Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2743/20.3T8GMR-A.G1-A.S
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: ISABEL SALGADO
Descritores: RECURSO DE REVISTA
PRAZO
EXTEMPORANEIDADE
MULTA
REJEIÇÃO DE RECURSO
DIREITO AO RECURSO
ACESSO À JUSTIÇA
CONSTITUCIONALIDADE
Data do Acordão: 11/02/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECLAMAÇÃO - ARTº 643 CPC
Decisão: RECLAMAÇÃO INDEFERIDA
Sumário :
I. Conquanto o Recorrente alegue que realizou o prévio pagamento da multa no acto de interposição do recurso, além do termo do prazo legal, jamais juntou o comprovativo. Complacente com a invocada falha do sistema, emitida nova guia, também não a liquidou no prazo dela constante..

II. A preclusão do direito ao recurso fundada nos prazos perentórios injuntivos de interposição, não traduz violação do acesso à justiça garantido pela CRP; a tutela jurisdicional não isenta o utente de observar os ónus estabelecidos na lei ordinária, de resto, coexistindo a pari com o direito da parte contrária, de aceder ao tribunal em condições de igualdade e equidade.

Decisão Texto Integral:

Acordam em Conferência no Supremo Tribunal de Justiça


1. No âmbito da execução para pagamento de quantia certa, que Caixa Económica Montepio Geral intentou, contra New Pavillion – Imobiliária, Lda., veio deduzir oposição por meio de embargos de executado, julgados improcedentes no tribunal de primeira instância.

2. A embargante interpôs recurso de apelação, julgado improcedente no Tribunal da Relação de Guimarães, por acórdão proferido em 20-10-2022 , notificado às partes com data/registo de 21.10.2022.

3. Inconformada, a embargante interpôs recurso de revista (excecional), mas não admitido por extemporâneo, conforme despacho do Senhor Desembargador Relator que se transpõe “O requerimento em apreço tem data de 28.11.2022.O prazo de 30 dias para a interposição desse recurso terminou em 23.11.2022 (cf. art. 638º, nº 1, do Código de Processo Civil), sendo que o terceiro dia previsto no art. 139º, do mesmo Código, ocorreu em 28.11.2022.Contudo, a Recorrente não só não pagou inicialmente a taxa de justiça devida pela interposição desse recurso, como não o fez após notificação nos termos e para os efeitos do art. 642º, nº 1, do mesmo Código de Processo Civil.Sem prejuízo disso, o recurso seria sempre extemporâneo, dado que também não foi paga a multa prevista no citado art, 139º.Em face do exposto, determina-se o desentranhamento do requerimento e alegações do recurso em apreço (cf. art. 642º, nº 2, do C.P.C.).Custas do incidente pela Requerente, com taxa de 3 U.Cs. (cf. art. 527º, do Código de Processo Civil).”.

4. Veio então apresentar reclamação para este Supremo Tribunal, invocando, em conclusão, as razões da sua discordância:

“A. A recorrente procedeu ao pagamento da taxa de justiça aquando da apresentação do seu recurso. B. A guia n.º .............27 foi erradamente liquidada e carecia de correcção. C. A Recorrente requereu à secretaria a correcção da guia n.º .............27. D. O despacho reclamado erra objectivamente quando diz que a taxa de justiça não foi paga. E. Foi tentado o pagamento da totalidade da guia (ainda que erradamente liquidada) mas a referência não se encontrava activa. F. A Recorrente entendeu, legitimamente, que a guia havia sido anulada para ser corrigida. G. A Recorrente tudo fez para cumprir o disposto no art. 139.º do CPC e cumpriu. H. A falha no sistema das custas judiciais não é imputável à Recorrente. I. A impossibilidade técnica de pagamento da guia não é imputável à Recorrente. J. Estas circunstâncias não podem colocar em causa o seu legítimo direito de acesso aos Tribunais (e ao recurso). K. Além de injusta, errada e ilegal, a decisão de não admissão do recurso é excessiva e desconforme com a vontade do legislador consubstanciada nos artigos 2.º, 139.º e 157.º do CPC. L. Mais ainda, a decisão de não admissão do recurso é desproporcional. M. Valorando-se como superior o direito de acesso ao Direito e aos Tribunais, é este último que deve prevalecer, razão pela qual, deve a decisão que antecede ser revogada e substituída por outra que admita o recurso interposto, sem prejuízo de, assim entendendo V.Exas. ser ordenada a emissão de guia rectificada para pagamento da multa devida nos termos do art. 139.º do CPC. N. Foram violados, entre outros, os artigos 2.º, 139.º e 157.º do CPC e 18.º e 20.º da Constituição da República Portuguesa.”

5. O Senhor Conselheiro Relator decidiu pela improcedência da reclamação da embargante e manteve a decisão de não admissão da revista, de acordo com a fundamentação seguinte” - A Recorrente inicia de alegar que procedeu ao pagamento da taxa de justiça devida pelo recurso, considerando o disposto no art.º 139.º n.ºs 5 al.c) e 6 do CPCiv – DUC .............18.Tal documento não encontra comprovação como pré-pagamento no sistema de custas processuais, como decorre da informação anterior, solicitada já neste S.T.J.Foi então proferido despacho do relator, na Relação, em 23/1/2023, que ordenou o cumprimento do disposto nos art.ºs 139.º n.º 6 e 642.º n.º 1, do CPCiv.Em 26/1/2023, a Secretaria notificou a Recorrente para, no prazo de 10 dias, efetuar o pagamento da multa prevista no n.º 5 do art.º 139.º do CPCiv, acrescida da penalização de 25%, nos termos do n.º 6 do mesmo artigo, e da multa do artº 642.º nº 1, sob pena de se desentranhamento das alegações de recurso.Foi emitida guia da qual constavam data limite do pagamento (9/2/2023), valor a pagar, os locais e os modos de pagamento, guia com o n.º .............27, no valor de € 1 581,00.O sistema informático do IGFEJ, de certificação de custas judiciais e pesquisa de guias, informa que a guia não foi paga (o documento “comprovativo de operação Caixa directa”, junto aos autos pela Recorrente, foi obtido na data de 27/2/2023, na qual a guia se não encontrava já a pagamento) Neste quadro, cumpria à parte ter invocado justo impedimento, a fim de tornar possível a prática do acto omitido, nos termos do art.º 140.º n.º1 do CPCiv e oferecer prova (art.º 140.º n.º2 do CPCiv).Apontando as provas apuradas, mais não tendo sido apresentadas pela parte e ora Reclamante, para inexistência de comprovação de pré-pagamento de custas e, de seguida, para o não pagamento da guia emitida, outra consequência não poderia a decisão reclamada ter retirado que não fosse a do desentranhamento da alegação.Diz-se ainda que a decisão é desconforme com o direito de acesso aos tribunais e ao disposto nos art.ºs 2.º, 139.º e 157.º do CPCiv, devendo as normas invocadas no despacho reclamado ceder princípio superior do acesso ao Direito, conforma art.ºs 18.º e 20.º da Constituição da República Portuguesa.Todavia, não existe um genérico e ilimitado direito de recorrer de todos os actos jurisdicionais, que seja extensivo a todas e quaisquer circunstâncias e matérias, gozando, ao invés, o legislador ordinário de uma razoável margem de liberdade na definição dos casos em o que o recurso é admissível e dos termos em que tal direito há de ser exercido.Nestes casos inclui-se a necessidade de pagamento da taxa de justiça que a todos os recorrentes obriga.Da mesma forma, os princípios constitucionais do direito a um processo equitativo, da igualdade das partes, da segurança jurídica e da protecção da confiança, plasmados nos artigos 2.º e 20.º da Constituição da República Portuguesa, não obrigam a que se considerem recorríveis as decisões proferidas, quando o recorrente haja omitido o pagamento das taxas de justiça que oneram, por igual, todos os cidadãos que pretendam recorrer à via judicial, para a solução de determinadas questões que os afectam.E, quanto às multas que acresceram às taxas, têm elas que ver, salvo o devido respeito, com o próprio comportamento da parte, pelo que, também nesse caso, não colhe invocar princípios gerais constitucionais que obliterem as próprias responsabilidades.Decisão:Na improcedência da reclamação apresentada, mantém-se o despacho reclamado.Custas pela Reclamante.”

6. A reclamante vem agora submeter a questão à apreciação da Conferência, tendo em conta o disposto no artigo 652.º, n.º 3, ex vi artigo 679.º do CPC e, suportada nas seguintes conclusões:

A. A recorrente procedeu ao pagamento da taxa de justiça quando apresentou o seu recurso. B. A guia n.º .............27 foi erradamente liquidada e carecia de correção. C. Nesse sentido, a Recorrente requereu à secretaria a correção da guia referida. D. O Despacho que ora se reclama erra quando diz que a taxa de justiça não foi paga. E. Ainda assim, a Recorrente tentou proceder ao pagamento da guia, mas a referência não se encontrava ativa. F. A Recorrente entendeu, legitimamente, que a guia havia sido anulada, e que seria emitida uma nova. G. A falha no sistema de custas judicias e a impossibilidade técnica de pagamento da guia não são imputáveis à Recorrente. H. O Exmo. Relator faz tábua rasa do requerido pela Recorrente, não lhe dando sequer oportunidade para regularizar o pagamento devido. I. Ainda, o Exmo. Relator não oficiou a secretaria para juntar aos autos o resultado da pesquisa referente à confirmação do pagamento do DUC .............18, como havia sido requerido. J. Além de injusta e ilegal, a decisão do douto Despacho que se reclama é desproporcional, violando os artigos 2.º, 139.º e 157.º do CPC. K. Foram violados, ainda, os artigos 18.º e 20.º da Constituição da República Portuguesa, porquanto se ignora e viola o direito de acesso aos Tribunais e ao Direito. Nestes termos requer-se a V.Exas. se dignem julgar procedente a presente Reclamação revogando, em consequência, o Despacho que antecede e substituindo-o por outro, que admita o recurso interposto, sem prejuízo de ser ordenada a emissão de guia retificada para pagamento da multa, devida nos termos do art.139.º do CPC.”

7. Cumpre decidir

A recorrente mantém-se inconformada com a não admissão do recurso, reiterando , sem inovação na argumentação inicial, que foi objeto de apreciação detalhada no despacho do relator; pelo que, em economia de actos, bastará ao colégio, que sufraga aquela decisão e fundamentos, reproduzir o respetivo teor, conforme largamente acolhido neste tribunal, v.g. o Acórdão do STJ de 14-10-2021 proferido nesta secção:

“ (…)II.Quando, na reclamação da decisão singular prevista no artigo 652.º, n.º 3, do CPC, a reclamante não apresenta nenhum argumento novo, limitando-se a requerer que sobre a matéria recaia um acórdão, pode a Conferência manter aquela decisão singular sem necessidade de apresentar novos fundamentos ou sequer de os reproduzir.”1

De qualquer modo, estando claramente enunciada na decisão singular transcrita, a fundamentação da rejeição do recurso revista, em corroboração do seu conteúdo, e, em síntese :

- Conquanto o Recorrente alegue que procedeu ao pré-pagamento do quantitativo da multa exigida pela interposição extemporânea do recurso de revista, nunca logrou demonstrá-lo;

- Ainda assim, acolhendo o invocado erro na guia de pagamento, e prevenindo eventual falha no sistema, foi ordenada a passagem de outra guia, a fim de a recorrente liquidar a multa devida até 9.2.2023, o que não fez, nem para a omissão invocou justo impedimento;

- Ao contrário do que afirma, neste tribunal, o Senhor Conselheiro Relator cuidou de solicitar ao IGFEJ informação a propósito , que respondeu em sentido negativo, i.e, que tal guia não estava já a pagamento por excedido o prazo limite de pagamento, como aliás resulta do comprovativo de operação “Caixa directa”, junto aos autos pela Recorrente, obtido na data de 27/2/2023;

- Finalmente, a limitação do direito ao recurso em função das regras processuais estabelecidas , como são os prazos perentórios de interposição estabelecidos na lei ordinária, não configura a negação do acesso à justiça garantido pela CRP; a tutela jurisdicional efetiva e a equidade não significam que o cidadão fique dispensado de observar e respeitar os ónus e requisitos estabelecidos para o exercício do direito, que de resto, continua a coexistir com igual direito dos outros cidadãos, em particular, a parte contrária, de aceder ao tribunal em condições de igualdade, designadamente, quanto aos prazos processuais e os mecanismos de exceção legal.

Pelo exposto, delibera-se indeferir a reclamação, mantendo a decisão impugnada de não admissão da revista.

Custas pela recorrente, fixando-se em 3 UC a taxa de justiça.

Lisboa, 2 de Novembro de 2023

Isabel Salgado (relatora)

Ana Paula Lobo

Afonso Henrique

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1. No proc. 54843/19.6YIPRT.G1-A.S1, e Relatora Catarina Serra.