de Novembro de 2018, in, http://www.dgsi.pt/stj, e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, não publicado [Processo n.º 856/12.4TJVNF.G1.S1], desta 7ª Secção Cível, proferido em 4 de Julho de 2019, pelo relator da presente decisão singular.

A este propósito, sustenta António Abrantes Geraldes, in, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017, 4ª edição, Almedina, página 349, “que com o CPC de 2013 foi introduzida uma nuance: deixa de existir dupla conforme, seguindo a revista as regras gerais, quando a Relação, para a confirmação da decisão da 1ª instância, empregue “fundamentação essencialmente diversa”. A admissibilidade do recurso de revista, no caso do acórdão da Relação ter confirmado, por unanimidade, a decisão da 1ª instância, está, assim, dependente do facto de ser empregue “fundamentação substancialmente diferente”. Aclarando o sentido e alcance da expressão “fundamentação essencialmente diferente”, elucida Abrantes Geraldes, in, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017, 4ª edição, Almedina, página 352, que “a aferição de tal requisito delimitador da conformidade das decisões deve focar-se no eixo da fundamentação jurídica que, em concreto, se revelou crucial para sustentar o resultado declarado por cada uma das instâncias, verificando se existe ou não uma real diversidade nos aspectos essenciais”.

Outrossim, anota-se que quando a parte dispositiva do aresto recorrido contém mais do que um segmento decisório, um ou uns em conformidade e outro ou outros em desconformidade com a primeira decisão judicial, o cotejo de cada um dos segmentos é decisivo para delimitar a divergência relevante para aferir da conformidade das decisões.

A revista, em termos gerais, deve “circunscrever-se ao segmento ou segmentos que revelem uma dissensão entre o resultado declarado pela 1.ª instância e pela Relação ou relativamente aos quais exista algum voto de vencido de um dos três juízes do colectivo (…) se quanto a determinado segmento se verificar a confirmação do resultado declarado na 1.ª instância, sem qualquer voto de vencido e com fundamentação essencialmente idêntica, fica eliminada, nessa parte, a interposição de recurso “normal” de revista. Em tal circunstância, o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça ficará dependente do acionamento da revista excecional e da sua aceitação pela formação referida no art. 672.º, n.º 3”, neste sentido, Abrantes Geraldes, in, Recursos no Novo Código do Processo Civil, 5ª edição, Almedina, Coimbra, 2018, página 370.

No caso sub iudice, confrontada a decisão proferida em 2ª Instância, divisamos que o acórdão da Relação concluiu, sem voto de vencido, no respetivo segmento dispositivo:

“Julga-se parcialmente procedente o recurso e, em consequência:

I. Revoga-se a sentença na parte em que julgou não prescritos os juros vencidos até 09-02-2017, em relação aos executados AA e BB, e até 19-02-2017, em relação à executada CC;

II. Substituiu-se essa parte da sentença por decisão a julgar prescritos os juros vencidos até tais datas, nos montantes de respectivamente, € 83 667,13 (oitenta e três mil seiscentos e sessenta euros e treze cêntimos) e € 84 166,04 (oitenta e quatro mil cento sessenta e seis euros e quatro cêntimos);

3.Mantém-se a parte restante da decisão recorrida.”

Resulta consignado no acórdão recorrido, e com utilidade, para a economia da presente apreciação: “Antes de entrarmos na apreciação dos fundamentos do recurso, importa precisar o objecto do recurso e as razões da decisão recorrida.

Na execução estavam em cobrança coerciva obrigações emergentes de dois contratos de abertura de crédito celebrados entre a Caixa Geral de Depósitos e a sociedade Construções Abílio Alves & Filho, das quais se constituíram fiadores solidárias e principais pagadores os embargantes, ora recorrentes:

• Um formalizado por documento particular em 8 de Abril de 1998, alterado em 15-02-2000, 16-09-2004 e 18-10-2012;

• Outro formalizado por documento particular em 11-11-2010,

As obrigações exequendas são as seguintes:

Com base na 1.ª operação de abertura de crédito, a obrigação de pagamento do montante de € 171 390,10 a título de capital, e a de pagamento do montante de 151 202,58, a título de juros.

Com base na segunda, a obrigação de pagamento do montante de € 10 253,01, a título de capital, e a de pagamento do montante de € 77 463,04, título de juros e a de pagamento de € 171,09, a título de despesas.

A sentença sob recurso julgou prescrita a obrigação de pagamento do capital e dos juros que tinha por base a segunda operação de abertura de crédito, que recaía sobre os executados ora embargantes, AA, BB e CC.

Julgou não prescrita, no entanto, essa mesma obrigação que impendia sobre a sociedade Construções Abílio Alves & Filho, Lda.

Este segmento da decisão é de considerar transitado em julgado, visto que contra ele não foi interposto recurso.

No que diz respeito à obrigação de pagamento do capital e dos juros baseada na abertura de crédito celebrada em 08-04-1998, e alterada em 15-02-2000, 16-09-2004 e 11-10-2012, o tribunal a quo julgou improcedente a excepção de prescrição invocada pelos embargantes.

A apelação versa precisamente sobre esta parte da sentença.

A sentença afastou o prazo de prescrição previsto na alínea e) do artigo 310.º do Código Civil, dizendo que tal prazo é aplicável a obrigações consubstanciadas em sucessivas quotas de amortização do capital mutuado ao devedor, originando prestações mensais e sucessivas, de valor predeterminado, englobando os juros devidos, enquanto no contrato, celebrado em 8/04/98, as prestações de capital não eram pagáveis com os juros, isto é, tais prestações não englobavam os juros. Concluiu que era aplicável o prazo ordinário de prescrição de 20 anos. E, considerando este prazo, quando foi instaurada a execução o mesmo ainda não se tinha completado.

Os recorrentes não põem em causa que, no caso de o prazo de prescrição da obrigação ser o ordinário (vinte anos), o mesmo ainda não se havia completado quando foi instaurada a execução. Com o que eles não concordam é com o entendimento da sentença de que não é aplicável à obrigação exequenda o prazo previsto na alínea e) do artigo 310.º do Código Civil. Contrapõem que as prestações em causa reúnem os pressupostos exigidos por tal norma: o carácter periódico e renovável.

Apreciação do tribunal:

O recurso é de julgar procedente, mas apenas em parte.

Vejamos.

A resposta à questão de saber se a decisão recorrida, na parte em que julgou improcedente a alegação de prescrição da obrigação exequenda baseada na abertura de crédito de 08-04-1998, alterada em 15-02-2000, 16-09-2004 e 18-10-2012, violou a alínea e) do artigo 310.º do Código Civil, passa, em primeiro lugar, pela interpretação do preceito e, em segundo lugar, pela caracterização de tal obrigação.

Interpretação do artigo 310.º, alínea e) do Código Civil:

Nos termos deste artigo prescrevem no prazo de cinco anos as quotas de amortização do capital pagáveis com os juros.

O preceito tem em vista os casos em que o devedor, além do capital, está obrigado a pagar juros e em que, por convenção dos contraentes ou por imposição da lei ou dos usos (2.ª parte do n.º 1 do artigo 763.º do Código Civil), o capital é pago por partes, às prestações, com os juros.

(…)

Volvendo, agora, a nossa atenção para a obrigação exequenda, cabe dizer que ela compreende, como já se escreveu acima, a obrigação de pagamento do montante de € 322 592,68 (trezentos e vinte e dois mil quinhentos e noventa e dois euros e sessenta e oito cêntimos), assim discriminado:

• € 171.390,10 (cento e setenta e um mil trezentos e noventa euros e dez cêntimos), a título de capital em dívida;

• € 151.202,58 (cento e cinquenta e um mil duzentos e dois euros e cinco e oito cêntimos), a título de juros vencidos deste 08/07/201 até 14/09/2021 (data da instauração da execução) calculados à taxa contratual de 10,625%.

Esta obrigação tem na sua origem um contrato de abertura de crédito, concluído entre a Caixa Geral de Depósitos e a sociedade Construções Abílio Alves & Filhos, Lda., datado de 08-04-1998, alterado em 15-02-2000, 16-09-2004 e 18-10-2012.

Para o caso interessa-nos a alteração de 18-10-2012, por ser a última e, sendo a última, é ela que vale nas relações entre os contraentes. Dentro de tal alteração interessa-nos de modo especial o que as partes convencionaram sobre o pagamento do capital posto à disposição da sociedade e sobre o pagamento dos juros.

Observe-se que se diz “capital posto à disposição da sociedade” pois, como é sabido, através da abertura de crédito (prevista como operação bancária no artigo 362.º do Código Comercial), o banco coloca à disposição do cliente uma quantia, por prazo determinado ou indeterminado, obrigando-se este a devolver o dinheiro que lhe for disponibilizado. A abertura de crédito é uma operação distinta de um contrato de empréstimo de dinheiro, também ele operação bancária prevista no artigo 362.º do Código Comercial. Ao passo que o empréstimo só fica perfeito com a entrega do dinheiro (artigo 1142.º do Código Civil), a abertura de crédito fica perfeita com o acordo sobre a disponibilização do crédito; crédito que o cliente pode não utilizar.

O objecto do mútuo de dinheiro é o dinheiro. Na abertura de crédito é a disponibilidade do dinheiro. Nesta, quem começa por dever é o banco, o que não sucede no mútuo. O cliente só fica obrigado a restituir o capital depois de este lhe ter sido disponibilizado pelo banco.

No presente recurso não está em causa a questão de saber se a Caixa Geral de Depósitos pôs efectivamente à disposição da sociedade o montante de € 171 390,10 (cento e setenta e um mil trezentos e noventa euros e dez cêntimos).

Está assente que assim fez.

Sobre a restituição à Caixa (credor originário) do capital disponibilizado à sociedade e sobre o pagamento dos juros as partes convencionaram o seguinte (cláusula 10.ª):

• O capital seria reembolsado no termo do prazo do contrato ou, em caso de prorrogação, no termo do último prazo prorrogado. O prazo era de 6 meses automaticamente prorrogado por períodos iguais e sucessivos, a menos que a Caixa ou a Cliente denunciassem o contrato por escrito, com pelo menos, 30 dias de antecedência em relação ao termo do prazo que estiver em curso.

• Os juros seriam calculados dia a dia sobre o saldo do capital em dívida e seriam liquidados e pagos postecipadamente e sucessivamente no termo de cada período de contagem de juros.

Por período de contagem de juros o trimestre.

Sendo este o acordo que o banco e o cliente estabeleceram quanto ao reembolso do capital e ao pagamento dos juros, é de concluir que a sociedade tinha o dever de reembolsar por inteiro o capital que foi posto à sua disposição, no termo do prazo do contrato ou, em caso de prorrogação, no termo do prazo da prorrogação. Valia, pois, em relação ao cumprimento de tal dever, a regra enunciada na 1.ª parte do n.º 1 do artigo 763.º do Código Civil, segundo a qual, “a prestação deve ser realizada integralmente e não por partes”.

É quanto basta para excluir a obrigação de reembolso do capital do âmbito da alínea e) do artigo 310.º do Código Civil, pois ela pressupõe que a dívida de capital seja paga por partes, em prestações. Acresce, a favor de tal exclusão, que, de acordo com o programa contratual, os juros não eram pagos conjuntamente com o capital.

Não se aplicando a tal obrigação qualquer outro prazo especial de prescrição, vale o prazo ordinário (vinte anos) previsto no artigo 309.º do Código Civil. E tendo este prazo por referência, a obrigação de reembolso do capital não está prescrita, como foi decidido pelo tribunal a quo, sem impugnação dos recorrentes.

Deste modo, não merece censura a decisão sob recurso na parte em que entendeu que o prazo de prescrição de 5 anos previsto na alínea e) do artigo 310.º do Código Civil não é aplicável à obrigação de reembolso do capital que tem por base a abertura de crédito alterada em 18-10-2012. (sublinhado nosso)

O mesmo já não se pode dizer em relação à decisão de não aplicar o prazo de prescrição de 5 anos à obrigação de pagamento dos juros.

Com efeito, segundo a alínea d) do artigo 310.º, prescrevem no prazo de cinco anos os juros convencionais ou legais.

Assim, embora, por razões diferentes das expostas pelos recorrentes [e as razões são diferentes porque o recurso filia a prescrição dos juros na alínea e) do artigo 310.º] é de entender que a obrigação de pagamento de juros está sujeita ao prazo de prescrição de 5 anos.

Daqui não se segue, no entanto, a revogação e a substituição da sentença recorrida por decisão a julgar prescritos todos os juros reclamados.

Na verdade, a exequente reclama o pagamento coercivo de juros vencidos há menos de cinco anos à data da citação dos executados para a execução e quanto a eles não há prescrição.

(…)

Tendo presentes as considerações acabadas de expor, o facto de a exequente reclamar o pagamento de juros desde 08-07-2012 e o facto de os executados, ora recorrentes, AA e BB terem sido citados em 10-02-2022 e de a executada CC ter sido citada em 20-02-2022, leva a considerar prescritos os juros vencidos até às seguintes datas:

• Até 09-02-2017, em relação aos executados AA e BB;

• Até 19-02-2017, em relação à executada CC.

Em termos quantitativos, até 09-02-2017 venceram-se juros no montante de € 83 667,13 (oitenta e três mil seiscentos e sessenta euros e treze cêntimos) e até 19-02-2017 venceram-se juros no montante de € 84 166,04 (oitenta e quatro mil cento sessenta e seis euros e quatro cêntimos).

Em relação a estes montantes, os executados têm a faculdade de recusar o seu pagamento (n.º 1 do artigo 304.º do Código Civil).

Em consequência, procede, nesta parte, o recurso.”

Tudo visto, identificámos que o acórdão recorrido conclui pela confirmação da decisão da 1ª Instância, no que respeita a excluir a obrigação de reembolso do capital do âmbito da alínea e) do artigo 310.º do Código Civil, na medida em que pressupõe que a dívida de capital seja paga por partes, em prestações, que não é caso trazido a Juízo, considerado o demonstrado acordo que o banco e o cliente estabeleceram quanto ao reembolso do capital e ao pagamento dos juros, concluindo que a sociedade tinha o dever de reembolsar por inteiro o capital que foi posto à sua disposição, no termo do prazo do contrato, ou, em caso de prorrogação, no termo do prazo da prorrogação, sendo que o cerne do respetivo enquadramento jurídico se identifica com aqueloutro assumido e plasmado pela 1ª Instância, não encerrando, de todo, um qualquer enquadramento jurídico alternativo.

Como bem adianta o acórdão recorrido: “Deste modo, não merece censura a decisão sob recurso na parte em que entendeu que o prazo de prescrição de 5 anos previsto na alínea e) do artigo 310.º do Código Civil não é aplicável à obrigação de reembolso do capital que tem por base a abertura de crédito alterada em 18-10-2012.

Neste particular, reconhecemos que o núcleo central da fundamentação jurídica que sustentou o acórdão do Tribunal da Relação, é inteiramente coincidente com a sentença da 1.ª Instância, logo, não houve “fundamentação essencialmente diferente” na manutenção do parcialmente decidido na 1.ª Instância, donde, o enquadramento jurídico sufragado em 1ª Instância tem a aquiescência da Relação, aportando esta os mesmos preceitos, interpretações normativas e institutos jurídicos.

Por outro lado, a circunstância de o dispositivo do acórdão recorrido ter revogado a sentença na parte em que julgou não prescritos os juros vencidos até 09-02-2017, em relação aos executados AA e BB, e até 19-02-2017, em relação à executada CC, substituindo essa parte da sentença por decisão a julgar prescritos os juros vencidos até 09-02-2017, em relação aos executados AA e BB e até 19-02-2017, em relação à executada CC, nos montantes de, respetivamente, € 83 667,13 (oitenta e três mil seiscentos e sessenta euros e treze cêntimos) e € 84 166,04 (oitenta e quatro mil cento sessenta e seis euros e quatro cêntimos), não afasta o reconhecimento da conformidade das decisões das Instâncias, porquanto não podemos deixar de relembrar a orientação doutrinal e jurisprudencial no sentido de equiparar uma situação de “dupla conformidade” total àqueloutra em que a Relação profere uma decisão que, embora não totalmente coincidente com a da 1ª Instância, se revele mais favorável aos apelantes, importando uma procedência parcial do recurso na Relação - “isto é, sempre que a Relação pronuncie uma decisão que é mais favorável - tanto no aspecto quantitativo, como no aspecto qualitativo - para esse recorrente do que a decisão recorrida proferida pela 1.ª instância, está-se perante duas decisões “conformes” que impedem que essa parte possa interpor recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça.

(…) “Se a improcedência total da apelação obsta, por imposição do sistema da “dupla conforme”, à interposição da revista, então também a procedência parcial dessa apelação não pode deixar de produzir, por idêntica razão, o mesmo efeito impeditivo”, neste sentido, Teixeira de Sousa, in, Dupla conforme: critério e âmbito da conformidade, CDP n.º 21, 2008, página 26; Abrantes Geraldes, in, Recursos no Novo Código do Processo Civil, 5ª edição, Almedina, Coimbra, 2018, páginas 371 e seguintes, onde se anota jurisprudência que segue esta orientação; Alves Velho, in, Sobre a revista excecional. Aspetos práticos, Colóquio sobre o Novo CPC, 2015, páginas 7 e seguintes, in, https://docentes.fd.unl.pt/docentes_docs/ma/ager_MA_26300.pdf; Francisco Ferreira de Almeida, in, Direito processual civil, volume II, 2ª edição, Almedina, Coimbra, 2019, páginas 578/579; e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Julho de 2019 (Processo n.º 1677/16.0T8STB.E1.S1), in, www.dgsi.pt.

Assim, reconhecendo que o dispositivo do acórdão recorrido não é totalmente coincidente com a sentença proferida em 1ª Instância, encerra, em todo o caso, uma decisão mais favorável para os Recorrentes/AA e outros ao reconhecer-lhes a prescrição dos juros vencidos até 09-02-2017, em relação aos executados AA e BB, e até 19-02-2017, em relação à executada CC, importará sublinhar que não será esta circunstância que obstará ao reconhecimento da conformidade das decisões, que impede a interposição do recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça.

Tudo visto, reconhecendo que o caso sub iudice encerra uma situação de dupla conforme, impõe-se afirmar que está vedado ao Supremo Tribunal de Justiça o conhecimento do objeto da revista, em termos gerais, por inadmissibilidade, conforme discreteado.

Anota-se, finalmente, que este Tribunal ad quem apenas e só se pronuncia sobre a reclamação apresentada pelos Reclamantes/Recorrentes/AA e outros, conforme impetrado no respetivo requerimento: “Atento o supra exposto se vem requerer a Vossa Excelência, Venerando Conselheiro, se digne receber a presente reclamação, fazendo recair sobre a matéria de que esta versa Decisão que admita o recurso de revista normal interposto a título principal. Assim se fazendo a habitual, inteira e sã Justiça”, o que, necessariamente, não invalida que, uma vez mantido o despacho reclamado, como se mantém, sejam os autos remetidos à Relação para que esta remeta ao Supremo Tribunal de Justiça, para nova distribuição, em razão da interposta revista excecional, de que, sublinhamos, não pode, nesta fase processual, curar este Tribunal ad quem, adstrito que está, apenas e só, à apreciação da reclamação apresentada (art.º 643º do Código de Processo Civil).”

A decisão singular encerra um discurso inteligível, importando, outrossim, o reconhecimento e acolhimento do respetivo enquadramento jurídico ao declarar a não admissibilidade da revista, sendo despiciendo qualquer reforço argumentativo para sustentar a solução alcançada, devendo manter-se.

III. DECISÃO

Decidindo, em Conferência, os Juízes que constituem este Tribunal:

I. Acordam em julgar improcedente o reclamado pedido de revogação da decisão singular, que não admitiu o recurso, mantendo-a na íntegra.

II. Custas pelos Reclamantes/Embargantes/Executados/AA e outros.

Notifique.

Lisboa, Supremo Tribunal de Justiça, 12 de outubro de 2023

Oliveira Abreu (relator)

Fátima Gomes

Nuno Ataíde das Neves