Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 4.ª SECÇÃO | ||
Relator: | RAMALHO PINTO | ||
Descritores: | REVISTA EXCEPCIONAL ÓNUS DE ALEGAÇÃO | ||
Data do Acordão: | 11/03/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REVISTA EXCEPCIONAL | ||
Decisão: | NÃO ADMITIDA A REVISTA EXCECIONAL. | ||
Sumário : |
I - O recorrente que invoca, como fundamento de uma revista excepcional, as alíneas a) e b) do nº 1 do artigo 672º do CPC tem o ónus de indicar “as razões pelas quais a apreciação da questão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito” e/ou “as razões pelas quais os interesses são de particular relevância social”, sob pena de rejeição do recurso; II - Não cumpre esse ónus o recorrente que se limita a, de forma vaga e genérica, tecer considerações genéricas sobre a qualificação do contrato como de trabalho e sobre a presunção de laboralidade estabelecida no artº 12º do CT. | ||
Decisão Texto Integral: | Processo 25211/20.9T8LSB.L1.S2 Revista Excepcional 124/23 Acordam na Formação a que se refere o nº 3 do artigo 672.º do Código de Processo Civil da Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: AA instaurou acção declarativa de condenação emergente de contrato de trabalho contra Maló Clinic, SA, acção a que foi atribuído o nº 27849/20.5..., pedindo que se condene a Ré a pagar ao Autor: “a) o valor das retribuições vencidas e vincendas, desde passado mês de Abril, inclusive, até ao trânsito em julgado da sentença, no montante mensal de €5.000, somando as vencidas e não pagas até Outubro de 2020 o valor global de € 35.000,00. b) a quantia de € 10.000,00 de férias não gozadas, vencidas em 01/01/2020, e respetivo subsídio; c) a quantia de € 3.750,00 € de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal, proporcionais aos meses de Janeiro a Março de 2020; d) quantia não inferior a € 65.000,00 de indemnização, em substituição da reintegração, que deverá ser atualizada de acordo com a antiguidade, em função do tempo que decorra desde a presente data até ao trânsito em julgado da sentença; e) a quantia de € 6.000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais; f) a quantia de € 87.950,00 de subsídios de férias e subsídios de Natal em divida, dos anos de 2008 a 2019; g) a quantia de € 46.092,50, a título de retribuição devida por trabalho suplementar, prestado aos sábados; h) a quantia de € 69.693,00 de ajudas de custo, pelas despesas acrescidas que o Autor teve de suportar, resultantes da prestação de serviço, no interesse e ao serviço da Ré, na clínica desta na ...; i) e juros de mora, à taxa legal, sobre as quantias devidas ao Autor, desde a citação até integral pagamento.” Realizada a audiência de partes, foi determinada a apensação de tal acção ao processo nº 25211/20.9T8LSB.L1.S1(no qual é Autor BB e Rés Maló Clinic SA e Orange Value, SA ). As Rés apresentaram contestações. No que à acção de AA concerne, no despacho saneador decidiu-se: - julgar improcedente a excepção da incompetência internacional do Juízo do Trabalho deduzida pela Ré; - julgar improcedente a excepção da caducidade dos créditos vencidos em data anterior a 5 de Agosto de 2019 (invocada pela Ré por ter sido homologado um PER e não terem sido reclamados créditos pelo Autor no âmbito do dito PER), considerando o tribunal a quo que “(…) os credores não são forçados a reclamar os seus créditos no âmbito de um PER e amiúde, quando o fazem, e os mesmos são controvertidos, a questão é remetida para os meios comuns. É certo que o legislador afirma que o PER vincula todos os credores, incluindo os que não participaram das negociações. Porém, caso o devedor não reconheça os credores sempre os mesmos não têm qualquer alternativa senão recorrer aos meios comuns. Não existe pois nenhuma obrigação de reclamação dos créditos no âmbito do PER, pelo que improcede a exceção deduzida”; - relegou-se para a decisão final o conhecimento da excepção de prescrição dos créditos peticionados, deduzida pela Ré por ter sido celebrado um contrato de prestação de serviço com a K...... ....... . ........., Lda. no dia 1 de Setembro de 2019. Em 9.09.2021 a Ré interpôs recurso do despacho saneador na parte em que julgou improcedente a deduzida excepção de caducidade. Foi realizada audiência final e proferida sentença, em que a acção foi considerada totalmente improcedente e a Ré foi condenada como litigante de má-fé. Os Autores de ambas as acções e a Ré interpuseram recursos de apelação da sentença. O recurso de apelação interposto do despacho saneador veio a ser admitido, com subida em separado. Pese embora não tenhamos acesso a tal apenso, consta do relatório do Acórdão da Relação ora recorrido que “Foi entretanto proferida decisão sumária neste Tribunal da Relação, revogando a decisão constante do despacho saneador no que concerne aos créditos reclamados pelos AA. e constituídos até 02 de Agosto de 2019 e julgando, quanto a estes créditos, extinta a instância com fundamento na excepção dilatória inominada decorrente do preceituado nas disposições conjugadas dos artigos 17.º-E, n.º 1 e 17.º- D, n.º 10, do CIRE, decisão de que foi deduzida reclamação para a Conferência, vindo esta a confirmar a decisão sumária reclamada por Acórdão de 15 de Fevereiro de 2023.”. Por Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 15.03.2023 foi decidido: “Em face do exposto: 6.1. determina-se o desentranhamento e entrega à R. das cópias das sentenças que ofereceu a fls. 1989 e ss., bem como a sua ocultação informática, condenando a recorrente na multa de 2 UC’s (artigo 27.º, n.º 1 do Regulamento das Custas Processuais); 6.2. julga-se improcedente a questão prévia da intempestividade do recurso da sentença interposto pelo A. AA; 6.3. rejeita-se a impugnação da matéria de facto deduzida pelo recorrente AA; 6.4. oficiosamente, eliminam-se os pontos 1. a 3., 16., 33. a 43., 417. e 519. dos factos provados na 1.ª instância, acrescenta-se à mesma matéria um novo ponto 413-A. e elimina-se o segmento conclusivo do ponto 14. dos factos considerados não provados, nos termos sobreditos; 6.5. julga-se parcialmente procedente a impugnação da decisão de facto deduzida pelo recorrente BB e, em consequência: 6.5.1. alteram-se os pontos 46., 65., 91., 177., 309., 311., 312., 401., 491., 499. e 518. da matéria de facto provada e o ponto 14 dos factos não provados, nos termos sobreditos; 6.5.2. eliminam-se os pontos 31. e 32. da matéria de facto provada; 6.5.3. aditam-se os pontos 498-A., 501-A., 506-A., 506-B., 511-A. e 527. da matéria de facto provada, nos termos sobreditos; 6.5.4. rectificam-se os pontos 178., 304. e 307. da matéria de facto provada, nos termos sobreditos; 6.6. decide-se, quanto ao mais, negar provimento à apelação interposta pelo A. BB e confirmar a sentença recorrida; 6.7. nega-se provimento à apelação interposta pelo A. AA e confirma-se a sentença recorrida; 6.8. concede-se parcial provimento à apelação deduzida pela recorrente Maló Clinic, S.A. revogando a sentença recorrida na parte em que a condenou em multa por litigância de má fé; 6.9. decide-se dispensar as partes do pagamento da taxa de justiça remanescente na acção e no presente recurso; 6.10. condena-se cada um dos AA. recorrentes nas custas de parte que haja a contar relativamente aos recursos que interpuseram; 6.11. condena-se o A. AA nas custas de parte que haja a contar relativamente ao recurso interposto pela R. da condenação de que esta foi objecto como litigante de má fé.”. O Autor AA interpôs recurso de revista excepcional. Foi proferido despacho a determinar a subida do recurso. Os autos foram remetidos ao Supremo Tribunal de Justiça. x O processo foi distribuído a esta Formação, para se indagar se estão preenchidos os pressupostos para a admissibilidade da revista excepcional referidos nas alíneas a) e b) do nº 1 do artº 672º do Código de Processo Civil. O Autor invocou, com vista a essa admissibilidade, nas conclusões, o seguinte: I. O Autor não pode deixar de manifestar a sua profunda discordância com o Douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, que, entende o Recorrente, não fez a melhor apreciação do direito aplicável. II. Nos presentes autos, o Autor AA, orarecorrente, peticionou contra a Ré Maló Clinic, S.A., que se declare, em suma, que desde março de 2008 vigorava um contrato de trabalho entre Autor e Ré e a ilicitude do despedimento, condenando-se a Ré a pagar ao Autor os valores originados pelo reconhecimento do referido contrato de trabalho e respetivosvalores em consequência do despedimento ilícito. III. Por sentença proferida a 13.11.2021, foi a ação julgada improcedente e absolvida a Ré do pedido, tendo o Autor interposto recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa, que confirmou a sentença recorrida. IV. O Autor, aqui recorrente, entende que deve ser admitida a Revista excecional nos presentes autos, ao abrigo do artigo 672.º, n.º 1, al. a) e b) do C.P.C., porque considera que a questão discutida tem interesse de particular relevância social, devendo ser considerado o interesse da comunidade e os valores que se sobrepõem ao mero interesse das partes. V. Entende o recorrente que a improcedência da ação comporta um impacto negativo, não só na esfera jurídica do autor, mas na comunidade em geral, atento à aplicação da decisão a tantas outras situações análogas VI. A questão da presunção da laboralidade, em especial, no caso em que existe a intermediação de sociedades comerciais para criar a aparência da inexistência de uma relação laboral, assume particular importância na sociedade, tanto mais que não raras vezes a relação que se estabelece entre empregador e trabalhador é precária, para beneficio do empregador e em prejuízo do trabalhador. VII. A questão discutida reveste uma especial importância e tem impacto que extravasa os meros interesses das partes ou o inerente objeto do processo, tratando-se de uma questão que suscita dúvidas no nosso ordenamento jurídico. VIII. Entende o recorrenteque assume especial importância que o problema jurídico seja largamente discutido nas várias instâncias judiciais, para garantir a aclaração de conceitos jurídicos e, ultimamente, na realização da justiça para as partes em confronto. IX. Pois, a questão discutida convoca problemáticas no domínio da presunção de laboralidade, nomeadamente, por ser frequente a ocultação, pela entidade empregadora, de uma relação laboral com um trabalhador, através da intermediação de uma sociedade comercial, criada especialmente para o efeito. X. Entende o recorrente que, na apreciação concreta da subordinação jurídica, face acadasituação,deve ter-se emcontaque asubordinação em si mesma pode ter diferentes níveis. XI. A subordinação jurídica que se estabeleceu entre as partes é ténue e de difícil demonstração porque a Ré, ao longo de todo o período contratual, o fez com o intuito de em momento algum fazer transparecer a autoridade e subordinação que efetivamente exercia sobre o recorrente e restantes colegas que prestavam o seu trabalho nas clínicas da Ré em situações análogas às do Autor. XII. Verifica-se uma intenção clara da Ré em ocultar a existência de todas as diretrizes, regras e ordens que efetivamente existiam. XIII. Dos factos dados como provados, retira-se que existiam efetivamente regras, protocolos, indicações de como gerir a agenda e férias dos trabalhadores, emanadas pela Ré – Cfr. ponto 500 da matéria dada como provada; existiam regras relativamente aos horários dos médicos, por exemplo, uma escala de sábado em que a Ré estipulava que todos os médicos dentistas deviam integrar a mesma. – Cfr. ponto 491 da matéria dada como provada; havia, por isso, controlo sobre o horário do Autor, ainda que de forma intencionalmente camuflada pela Ré. – Cfr. pontos 489, 492 e 493 dos factos dados como provados. XIV. Ainda que existisse alguma autonomia por parte dos trabalhadores da Ré, como era o caso do Autor, sempre de certa forma a Ré controlava alguns dos aspetos relativos às ausências, férias, horários de cada trabalhador. XV. O caso concreto não se compadece com operações de aplicação do direito de tipo fundamentalmente subjuntivo e nos quais se impõe especial ponderação dos interesses que norteiam e foram causais da lei. XVI. A intervenção do STJé suscetível de se traduzirnumamelhor aplicação do direito, reforçando a segurança, certeza e previsibilidade na sua interpretação e aplicação e dessa forma contribuindo para minimizar – numa matéria da maior relevância prática e jurídica – indesejáveis contradições entre decisões judiciais. x Cumpre apreciar e decidir: A revista excepcional é um verdadeiro recurso de revista concebido para as situações em que ocorra uma situação de dupla conforme, nos termos do artigo 671º, nº 3, do Código de Processo Civil. A admissão do recurso de revista, pela via da revista excepcional, não tem por fim a resolução do litígio entre as partes, visando antes salvaguardar a estabilidade do sistema jurídico globalmente considerado e a normalidade do processo de aplicação do Direito. De outra banda, a revista excepcional, como o seu próprio nome indica, deve ser isso mesmo- excepcional . A Recorrente invoca como fundamento da admissão do recurso o disposto nas alíneas a) e b) do nº 1 do artigo 672º do Código de Processo Civil, que referem o seguinte: “1 - Excecionalmente, cabe recurso de revista do acórdão da Relação referido no n.º 3 do artigo anterior quando: a) Esteja em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito; b) Estejam em causa interesses de particular relevância social”. Relativamente à primeira excepção à regra da irrecorribilidade em situações de dupla conforme, prevista na referida alínea, a) pode ler-se em anotação ao artº 672º do CPC, anotado por Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís F. P. Sousa (Almedina Vol. I, 2018), “Para esta primeira exceção são elegíveis situações em que a questão jurídica suscitada apresente um carácter paradigmático e exemplar, transponível para outras situações, assumindo relevância autónoma e independente em relação aos interesses das partes envolvidas. Na verdade, a intervenção do Supremo apenas se justifica em face de uma questão cujo relevo jurídico seja indiscutível, embora a lei não distinga entre questões que emergem do direito substantivo ou do direito adjetivo. Não bastará, pois, o mero interesse subjetivo da parte.» Com maior desenvolvimento, Abrantes Geraldes (Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2018, 5.ª Edição, pág. 381) refere: “Outra linha de força aponta para a recusa da pretensão quando a decisão recorrida se enquadrar numa corrente jurisprudencial consolidada, denotando a interposição de recurso mero inconformismo perante a decisão recorrida. As expressões adverbiais empregues na formulação normativa (“excecionalmente” e “claramente necessária”) não consentem que se invoque como fundamento da revista excecional a mera discordância quanto ao decidido pela Relação. Tão pouco bastará a verificação de uma qualquer divergência interpretativa, sob pena de vulgarização do referido recurso em situações que não estiveram no espectro do legislador. Constituindo um instrumento processual em que fundamentalmente se pretendem tutelar interesses ligados à “melhor aplicação do direito”, a intervenção do Supremo apenas se justifica em face de questões cujo relevo jurídico seja indiscutível, o que pode decorrer, por exemplo, da existência de legislação nova cuja interpretação suscite sérias divergências, tendo em vista atalhar decisões contraditórias (efeito preventivo), ou do facto de as instâncias terem decidido a questão ao arrepio do entendimento uniforme da jurisprudência ou da doutrina (efeito reparador)”. Por outro lado, e no que concerne à segunda excepção à regra da irrecorribilidade em situações de dupla conforme, prevista na referida alínea b), os autores já citados Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís F. P. Sousa (Almedina Vol. I, 2018), referem que “Na segunda exceção, por estarem em causa interesses de particular relevo social, serão de incluir ações cujo objeto respeite, designadamente, a interesses importantes da comunidade, à estrutura familiar, aos direitos dos consumidores, ao ambiente, à ecologia, à qualidade de vida, à saúde ou ao património histórico e cultural, valores que naturalmente se sobrepõem também ao mero interesse subjetivo da parte da admissibilidade do terceiro grau de jurisdição”. Importa, no entanto e à partida, ter em conta que decorre do nº 2 do artigo 672.º do CPC que o recorrente tem o ónus de indicar na sua alegação, sob pena de rejeição, “as razões pelas quais a apreciação da questão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”, caso invoque a alínea a) do nº 1 do artigo 672º e “as razões pelas quais os interesses são de particular relevância social”, quando o fundamento da revista excepcional reside no disposto na alínea b) desse nº 1. Como se decidiu no Ac. deste Supremo Tribunal de 29/09/2021, proc. n.º 2948/19.0T8PRT.P1. S2, no recurso de revista excepcional devem ser indicadas razões concretas e objetivas reveladoras de eventual complexidade ou controvérsia jurisprudencial ou doutrinária da questão, com a consequente necessidade de uma apreciação excepcional com o objectivo de encontrar uma solução orientadora de casos semelhantes. Ora, é manifesto que, no caso em apreço, a Recorrente não deu suficiente cumprimento a esse ónus de indicar as razões pelas quais é necessária a intervenção deste STJ. Comece-se por se dizer que a questão da qualificação do contrato de trabalho tem sido objecto de enorme tratamento na doutrina e jurisprudência, na esmagadora maioria das vezes por contraposição ao contrato de prestação de serviço. Em termos sintéticos, temos que dos conceitos vazados nos artigos 1152º e 1154º do Código Civil decorre que as diferenças entre ambos são estabelecidas através, por um lado, da obrigatoriedade da retribuição (presente no contrato de trabalho, mas não necessariamente no contrato de prestação de serviços, embora na realidade também nele exista retribuição, na maior parte dos casos); por outro, na prestação objecto do contrato - uma obrigação de meios (actividade, no contrato de trabalho) ou de resultado (no contrato de prestação de serviços) - e, por último, na existência ou não de subordinação jurídica do prestador de trabalho ao respectivo credor. Decisivo para a distinção acaba, pois, por ser o elemento "subordinação jurídica" que consiste na circunstância de o prestador do trabalho desenvolver a sua actividade sob a autoridade e direcção do empregador, o que significa a possibilidade de o credor do trabalho determinar o modo, o tempo e o lugar da respectiva prestação. O mesmo abundante tratamento doutrinal e jurisprudencial tem ocorrido a propósito da presunção de laboralidade estabelecida no artº 12º do CT. Assim sendo, não se vê que os factos provados suscitem controvérsia ou dificuldade na aplicação do direito, nem qualquer necessidade de densificação dos conceitos e normas invocados pelo recorrente. Nenhuma destas normas revela qualquer ponto que careça de clarificação jurídica. E o Recorrente, e no que respeita à alínea a), não indica com as suficientes clareza e precisão, limitando-se a invocar razões meramente genéricas, qual a questão ou questões cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito. Limitando-se a manifestar a sua discordância quanto à aplicação do direito aos factos e alegando, em termos genéricos, que ocorre impacto negativo, não só na esfera jurídica do autor, mas na comunidade em geral, atento à aplicação da decisão a tantas outrassituações análogas. Só não o diz em que termos, de forma a justificar a intervenção deste STJ. É certo que refere a questão da presunção da laboralidade, em especial, no caso em que existe a intermediação de sociedades comerciais para criar a aparência da inexistência de uma relação laboral, assume particular importância na sociedade, tanto mais que não raras vezes a relação que se estabelece entre empregador e trabalhador é precária, para beneficio do empregador e em prejuízo do trabalhador. Alegação manifestamente vaga, e daí insuficiente, já que não indica em que é que a intervenção do STJ, em termos de revista excepcional, pode contribuir para uma melhor aplicação do direito quanto a tal problemática. E também não especifica qualquer controvérsia jurisprudencial a propósito de tal matéria. Alegações genéricas que igualmente se verificam na invocação da al. b) do nº 1 do artº 672º do CPC. Aqui limita-se a invocar que se trata “de uma questão que suscita dúvidas no nosso ordenamento jurídico”, assumindo “especial importância que o problema jurídico seja largamente discutido nas várias instâncias judiciais, para garantir a aclaração de conceitos jurídicos” Mas em que termos concretos se verificam essas dúvidas, qual a aclaração de conceitos jurídicos que propõe? Tal, só por si e sem qualquer argumentação complementar, não basta para se concluir que se está na presença de interesses de particular relevância social que justifiquem a intervenção do STJ em sede de revista excecional. Em suma: alegações meramente genéricas quanto a tais aspectos, não identificando o Recorrente, com as necessárias concretização e especificação, a questão ou as questões que pretende submeter ao STJ, que justifiquem a intervenção deste, em sede de revista excepcional, de modo a identificar, com as indispensáveis clareza e segurança, a questão ou questões cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, sejam claramente necessárias para melhor aplicação do direito, ou tenham que ver com interesses de particular relevância social. É jurisprudência consolidada deste Supremo Tribunal que não bastam afirmações efectuadas de uma forma genérica e vaga, sendo necessário explicitar, com argumentação sólida e convincente, as razões concretas e objectivas, susceptíveis de revelar a alegada relevância jurídica e social, não relevando o mero interesse subjetivo do recorrente, sendo necessário que o mesmo concretize com argumentos concretos e objectivos- cfr., entre outros, os acórdãos deste STJ de 11/05/2022, proc. 1924/17.1T8PNF.P1.S1, de 30/03/2022, Proc. n.º 5881/18.9T8MAI.P1.S2, de 17/03/2022, Proc. n.º 28602/15.3T8LSB.L2.S2, e de 11/05/2021, Proc. n.º 3690/19.7T8VNG.P1.S2 “O recorrente que, simplesmente, reputa uma questão de juridicamente relevante, não cumpre o ónus previsto no n.º 2 do art. 672.º do CPC, pelo que o recurso não deve ser admitido com esse fundamento” - Ac. de 10/11/16, Proc. nº 501/14.3T8PVZ.E1.S1. “É de rejeitar liminarmente o recurso de revista excecional quando não foram indicadas razões concretas e objetivas reveladoras de eventual complexidade ou controvérsia jurisprudencial ou doutrinária da questão, com a consequente necessidade de uma apreciação excecional com o objetivo de encontrar uma solução orientadora de casos semelhantes.- Ac. de 10/11/21, Proc. nº 2475/18.2T8VFX-A.L1.S1. x Decisão: Pelo exposto, acorda-se em indeferir a admissão da revista excepcional, interposta pelo Autor / recorrente, do acórdão do Tribunal da Relação. Custas pelo Recorrente. Lisboa, 03/11/2023 Ramalho Pinto (Relator) Júlio Vieira Gomes Mário Belo Morgado
Sumário (da responsabilidade do Relator). |