Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
198/19.4T8VIS.C1.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: GRAÇA AMARAL
Descritores: RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
RESPONSABILIDADE BANCÁRIA
INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
DEVER DE INFORMAÇÃO
NEXO DE CAUSALIDADE
ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA
ÓNUS DA PROVA
PRESUNÇÃO JUDICIAL
MATÉRIA DE FACTO
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
ILICITUDE
PRESUNÇÃO DE CULPA
VALORES MOBILIÁRIOS
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
PRESSUPOSTOS
Data do Acordão: 10/17/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: REVISTA IMPROCEDENTE.
Sumário :
I - A informação prestada pelo intermediário financeiro é deficiente e inexacta quando não elucida aspectos essenciais do produto de modo a permitir ao cliente entender as respectivas especificidades.
II - Constitui aspecto essencial para um investidor de perfil conservador e não qualificado a informação de que o produto (obrigações SLN) detinha a mesma segurança que o depósito a prazo, com garantia de capital a 100% (cem por cento), tal como o depósito a prazo, sem que lhe tenha sido explicitado, pelo menos, que não lhe assistia a garantia prevista para os depósitos bancários a prazo, isto é, o reembolso de € 25 000,00 garantidos legalmente, que consubstancia característica específicas do produto ab initio (por não estar dependente de quaisquer variantes designadamente da evolução da conjuntura económico-financeira).
III - A violação do dever de informação que impende sobre intermediário financeiro leva a presumir a sua conduta como culposa, nos termos do disposto no art. 314.º, n.º 2, do CVM.
IV - O juízo presuntivo e o conhecimento dele resultante consubstancia um facto; não um juízo de valor nem uma conclusão de direito.
V - É lícita a demonstração do nexo causal entre o facto ilícito (a informação inexacta ou deficiente prestada pelo intermediário financeiro) e o dano (o não reembolso do capital investido) através de ilação fáctica retirada pelo tribunal da Relação.
Decisão Texto Integral:

Acordam na 6ª Secção Cível do Supremo Tribunal de Justiça,

I – relatório


1. AA, BB e CC, instauraram acção declarativa de condenação com processo comum contra o Banco BIC Português, SA, deduzindo os seguintes pedidos:


a) Declare que a aquisição do produto financeiro traduzido na compra de UMA obrigação SLN, ao Réu (…) foi levada a efeito no pressuposto de que o produto financeiro em causa se mostrava a coberto da garantia de reembolso do capital a 100% (cem por cento);


b) Declare que é da Responsabilidade do BANCO BIC S.A (…), o reembolso do capital reportado á aquisição por parte do DD e AA da obrigação SLN, no valor de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), porquanto com a transmissão do Nacionalizado Banco BPN, para a esfera jurídica do Réu BANCO BIC S.A (…) transmitiram-se de igual modo na sua totalidade todas as obrigações emergentes dos contratos que obrigavam o BPN, independentemente de todo e qualquer acordo que o Réu (…), tenha estabelecido com o Estado Português no acto de compra ou em momento anterior, o que só lhe concede o direito de regresso a discutir entre as partes em causa (…);


c) Condene o ao Réu (…) a proceder ao imediato reembolso do capital de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), acrescidos dos juros vencidos, à taxa praticada pela banca Portuguesa para os depósitos a prazo, desde 24 de Abril de 2015 até à citação do Réu e ainda dos juros vincendos, á taxa legal, até integral reembolso do capital, condenando ainda o Réu BANCO BIC S.A., a pagar aos Autores quantia indemnizatória, por danos morais sofridos pelos Autores com o comportamento imputável ao Réu BANCO BIC S.A., traduzido na informação falsa prestada pelo gerente do Balcão de ... e que conduziu á presente situação e nunca inferior a 5.000,00 Euros;


A entender que o contrato é nulo


d) Julgar-se nulo o contrato de intermediação financeira celebrado entre DD e Réu que deu origem à ordem de subscrição, muito antes de 2007, de obrigações SLN no valor de € 50 000 (cinquenta mil euros), e em consequência, condenar o Réu BANCO BIC SA., a restituir aos Autores o valor de € 50 000 (cinquenta mil euros) acrescido de juros, à taxa praticada pela banca, desde 13-02-2007 e até à citação do Réu, a este se somando o valor do juro vincendo, á taxa legal, a calcular desde a data de citação do Réu até ao dia do efectivo e integral pagamento, que, naturalmente só no futuro se poderá calcular.


Alegaram para o efeito e essencialmente:


- serem os únicos e universais herdeiros de DD, falecido em ........2018


- ter a Autora AA e o falecido DD aberto conta no BPN, em 05-03-2022, com a finalidade de, enquanto senhorios do prédio onde se localizava a agência do BPN de ..., serem, naquela conta, depositados/transferidos os valores das rendas;


- terem sido abordados pelo gerente da agência de ... para efectuarem uma aplicação num produto que detinha a mesma segurança que o depósito a prazo, com garantia de capital a 100%, com juros mais altos, apesar de ter um prazo mais longo, podendo proceder ao resgate antecipado ao fim de dois anos;


- terem acedido a subscrever com o montante de 50.000,00€ tais obrigações (SLN 2004), nessas circunstâncias e atentas as condições que lhe foram apresentadas.


2. O Réu contestou, defendendo-se por excepção (invocando a prescrição do direito dos Autores) e por impugnação.


3. Em resposta os Autores defenderam a improcedência da excepção arguida por estar em causa culpa grava da Ré.


4. Dispensada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador onde foi decidido relegar para final o conhecimento da prescrição.


Foi identificado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova.


5. Realizado julgamento foi proferida sentença que julgou improcedente a excepção de prescrição e parcialmente procedente acção, decidindo nos seguintes termos:


“1– Declara-se que a aquisição do produto financeiro traduzido na compra de uma obrigação SLN, ao Réu, BPN- (ACTUAL BANCO BIC S.A., RÉU NA PRESENTE ACÇÃO), Contribuinte Fiscal n.º ... ... .93, e Sede Social: Av. ... ... ..., adquirida na agência de ..., foi levada a efeito no pressuposto de que o produto financeiro em causa se mostrava a coberto da garantia de reembolso do capital a 100% (cem por cento)..


2 – Declara-se que é da Responsabilidade do BANCO BIC S.A, o reembolso do capital reportado à aquisição por parte do DD e EE obrigação SLN, no valor de € 50.000,00 (cinquenta mil euros).


3 - Condena-se o Réu, BANCO BIC S.A., Contribuinte Fiscal n.º ... ... .93, e Sede Social: Av. ... ... ..., a proceder ao reembolso do capital de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), acrescidos dos juros vencidos, à taxa legal de 4% ao ano, nos termos dos artigos 804º nº 1, 805º nº 2 al. a) e 806º todos do Código Civil, desde 25 de outubro de 2015 até à citação do Réu e ainda dos juros vincendos, á taxa legal, até integral reembolso do capital


4- Condena-se o Réu BANCO BIC S.A., a pagar aos Autores quantia indemnizatória, a título de danos não patrimoniais sofridos pelos Autores, na quantia de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros), quantia essa considerada atualizada à presente data, acrescida de juros, à taxa legal de 4%, a contar do trânsito em julgado da presente decisão e até efetivo e integral pagamento.”.


6. A Ré, impugnando a matéria de facto, interpôs apelação, tendo o Tribunal da Relação de Coimbra proferido acórdão que julgou improcedente a apelação, confirmando a sentença.


7. Novamente inconformada a Ré interpôs recurso de revista ao abrigo do artigo 672.º, n.º2, alíneas a) e b), do CPC, concluindo nas suas alegações (transcrição):


1) O recurso ora interposto é de revista excepcional, a admitir nos termos do disposto no art.º 672 nº 1 als. a) e b) do CPC.


2) Ambas as decisões das instâncias acabam por condenar o Banco-R. no pagamento de indemnização por violação do dever de informação enquanto intermediário financeiro.


3) O âmbito dos concretos deveres de informação a observar pelo intermediário financeiro tem sido objecto de vasta jurisprudência, com soluções e orientações bastante distintas, para não fizer completamente opostas.


4) Pontifica a este propósito as diferentes posições quanto à necessidade e grau de informação do risco de insolvência da entidade emitente bem como do risco de incumprimento da obrigação de reembolso, por oposição à menção de “capital garantido”.


5) Varia, igualmente, e diríamos de forma inaudita, a interpretação e consequências jurídicas do anúncio do produto de “capital garantido”, ali vendo algumas decisões uma verdadeira fiança ou assunção de dívida – como parece ser o caso da decisão recorrida, ao passo que outras veem na mesma exacta expressão apenas uma afirmação de segurança do investimento num contexto de pressuposta segurança por parte de todo o contexto social e financeiro no momento em que é feita a aplicação, ou por fim, quem veja – como é na realidade, uma mera característica da própria emissão, em que o valor de reembolso é necessariamente igual ao valor nominal do título.


6) Estes concretos temas e questões, além de relevantes na discussão da pura dogmática jurídica, são hoje, na ressaca da chamada “crise das dívidas”, uma das pedras de toque de todo o sistema financeiro, por um lado, e judicial por outro, em face do volume de contencioso pendente em todos os Tribunais perante o não reembolso de inúmeras emissões de vários instrumentos de dívida. Além disso,


7) O volume do contencioso exactamente com este objecto, com a definição e delimitação do dever de informação na comercialização de instrumentos financeiros em momento anterior a Dezembro de 2007, é hoje considerável e com um grande impacto na economia e na sociedade portuguesa em geral, até pela repetição de situações análogas em várias instituições bancárias, por corresponder a uma actividade corrente antes da chamada crise das dívidas.


8) Não podemos senão concluir pela admissibilidade do presente recurso de revista, nos citados termos do disposto no art.º 672º nº 1 . als. a) e b) do Código de Processo Civil. Acresce que...


9) A menção à expressão capital garantido não tem por si só a virtualidade de atribuir qualquer senso desaparecimento de todo o risco de qualquer tipo de aplicação... A este propósito, de resto, e quase esvaziando tudo o que pudéssemos alegar, é eloquente o parecer adiante junto do PROF. PINTO MONTEIRO, onde se chega a esta mesma conclusão!


10) A expressão capital garantido mais não é do que a descrição de uma característica técnica do produto – corresponde à garantia de que o valor de reembolso, no vencimento, é feito pelo valor nominal do título e correspondente ao respectivo valor de subscrição! Ou seja, o valor do capital investido é garantido!


11) Veja-se a este propósito o Plano de Formação Financeira em site do Conselho de Supervisores Portugueses – www.todoscontam.pt!


12) Vale isto por dizer que, ainda que se entenda que esta expressão mereceria uma densificação ou explicação aos clientes, a fim de evitar qualquer confusão, o certo é que, transmitindo uma característica técnica, não se poderá firmar que o banco, ou os seus colaboradores agiram com culpa, e muito menos grave!


13) insistimos no facto de esta menção, ainda que interpretada por um “leigo” apenas deveria permitir concluir pela segurança atribuída ao instrumento financeiro em causa! E não a qualquer tipo de garantia absoluta de cumprimento da entidade emitente.


14) A apresentação de características de um produto financeiro meramente descritivas, com indicação de prazo, remuneração, garantia de capital, liquidez por endosso não parece constituir de qualquer forma uma forma de manifestação de uma vontade de vinculação por parte de quem as anuncia!


15) E o certo é que as Obrigações eram então, como são ainda de uma forma geral, um produto conservador, com um risco normalmente reduzido, indexado à solidez financeira da sociedade emitente. Ao que acrescia, no caso concreto, e em abono desta sociedade emitente pertencer ao mesmo Grupo que o Banco Réu - mais, de ser a sua sociedade totalmente dominante!


16) Tanto mais que o risco de um DP no Banco seria, então, semelhante a uma tal subscrição de Obrigações SLN, porque sendo a SLN dona do Banco a 100%, o risco da SLN estava indexado ao risco do próprio Banco.


17) Ao entender esta expressão como tendo valor negocial, o tribunal a quo violou o disposto no art.º 236 º do Código Civil. De resto,


18) O dever de informação quanto aos “riscos do tipo de instrumento financeiro” surge perfeitamente densificado quanto ao seu cumprimento, não deixando o legislador uma cláusula aberta que permita margem para dúvida quanto ao alcance do seu dever.


19) De facto, se é verdade que a informação tem que ser completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita (art. 7º CdVM), não é menos verdade que o cumprimento desse dever de transmissão da informação não se compadece com qualquer conceptologia idílica e de delimitação difusa quanto ao seu inadimplemento.


20) E desde logo, não se compadece com ideias simplistas como as de mera reprodução de prospectos dos produtos, principalmente antes da transposição da chamada DMIF, em que a complexidade técnica da documentação de cada instrumento financeiro era enorme.


21) A informação deve ser prestada não apenas de forma exaustiva, mas essencialmente de uma forma acessível.


22) A adequação da informação começa exactamente por afastar o cumprimento meramente formal do dito dever de informação, antes visando uma efectiva informação.


23) O CdVM estabelece objectiva e precisamente qual a informação que tem de ser prestada quanto a cada um dos contratos de intermediação financeira e até – em alguns casos –, quanto aos instrumentos financeiros objecto dessa intermediação.


24) E, quanto ao risco, há aqui que chamar à colação o art. 312º nº 1 alínea e) do CdVM, que obriga então o intermediário financeiro a informar o investidor sobre os “riscos especiais envolvidos nas operações a realizar”. Ora, tal redacção refere-se necessariamente ao negócio de intermediação financeira enquanto negócio de cobertura que, depois, proporcionará negócios de execução. E a verdade é que tal menção não pode nunca equivaler ao dever de informação sobre o instrumento financeiro em si (como, aliás, na redacção aplicável ao caso).


25) Neste sentido apontam não só o elemento histórico decorrente da redacção anterior da lei, como também o elemento sistemático já abordado, como até o seu próprio elemento literal.


26) Mas, o que é certo é que, o legislador não deixou nada ao acaso e logo no número seguinte, afirmou claramente o que se devia entender por risco do tipo do instrumento financeiro em causa.


27) Assim é que nas quatro alíneas do nº 2 do art. 312º-E obriga a que a descrição dos riscos do tipo do instrumento em causa incluam: a. a) Os riscos associados ao instrumento financeiro, incluindo uma explicação do impacto do efeito de alavancagem e do risco de perda da totalidade do investimento; b. b) A volatilidade do preço do instrumento financeiro e as eventuais limitações existentes no mercado em que o mesmo é negociado; c. c) O facto de o investidor poder assumir, em resultado de operações sobre o instrumento financeiro, compromissos financeiros e outras obrigações adicionais, além do custo de aquisição do mesmo; d. d) Quaisquer requisitos em matéria de margens ou obrigações análogas, aplicáveis aos instrumentos financeiros desse tipo.


28) São ESTES e APENAS ESTES os riscos do tipo do instrumento financeiro sobre os quais o Intermediário Financeiro tem que prestar informação!


29) A alusão que a lei faz quanto ao risco de perda da totalidade do investimento está afirmada em função das características do investimento. Trata-se, portanto, de um risco que tem que ser endógeno e próprio do instrumento financeiro e não motivado por qualquer factor extrínseco ao mesmo.


30) O investimento em Obrigações, não é sujeito a qualquer volatilidade, sendo o retorno do investimento certo no final do prazo, por reembolso do capital investido ao valor nominal do título (de “capital garantido”), acrescido da respectiva rentabilidade.


31) Logo, não há necessidade de que a advertência do risco de perda da totalidade do investimento seja feita, porque a mesma não é aplicável ao caso!


32) Recordemos que qualquer contrato, seja qual for a sua natureza, apenas um de dois destinos: o cumprimento ou incumprimento! Ou seja, é de uma ingenuidade atroz pensar-se que alguém toma a prestação de qualquer contrato como certa, e não apenas como mais ou menos segura!


33) Por isso, a informação acerca do risco da perda do investimento tem que ser dada em função dos riscos próprios do tipo de instrumento financeiro, o que deve ser feito SE E SÓ SE tais riscos de facto existirem!


34) Não se pode confundir a advertência sobre o risco de perda do investimento com a análise de qualquer qualidade e robustez (ou falta dela) do emitente do título!


35) Não cometeu o R. qualquer acto ilícito! 36) A decisão recorrida violou por errónea interpretação ou aplicação o disposto no art.º 312 do CdVM (na redacção aplicável), e os art.ºs 74 e 75 do RGCISF”.


7. Em contra-alegações os Autores pronunciam-se no sentido da inadmissibilidade da revista e pela improcedência da mesma.


8. Por decisão de 15-09-2020, foi admitida a revista excepcional.


II – APRECIAÇÃO DO RECURSO


De acordo com o teor das conclusões das alegações (que delimitam o âmbito do conhecimento por parte do tribunal, na ausência de questões de conhecimento oficioso – artigos 608.º, n.º2, 635.º, n.4 e 639.º, todos do Código de Processo Civil - CPC) mostra-se submetida à apreciação deste tribunal a seguinte questão:

Do direito de indemnização dos Autores e a verificação dos pressupostos da responsabilidade do Réu


1. Os factos


1.1 provados


1.1. Os Autores são os únicos e universais sucessores e herdeiros de DD, falecido em ...-...-2018.


1.2. Em 9 de Dezembro de 2011, o Estado Português, então accionista único do BPN, BANCO PORTUGUÊS DE NEGÓCIOS BPN- (actual Banco BIC S.A.) e no âmbito do processo de reprivatização daquela Instituição, celebrou um Acordo Quadro com o Banco BIC Português, SA, no qual foram estabelecidos os procedimentos e as acções necessárias a desenvolver por cada uma das partes, passo intermédio considerado essencial para a celebração do contrato de compra e venda das ações do BPN.


1.3. No dia 30 de Março de 2012, foi assinado o contrato de compra e venda do BPN, entre o Estado Português e o Banco BIC, e, nos termos do disposto na cláusula 15.ª do Acordo Quadro celebrado entre o Estado Português e o Banco BIC, relativo à reprivatização do BPN, neste se mostram incluídas todas as entidades do espectro do antigo Banco BPN, SA. BANCO PORTUGUÊS DE NEGÓCIOS BPN, sendo estas a Parvalorem, SA., a Parups, SA., Participadas, SA., Banco Efisa, SA., BPN Serviços, SA., BPN Imofundos, SA., BPN Gestão de Activos, SA. (actualmente Patris, Gestão de Ativos, S. A.), BPN ACE e BPN, SGPS, SA.


1.4. A actual Instituição resultou da fusão ocorrida em 7 de Dezembro de 2012, por incorporação do Banco BIC Português SA. no Banco Português de Negócios, SA., assumindo a designação social do primeiro e a personalidade jurídica do segundo.


1.5. DD e AA, por serem os proprietários do imóvel onde o Banco Português Negócios se instalou em ..., abriram conta no BPN, em 05-03-2002, para que o valor das rendas ali fosse depositado/transferido.


1.6. O DD e a AA estiveram emigrados muitos anos, na ..., e canalizavam as suas poupanças para contas que detinham em Portugal, uma na Caixa Geral de Depósitos – Balcão de ... e outra na Caixa Agrícola Mutua de ..., onde, apenas e só, detinham Depósitos à Ordem e Depósitos a Prazo.


1.7. A conta do BPN tinha um movimento residual, sendo usada para pagamentos de contas correntes do dia-á-dia e pouco mais.


1.8. O gerente do BPN, tendo conhecimento que o DD e a AA periodicamente faziam remessas de dinheiro de um banco ... para as referidas contas destes em Portugal, solicitou-lhes que também fizessem depósitos na conta que detinham no BPN, pois o BPN era um banco com boas aplicações que rendiam mais que os outros bancos.


1.9. No seguimento do solicitado o DD e a AA, em 05-02-2007 enviaram € 101.910,69 (cento e um mil novecentos e dez euros e sessenta e nove cêntimos) para a conta que eram titulares no BPN.


1.10. O DD e a AA, à data de Fevereiro de 2007, detinham no Balcão de ... do BPN - Banco Português de Negócios, um Depósito à Ordem superior a € 100.000,00 (cem mil euros) e proveniente das poupanças.


1.11. O gerente do BPN, Agência de ..., FF, contactou o marido/pai dos Autores pedindo-lhe que se dirigisse ao Balcão do Banco, pois queria falar com ele porque tinha uma proposta interessante para lhe fazer.


1.12. Em dia não concretamente apurado, mas no mês de fevereiro de 2007, o marido/pai dos Autores – DD, dirigiu-se ao referido BPN, Agência de ..., com vista a informar-se de qual a proposta que o referido gerente do Banco tinha para lhe fazer.


1.13. Uma vez aí, foi recebido pelo gerente do Balcão do Banco, FF, que referiu ao marido/pai dos Autores que, poderia aplicar o montante que detinha naquele D.O., num programa de aplicação financeira que lhe traria uma maior rentabilidade e detinha a mesma segurança que o depósito a prazo, com garantia de capital a 100% (cem por cento), tal como o depósito a prazo e tinha igual garantia de retorno de capital que lhe era dada pelo Banco BPN.


1.14. O referido gerente disse-lhe que tal aplicação, apesar de ter um prazo longo – até 2014, ao fim de dois anos até poderia proceder ao seu resgate antecipado, se assim o pretendesse e que a aplicação em causa e que lhe estava a propor era absolutamente segura, que não corria qualquer risco, posto que tinha o reembolso do capital investido garantido a 100% (cem por cento) e lhe daria uma maior rentabilidade ao dinheiro que ele detinha em D.O. e tinha as mesmas garantias de um Depósito a Prazo, bem como a garantia de elevada taxa de remuneração.


1.15. Perante os argumentos do identificado gerente do BPN, FF, pessoa que o marido/pai dos Autores enquanto cliente do Banco conhecia já há longo tempo (como funcionário na Caixa Geral Depósitos de ...) e na qual depositava absoluta confiança, enquanto responsável pelo acompanhamento da conta que o DD detinha no Banco em causa e respectiva Agência de ..., e que lhe propôs a realização de uma aplicação em activos financeiros, mediante a aquisição de um produto com rentabilidade garantida e liquidez semestral ao par, com garantia do montante de capital investido, e com uma rentabilidade superior à de um depósito a prazo, o marido/pai dos Autores acedeu em proceder à aplicação financeira que se traduzia na subscrição das obrigações, atentas as condições e garantias que lhe estavam a ser dadas pelo gerente daquele Balcão do BPN.


1.16. A 12 de fevereiro de 2007, o DD, concordou em aplicar o montante de € 50.000,00 (cinquenta mil euros) que detinha no D.O.do Banco BPN, e adquirir tal obrigação no montante de € 50.000,00 (Cinquenta mil euros).


1.17. Tal aplicação financeira, subscrição da obrigação SLN 2004, foi feita no pressuposto de que o prazo de vencimento da mesma seria até 2014, mas com a possibilidade de resgate do capital ao fim de dois anos e que, caso necessitasse do dinheiro, o Banco resolveria a situação.


1.18. Poderia eventualmente o subscritor proceder ao seu resgate em Fevereiro de 2009.


1.19. O DD acedeu, em adquirir a aplicação financeira que se traduziu na subscrição da obrigação, atentas as condições e garantias que estavam a ser dadas pelo gerente daquele Balcão do BPN, da agência de ....


1.20. Até ao dia 24 de Abril de 2015, sempre foram pagos os juros do capital investido na aplicação financeira – SLN 2004.


1.21. Tais pagamentos foram feitos pelo BPN até 26 de Outubro de 2009 e pelo Réu BANCO BIC PORTUGUÊS, SA.


1.22. O marido/pai dos Autores, em Fevereiro de 2009, (dois anos decorridos após a aplicação financeira), confiante naquilo que o gerente do BPN havia afirmado e garantido, deslocou-se ao BANCO-BPN, (nessa data já Nacionalizado e da Responsabilidade do Estado que o detinha a 100%), com vista a proceder ao resgate do capital investido.


1.23. Nessa data são informados que ao contrário do que lhe havia sido dito e garantido, só em 2014 poderia proceder a tal resgate, ou seja, só no fim do prazo contratual e não antes como lhe havia sido garantido.


1.24. Começaram nessa data a gerar-se no marido/pai dos Autores, e na Autora, angústias e receios de que no futuro que eles não iriam usufruir dessa verba.


1.25. As notícias sobre a situação do BPN, faziam antever um futuro negro e um crescendo de receios à família C.... sobre a recuperação do capital que haviam investido.


1.26. Não obstante, e porque os juros sempre lhe estavam a ser pagos, mantiveram a esperança na recuperação do capital que tinham investido.


1.27. Vencido o prazo, contratualmente estabelecido, o pai dos Autores e os Autores foram informados de que a aplicação financeira em causa, não tinha cobertura de garantia de capital, por ser uma subscrição de obrigações da SLN – Sociedade Lusa de Negócios, S.A., e, uma vez que a referida sociedade se mostrava insolvente, tal resgate não lhe foi concedido.


1.28. O BANCO BPN, ao vender as referidas obrigações, apenas funcionou enquanto intermediário da dita SLN, não sendo tal obrigação propriedade ou título do Banco, mas apenas vendidas ao Balcão do BPN, (agência de ...), por conta e risco da SLN.


1.29. O subscritor, DD, soube, desde a data da subscrição em causa que efectuou algum tipo de negócio onde investiu o seu dinheiro.


1.30. No mês seguinte ao da operação de subscrição, recebeu por correio, o aviso de débito correspondente à subscrição efetuada, bem como os avisos de crédito a cada seis meses relativos aos juros.


1.31. Recebeu extractos periódicos onde lhe apareciam as obrigações como integrando valores de forma separadas dos depósitos a prazo.


1.32. Uma obrigação é, e era à data da subscrição em causa, um produto conservador com um risco, indexado à solidez financeira da sociedade emitente.


1.33. A entidade emissora da obrigação em causa era a SLN, sociedade detentora da instituição bancária que vendeu a obrigação.


1.34. Na altura da subscrição nada havia que desabonasse sobre o investimento efectuado.


1.35. Nesse momento não havia qualquer indicação de que a emissão pudesse vir a não ser paga, ou de qualquer ideia divulgada sobre o risco de insolvência da entidade emitente.


1.36. O Banco réu, na pessoa dos seus funcionários, agiu de acordo com a vontade do subscritor e com as instruções recebidas do mesmo, com as informações que este detinha.


1.37. O subscritor sempre foi pessoa informada, consciente, cuidadosa e preocupada com o investimento do seu património.


1.38. O documento “Comunicação de cliente” tem, em lugar de realce, o logotipo e o nome do BPN, e o pedido solicitado foi subscrito por terceiro, funcionário do Banco, que não o subscritor.


1.39. No âmbito das denúncias levadas a efeito pelos subscritores/adquirentes do produto em causa, a Comissão de Mercado de Valores Mobiliários, instruiu e levou a efeito além do mais o processo de contraordenação n.º 21/2010.


1.40. Nesse processo, lê-se o seguinte: No seguimento desta última comunicação por parte do BPN, a CMVM, através do DIEM, por Ofício Ref.ª .....................98, de 09.10.2009, sob o assunto “acção de supervisão presencial”, dirigido ao Conselho de Administração do BPN, que ora se junta sob Doc. 25 e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido, solicitou, relativamente a determinados clientes do banco “(…) cópias do documento previsto na alínea c) do n.º 1 do artigo 314.º-D do Código dos Valores Mobiliários” (itálico nosso).


1.41. A este Ofício da CMVM, o Gabinete de Compliance do BPN respondeu mediante comunicação sob a “Ref.ª ...... . ........ . . ......09”, de 12.10.2009, que ora se junta sob Doc. 26 e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.


1.42. Conforme decorre, ainda, da supra aludida Informação N.º ...........59, de 13.10.2009, ora junta sob doc. 14, reputou o DIEM verificar se matéria para remeter ao então designado Departamento de Assuntos Jurídicos e Contencioso (“DAJC) – e actualmente designado Departamento de Contencioso – para este, entre o mais, apurar eventuais responsabilidades contra-ordenacionais (Cf. Doc. 14, p. 50).


1.43. Aliás, para estes precisos efeitos e no que à referida Reclamação n.º .......CL diz respeito (ou seja, aquela que teve nomeadamente por objeto as Obrigações Subordinadas a 10 anos “SLN Rendimento Mais 2004”), enfatizam-se as seguintes constatações do DIEM: (i) “Ao contrário do mencionado pela gestora da conta, considerando o perfil do cliente, nenhum dos investimentos realizados constituía uma alternativa adequada a um depósito a prazo”, pelo que “considerando a referida desadequação de perfil de risco (…), a idade dos titulares da conta (…), e a situação económico-financeira do cliente (…), a qual também não parece coadunar-se com o segmento alvo dos destinatários das referidas obrigações, constata-se que os valores mobiliários objecto desta reclamação não eram adequados a este cliente” (itálico nosso) (Cf. Doc. 14, pp. 21-23); (ii) Na nota informativa e boletim de subscrição destas Obrigações Subordinadas não “(…) é feita uma alusão clara quanto ao risco de liquidez nem quanto ao risco associado a este tipo de produtos, nomeadamente face a uma obrigação não subordinada (…)” (itálico nosso) (Cf. Doc. 14, p. (iii) “A formalização da aquisição de Obrigações Subordinadas SLN Rendimento Mais 2004 está incorrecta em ambos os casos, pois, ao contrário do mencionado ‘na comunicação de cliente’, trata-se de uma aquisição em mercado secundário e não de uma subscrição. Além disso, considerando a evidente desadequação deste produto aos clientes em apreço, o BPN naquela formalização deveria ter solicitado declaração que ultrapassasse este problema, ou seja, demonstrasse o conhecimento por parte dos clientes dos riscos do produto, em especial o recebimento do capital investido após 7,5 anos e a reduzida liquidez” (itálico nosso, negrito do texto); iv) “O BPN foi indiferente à natureza dos clientes, pois os investimentos em causa eram desadequados aos mesmos, pelos elevados riscos inerentes aos valores mobiliários (…) e inerentes à concentração dos investimentos no mesmo tipo de activos (…) (v) “Atendendo a esta desadequação e às responsabilidades dos intermediários financeiros estabelecidas, nomeadamente, nos artigos 7º, 304º, 309º, 312º do CMV, o BPN: - não deveria ter apresentado os produtos em causa aos clientes; - contudo, caso o fizesse, deveria: -por um lado, ter prestado informação detalhada aos clientes sobre as características essenciais dos produtos, alertando-os para todos os riscos inerentes, permitindo assim decisões esclarecidas e fundamentadas; - por outro, conseguir demonstrar, mediante declarações dos clientes, que estes tinham conhecimento das limitações/riscos dos produtos, previamente às decisões” (itálico nosso); (vi) “Em contrapartida, o BPN nos comentários apresentados pela gestora de conta limitou-se a referir que disponibilizou/entregou os respectivos prospectos aos clientes, o que não é suficiente no caso em apreço. O BPN não demosntrou ter informado os clientes dos riscos dos activos em causa” (itálico nosso); (vii) “O BPN relativamente às operações realizadas nas duas contas supra mencionadas não demonstrou o cumprimento das normas legais aplicáveis à comercialização, nomeadamente dos artigos 7º, 304º, 309º e 312º do CVM”.


1.44. Em síntese concluiu o DIEM que, (i) “(…) foram identificados ainda os seguintes valores mobiliários comercializados pelo BPN, com elevada probabilidade de entrar em incumprimento (…): - Papel comercial CNE – 12ª Emissão (a qual vence em 28/09/2009). - Obrigações Subordinadas SLN Rendimento 2004. - Obrigações Subordinadas SLN Rendimento 2006. Destes, apenas o segundo valor mobiliário foi objecto das reclamações ora analisadas”.


1.45. (ii) “A formalização da aquisição de Obrigações Subordinadas SLN Rendimento Mais 2004 está incorrecta em ambas as contas, pois, ao contrário do mencionado na ‘comunicação cliente’, trata-se de uma aquisição em mercado secundário de não de uma subscrição”, havendo, pois, “(…) incumprimento de normas legais aplicáveis à comercialização, relativamente às operações realizadas nas duas contas, por parte do BPN que intermediou essas operações, nomeadamente dos artigos 7º, 304º, 309º e 312º do CVM (…)”.


1.46. Na Informação N.º DIEM/2009/559, o DIEM chegou às seguintes conclusões (Cf.Doc. 27, pp. 5-6): (i) “Existem documentos internos do BPN dirigidos à Rede Comercial para informação/formação sobre Obrigações da SLN e do BPN comercializadas pelo BPN – concretamente, Obrigações SLN Rendimento Mais 2004 (i.e., Nota Interna e documento de apresentação), Obrigações Subordinadas SLN 2006 (i.e., documento de apresentação) e Obrigações de Caixa Subordinadas BPN Rendimento Mais 2003 (i.e., documento de apresentação) – que contêm menções expressas que o capital investido é garantido e que há garantia de elevadas taxas de remuneração”; (ii) “Os documentos referidos no ponto anterior confirmam que as redes comerciais do BPN na informação/formação sobre os produtos comercializados recebiam indicações de que, designadamente, as Obrigações Subordinadas SLN Rendimento Mais 2004, Obrigações Subordinadas SLN 2006 e Obrigações de Caixa Subordinadas BPN Rendimento Mais 2003 possuíam, pelo menos, capital garantido (…)” (itálico nosso, negrito do texto); (iii) “Existiram pressões sobre a rede comercial para a comercialização de Obrigações de Caixa Subordinadas BPN Rendimento Mais 2003 e de Obrigações Subordinadas SLN Rendimento Mais 2004 (…)”. 211. Conforme resulta da decisão proferida no dia 08.05.2015, em sede do Processo de Contraordenação n.º 21/2010, a CMVM entendeu que o BPN (atual Banco BIC), ao ter prestado informação não completa e não clara aos seus clientes quanto à possibilidade de resgate e cedência da posição de obrigações, violou o regime da qualidade de informação, conforme previsto no artigo 7.º, do CdVM, na redação então em vigor (Cf. Doc 37, pp. 288-290). 212. Entre outros instrumentos financeiros que estiveram na base do desiderato factual subjacente à violação do regime da qualidade de informação, contam-se as Obrigações Subordinadas “SLN Rendimento Mais 2004” e “SLN 2006.


1.47. Na referida decisão pode ler-se (Cf. Doc. 37, pp. 289-290): “Resulta dos factos provados 168 a 297 (…) que o Arguido disponibilizou aos clientes (…) informação: a) Respeitante a instrumentos financeiros: obrigações; b) Suscetível de influenciar a decisão dos investidores, designadamente a decisão de investimento (tendo mesmo sido determinante da decisão de investimento dos investidores referidos); c) Não completa: as informações prestadas pelo Arguido aos clientes omitiam que o levantamento do dinheiro ou a venda das obrigações dependiam da existência de um comprador para se efectuar o negócio, a liquidez esperada das obrigações em mercado secundário, a probabilidade de venda das mesmas, bem como ao preço a que esta seria possível; d) Não clara: o investidor não consegue perceber, com base nas informações prestadas pelo Arguido, quais as condições necessárias para proceder ao levantamento do investimento realizado”. Pelo que ao prestar aos clientes supra referidos informação não completa e não clara, o Arguido Banco BIC violou o regime da qualidade de informação previsto no artigo 7.º, n.º 1, do CDVM, o que constitui contra-ordenação muito grave, punível, nos termos conjugados dos artigos 389.º, n.ºs 1, alínea a) e 2 e 388.º, n.º 1, alínea a), todos do CMVM, com coima entre € 25 000 e € 2 500 000”.


1.2 Não provados


2.1. Tal montante de € 50.000,00, era resultado do produto do seu trabalho e tinha como destino, uma parte para a compra de um apartamento para os filhos (aqui segundo e terceiro Autores) e outra parte desse montante para fazer um Depósito a Prazo para segurança do seu futuro e da esposa (aqui primeira Autora)


2.2. Para melhor o convencer, o referido gerente exibiu ao marido/pai dos Autores, um documento onde constava de entre outras condições a do capital garantido a 100% (cem por cento).


2.3. Dificilmente haveria um produto financeiro tão seguro como a subscrição daquelas obrigações.


2.4. O risco de um depósito a prazo seria semelhante ao risco de uma tal subscrição de obrigações.


2.5. O investimento efectuado fosse um investimento seguro e não um investimento em qualquer “produto de risco”.


2.6. Todos os produtos de dívida das empresas SNL tenham sido pagos sem qualquer tipo de problema até à altura da nacionalização.


2.7. Todos os cupões tenham sido pagos na íntegra e no momento devido.


2.8. Nunca o Banco réu, através dos seus colaboradores, tenha transmitido aos seus clientes que o banco garantia a emissão.


2.9. Que o produto tenha sido apresentado aos subscritores em causa com a obrigação de entrega do capital e dos juros ser da única e exclusiva responsabilidade da entidade emitente e não da entidade colocadora Banco.


2.10. O réu tenha prestado ao subscritor informação completa, verdadeira, atual, clara e objetiva quanto ao produto obrigações e a entidade emitente.


2.11. No momento da subscrição, o subscritor tenha sido informado que as obrigações em causa eram emitidas pela Sociedade que detinha o Banco réu, a SNL, Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A.


2.12. No momento da subscrição, o subscritor tenha sido informado que o reembolso antecipado da emissão só era possível por iniciativa da SNL – Sociedade Lusa de Negócios, S.A. a partir do 5º ano e sujeito a acordo prévio do Banco de Portugal


2.13. No momento da subscrição, o subscritor tenha sido informado que a única forma do investidos liquidar este produto de forma unilateral seria transmitindo as suas obrigações a um terceiro interessado, mediante endosso.


2. O direito


Da verificação dos pressupostos da responsabilidade civil do Réu

2.1 No âmbito da presente acção - em que os Autores visavam, com fundamento em responsabilidade do Banco Réu, quer a restituição do capital investido (no valor total de €50.000,00) na subscrição de uma obrigação SLN, quer os juros vencidos e vincendos e, bem assim, indemnização por danos não patrimoniais sofridos - o acórdão recorrido, na sequência da sentença, concluiu pela responsabilidade do Banco enquanto intermediário financeiro e, porque verificados todos os respectivos pressupostos, deu procedência (parcial)1 à acção com a condenação da Ré em conformidade.

Insurge-se a Ré fazendo incidir a sua discordância na inverificação, no caso, dos pressupostos da responsabilidade: facto ilícito e nexo de causalidade entre o facto e o dano.

Centraliza a sua defesa, sobretudo, no conteúdo do dever de informação a ter em conta para o efeito, sustentando-se, essencialmente, no seguinte raciocínio

- mostra-se verdadeira a informação prestada pelo Banco no sentido de o produto ser seguro (sendo a SLN totalmente dominante do Banco o risco de solvência, corresponderia, grosso modo, ao risco de solvabilidade do próprio Banco e concluiu que a segurança da subscrição de Obrigações emitidas pela SLN seria correspondente à segurança de um Depósito a Prazo no BPN);


- constituir único risco da operação em causa o cumprimento da obrigação de reembolso (incumprimento da prestação principal da entidade emitente - risco geral de incumprimento), que não está abrangido pelos artigos 304.º e 312.º, n.º1, alínea a), do Código de Valores Mobiliários (risco que tem que ser endógeno e próprio do instrumento financeiro e não motivado por qualquer factor extrínseco ao mesmo), pelo que o intermediário financeiro não estava obrigado a informar especificamente sobre o risco de insolvência da entidade emitente de determinado produto.


Não partilhamos deste entendimento, cabendo, por isso, manter o decidido, conforme passaremos a justificar.

Em causa está a venda ou subscrição, como cliente do Banco, de obrigações não pertencentes à instituição bancária, mas pertencente à SLN, entidade emitente das obrigações em causa; nessa medida, aquele actuou como intermediário financeiro (situação que não se mostra afectada pelo facto da SLN ser detentora do BPN, SGPS, SA e esta, por sua vez, deter a totalidade do capital do Banco BPN).

A actividade de intermediação financeira e, no caso, a responsabilidade do Banco que presta informações com vista a celebração de negócios, encontra-se submetida a um conjunto de regras específicas.

Com efeito, o Código dos Valores Mobiliários impõe aos intermediários financeiros especiais deveres de informação e publicidade (artigos 312.º e 323.º, do Código dos Valores Mobiliários, na versão a ter em conta o caso), que se destinam a assegurar a confiança dos investidores e a transparência do mercado, devendo possuir os requisitos de completude, verdade, actualidade, clareza, objectividade e licitude (artigo 7.º, nº 1, do Código dos Valores Mobiliários).

Determina o n.º1 do artigo 304.º do citado Código, que os intermediários financeiros estão obrigados a orientar a sua actividade por forma a proteger os legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado, dispondo o n.º2 que os mesmos devem conformar a sua actividade aos ditames da boa-fé, agindo de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.

Encontram-se assim os intermediários financeiros adstritos a deveres principais e a deveres acessórios de boa-fé nas relações que estabelecem com todos os intervenientes no mercado.

Importa realçar que relativamente aos deveres de protecção dos legítimos interesses dos clientes, o intermediário financeiro deve averiguar não apenas os objectivos concretos visados pelo cliente, mas ainda se é do interesse deste a recepção do serviço de intermediação face à sua situação financeira e à sua experiência em matéria de investimento (artigo 304.º, n.º 3, do Código dos Valores Mobiliários), pelo que não pode incentivar o cliente a efetuar operações que tenham objetivos contrários aos interesses do mesmo (artigo 310.º, n.º 1, do Código dos Valores Mobiliários), fazendo prevalecer os interesses do cliente sobre os seus ou de outros eventuais interessados (artigo 309.º, n.º 3, Código dos Valores Mobiliários).

Destinando-se as informações a prestar ao cliente para a tomada de uma decisão esclarecida e fundamentada, a extensão e profundidade da mesma dependem do grau de conhecimentos e experiência do cliente (artigo 312.º n.º2, do Código dos Valores Mobiliários).


Conforme já realçado, na caracterização da (in)existência de violação do dever de informação por parte do Banco enquanto intermediário financeiro a divergência de entendimento por parte da Recorrente assenta na perspectiva interpretativa dos deveres de informação do intermediário financeiro e na questão da segurança do produto em causa – as obrigações SLN (ao invés do que foi entendido pelas instâncias, pugna a Ré no sentido de a informação prestada ter sido verdadeira e suficiente por estar em causa um produto seguro.2).


É condição básica de um cabal esclarecimento do cliente a não omissão de dados informativos que, pela sua importância, devam ser tidos como essenciais no processo de tomada da decisão de investir (Simão Mendes de Sousa, Contrato de Swap de Taxa de Juro: Dever de Informação e Efeitos da Violação do Dever, AUTORESFDL, 2017, pp. 55-56).


Nesta linha de pensamento e quanto à questão do (in)cumprimento do dever de informação por parte do intermediário financeiro, importa ter em devida conta o que se encontra decidido em sede de uniformização de jurisprudência3: “(…) Se o Banco, intermediário financeiro - que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em "produtos de risco" - informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto, que o "reembolso do capital era garantido (porquanto não era produto de risco"), sem outras explicações, nomeadamente, o que eram obrigações subordinadas, não cumpre o dever de informação aludido no artigo 7.°, n.º 1, do CVM”.


No caso, a matéria de facto provada (cfr. n.ºs 1.13 e 1.14) revela que a informação prestada ao falecido DD não pode ser considerada completa e inequívoca pois que, embora decorra dos autos que o mesmo tinha conhecimento de que se tratava de Obrigações SLN (cfr. n.ºs 1.18), não lhe foram explicadas as características do produto, designadamente da subordinação, tendo-lhe sido referido que se tratava de um produto com segurança equivalente à dos depósitos a prazo (cfr. n.º 1.14), sendo certo que o funcionário do Banco sabia o perfil conservador de DD no sentido de que pretendia que a aplicação não comportasse qualquer risco (cfr. n.ºs 1.6, 1.8, 1.17, 1.18).


Acresce que as informações prestadas se mostram igualmente equívocas, porquanto, conhecendo o funcionário do Banco que DD pretendia que a aplicação pudesse ser resgatada ao fim de dois anos da subscrição (cfr. n.º 1.17), deveria ter elucidado o cliente das especificidades da aplicação relativamente a esse aspecto (cfr. n.ºs 1.22, 1.23).


Com efeito, na linha do que tem vindo a ser considerado neste tribunal, culminando com o posicionamento evidenciado no segmento uniformizador do AUJ supra referido, o dever de informar adstrito ao intermediário abarcava, sem dúvida, o de comunicar ao investidor que o produto implicava uma indisponibilidade do capital por determinado período, não podendo ser solicitado o reembolso antecipado da emissão.


Evidencia-se, pois, que a informação prestada não foi coincidente com a realidade dos factos por forma a não induzir em erro o investidor (cfr. Simão Mendes de Sousa, obra citada, p. 57).


Cabe ainda realçar, no que toca à segurança do produto, atento o perfil conservador do investidor, que a informação prestada foi deficiente e também inexacta pois, estando em causa obrigações representativas de dívida subordinada, carecia de ser emitido esclarecimento acerca da sua implicação em caso de insolvência ou liquidação da sociedade, no sentido de não lhe assistir a garantia prevista para os depósitos bancários a prazo até 25 000 ecu (artigos 164.º e 166.º, n.º1, do DL 298/92, de 31-12, na redacção do DL 252/2003, de 17-10).


Essa característica consubstanciava uma diferença crucial para um investidor com perfil conservador já que, em caso de insolvência da entidade emitente das obrigações (como veio a suceder), não ocorria a garantia legal (a priori) de reaver qualquer montante aplicado no produto.


Assim, não pode deixar de se concluir que a informação foi deficiente, inexacta e obscura ao deixarem de ser esclarecidos aspectos essenciais do produto para permitir ao DD entender e estar efectivamente ciente das respectivas especificidades (note-se que o Banco caracterizou a aplicação como sendo um produto seguro que caracterizou como tendo as mesmas garantias de um depósito a prazo, induzindo em erro o investidor relativamente às concretas características do mesmo).


Impunha-se, por isso, em nome da boa fé e lisura contratual4, que na informação prestada tivesse sido elucidada a questão do (não) asseguramento do reembolso do capital investido.


Por conseguinte, contrariamente ao defendido pela Recorrente, encontra-se demonstrada a violação do dever de informação por parte do Banco; como tal, a prática do acto ilícito pressuposto da sua responsabilidade.


2.2. Violado pelo Banco o seu dever de informação relativamente aos esclarecimentos que estava obrigado a dar a DD, leva a presumir a sua conduta como culposa, nos termos do disposto no artigo 314.º, n.º 2, do Código dos Valores Mobiliários.


2.3 Relativamente ao nexo de causalidade entre informação deficiente prestada pela Recorrente e o dano, ou seja, o não reembolso do capital investido, não podemos deixar de considerar que, no caso, se impõe considerar a sua verificação tendo em conta o posicionamento assumido pelo acórdão recorrido ao afirmar:


Verifica-se existir um nexo de causalidade entre a violação dos deveres resultantes da lei, nomeadamente os deveres de informação a que o BPN estava obrigado pelo relacionamento de cliente existente entre o DD e AA e o Banco Réu e os danos que os autores reclamam, uma vez que, dúvidas não restaram de que, caso o Banco não tivesse dado a garantia do retorno do capital investido o casal não teria dado a sua anuência na aquisição do identificado ativo financeiro, verificando-se assim os pressupostos a que alude o artigo 563º do Código Civil.”.

Importa ter presente que o nexo causal entre o facto ilícito (a informação inexacta ou deficiente prestada pelo intermediário financeiro, no caso, sobre a segurança do reembolso do produto financeiro subscrito pelo DD) e o dano (o não reembolso do capital investido) terá de ser aferido em função da denominada formulação negativa da causalidade, ou seja, “o facto que atuou como condição do dano só deixará de ser considerado causa adequada se, dada a sua natureza geral, se mostrar de todo em todo indiferente […] para a verificação do dano, tendo-o provocado só por virtude das circunstâncias excepcionais, anormais, extraordinárias ou anómalas que intercederam no caso concreto” (Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Volume I, Almedina 1989, p. 861)5.

O excerto do acórdão recorrido transcrito evidencia que a demonstração do nexo de causalidade foi feita através de um juízo presuntivo, isto é, através de uma presunção de facto (e não por transposição da presunção de culpa) que o tribunal a quo, licitamente, extraiu da factualidade provada.

Com efeito, considerou o acórdão que, caso o Banco não tivesse dado a garantia do retorno do capital investido o casal não teria dado a sua anuência na aquisição do identificado activo financeiro, ilação que decorre dos seguintes factos (1.15. Perante os argumentos do identificado gerente do BPN, FF, pessoa que o marido/pai dos Autores enquanto cliente do Banco conhecia já há longo tempo (como funcionário na Caixa Geral Depósitos de ...) e na qual depositava absoluta confiança, enquanto responsável pelo acompanhamento da conta que o DD detinha no Banco em causa e respectiva Agência de ..., e que lhe propôs a realização de uma aplicação em activos financeiros, mediante a aquisição de um produto com rentabilidade garantida e liquidez semestral ao par, com garantia do montante de capital investido, e com uma rentabilidade superior à de um depósito a prazo, o marido/pai dos Autores acedeu em proceder á aplicação financeira que se traduzia na subscrição das obrigações, atentas as condições e garantias que lhe estavam a ser dadas pelo gerente daquele Balcão do BPN; 1.16. A 12 de Fevereiro de 2007, o DD, concordou em aplicar o montante de € 50.000,00 (cinquenta mil euros) que detinha no D.O.do Banco BPN, e adquirir tal obrigação no montante de € 50.000,00 (Cinquenta mil euros); 1.17. Tal aplicação financeira, subscrição da obrigação SLN 2004, foi feita no pressuposto de que o prazo de vencimento da mesma seria até 2014; 1.15 mas com a possibilidade de resgate do capital ao fim de dois anos e que, caso necessitasse do dinheiro, o Banco resolveria a situação.; 1.18. Poderia eventualmente o subscritor proceder ao seu resgate em fevereiro de 2009; 1.19. O DD acedeu, em adquirir a aplicação financeira que se traduziu na subscrição da obrigação, atentas as condições e garantias que estavam a ser dadas pelo gerente daquele Balcão do BPN, da agência de ....).6

Assim sendo, encontrando-se demonstrados os pressupostos da responsabilidade da Ré, não podem deixar de improceder as conclusões da revista.


IV. DECISÃO


Nestes termos, acordam os juízes neste Supremo Tribunal de Justiça em julgar a revista improcedente, confirmando o acórdão recorrido.


Custas pela Ré.

Lisboa, 17 de Outubro de 2023

Graça Amaral (Relatora)


Maria Olinda Garcia


Ricardo Costa





_________________________________________________

1. Restituição do capital, no valor de 50.000,00€ e juros de mora desde 25 de Outubro de 2015 até integral reembolso, bem como 2.500,00€ por danos não patrimoniais sofridos, tendo sido peticionada, a este título, a quantia de 5.000,00€.↩︎

2. Atenta a perspectiva de o risco da operação referente ao cumprimento da obrigação de reembolso - incumprimento da prestação principal da entidade emitente – enquanto risco geral de incumprimento -, não estar abrangido pelos artigos 304.º e 312.º, n.º1, alínea a), do Código dos Valores Mobiliários – CVM (que, de acordo com tal entendimento, apenas respeita ao risco endógeno e próprio do instrumento financeiro e não motivado por qualquer factor extrínseco ao mesmo, no caso a insolvência da entidade emitente). Nesse sentido, o intermediário financeiro não se encontrava obrigado a informar especificamente sobre o risco de insolvência da entidade emitente de determinado produto.↩︎

3. Acórdão Uniformizador n.º 8/2022, publicado no Diário da República, 1.ª série, de 3 de Novembro de 2022 (com a Declaração de Retificação n.º 31/2022, de 21 de Novembro de 2022).↩︎

4. Refere Agostinho Cardoso Guedes, o problema da responsabilidade por informações como problema autónomo, coloca-se, principalmente, quando o dador aparece, perante o destinatário, portador de qualidades específicas que o habilitam a fornecer tais informações, as quais induzem o mesmo destinatário a nelas fazer fé. No caso do banco, o cliente presume uma competência e organização, uma profissionalização específica, que os bancos objetivamente possuem (A Responsabilidade do banco por informações à luz do artigo 485.º do Código Civil, Revista de Direito e Economia, Ano XIV, 1988, a pp. 138-139).↩︎

5. Quanto a este pressuposto da responsabilidade do intermediário financeiro há que ter em conta a clarificação produzida pelo AUJ n.º 8/2022, uniformizando jurisprudência nos seguintes termos:

3 - O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir.

4. Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir.↩︎

6. Como resulta do artigo 349.º, do Código Civil, as presunções são ilações que o julgador extrai a partir de factos conhecidos (factos de base) para dar como provado(s) facto(s) desconhecido(s) (facto(s) presumido(s)), consubstanciando, nessa medida, um juízo de indução ou de inferência extraído do facto de base ou instrumental para o facto essencial presumido, à luz das regras da experiência. O juízo presuntivo e o conhecimento dele resultante consubstancia um facto, não um juízo de valor nem uma conclusão de direito; como tal insindicável pelo STJ, excepto nas situações de violação de lei e das normas disciplinadoras do instituto, designadamente sempre que ocorra ilogicidade e/ou a alteração da factualidade provada, ou seja, quando a presunção parta de factos não provados, o que na situação sob apreciação não verifica e que, aliás, não constitui questão colocada para apreciação deste tribunal na revista.↩︎