Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2959/20.2T8BCL.G1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: MARIA CLARA SOTTOMAYOR
Descritores: COMPRA E VENDA
VENDA DE COISA DEFEITUOSA
CONHECIMENTO
DEFEITOS
CULPA
BOA -FÉ
ÓNUS DA PROVA
VENDEDOR
PRESUNÇÃO DE CULPA
RESPONSABILIDADE
Data do Acordão: 10/31/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA
Sumário : I - A venda de coisa defeituosa respeita à falta de conformidade ou de qualidade do bem adquirido para o fim (específico e/ou normal) a que é destinado.

II - Nos termos da parte final do artigo 914.º do Código Civil, «a obrigação de reparar a coisa ou de a substituir não existe se o vendedor desconhecia sem culpa o vício ou a falta de qualidade de que a coisa padece».

III - Esta norma convoca o estado psicológico do sujeito, ou seja, a sua ignorância não culposa quanto ao defeito da coisa vendida. Está em causa a aceção subjetiva ética de boa fé, que não se basta com o mero desconhecimento, mas que exige que esse desconhecimento seja não culposo.

IV- Estando os réus, vendedores, onerados com a prova dos pressupostos da norma em que baseiam a sua pretensão – desconhecimento sem culpa do vício ou da falta de qualidade da coisa (artigo 914.º, in fine) – é sobre os mesmos que recaem as consequências da falta ou insuficiência da prova.

V – A distribuição do ónus da prova resulta da presunção de culpa que recai sobre o devedor (artigo 799.º, n.º 1, do Código Civil) e da leitura funcional ou teleológica do artigo 914.º do Código Civil: a proteção do comprador de coisa defeituosa.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


I - Relatório

1. AA, propôs a presente ação declarativa de condenação contra BB e CC, pedindo a condenação destes:

a. “a reparar ou eliminar os vícios, defeitos, anomalias e patologias existentes no prédio objeto da presente ação nos termos supra descritos no prazo máximo de 90 dias, a contar da data do trânsito em julgado da sentença;

b. a pagar ao Autor a quantia de € 100,00 (cem euros), a título de sanção pecuniária compulsória;”

Subsidiariamente,

c. a pagar ao autor, no prazo máximo de 180 dias a contar da data do trânsito em julgado da sentença condenatória, a quantia de € 40.000,00, a fim deste poder proceder à respetiva correção dos defeitos, através de terceiros.”

Para tanto, alegou, em síntese, que celebrou com os réus, em 19-12-2018, um contrato de compra e venda do imóvel identificado nos autos, mas a partir de março de 2020 começaram a aparecer infiltrações de água para o interior da habitação no piso superior, infiltrações essas que têm origem na cobertura plana do prédio, feita com chapas metálicas que são ineficientes para a impermeabilização e drenagem da água na cobertura.

Conclui que o prédio apresenta defeitos – fissuras nas paredes e alvenaria e humidades – que os réus não poderiam desconhecer, tendo agido com dolo aquando da venda.

2. A ação foi contestada, tendo os réus negado a existência dos defeitos e alegado que, se os mesmos existem, devem-se a negligência do autor no cuidado da cobertura que, apesar de ter sido avisado aquando da venda de que deveria limpar periodicamente o telhado, não o fez.

3. Por requerimento de 02-02-2022, o autor veio ampliar o pedido, o que foi diferido por despacho de 02-03-2022, nos seguintes termos:

“a) Devem os Réus ser condenados a reparar ou eliminar os vícios, defeitos, anomalias e patologias existentes no prédio objeto da presente ação nos termos descritos no anexo III do relatório pericial junto aos autos no prazo máximo de 90 dias, a contar da data do trânsito em julgado da sentença;

b) Devem, ainda, os Réus, por cada dia de atraso, serem condenados a pagar ao Autor a quantia de € 100,00 (cem euros), a título de sanção pecuniária compulsória;

c) Devem, subsidiariamente, caso os Réus não repararem ou não eliminarem os vícios e defeitos descritos, no prazo máximo de 180 dias a contar da data do trânsito em julgado da sentença condenatória, condenarem-se estes, a pagar ao Autor, a quantia de €44.102,88 (quarenta e quatro mil, cento e dois euros e oitenta e oito cêntimos), a fim deste poder proceder à sua respetiva correção dos defeitos, através de terceiros”.

4. Depois de realizada a audiência de julgamento, o tribunal de 1.ª instância proferiu sentença na qual decidiu julgar a ação totalmente improcedente e, em consequência, absolveu os réus do pedido.

5. Interposto recurso de apelação pelo autor, o Tribunal da Relação de Guimarães, por acórdão proferido em 02-03-2023, deu provimento à apelação e, em consequência, julgou a ação procedente decidindo o seguinte:

“a) condenar os réus a reparar ou eliminar os vícios, defeitos, anomalias e patologias existentes no prédio objeto da presente ação nos termos descritos no anexo III do relatório pericial junto aos autos no prazo máximo de 90 dias, a contar da data do trânsito em julgado da sentença;

b) Condenar os réus, por cada dia de atraso, serem condenados a pagar ao Autor a quantia de € 100,00 (cem euros), a título de sanção pecuniária compulsória;

c) Em alternativa condenar os réus , caso não repararem ou não eliminarem os vícios e defeitos descritos, no prazo máximo de 180 dias a contar da data do trânsito em julgado da sentença condenatória, a pagar ao Autor, a quantia de €44.102,88 (quarenta e quatro mil, cento e dois euros e oitenta e oito cêntimos), a fim deste poder proceder à sua respetiva correção dos defeitos, através de terceiros.”

6. Inconformado com tal decisão, os réus interpuseram recurso de revista, ao abrigo do artigo 671.º, n.º1, do CPC, em cuja alegação formularam as seguintes conclusões:

«1. Por acórdão datado de 02.03.2023, julgou o Tribunal recorrido totalmente procedente o recurso interposto pelos Autores e, consequentemente, condenou os ora Réus:

- a reparar ou eliminar os vícios, defeitos, anomalias e patologias existentes no prédio objecto da presente acção, nos termos descritos no anexo III do relatório pericial junto aos autos no prazo máximo de 90 dias, a contar da data do trânsito em julgado da sentença;

- a pagar aos Autores a quantia de € 100, 00 a título de sanção pecuniária compulsória;

- em alternativa, condenar os Réus, no caso de estes não repararem nem eliminarem os vícios e defeitos descritos, no prazo máximo de 180 dias a contar da data do trânsito em julgado da sentença condenatória a pagar ao Autor a quantia de € 44 102, 88, a fim de o Autor pode proceder à respectiva correção dos defeitos através de terceiros.

2. No exercício dos poderes que lhe são conferidos pelo art. 662º, nº 1, do CPC, o Tribunal recorrido procedeu à eliminação do ponto 18 da lista de factos assentes que integra a decisão proferida pela 1ª Instância, do qual resultava o seguinte: “Aquando da compra e venda referida em 1., os réus desconheciam as anomalias descritas em 3. e 4. e as causas indicadas em 5. a 9”

3. O Tribunal recorrido entendeu que tal ponto da referida matéria de facto deveria ser expurgada da matéria de facto atento o teor da prova testemunhal que foi produzida em sede de audiência de discussão e julgamento e falta de alegação pelos Recorrentes do seu desconhecimento acerca da existência de defeitos.

4. Analisando a decisão recorrida verifica-se que exceptuando, a alusão ao facto de os Réus terem apresentado contra-alegações não ser feita na decisão ora em crise qualquer menção ao conteúdo do referido articulado oferecidos pelos Recorrentes , mais concretamente à circunstância de nas suas contra-alegações os Recorrentes terem feito menção a outros meios de prova que sustentavam o facto enunciado nomeadamente aos registos fotográficos da habitação que foram usados na publicitação da venda do imóvel ora em causa pelos Recorrentes, bem como os registos fotográficos usados pelo Autor para publicitar a venda do mesmo imóvel (note-se, que, o Recorrido publicitou a venda do imóvel por € 280 000, 00, um valor superior em € 40 000, 00 ao valor pelo qual adquiriu o mesmo aos Réus (€ 240 000, 00)).

5 - Da análise comparativa de todos os registos fotográficos do imóvel, designadamente, os que foram anexados ao relatório pericial, com os registos fotográficos da casa que foram usados por ambas as partes para publicitar a venda do imóvel é notório que os vícios que o recorrido denunciou em Março de 2020, ou seja 1 ano e três meses após a aquisição da moradia ora em causa não era visíveis, assim como é notória a falta de cuidado por parte do Autor, nomeadamente, em manter limpa a pedra aplicada em partes do edifício, bem como os muros da habitação.

6. O ora Recorrido publicitou a venda do imóvel como sendo uma moradia T3 totalmente equipada com acabamentos de qualidade, e, ao contrário dos Recorrentes, que não têm qualquer conhecimento na área da construção civil, o Recorrido trabalha nessa mesma área, como o mesmo o referiu no seu depoimento de parte.

7. A prova testemunhal conjugada com a prova documental, nomeadamente os registos fotográficos do imóvel que foram juntos aos presentes autos, impõem que se mantenha o ponto 18 da lista de factos assentes e, consequentemente, que não se dê como provado o ponto a) da lista de factos não provados.

8. O facto enunciado no ponto 18 da lista de factos assentes elaborado pelo Tribunal de 1ª é um facto conclusivo porquanto o mesmo constitui uma consequência lógica dos factos alegados e provados, nomeadamente, dos factos provados sob os pontos 3 e 17 da lista de factos não assentes e da circunstância de não ter sido dada como provado o facto constante da alínea a) da lista de factos não provados, motivo pelo qual, se impõe que o mesmo integre a lista de factos assentes.

9. O Tribunal a quo ateve-se à apreciação de um único meio de prova: a prova testemunhal, desconsiderando outros meios de prova juntos aos presentes autos, designadamente, os registos fotográficos do imóvel que serviram à publicitação da sua venda pelos ora Recorrentes e post pelo ora Recorrido.

10. A alteração pela Relação da matéria de facto objecto de decisão em sede de julgamento, está condicionada à possibilidade da reapreciação por aquela instância de recurso dos elementos de prova em que se fundou a decisão proferida pela 1ª instância, o que pressupõe que tais elementos constem da prova documental junta aos autos ou da existência da gravação dos depoimentos respeitantes à prova testemunhal que haja sido produzida, não podendo a mesma demitir-se da análise da prova e que havia sido invocada pelas partes, quer as mesmas pugnem pela sua alteração ou manutenção do decidido, sob pena de tal constituir uma afronta aos princípios do contraditório e de igualdade de armas, e, consequentemente os direitos à tutela jurisdicional efectiva plasmado no art. 20º da CRP e a um processo justo e equitativo previsto no art. 6º da CEDH.

11. Ao proceder à eliminação do ponto 18 da lista de factos dada como assente sem cuidar de atender aos concretos meios de prova que sustentaram a decisão sobre a matéria de facto adotada pelo Tribunal de 1ª Instância e cuja apreciação foi requerida pelos ora Recorrentes, in casu, os registos fotográficos, o Tribunal a quo violou os poderes que lhe são conferidos pela norma do art. 662º, nº 1, do CPC, porquanto na alteração que fez à seleção da matéria de facto ateve-se a um único meio de prova, ao invés do conjunto da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento.

12. Atendendo a que, no caso sub judice o Tribunal Recorrido fez uso indevido dos poderes previstos na referida norma, deve pois ser mantida a seleção da facto realizada pelo Tribunal de 1ª Instância, ou caso se entenda que tal decisão exorbita os poderes deste mesmo Tribunal e que os autos devem baixar ao Tribunal de 2ª Instância, para que seja realizada nova reapreciação da prova, ordenar-se o respectivo regresso.

13. Ao usar da faculdade prevista no art. 662º, nº 1, do CPC o Tribunal Recorrido incorreu numa contradição entre a fundamentação da decisão sobre a matéria de facto e os factos não provados, porquanto considerou como demonstrado em sede de impugnação da matéria de facto o facto constante na alínea a) da lista de factos não assentes, facto esse que não integra sequer a lista de factos provados, sendo certo que, atenta a prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, nunca poderia ser dada como provada tal factualidade, atendendo a que, nenhum dos elementos de prova carreada para os presentes autos permite concluir que os Recorrentes sabiam que o imóvel ora em causa iria apresentar as patologias enunciadas no ponto 3 e 4 da lista de factos assentes, e que ocultaram as mesmas ao ora Recorrido.

14. Ainda que se considere que a decisão ora em crise não padece dos vícios que lhe são imputados, ainda assim, os factos dados como provados não permitem outra conclusão que não seja a de que os ora Recorrentes aquando da celebração do contrato de compra e venda do imóvel ora em causa desconheciam, sem culpa, os defeitos que o imóvel começou a evidenciar mais de um ano após a sua aquisição pelo ora Recorrido.

15. Do relatório pericial elaborado por perito nomeado pelo Tribunal constata-se que alguns dos alegados defeitos, nomeadamente a presença de fungos em paredes e muros decorre da falta de manutenção do imóvel, mais concretamente da falta de lavagem dos mesmos, facto esse que, decorre das regras da experiência comum.

16. O vendedor/consumidor não está adstrito a uma obrigação de garantia originária respondendo pelos defeitos da coisa nos termos do art. 914º do CC, pelo que a obrigação de reparação dos defeitos só surge se se provar que no momento em que transmitiu a propriedade da coisa sabia, ou não podia desconhecer, com um mínimo de razoabilidade que a mesma era portadora de defeito.

17. No caso concreto resultou provado que:

- Em 19/12/2020 o Recorrido adquiriu ao Recorrentes o imóvel melhor identificado na lista de factos assentes (ponto 1);

- Aquando da compra e venda referida em 1 da lista de factos assentes o prédio não apresentava as anomalias descritas em 3 e 4. (ponto 17)

- Em março de 2020 começaram a aparecer infiltrações (ponto 3) e a que o imóvel apresenta atualmente as patologias elencadas no ponto 4 da lista de factos assentes.

18. Inexistindo à data da celebração do contrato de compra e venda do imóvel aqui em causa os defeitos enunciados nos pontos 3 e 4 da lista de factos, defeitos esses que dada a sua natureza sempre seriam visíveis e percetíveis a olho nú, mister se torna concluir, que a ausência de conhecimentos técnicos por banda dos ora Autores e o facto de não ter sido nem alegado, e muito menos provado, que em data anterior à da venda do imóvel este evidenciasse alguma das patologias enunciadas nos pontos 3 e 4, sob os Recorrentes não impedia qualquer dever de averiguação de hipotéticos defeitos que o prédio viesse a evidenciar.

19. Atenta a seleção da matéria de facto, não resultou provado que os Recorrentes tinham, aquando da transmissão do imóvel o conhecimento de que o mesmo tivesse qualquer patologia, ou que esse desconhecimento lhes fosse por qualquer forma imputável atendendo a que os mesmos não possuem conhecimentos técnicos da área da construção.

20. Os Recorrentes desconheciam, sem culpa, que à data da celebração da escritura que o imóvel ora em causa padecia de defeitos construtivos que deram origem às patologias elencadas nos pontos 3 e 4, pelo não podem os mesmos ser responsabilizados pela reparação dos defeitos patenteados pelo imóvel ora em causa, cuja venda, sublinhe-se, foi publicitada pelo ora Recorrido por valor superior ao da sua aquisição e como sendo um imóvel com acabamentos de qualidade.

21. A considerar-se que impende sobre os Recorrentes o dever de indemnizar o Recorrido do valor dos trabalhos, caso os mesmos incumpram com o dever reparar as anomalias do imóvel, o que não se concebe, deve o valor a entregar ao Recorrido ser fixado em € 35 000, 00, por ser esse o valor fixado pelo perito nomeado pelo Tribunal para a eliminação dos defeitos.

Termos em que

Deve o presente recurso de revista ser julgado procedente por provado, e consequentemente ser revogado o acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação de Guimarães que julgou procedentes os pedidos formulados pelo Recorrido, pois só assim se fará

JUSTIÇA!»

7. Os autores não apresentaram contra-alegações.

8. Sabido que, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, é pelas conclusões que se delimita o objeto do recurso, as questões a decidir são as seguintes:

I – Controlo, pelo Supremo Tribunal de Justiça, do modo como a Relação procedeu à modificação da matéria de facto, designadamente, da eliminação do ponto 18 da lista de factos provados pela 1.ª instância;

II - Responsabilidade dos réus, vendedores, na reparação ou eliminação dos defeitos existentes no imóvel objeto do contrato de compra e venda que celebraram com o autor;

III - Valor da indemnização alternativa devida pelos réus, para o caso de estes não procederem à reparação ou eliminação dos defeitos no prazo fixado pela Relação.

Cumpre apreciar e decidir.

II – Fundamentação

A – Os factos

Resultou provada a seguinte factualidade, após o exercício dos poderes da Relação de modificação da matéria de facto:

1. No dia 19/12/2018, o autor comprou aos réus o prédio urbano composto por casa de cave, rés do chão com logradouro, destinado a habitação, situado na travessa ..., da freguesia de ..., concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ..., sob o n.º ...62/..., e inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo 663.º;

2. O autor é emigrante na Alemanha e, quando visitou o prédio com vista à compra referida em 1., os réus disseram-lhe que a casa apresentava condições exemplares, que tinha acabamentos de alta qualidade e luxo e que se encontrava em perfeito estado de construção e conservação, sem qualquer anomalia;

3. Em março de 2020, começaram a aparecer infiltrações de água para o interior da habitação no piso superior;

4. Atualmente, o prédio referido em 1. apresenta:

a) infiltrações de água pela cobertura, com degradação dos tetos e parede da cozinha com degradação dos móveis encostados à parede poente, teto da despensa;

b) infiltrações de água pela claraboia do quarto de banho da suite com degradação do teto, do móvel e das juntas do revestimento cerâmico (pastilha) das paredes sul e nascente;

c) humidade junto ao rodapé em compartimento da cave, nomeadamente no salão e parede do compartimento adjacente à lavandaria;

d) fissuras em paredes exteriores, sendo as mais expressivas localizadas junto à parede poente da varanda voltada a sul e no muro de vedação e parede do alpendre do lado norte/poente;

e) degradação da pintura exterior das paredes da habitação e muros de vedação;

f) existência de fungos nas paredes e muros revestidos a pedra colada (granito racheado).

5. As infiltrações referidas em 4.a) resultam da perda de estanquidade no isolamento da cobertura, que é feita em chapas contínuas de painel sanduiche de chapa canelada lacada, com núcleo em espuma de poliuretano, com muito pouca inclinação, o que permite, por ação do vento, que as águas pluviais escorram, junto às caleiras, pela face interior do painel, ultrapassando o murete de apoio das chapas e que constitui a parede interior da caleira, murete esse em tijolo e que em alguns pontos não está impermeabilizado em toda a sua altura;

6. As infiltrações referidas em 4.b) resultam do facto de a claraboia estar embutida na laje e com vedação perimetral com silicone que, por degradação deste, permite a entrada de água das chuvas;

7. A humidade referida em 4.c) resulta de humidade ascensional a partir do solo, por fenómenos de capilaridade e, no que toca à parede adjacente à lavandaria, pode resultar de alguma fuga de água proveniente das canalizações de água e/ou esgoto;

8. As fissuras referidas em 4.d) resultam de movimentos estruturais por deformação diferenciada, das peças em consola e, provavelmente por deficiente execução do pano de parede sem travação na extremidade, e, no que toca à fissura verificada na extrema norte/nascente do alpendre para aparcamento, resulta de um assentamento de fundações;

9. As degradações referidas em 4. e) resultam, no que toca à pintura, à aplicação de tintas e primários facilmente degradáveis ao longo do tempo; no que toca aos muros, resulta de infiltrações pela parte superior dos mesmos, por ausência de capeamento e pela provável utilização de matérias (rebocos, primários e tintas de pouca qualidade);

10. O prédio referido em 1. localiza-se na confrontação com um espaço florestal a sul; em dias de vento favorável, verifica-se a projeção natural de pólen, folhas e ramagens para o prédio; o espaço florestal provoca o sombreamento do edifício, o que gera uma maior presença de humidade nos panos de parede sombreados, levando à aceleração da degradação dos revestimentos exteriores, nomeadamente da pintura das paredes;

11. Para a reparação das infiltrações referidas em 4.a) é necessária a remoção da cobertura existente em painel sanduiche e aplicação de novo sistema de isolamento térmico e de impermeabilização – cfr. ponto III.3 do relatório pericial junto aos autos em 12/10/2021, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;

12. Para a reparação das infiltrações referidas em 4.b) é necessária a remoção da claraboia existente e execução de uma nova, saliente da base de assentamento – cfr. ponto III.3 do relatório pericial junto aos autos em 12/10/2021, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;

13. Para a reparação da humidade referida em 4.c) é necessária a remoção e reaplicação de novo rodapé, com realização de um corte na base da parede de modo a desligar a camada de reboco da parede do contacto com o pavimento, interpondo-se uma camada de espuma de poliuretano – cfr. ponto III.3 do relatório pericial junto aos autos em 12/10/2021, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;

14. Para a reparação das fissuras referidas em 4.d) e e), é necessário o preenchimento das fissuras com massa aquosa, mástique de poliuretano/massa acrílica e/ou argamassa, aplicação de tinta, hidrofugante e capeamento de muros, bem como a repintura com tintas - – cfr. ponto III.3 do relatório pericial junto aos autos em 12/10/2021, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;

15. O descrito em 11. a 14. tem um custo estimado de cerca de € 35.000,00 (trinta e cinco mil euros), acrescido de IVA;

16. Os réus viveram no prédio desde 2013 até o venderem ao autor;

17. Aquando da compra e venda referida em 1., o prédio não apresentava as anomalias descritas em 3. e 4.;

18. Eliminado pelo Tribunal da Relação

19. Por carta datada de 30/11/2020, o autor comunicou aos réus os defeitos do prédio e solicitou-lhes a reparação;

20. Os réus responderam ao autor por carta datada de 16/12/2020, comunicando que o prédio foi vendido sem defeitos, negando o reconhecimento de responsabilidade por qualquer patologia que possa ter surgido.

Não se provaram quaisquer outros factos dos alegados com interesse para a decisão da causa, designadamente que:

a) Quando venderam o prédio ao autor, os réus sabiam que o descrito em 3. e 4. poderia acontecer e ocultaram-no ao autor;

b) Os réus avisaram o autor que era necessário proceder periodicamente à limpeza do telhado;

c) As anomalias descritas em 3. e 4. devem-se à falta de limpeza do telhado e caleiros.

d) - Aquando da compra e venda referida em 1., os réus desconheciam as anomalias descritas em 3. e 4. e as causas indicadas em 5. a 9.;

I – Controlo, pelo Supremo, do exercício pela Relação do seu poder de modificar a matéria de facto: a eliminação do ponto 18 da lista de factos provados pela 1.ª instância

1. A 1.ª instância considerou provado no referido ponto 18 os seguintes factos: “Aquando da compra e venda referida em 1., os réus desconheciam as anomalias descritas em 3. e 4. e as causas indicadas em 5. a 9.”.

Na sequência do recurso de apelação interposto pelo autor, impugnando a prova desse facto, a Relação procedeu à sua eliminação do elenco dos factos provados. Considerou, para o efeito, que atenta a prova testemunhal produzida em julgamento, bem como a prova pericial, não se pode concluir que as anomalias verificadas resultaram da falta de limpeza como referem os réus, salientando ainda que “a matéria que consta do ponto n.º 18 nem foi alegada pelos réus”, motivo pelo qual não se pode considerar como provado o facto sob o n.º 18.

Alegam, agora, os recorrentes (réus) que a Relação apenas apreciou a prova testemunhal e não teve em consideração os registos fotográficos do imóvel juntos aos autos, os quais foram usados por ambas as partes para publicitar a sua venda, em comparação com os registos fotográficos anexados ao relatório pericial, desconsiderando por completo o que foi alegado na resposta ao recurso de apelação. Entendem, também, que o ponto 18 é “um facto conclusivo porquanto o mesmo constitui uma consequência lógica dos factos alegados e provados, nomeadamente, dos factos provados sob os pontos 3 e 17” e “da circunstância de não ter sido dado como provado o facto constante da alínea a) da lista de factos não provados, motivo pelo qual, se impõe que o mesmo integre a lista de factos assentes.”

Sustentam ainda os recorrentes que a Relação não pode demitir-se da análise da prova invocada pelas partes, quer estas pugnem pela sua alteração ou pela manutenção do decidido, “sob pena de tal constituir uma afronta aos princípios do contraditório e de igualdade de armas, e, consequentemente os direitos à tutela jurisdicional efectiva plasmado no art. 20º da CRP e a um processo justo e equitativo previsto no art. 6º da CEDH.”

Concluem que “ao proceder à eliminação do ponto 18 da lista de factos dada como assente sem cuidar de atender aos concretos meios de prova que sustentaram a decisão sobre a matéria de facto adotada pelo Tribunal de 1ª Instância e cuja apreciação foi requerida pelos ora Recorrentes, in casu, os registos fotográficos, o Tribunal a quo violou os poderes que lhe são conferidos pela norma do art. 662º, nº 1, do CPC, porquanto na alteração que fez à seleção da matéria de facto ateve-se a um único meio de prova, ao invés do conjunto da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento.”

2. Nos termos do disposto no artigo 662.º, n.º 1, do CPC, “a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente imputarem decisão diversa”.

Nos termos do n.º 4 do mesmo preceito legal, das decisões da Relação previstas nos n.os 1 e 2 não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, que não tem poderes para intervir no juízo de ponderação da Relação quanto a provas de livre apreciação. Conforme dispõe o artigo 682.º, n.º 2, do CPC, a decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada pelo Supremo Tribunal de Justiça, salvo o caso excecional previsto no n.º 3 do artigo 674.º. Por sua vez, de acordo com o artigo 674.º, n.º 3, do CPC, “o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.”

A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem considerado, no entanto, que a este Supremo Tribunal “permite-se verificar se o uso dos poderes conferidos pelo art. 662º, 1 e 2, do CPC foi exercido dentro da imposição de reapreciar a decisão sobre a matéria de facto de acordo com o quadro e os limites configurados pela lei para o exercício de tais podere-deveres) – não uso ou uso deficiente ou patológico –, que, no essencial e no que respeita ao n.º 1 do art. 662º, resultam da remissão do art. 663º, 2, para o art. 607º, 4 e 5, do CPC (o n.º 2 já é reforço dos poderes em segundo grau)” – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 07-07-2021 (Revista n.º 5835/18.5T8BRG.G1.S1)

No mesmo sentido, veja-se o Acórdão de 13-04-2021 (Revista n.º 3006/15.1T8LRA.C1.S1) e o Acórdão de 10-09-2019 (proc. n.º 1067/16.5T8FAR.E1.S2), em cujo sumário se diz: “(…) tem entendido a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça que a intervenção da 2.ª instância em matéria de facto, para ser efectiva, impõe a reapreciação das provas, devendo a mesma ser efectuada pela Relação com base na análise crítica da prova em que se fundamenta a decisão, através da formação de uma convicção própria, não bastando uma mera apreciação do julgamento efectuado.[nota 8: cfr., entre outros, os acórdãos do STJ de 09-09-2014, proc. nº 2380/08.0TBFAG.G1.S1, Relator Gregório Silva Jesus, de 13-09-2016, proc. nº 152/13.0TBIDM.C1.S1, Relator Fonseca Ramos e de 16-11-2017, proc. nº 499/13.5TBVVD.G1.S1, Relator Fernando Bento, disponíveis em www.stj.pt (sumários de acórdãos)] (…). Importa, pois, averiguar se a Relação face à impugnação da matéria de facto operada pelos recorrentes no seu recurso de apelação, cumpriu este seu poder/dever, tendo analisado criticamente a prova produzida no que concerne aos factos impugnados, e, dessa forma, formado uma convicção própria ou autónoma a respeito destes factos, sem que tal constitua um novo julgamento, mas corresponda ao efectivo cumprimento destes ditames processuais”.

Como se afirma no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 07-07-2021 (Revista n.º 5835/18.5T8BRG.G1.S1), acima citado, “o art. 662º do CPC, consagrando o duplo grau de jurisdição no âmbito da motivação e do julgamento da matéria de facto, estabiliza os poderes da Relação enquanto verdadeiro tribunal de instância, proporcionando ao interessado a reapreciação do juízo decisório da 1.ª instância (nomeadamente com o apoio da gravação dos depoimentos prestados, juntamente com os demais elementos probatórios que fundaram a decisão em primeiro grau) para um efectivo e próprio apuramento da verdade material e subsequente decisão de mérito. Por isso a doutrina tem acentuado que, nesse segundo grau de jurisdição, se opera um verdadeiro recurso de reponderação ou de reexame, sempre que do processo constem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão da matéria de facto em causa (em especial os depoimentos gravados), que conduzirá a uma decisão de substituição, uma vez decidido que o novo julgamento feito modifica ou altera ou adita a decisão recorrida. Sempre – e este é o ponto – com a mesma amplitude de poderes de julgamento que se atribui à 1.ª instância (é perfeitamente elucidativa a aludida remissão feita pelo art. 663º, 2, para o art. 607º, que abrange os seus n.os 4 e 5) e, destarte, sem qualquer subalternização – inerente a uma alegada relação hierárquica entre instâncias de supra e infra-ordenação no julgamento – da 2.ª instância ao decidido pela 1.ª instância quanto ao controlo sobre uma decisão relativa ao julgamento de uma determinada matéria de facto, precipitado numa convicção verdadeira e justificada, dialecticamente construída e, acima de tudo, independente da convicção de 1.ª instância.”

Num outro acórdão de 05-12-2017 (Revista n.º 968/14.0T8LSB.L1.S1, diz-se, também, a este respeito: “A reapreciação da prova pela Relação tem a mesma amplitude da apreciação da prova pela 1.ª instância, por se encontrar na posse dos mesmos elementos de prova de que se serviu este tribunal, no âmbito do princípio da livre apreciação ou do sistema da prova livre, baseada sempre numa nova, diferente e própria convicção formada pelos seus juízes, e não, simplesmente, na sua aquisição pelo modo exteriorizado pelo tribunal de hierarquia inferior, em termos considerados razoáveis e lógicos, ainda que venha a ter lugar a confirmação do decidido pela 1.ª instância, sob pena de violação de um verdadeiro e efetivo duplo grau de jurisdição, em matéria de facto”. No mesmo sentido vejam-se também os acórdãos de 09-02-2017 (Revista n.º 8228/03.5TVLSB.L1.S2) e de 27-04-2017 (Revista n.º 481/09.7TBMNC.G1.S1),

3. Assente que o Supremo tem poderes para fiscalizar a forma como a Relação respondeu à impugnação sobre a matéria de facto, há que precisar, contudo, que este poder do Supremo não se exerce, salvo casos de erro grosseiro de raciocínio lógico, em relação a provas de livre apreciação.

No caso dos autos, analisada a fundamentação do acórdão recorrido a propósito da eliminação do ponto 18, verifica-se que a Relação re-ponderou, de forma fundamentada, meios de prova de livre apreciação: a prova testemunhal, analisando os depoimentos das testemunhas, bem como a prova pericial, que considerou isenta e rigorosa. Todavia, não efetuou, como alegaram os recorrentes, qualquer alusão aos registos fotográficos constantes dos autos. Ora, sendo a decisão da Relação quanto à matéria de facto fundamentada de forma lógica, e tendo o tribunal recorrido procedido a uma análise crítica da prova, nada há a censurar ao acórdão recorrido, que, ademais, justificou a eliminação do facto provado n.º 18, na falta de alegação dessa factualidade nos articulados da causa, aventando aqui um outro fundamento, que, nos termos do princípio do dispositivo, impede que o tribunal de 1.ª instância desse o facto n.º 18 como provado.

4. Os factos dados como provados no ponto 18 da matéria de facto, que veio a ser eliminado pelo tribunal recorrido, reportam-se ao desconhecimento pelos réus, quer das infiltrações de água, humidades, fungos, fissuras e demais anomalias referidas nos pontos 3 e 4, quer das causas dessas anomalias, ou seja, dos defeitos de construção do imóvel identificados nos pontos 5 e 9.

Compulsado o teor de todos os articulados da causa, claramente verificamos que tais factos não foram alegados por nenhuma das partes. Na verdade, no seu recurso de revista, os réus recorrentes não colocam em causa essa falta de alegação, antes invocando que o ponto 18 é “um facto conclusivo porquanto o mesmo constitui uma consequência lógica dos factos alegados e provados, nomeadamente, dos factos provados sob os pontos 3 e 17” e “da circunstância de não ter sido dada como provado o facto constante da alínea a) da lista de factos não provados, motivo pelo qual, se impõe que o mesmo integre a lista de factos assentes.”

Nos pontos 3 e 17 resultaram provados os seguintes factos:

“3. Em março de 2020, começaram a aparecer infiltrações de água para o interior da habitação no piso superior;

17. Aquando da compra e venda referida em 1., o prédio não apresentava as anomalias descritas em 3. e 4.;”

Estando em causa o conhecimento ou o desconhecimento dos réus, não das anomalias propriamente ditas, porque estas só tiveram lugar depois de celebrado o contrato, mas das causas dessas anomalias, isto é, dos defeitos de construção do imóvel identificados nos pontos 5 e 9, nada resulta a este propósito dos factos provados nos pontos 3 e 17 da matéria de facto provada, que se reportam apenas às anomalias e não à sua origem.

5. Alegam os réus que esse desconhecimento dos defeitos de construção referido no ponto 18 resulta da circunstância de não terem sido dados como provados os factos constante da alínea a) da lista de factos não provados.

Julgamos que carece de sentido esta argumentação dos recorrentes porque da não prova de um facto não resulta a demonstração que seja verdade o seu oposto.

Na alínea a) dos factos não provados consta o seguinte: “a) Quando venderam o prédio ao autor, os réus sabiam que o descrito em 3. e 4. poderia acontecer e ocultaram-no ao autor”.

Este ponto apenas significa que não se demonstrou a alegação feita pelo autor de que os réus agiram com dolo, sabendo, na data da celebração da compra e venda do prédio, que as anomalias descritas nos pontos 3 e 4 poderiam verificar-se no futuro, e que, apesar desse conhecimento, ocultaram tal facto aos compradores. Mas não permite, por si só, concluir pela alegação (muito menos pela prova) do facto inverso, ou seja, de que os réus desconheciam naquele momento a existência de defeitos de construção.

6. Os factos relativos ao desconhecimento sem culpa dos defeitos de construção que originaram os danos no imóvel são factos essenciais, porque requisitos da última parte do artigo 914.º do Código Civil, que permite aos compradores exonerarem-se do seu dever de reparação dos defeitos. Assim, deviam ter sido alegados pelos réus porque sobre ele recai a presunção de culpa no cumprimento defeituoso do contrato de compra e venda que celebraram com o autor (artigos 799.º, n.º 1 e 914.º, in fine, ambos do Código Civil).

Ao não se provar essa factualidade alegada pelo autor (constante da alínea a) dos factos não provados), tal significa apenas que nada se apurou sobre tal matéria, daí não decorrendo necessariamente a prova de que os réus desconheciam a existência de defeitos de construção. Ou seja, das decisões das instâncias quanto a essa alínea a) dos factos não provados resulta apenas que não se sabe se essa factualidade – o conhecimento ou o desconhecimento dos réus – se verificou ou não.

Como se salienta no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 25-03-2009 (Revista n.º 456/09 - 6.ª Secção), cabendo ao réu ilidir a presunção de culpa prevista no artigo 799.º, n.º 1, do Código Civil, “(…) impõe-se-lhe alegar os factos pertinentes, não sendo admissível raciocinar-se a contrario sensu a partir de factos não provados”.

A alegação do desconhecimento da existência dos defeitos de construção, no momento da celebração do contrato de compra e venda, constitui um ónus dos réus. Ora, os mesmos nada alegaram nesse sentido na sua contestação, em que apresentaram uma versão completamente distinta dos factos, negando em primeiro lugar a própria existência de anomalias no prédio (artigo 6.º da contestação), considerando ainda que, se as mesmas existissem, a sua causa radicava na “forma negligente como o ora Autor tem cuidado da cobertura” do imóvel (artigo 7.º da contestação), pois “a construção do telhado do imóvel cumpre escrupulosamente quer o projecto aprovado pela Câmara Municipal de ..., quer em termos de técnica de construção quer em termos de materiais” (artigo 20.º da contestação).

Concretizaram os réus na sua contestação que, uma vez que o imóvel se situa numa zona de pinhal, dadas as características do telhado e o facto de o mesmo ter caleiros interiores “se torna necessário proceder periodicamente à limpeza do telhado para dele retirar as folhas que nele são vão depositando por forma a evitar que as mesmas se introduzam nos caleiro causando o entupimento dos mesmos, e, consequentemente, infiltrações e humidades no interior do imóvel”. Sendo que “de tal facto foi o ora Autor avisado aquando da venda do imóvel”, pelo que “a apurar-se que o imóvel apresenta infiltrações e humidades em algumas das suas divisórias, tal responsabilidade apenas pode ser imputada ao ora Autor que, não obstante ter sido alertado para a necessidade de proceder periodicamente à limpeza do telhado, não procedeu à respectiva limpeza, derivando assim eventuais anomalias do imóvel da conduta omissiva do ora Autor” (artigos 21.º a 27.º da contestação).

Os réus nunca assumiram, ainda que por mera hipótese, a existência de qualquer defeito de construção no imóvel, antes declarando expressamente que “a construção do telhado do imóvel cumpre escrupulosamente quer o projecto aprovado pela Câmara Municipal de ..., quer em termos de técnica de construção quer em termos de materiais”. Esta alegação é contrária à que consta do ponto 18 dos factos provados pela 1.ª instância na parte relativa ao desconhecimento das causas (factos provados n.º 5 a n.º 9) das anomalias descritas em 3. e 4.

A alegação desse desconhecimento pelos réus pressupunha necessariamente a alegação, ainda que por hipótese, da existência de defeitos de construção no imóvel, caminho que não foi trilhado pelos réus no seu articulado.

Assim, cremos que é acertada a conclusão vertida no acórdão recorrido de que tais factos vertidos no referido ponto 18 não foram alegados nos autos. Essa falta de alegação tem como imediata consequência a eliminação desses factos do elenco de factos provados e não provados, pois os mesmos não integram o objeto do processo e, como tal, não deveria sequer ter sido produzida prova sobre eles.

7. A inclusão, nos temas da prova e na decisão sobre a matéria de facto da sentença de 1.ª instância, de um facto essencial não articulado pelas partes viola o princípio do dispositivo em matéria de alegação como consagrado no artigo 5.º do CPC – cfr. sobre esta matéria, reportando-se aos arts. 264.º e 664.º, do anterior CPC, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 01-02-2011 (Revista n.º 133/04.4TBCBT.G1.S1 - 1.ª Secção. Como se pode ler na fundamentação deste Acórdão, aquele princípio «(…) é manifestamente imposto quanto aos factos essenciais pelas normas dos n.ºs 1 e 3 do art. 264º, a primeira a afirmar o ónus de alegação dos factos que integram a causa de pedir e a última a permitir a consideração de factos essenciais “que sejam complemento ou concretização de outros” oportunamente alegados e resultem da instrução da causa, “desde que a parte interessada manifeste vontade de deles se aproveitar”, situação que não se verificou. (…) Reafirma claramente o art. 664º o mesmo princípio, em harmonia com o comando do art. 264º, para que remete, proibindo ao julgador servir-se de factos não articulados pelas partes, nos termos que se deixaram descritos, sendo que, ao que aqui importa ter em consideração, estava vedado ao julgador utilizar, por não alegado, um facto essencial. O princípio, com o alcance fixado naquele art. 664º, revela-se, nesta sede, absoluto e inderrogável, sem comportar excepções (ressalvados, obviamente, os casos expressamente referidos nos arts. 514º e 665º), na prossecução do desiderato de que a decisão final de mérito reflicta a real situação jurídica correspondente à verdadeira posição factual apresentada ou introduzida no processo pelas partes.»

Como se conclui no citado Acórdão, o Supremo Tribunal de Justiça, constatando o erro na seleção da matéria de facto decorrente da postergação do princípio do dispositivo pode e deve apreciá-lo no recurso de revista “por violação de preceitos de natureza estruturante e fundamental, ocorrendo, invertida, a situação contemplada no n.º 3 do art. 729º” (correspondente ao n.º 3 do artigo 682.º do atual CPC).

Já no domínio do novo CPC, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 11-12-2014 (Revista n.º 25908/11.4T2SNT.L1.S1 - 2.ª Secção), entendeu-se que “cabendo apenas às partes, de acordo com o princípio dispositivo, a formação da matéria de facto, o tribunal só se pode servir de factos alegados pelas partes (art. 5.º do NCPC (2013)), pelo que a inclusão de factos não articulados na matéria de facto provada (excedendo assim a matéria quesitada) deve ser sindicada pelo STJ e tem como consequência que a mesma se dê por não escrita.” No mesmo sentido, vejam-se também os Acórdãos de 05-05-2005 (Revista n.º 1078/05 - 7.ª Secção), de 16-02-2006 (Revista n.º 342/06 - 7.ª Secção), de 10-04-2008 (Revista n.º 4774/07 - 2.ª Secção) e de 18-09-2012 (Revista n.º 18/10.5TCGMR.G1.S1 - 1.ª Secção).

Em conclusão, não merece censura a decisão da Relação de eliminar o ponto 18 dos factos não provados, por tal matéria não ter sido alegada.

8. Os recorrentes fazem também alusão no seu recurso de revista a que o tribunal recorrido, ao exercer os seus poderes de modificação da matéria de facto, teria cometido uma suposta contradição entre a fundamentação da decisão sobre a matéria de facto e os factos não provados, porquanto “considerou como demonstrado em sede de impugnação da matéria de facto o facto constante na alínea a) da lista de factos não assentes, facto esse que não integra sequer a lista de factos provados, sendo certo que, atenta a prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, nunca poderia ser dada como provada tal factualidade, atendendo a que, nenhum dos elementos de prova carreada para os presentes autos permite concluir que os Recorrentes sabiam que o imóvel ora em causa iria apresentar as patologias enunciadas no ponto 3 e 4 da lista de factos assentes, e que ocultaram as mesmas ao ora Recorrido.”

Esta argumentação carece de sentido pois apesar das considerações feitas no acórdão recorrido sobre a alínea a) dos factos não provados, a Relação decidiu manter a decisão de 1.ª instância, permanecendo essa factualidade como não provada.

Alegam ainda os réus no seu recurso que “do relatório pericial elaborado por perito nomeado pelo Tribunal constata-se que alguns dos alegados defeitos, nomeadamente a presença de fungos em paredes e muros decorre da falta de manutenção do imóvel, mais concretamente da falta de lavagem dos mesmos, facto esse que, decorre das regras da experiência comum.”

Todavia, tais conclusões do perito não foram levadas à matéria de facto provada, não tendo resultado provado que alguns dos defeitos existentes no imóvel, nomeadamente a presença de fungos em paredes e muros, decorresse da falta de manutenção do imóvel, mais concretamente da falta de lavagem dos mesmos (cfr. alínea c) dos factos não provados).

Se houve erro por parte da Relação na apreciação do relatório pericial, em conjugação com as regras de experiência comum, o mesmo é insindicável no presente recurso de revista. Constitui entendimento pacífico que o Supremo Tribunal de Justiça é um tribunal de revista ao qual compete aplicar o regime jurídico que considere adequado aos factos fixados pelas instâncias (artigos 674.º, n.º 1 e 682.º, n.º 1, do CPC), cabendo a estas, designadamente à Relação, apurar a factualidade relevante para a decisão do litígio, não podendo o Supremo, em regra, alterar a matéria de facto por elas fixada. O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa apenas pode ser objeto de recurso de revista quando exista ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova – artigo 674.º, n.º 3, do CPC. O Supremo está, assim, limitado a apreciar se houve violação de lei na apreciação da chamada prova vinculada, o que exclui dos poderes deste Supremo Tribunal a sindicância da prova sujeita ao princípio da livre apreciação pelo julgador, como é o caso da prova pericial – artigo 389.º do Código Civil.

Veja-se, a este propósito, a título exemplificativo, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 11-07-2023 (Revista n.º 400/18.0T8PVZ.P1.S2 - 6.ª Secção), de 06-07-2023 (Revista n.º 1415/21.6T8VFR.P1.S1 - 7.ª Secção), de 04-07-2023 (Revista n.º 26469/20.9YIPRT.L1.S1 - 1.ª Secção), de 04-07-2023 (Revista n.º 2991/18.6T8OAZ.P1.S1 - 1.ª Secção), de 06-06-2023 (Revista n.º 1060/20.3T8BRG.G1.S1 - 7.ª Secção), e de 22-06-2023 (Revista n.º 5756/17.9T8CBR.C1.S1 - 2.ª Secção).

9. Importa, assim, considerar assentes os factos provados e não provados pela Relação, nos seus exatos termos.

Em consequência, improcedem as conclusões n.º 1 a n.º 15 da alegação de recurso do recorrente.

II - Da responsabilidade dos réus pela reparação ou eliminação dos defeitos existentes no imóvel vendido

10. Alegam os recorrentes que “o vendedor/consumidor não está adstrito a uma obrigação de garantia originária respondendo pelos defeitos da coisa nos termos do art. 914º do CC, pelo que a obrigação de reparação dos defeitos só surge se se provar que no momento em que transmitiu a propriedade da coisa sabia, ou não podia desconhecer, com um mínimo de razoabilidade que a mesma era portadora de defeito.”

Assim, segundo a sua alegação “inexistindo à data da celebração do contrato de compra e venda do imóvel aqui em causa os defeitos enunciados nos pontos 3 e 4 da lista de factos, defeitos esses que dada a sua natureza sempre seriam visíveis e percetíveis a olho nu, mister se torna concluir, que a ausência de conhecimentos técnicos por banda dos ora Autores e o facto de não ter sido nem alegado, e muito menos provado, que em data anterior à da venda do imóvel este evidenciasse alguma das patologias enunciadas nos pontos 3 e 4, sob os Recorrentes não impedia qualquer dever de averiguação de hipotéticos defeitos que o prédio viesse a evidenciar.”

Concluem que “desconheciam, sem culpa, que à data da celebração da escritura que o imóvel ora em causa padecia de defeitos construtivos que deram origem às patologias elencadas nos pontos 3 e 4, pelo não podem os mesmos ser responsabilizados pela reparação dos defeitos patenteados pelo imóvel ora em causa, cuja venda, sublinhe-se, foi publicitada pelo ora Recorrido por valor superior ao da sua aquisição e como sendo um imóvel com acabamentos de qualidade.”

11. Em causa está, na discussão da questão de direito suscitada, o regime jurídico da venda de coisa defeituosa.

O contrato de compra e venda implica que o vendedor, como contrapartida do recebimento do preço, forneça ao comprador o bem adquirido dotado das características e das qualidades correspondentes à sua natureza.

A venda de coisa defeituosa respeita à falta de conformidade ou de qualidade do bem adquirido para o fim (específico e/ou normal) a que é destinado.

O comprador pode fazer uso de uma de três soluções que o direito lhe confere: se a coisa tiver algum dos vícios referidos no artigo 913º, nº1, do Código Civil, que excedam os limites normais, o contrato é anulável por erro ou dolo, desde que no caso se verifiquem os requisitos da anulabilidade, só ao comprador sendo lícito pedir a anulação (artigo 905.º do Código Civil); o direito à redução do preço, se as circunstâncias mostrarem que, sem erro ou dolo, o comprador teria igualmente adquirido os bens, mas por preço inferior (artigo 911.º do Código Civil); o direito de exigir a reparação ou a substituição da coisa, nos termos do artigo 914.º do Código Civil.

Ao comprador cabe o ónus da prova da existência do defeito, nos termos do artigo 342º, nº 1, do Código Civil, que é um dos factos constitutivos dos direitos que a lei lhe confere : a) anulação do contrato por erro ou dolo (art.º s 913º, nº 1 e 905º), (b) indemnização em caso de dolo (artigos 913º, nº 1 e 908º) e (c) anulação em caso de simples erro (artigos 913º, nº 1, 909º e 915º), (d) reparação ou substituição da coisa (artigo 914º), (d) exceção de não cumprimento do contrato (artigo 428º), (e) resolução do contrato (artigos 914º, 808º, 801º, nº 2 e 802º) e (f) responsabilidade civil, juntamente com a reparação ou a substituição da coisa ou com a resolução do contrato.

A culpa do vendedor na venda de coisa defeituosa presume-se (artigo 799.º, n.º 1, do Código Civil), e é apreciada em abstrato (artigo 799, n.º 2, do Código Civil), cabendo ao vendedor provar que o cumprimento defeituoso não procede de culpa sua.

12. Como se concluiu no acórdão recorrido, resulta da matéria de facto provada que as anomalias que a moradia apresenta advêm de defeitos de construção (factos provados n.º 5 a n.º 9), que apesar de se terem manifestado a partir de março de 2020 (facto provado n.º 3), já depois da celebração do negócio referido em 1 (19-12-2018), eram pré-existentes à compra e venda.

É assim indubitável, no presente caso, que, no momento da celebração do contrato de compra e venda, o imóvel sofria de vícios (factos provados n.ºs 5 a 9) que o desvalorizavam e que impediam a realização do seu fim - a habitação - além de que manifestamente não reunia o imóvel as qualidades asseguradas pelo vendedor (facto provado n.º 2).

Encontra-se, assim, preenchida a previsão do artigo 913.º, n.º 1, do Código Civil, aplicando-se ao caso o disposto nos artigos 905.º e segs. com as devidas adaptações, em tudo o quanto não seja modificado pelas disposições dos artigos 914.º e segs., aplicando-se também as regras gerais referentes ao incumprimento contratual previstas nos artigos 798.º e segs., todos do Código Civil.

Resultando da factualidade provada que não foram os réus vendedores a construir o imóvel, não tem aplicação o disposto no artigo 1225.º do Código Civil, norma relativa à responsabilidade do empreiteiro pelo defeito da obra. Também não decorre dos factos provados que tenha sido convencionado pelas partes no momento da compra e venda que os réus garantissem o “bom funcionamento da coisa”, nos termos previstos no artigo 921.º do Código Civil.

A norma aplicável ao caso dos autos, como os próprios réus assumem, é o artigo 914.º, que reconhece ao comprador de coisa defeituosa os direitos de exigir a reparação ou a substituição da coisa. Estão em causa meios de tutela conservatórios do contrato, que permitem a sua manutenção e a prossecução dos interesses de ambas as partes contratantes. Esta norma jurídica deve ser objeto de uma leitura funcional, à luz do interesse do credor na prestação (cfr. Pedro Romano Martinez, “Anotação ao artigo 914.º do Código Civil”, in Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações, Contratos em especial, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2023, p. 167-168) e surge como a expressão do direito do comprador ao cumprimento pontual do contrato de compra e venda (artigo 406.º, n.º 1, do Código Civil), visando o exercício deste direito a realização específica do direito do comprador à prestação originária, isenta de vícios (cfr. Calvão da Silva, Compra e venda de coisas defeituosas, Almedina, Coimbra, 2008, p. 62).

13. Nos termos da parte final do artigo 914.º do Código Civil, «a obrigação de reparar a coisa ou de a substituir não existe se o vendedor desconhecia sem culpa o vício ou a falta de qualidade de que a coisa padece».

É precisamente esta a situação invocada pelos recorrentes para fundamentarem a sua não responsabilidade pelos defeitos no caso concreto.

Esta norma convoca o estado psicológico do sujeito, ou seja, a sua ignorância não culposa quanto ao defeito da coisa vendida. Está em causa a aceção subjetiva ética de boa fé, que não se basta com o mero desconhecimento, mas que exige que esse desconhecimento seja não culposo.

A jurisprudência tem entendido que a obrigação de reparação dos defeitos pelos vendedores só surge quando resulte provado que estes, quando transmitiram a propriedade da coisa, sabiam, ou não podiam desconhecer, com um mínimo de razoabilidade que a mesma era portadora de defeitos – Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 24-04-2012 (Revista n.º 904/06.7TBSSB.L1.S1 - 1.ª Secção), e de 13-11-2007 (Revista n.º 2987/07 - 6.ª Secção).

A execução defeituosa pelos réus da prestação a que estavam vinculados no contrato que celebraram com o autor – entregar o prédio sem vícios que o desvalorizem e impeçam a realização do fim a que se destina – constitui uma violação do referido contrato e como tal um ato ilícito, presumindo-se a culpa do devedor dessa prestação, ou seja, dos aqui réus, nos termos gerais previstos nos artigos 798.º e 799.º, n.º1, do Código Civil – Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 13-11-2007 (Revista n.º 2987/07 - 6.ª Secção), de 19-02-2008 (Revista n.º 4655/07 - 1.ª Secção), e de 29-04-2010 (Revista n.º 4293/04.6TVPRT.P1.S1 - 1.ª Secção). Em consequência, é ao vendedor que incumbe alegar e provar a ausência de censurabilidade da sua conduta.

Para a resolução do presente caso, são fundamentais as regras do ónus da prova.

Assim, cabia ao autor, comprador da coisa, o ónus da prova da existência do defeito, nos termos do artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil, que é um dos factos constitutivos do direito à reparação da coisa, ónus que cumpriu. Presumindo-se a culpa dos réus, vendedores na venda de coisa defeituosa, cabia-lhes provar que a causa dos defeitos lhes é completamente estranha, o que não provaram.

Nos termos do artigo 914.º, in fine, para se eximir ao dever de reparar os defeitos ou de indemnizar o comprador, o vendedor tem de provar que desconhecia, sem culpa, o vício ou a falta de qualidade da coisa.

Atenta a factualidade provada, é manifesto que não se provou que os réus desconhecessem os defeitos à data da venda. Aliás, como já foi mencionado, os réus nem sequer alegaram tal factualidade no seu articulado, em que apenas invocaram que as anomalias derivavam da falta de limpeza do telhado, tese que também não ficou demonstrada. Pelo contrário, decorre da factualidade provada que as anomalias resultaram da má construção do telhado (factos n.º 5 a 9).

Importa referir também que não bastaria a alegação e prova do desconhecimento desses defeitos pelos réus na data da venda. Seria necessário alegar e provar que tal desconhecimento não era culposo.

Como se salientou no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 19-01-2012 (Revista n.º 1754/06.6TBCBR.C1.S1 - 2.ª Secção), o ónus que impende sobre o vendedor de uma coisa defeituosa de alegar e provar a ausência de culpa “não se satisfaz com a simples demonstração que o vendedor, na realização da sua prestação, agiu diligentemente, pois o vendedor tem de provar que a causa do defeito lhe é completamente estranha.”, afirmando-se no mesmo acórdão que “a causa do defeito é completamente estranha ao vendedor em três situações: força maior; atitude negligente da contraparte; e facto de terceiro”.

14. No caso dos autos, não ficou provada a tese do autor de que os vendedores tinham conhecimento dos defeitos e de que intencionalmente os ocultaram do comprador, nem a tese que os réus invocam na revista, segundo a qual nada sabiam acerca dos defeitos e que não têm culpa dessa ignorância, por serem meros consumidores, sem conhecimentos técnicos na área.

Todavia, nos casos de insuficiência de prova o juiz não pode recusar-se a decidir, devendo assumir uma decisão de acordo com as normas que regulam o ónus da prova do autor e do réu. Estas regras não são meramente processuais, mas refletem uma opção do legislador acerca dos interesses prevalecentes e podem determinar a solução do litígio.

O pressuposto do debate sobre o ónus da prova é o de que o juiz, se ficar com dúvidas insanáveis sobre os factos essenciais ao julgamento da ação, não pode eximir-se de decidir com esse fundamento, tendo de decidir contra a parte a quem incumbe o ónus da prova desse facto. Como defende Antunes Varela et al., «Nestas circunstâncias, cabe naturalmente perguntar como deve decidir o juiz, quando no seu espírito permaneça a dúvida sobre factos do litígio. É nesse ponto crucial que intervém o chamado ónus da prova. Se o juiz fica em dúvida sobre determinado facto, por não saber se ele ocorreu ou não, o non liquet do julgador converte-se, na sequência da directiva traçada pelo n.º 1 do artigo 8.º do Código Civil, num liquet contra a parte a quem incumbe o ónus da prova do facto» (cfr. Antunes Varela/Miguel Bezerra/Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, Coimbra Edittora, Coimbra, 1985, p. 447.)

15. No caso dos autos, é manifesto que não se provaram (não tendo sequer sido alegados) nem o desconhecimento dos defeitos pelos vendedores, nem outros factos suscetíveis de permitir afastar a presunção de culpa dos réus.

Não se provou a existência de qualquer fator de ordem natural que impossibilitasse os vendedores de cumprir a sua obrigação sem defeitos, não se provou a negligência do autor, e não se provou a existência de facto de terceiro que excluísse a culpa dos réus, sendo que, por via de regra, o vendedor de um imóvel não pode afastar a sua responsabilidade invocando ser o vício imputável ao seu construtor (cfr. Pedro Romano Martinez, Cumprimento defeituoso, em especial, na compra e venda e na empreitada, Almedina, Coimbra, p. 314).

16. Estando os réus onerados com a prova dos pressupostos da norma em que baseiam a sua pretensão (artigo 914.º, in fine) – desconhecimento sem culpa do vício ou da falta de qualidade da coisa – é sobre os mesmos que recaem as consequências da falta ou insuficiência da prova.

A distribuição do ónus da prova resulta da presunção de culpa que recai sobre o devedor (artigo 799.º, n.º 1, do Código Civil) e da leitura funcional ou teleológica do artigo 914.º do Código Civil: a proteção do comprador de coisa defeituosa.

Assim sendo, nada há a censurar ao acórdão recorrido na decisão de condenação dos réus à reparação dos defeitos.

Improcedem as conclusões n.º 16 a n.º 20 da alegação de recurso dos recorrentes.

III – Valor da indemnização

17. O autor pediu a condenação subsidiária dos réus, caso não reparem ou não eliminem os vícios e defeitos descritos, no prazo máximo de 180 dias a contar da data do trânsito em julgado da sentença condenatória, a pagar-lhe a quantia de €44.102,88 (quarenta e quatro mil, cento e dois euros e oitenta e oito cêntimos), a fim de poder proceder à respetiva correção dos defeitos através de terceiros.

Sobre este pedido, a Relação concluiu que o pedido formulado como subsidiário é afinal um pedido alternativo, à luz do artigo 553.º do CPC, classificação que não veio impugnada na revista, decidindo que o mesmo deve ser considerado procedente.

Em consequência, condenou os réus a reparar ou eliminar os vícios, defeitos, anomalias e patologias existentes no prédio no prazo máximo de 90 dias, a contar da data do trânsito em julgado da sentença; condenou-os ainda, por cada dia de atraso, a pagar ao Autor a quantia de € 100,00 (cem euros), a título de sanção pecuniária compulsória e, em alternativa, condenou os réus, caso não reparem ou não eliminem os vícios e defeitos descritos, no prazo máximo de 180 dias a contar da data do trânsito em julgado da sentença condenatória, a pagar ao Autor, a quantia de €44.102,88 (quarenta e quatro mil, cento e dois euros e oitenta e oito cêntimos), a fim de este poder proceder à respetiva correção dos defeitos através de terceiros.

Os recorrentes alegam, que, a considerar-se que sobre si impende o dever de indemnizar o recorrido do valor dos trabalhos, caso os mesmos incumpram com o dever de reparar as anomalias do imóvel, deve o valor a entregar ao Recorrido ser fixado em € 35 000, 00, por ser esse o valor fixado pelo perito nomeado pelo tribunal para a eliminação dos defeitos.

Vejamos:

Resultou provado que a reparação dos defeitos descritos nos pontos 11. a 14. dos factos provados tem um custo estimado de cerca de € 35.000,00 (trinta e cinco mil euros), acrescido de IVA.

Assim, assiste razão em parte aos réus quando afirmam que o valor de € 44.102,88 não tem correspondência na factualidade provada. Porém, resulta expressamente da matéria de facto provada que ao valor de € 35000,00 deve ser acrescido o montante de IVA, o que, considerando a taxa máxima de 23%, alcança um valor final de € 43.050,00, que é inferior ao referido montante de € 44.102,88.

Em conclusão, entendemos que procede parcialmente a revista nesta questão (conclusão n.º 21), reduzindo-se a indemnização alternativa devida pelos réus, em caso de falta de reparação ou eliminação dos vícios e defeitos descritos na factualidade provada, para o valor de € 35.000,00 (trinta e cinco mil euros), acrescido de IVA à taxa em vigor no momento do pagamento.

18. Anexa-se sumário elaborado pela Relatora nos termos do n.º 7 do artigo 663.º do CPC:

I - A venda de coisa defeituosa respeita à falta de conformidade ou de qualidade do bem adquirido para o fim (específico e/ou normal) a que é destinado.

II - Nos termos da parte final do artigo 914.º do Código Civil, «a obrigação de reparar a coisa ou de a substituir não existe se o vendedor desconhecia sem culpa o vício ou a falta de qualidade de que a coisa padece».

III - Esta norma convoca o estado psicológico do sujeito, ou seja, a sua ignorância não culposa quanto ao defeito da coisa vendida. Está em causa a aceção subjetiva ética de boa fé, que não se basta com o mero desconhecimento, mas que exige que esse desconhecimento seja não culposo.

IV- Estando os réus, vendedores, onerados com a prova dos pressupostos da norma em que baseiam a sua pretensão – desconhecimento sem culpa do vício ou da falta de qualidade da coisa (artigo 914.º, in fine) – é sobre os mesmos que recaem as consequências da falta ou insuficiência da prova.

V – A distribuição do ónus da prova resulta da presunção de culpa que recai sobre o devedor (artigo 799.º, n.º 1, do Código Civil) e da leitura funcional ou teleológica do artigo 914.º do Código Civil: a proteção do comprador de coisa defeituosa.

III – Decisão

Pelo exposto, decide-se na 1.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça conceder parcialmente a revista e condenar os réus na indemnização de 35.000,00 euros, acrescida de IVA à taxa em vigor na data do pagamento, caso não procedam à reparação ou eliminação dos defeitos do imóvel, no prazo máximo de 180 dias a contar da data do trânsito em julgado da sentença condenatória.

No mais, mantém-se o acórdão recorrido.

Custas da revista a cargo dos recorrentes e do recorrido na proporção do respetivo decaimento.

Lisboa, 31 de outubro de 2023

Maria Clara Sottomayor (Relatora)

Maria João Vaz Tomé (1.ª Adjunta)

Pedro Lima Gonçalves (2.º Adjunto)