Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2347/13.7TBFAR-A.E1.S2
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: NUNO ATAÍDE DAS NEVES
Descritores: TÍTULO EXECUTIVO
LETRA DE CÂMBIO
EMBARGOS DE EXECUTADO
INVERSÃO DO ÓNUS DA PROVA
OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
IMPUGNAÇÃO
FORÇA PROBATÓRIA
SACADOR
ACEITANTE
RELAÇÃO CAMBIÁRIA
TERCEIRO
DEVEDOR
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
REAPRECIAÇÃO DA PROVA
LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
Data do Acordão: 10/24/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
I. No caso de recurso de apelação com impugnação da decisão relativa à matéria de facto, cumpridos que se revelem os pressupostos do art. 640º do CPC, a Relação pode e deve formar a sua própria convicção mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis, no gozo pleno do princípio da livre apreciação das provas (art. 662º nº 1 do CPC), exactamente nas mesmas condições em que o fez o Tribunal recorrido, nada obstando a que o faça de forma díspar ou divergente deste, mesmo quando não se verificou erro notório de julgamento de facto recorrido.

II. Tratando-se o título executivo de uma letra, esta constitui elemento basilar instrutório do requerimento inicial da execução (art. 724º nº 4 al. a) do CPC), pois é o título que suporta a execução e faz presumir o direito exequendo, devendo o exequente também expor sucintamente os factos que fundamentam o pedido, quando não constem do título executivo (art. 724º nº 1 al. e) do CPC).

III. No que se refere ao ónus da prova dos factos invocados como fundamento da oposição à execução, valem inteiramente as regras gerais estabelecidas no CC, cabendo ao executado que deduz oposição a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos que opõe à pretensão do exequente e a este a prova dos factos constitutivos do direito exequendo, por força do preceituado no art. 342º do CC.

IV. Para além disto, pode evidentemente o opoente deduzir impugnação que abale a força probatória de primeira aparência de que gozava o título executivo em que se fazia assentar a própria execução e que, pelo menos nos títulos desprovidos de natureza judicial (v.g. a sentença transitada em julgado – art. 729º do CPC), tem de ser naturalmente atacável pelo executado, ficando afectada quando este consiga abalar com a sua oposição o grau de certeza quanto à existência do crédito exequendo que normalmente lhes subjaz, passando, consequentemente, a incidir sobre o exequente, destruída que esteja a presunção de existência do direito que decorreria do título dado à execução, o ónus de prova de factos constitutivos do crédito exequendo.

V. Tendo-se a Exequente apresentado a cobrar a quantia aposta em letra, arrogando-se credora dessa obrigação pecuniária e exigindo judicialmente o respetivo cumprimento através da execução do património dos Executados, para tanto invocando que a letra foi emitida na sequência de uma transação comercial entre a Exequente e os Executados, e tendo-se apurado que essa relação não se estabeleceu entre a Exequente /sacadora e os Executados / aceitantes, mas sim entre os os Executados e um terceiro, tal equivale a não estar demonstrado ser a Exequente credora dos Executados, não ficando, por isso, os Executados adstritos a ver o respetivo património atingido pela execução contra eles movida com base naquela letra.

Decisão Texto Integral:

Filiconstruções – Organização de Investimentos, Lda instaurou a presente execução contra AA e BB.

apresentando como título executivo uma letra de câmbio de que consta a data de emissão de 26/09/2011, data de vencimento a de 26/09/2012, pelo valor de €139.600, atribuindo aos

Executados as assinaturas na qualidade de aceitantes. Invocou ser dona e legítima possuidora da referida letra, na qual figura como sacadora, e que a letra foi emitida na sequência de uma transação comercial estabelecida entre si e os Executados, concretamente a cessão de quotas do Café ..., Lda., constando do requerimento executivo o seguinte:

1.º - A Exequente é dona e legítima possuidora, de uma letra de câmbio, que se junta como Doc. n.º 1.

2.º - A referida letra, no montante de €139.600,00 foi aceite pelos executados.

3.º - Tendo sido aposta como data do vencimento o dia 26/09/2012.

4.º - A letra foi emitida na sequência de uma transação comercial entre a Exequente e os Executados, concretamente a cessão de quotas da pessoa coletiva "Café ..., Lda".

5.º - Na data do seu vencimento, os Executados não procederam ao pagamento total ou parcial da mesma, nem à sua reforma, situação que se mantém.»

Em oposição, e com vista à extinção da execução, foram deduzidos os presentes embargos com os seguintes fundamentos:

- a assinatura atribuída a BB não foi aposta pelo seu punho;

- é falso que a letra tenha sido emitida no âmbito de uma relação comercial estabelecida entre Embargantes e Embargada, pois as quotas do Café ..., Lda foram adquiridas pelos Embargantes, uma delas, a CC e a DD, e a outra quota a M..., Lda.;

- DD é sócio de 2 sociedades proprietárias de M..., Lda., sociedade que é sócia da sociedade Exequente, e é gerente desta;

- a letra foi entregue como garantia da dívida perante M..., Lda.;

- não foi estabelecido qualquer pacto de preenchimento da letra;

- o valor numérico aposto na letra foi rasurado e adulterado.

Em sede de contestação, a Embargada pugna pela improcedência dos embargos. Impugna as falsidades apontadas ao título. Sustenta que a emissão da letra foi sugerida pelo Embargante a DD para garantir o remanescente do pagamento em falta a título de contrapartida da cessão de quotas, dando o consentimento para preenchimento pelo montante que estivesse em falta. Uma vez que a dívida decorrente do negócio de cessão de quotas ascende a €

139.600, face ao incumprimento do acordo de pagamento em prestações e ao acordo para preenchimento da letra, foi apresentada a pagamento pelo referido valor.

Foi proferida sentença julgando os embargos totalmente improcedentes, determinando o prosseguimento da execução nos seus precisos termos.

APELAÇÃO

Inconformados, os Embargantes vieram apelar para O Tribunal da Relação de Évora, pugnando pela revogação da decisão recorrida, concluindo as suas alegações nos seguintes termos:

«A) O presente Recurso vem interposto da douta sentença de fls. dos autos que decidiu a oposição à execução mediante embargos de executado improcedente por não provada e, em consequência, determinou o prosseguimento dos trâmites normais da execução.

B) Os recorrentes não se conformam com a sentença proferida, entendendo que a mesma não julgou corretamente os pontos dados como provados e não provados e não ter feito a avaliação correta dos factos ao direito.

C) Quanto aos factos não provados e provados diga-se que por decisão do Meritíssimo Juiz “a quo” foi por ele consultada e valorada a sentença datada de 22/01/2019, proferida no Processo Comum Singular com o n.º 1927/16.3... em que foi arguido DD, processo referenciado no ponto 10 dos factos dados como provados.

D) Da leitura atenta dessa decisão penal absolutória resulta ter sido elaborado o Relatório Pericial de fls. 183 e seguintes no qual se concluiu quanto ao valor, que o valor numérico de € 139.600,00 foi rasurado, sendo o valor inicial de € 25.000,00, tendo sido acrescentado o 1, alterado o 2 para 3, alterado o 5 para 9, bem como o 0 das centenas para 6.

E) Esse Relatório Pericial é conclusivo no sentido de que tal valor foi alterado de €25.000,00 para € 139.600,00, aliás é possível extrair do Relatório pericial que na adulteração foi utilizada tinta diversa da utilizada no primitivo preenchimento.

F) Face à prova produzida entende-se que o § 3 dos factos não provados “- Que o valor numérico aposto pelo punho de DD no local destinado à importância na presença do embargante AA, que se pensa ter sido de 25.000,00 € também foi falsificado, para se atingir a quantia de 139.600,00 € acrescentou-se um número 1, do número 2 alterou-se para o número 3, do número 5 alterou-se para o número 9, e do número zero alterou-se para o número 6;” foi incorretamente julgado, apresentando-se contraditória e enfermando de obscuridade e ambiguidade quando confrontado com o ponto 10, n.º 8 dos factos provados, deve excluir-se o § 3 dos factos dados como não provados.

G) É notória a ambiguidade e obscuridade do facto dado como não provado em § 1 que refere “- Que tudo o que consta na letra para além da assinatura do embargante AA, foi forjado e falsificado.”, uma vez, que ficou provado em n.ºs 7 a 10 do ponto 10 dos factos provados que DD, legal representante da recorrida, preencheu o montante por extenso com os dizeres “cento e trinta e nove mil e seiscentos euros” e os campos destinados à aposição da data, ao local e sacador com a indicações Filiconstruções, Lda.

H) Portanto, face à prova pericial e aos factos dados como provados em n.ºs 7 a 10 do ponto 10, deverá excluir-se o § 1 dos factos dados como não provados.

I) Por outro lado, a improcedência dos referidos embargos de executado, cujo desiderato foi o prosseguimento dos trâmites normais da execução, tem na sua génese um exercício jurídico formal que, ainda sustentado em factos, parte de premissas erradas e que deturparam gravemente a conclusão do silogismo judiciário da sentença ora em crise.

J) Exercício que não tomou em consideração que qualquer valor devido pelos recorrentes sempre seria devido à sociedade M..., Lda. e não à Filiconstruções, Lda., com a qual não se demonstrou existir qualquer relação comercial por parte do embargante AA e sua mulher.

K) Ao invés, o Mmo. Juiz a quo concluiu o contrário.

L) Tal conclusão, encontrada através de operações aritméticas fundamentadas na matéria assente nos autos e em documentos juntos e que o Mmo. Juiz do Tribunal a quo, encontra-se viciada, por partir de premissas deturpadas.

M) QUANTO À ALTERAÇÃO DO VALOR NUMÉRICO DA LETRA o Relatório Pericial referido em D) destas conclusões de recurso concluiu quanto ao valor, que o valor numérico de € 139.600,00 foi rasurado, sendo o valor inicial de € 25.000,00, tendo sido acrescentado o 1, alterado o 2 para 3, alterado o 5 para 9, bem como o 0 das centenas para 6.

N) Esse Relatório Pericial é conclusivo no sentido de que tal valor foi alterado de €25.000,00 para € 139.600,00, aliás é possível extrair do Relatório pericial que na adulteração foi utilizada tinta diversa da utilizada no primitivo preenchimento e verifica-se a inexistência de qualquer semelhança fonética ou caligráfica entre o valor de 25.000,00€ e o de 139.600,00€.

O) O Tribunal entendeu não se mostrar adequadamente explicada a alteração do valor numérico da letra, alteração que não dúvida de que ocorreu.

P) Acerca dessa alteração, que vai ao encontro da versão dos aqui recorrentes que o Tribunal referiu que valorou (vide fls. 32 e 33 da sentença) no sentido da entrega da letra com o numerário preenchido por 25.000,00€ (é certo que na NJA que efetuaram os recorrentes referiram que a letra foi entregue em branco, mas note-se que tal notificação não foi subscrita pelos mesmos, mas pelo seu mandatário), o DD que não prestou depoimento de parte nestes autos alegando problemas de surdez, prestou-as no entanto, no processo n.º 1927/16.3... e que são as transcritas em ponto 15 destas alegações, referiu que a rasura na letra deve-se a um engano da pessoa a quem pediu para lha preencher.

Q) A testemunha, EE, que é filho de DD, sócio da sociedade exequente, cujo depoimento o Tribunal valorou (Fls. 34 da sentença) referiu que “… viu a letra em branco que o seu pai tinha guardada em casa e tinha as assinaturas de AA e da esposa e também do pai do depoente e o pai do depoente levou a letra ao Banco onde a mesma foi preenchida pelo valor que ainda estava em divida pela venda do café ... .”

R) Ou seja, esta versão do legal representante da recorrida confirmada pelo depoimento do filho (ver ponto 32 deste recurso), suscita estranheza, uma vez que não se explicou porque é que se pediu a um terceiro que lhe preenchesse a letra, igualmente como se referiu verifica-se a inexistência de qualquer semelhança fonética ou caligráfica entre o valor de 25.000,00€ que o alegado funcionário do banco terá percebido e escrito inicialmente e o de 139.600,00€, pelo que não se mostra adequadamente explicada a alteração do valor numérico da letra, alteração que não há dúvidas de que ocorreu.

S) Acresce que os recorrentes juntaram aos autos uma outra letra de câmbio, no montante de 30.000,00€ (DOC. 13 junto à petição de embargos de executado) que o Mmo. Juiz do Tribunal a quo não valorou, o que reforça a versão do recorrente marido em detrimento de

qualquer outra versão.

T) Sendo aliás de referir que a gerente da M..., Lda., FF, declarou no seu depoimento que o AA, ora recorrente, lhe confidenciou que estaria ainda em divida por conta do negócio do Café ..., Lda cerca de 30.000,00€, e afirmando DD que estava em divida um valor superior, mas não concretizou qual era esse valor (depoimento que o Mmo. Juiz a quo valorou e que consta a fls. 35 da sentença).

U) Independentemente, da inequívoca alteração ocorrida ao valor colocado na letra de câmbio que constitui título executivo, qualquer valor devido pelos recorrentes sempre seria devido à sociedade M..., Lda. e não à Filiconstruções, Lda., com a qual não se demonstrou existir qualquer relação comercial por parte do embargante AA e sua mulher (vide prova documental, designadamente contrato promessa de cessão de quotas datado de 31/10/2001, Escritura pública de aumento de capital e alteração parcial do contrato celebrada em 12/11/2001, e certidão da matricula da sociedade M..., Lda.).

V) Na ação executiva a recorrida na parte relativa aos factos, escreveu o seguinte:

"1.º - A Exequente é dona e legítima possuidora, de uma letra de câmbio, que se junta como Doc. n.º 1.

2.º - A referida letra, no montante de € 139.600,00 foi aceite pelos Executados. 3.º - Tendo sido aposta como data de vencimento o dia 26/09/2012.

4.º - A letra foi emitida na sequência de uma transacção comercial entre a Exequente e os Executados, concretamente a cessão de quotas da pessoa colectiva "Café ..., Lda".

W) Não dúvida de que a divida existente, independentemente do seu montante, é uma divida dos recorrentes para com a M..., Lda. e não para com a Filiconstruções Lda., aliás esse facto, resulta confirmado pelo depoimento da gerente da M..., Lda., FF, cujo depoimento o Mmo. Juiz valorou e que consta a fls. 35 da sentença.

X) Dos documentos juntos não há dúvida que efetivamente com esta sociedade (exequente) nenhuma transação comercial foi estabelecida e que a letra foi entregue pelo recorrente marido ao DD para pagamento da divida que ele e sua mulher tinham para com a M..., Lda.

Y) Daí que o sacador da letra não pudesse ser a Filiconstruções, Lda., mas apenas a M..., Lda.

Z) O que legitima a afirmação e conclusão de que é totalmente falso que a letra tenha sido emitida na sequência de uma transação comercial entre a "FILICONSTRUÇÕES - ORGANIZAÇÃO DE INVESTIMENTOS, LDA." e os aqui recorrentes, concretamente a cessão de quotas da pessoa coletiva "Café ..., Lda".

AA) O pacto de preenchimento estabelecido com o DD era com a M..., Lda., por ser esta a credora em relação aos aqui recorrentes e não a Filiconstruções, Lda. com a qual os ora recorrentes não mantinham qualquer relação comercial.

BB) É, pois, manifesto que ao sacar uma letra em nome da Filiconstruções, Lda. pelo valor de 139.600,00€, o DD atuou com intenção de obter para esta um benefício ilegítimo, já que inexiste qualquer divida dos recorrentes para com esta sociedade, aqui recorrida.

CC) De resto, mesmo em relação à M..., Lda. sempre existiria um benefício ilegítimo consistente em obter um título executivo por um valor (que se desconhece se corresponde ao valor da divida – a mesma não foi discutida por esta sociedade não figurar no título executivo) superior àquele que os recorrentes se vincularam a pagar dessa forma rápida de cobrança coerciva de dividas.

DD) A conclusão, retirada de tudo quanto vai alegado e provado por documentos, só pode ser uma: com esta sociedade (exequente) nenhuma transação comercial foi estabelecida e que a letra foi entregue pelo recorrente marido ao DD para pagamento da dívida que ele e sua mulher tinham para com a M..., Lda.

EE) Na nossa modesta opinião, não podem restar quaisquer dúvidas que o exercício formal que está na base do silogismo judiciário se encontra viciado na sua conclusão.»

Não foram apresentadas contra-alegações.

O Tribunal da Relação de Évora decidiu pela procedência do recurso, revogando a decisão recorrida, julgando procedentes os embargos à execução, determinando a extinção da ação executiva.

Foi interposto recurso de revista para o STJ.

O Supremo Tribunal de Justiça decidiu conforme segue:

«(…) anular o acórdão recorrido, determinando a baixa dos autos ao Tribunal da Relação, a fim de apreciar a impugnação da decisão da matéria de facto e, só depois, aplicar aos mesmos o regime jurídico aplicável.»

O processo voltou à Relação e aí foi proferido Acórdão com o seguinte dispositivo:

“Nestes termos, decide-se pela procedência do recurso, em consequência do que se revoga a decisão recorrida, julgando-se procedentes os embargos à execução, com o que resulta extinta a ação executiva.”

Inconformada com esta decisão, dela veio a exequente Filiconstruções interpor novamente recurso de revista, oferecendo alegações, que assim concluem:

I - Vem o presente recurso interposto do Acordão, supra identificado, que decidiu a procedência do recurso dos, ora, Recorridos e que confirmou a revogação incorrecta e injusta da sentença proferida na 1.ª Instância julgando procedentes os embargos à execução, com o que resulta extinta a acção executiva.

II - A presente Revista tem por fundamento - A violação de lei substantiva, que pode consistir tanto no erro de interpretação ou de aplicação, como no erro de determinação da norma aplicável, sendo que, aditou aos factos provados os seguintes factos, o que também exige uma análise à mesma, nos termos do art. 674.º, n.º 3 do CPC:

13. O valor numérico aposto no local destinado à importância foi alterado de 25.000,00 para 139.000,00 acrescentando-se o algarismo 1, alterando-se o algarismo 2 para 3, o 5 para 9 e o primeiro 0 para 6.

14. A letra foi emitida no âmbito da transacção comercial de cessão de quotas do café ..., referida no n.º 3 dos factos provados.

15. A letra foi assinada no local destinado ao aceite, estando em branco quanto aos demais elementos.

III – Nos termos do art. 674.º, n.º 3 do CPC e dos arts. 2.º a 17.º das presentes alegações, os factos 14. e 15. devem ser completados para que a confissão dos Recorridos seja considerada na sua totalidade, passando a constar como provado:

14. A letra foi entregue em branco pelos Recorridos a DD, gerente da Recorrente, para garantir a dívida a pagar pela transacção comercial de cessão de quotas do café ..., referida no n.º 3 dos factos provados.

15. A letra foi assinada no local destinado ao aceite pelos Recorridos e foi assinada e carimbada pelo Sr. DD na qualidade de Gerente da Recorrente no local destinado ao sacador, estando em branco quanto aos demais elementos.

IV – Nos termos do art. 674.º, n.º 3 do CPC e dos arts. 2.º a 17.º deste recurso de Revista, o facto 13. que foi aditado à matéria de facto, deve sempre ser conjugado com o facto provado 10., que: “8. Em data não concretamente apurada, mas não posterior a 2012, o arguido ou alguém a seu mando, apôs ou mandou apor na aludida letra o valor em numerário de € 25.000 e depois alterou o mesmo, passando a fazer constar o valor de € 139.600, acrescentando o número um e alterando o número dois para o número três, o número cinco para o número nove e o número zero para o número seis. 9. E mandou preencher o montante por extenso com os dizeres “cento e trinta e nove mil e seiscentos euros”.

V - A letra em causa foi emitida e aceite pelos Recorridos para garantir o pagamento do remanescente do preço devido pela aquisição das quotas da sociedade comercial denominada “Café ..., Lda, como alega a Recorrente no requerimento executivo, isto apesar da Recorrente não ser titular das quotas dessa sociedade, mas sim a M..., Lda..

VI - Como é evidente e é realçado na sentença proferida nos autos pela 1.ª Instância, o título executivo é válido e pode ser cobrado pela Recorrente, pois, existiu um acordo de preenchimento total entre Recorridos e o Sr. DD para preencher os elementos em branco da letra por eles entregue para garantir o remanescente da dívida que tinham pela cessão de quotas do Café ..., Lda.

VII - Como decorre do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, processo n.º 7916/2006-7, Relator GG, datado de 06/03/2007, disponível em dgsi.pt, ao contrário do que parece resultar do Acórdão aqui recorrido o endosso não é a única forma de transmissão de uma letra, conforme supra se transcreveu, e é incontestável que a Recorrente alegou na sua contestação factos susceptíveis de comprovar a sua legitimidade para ser parte nos autos e fazer cobrar a letra na qual sempre constou como sacadora.

VIII - O acórdão recorrido aplica incorrectamente o art. 11.º da LULL, que só seria subsumível ao caso em concreto, se os Recorridos tivessem assinado a letra constando a M..., Lda. como a sacadora da mesma, o que não aconteceu aqui e como tal os Recorridos deram o consentimento para que o Sr. DD pudesse indicar e ceder esse crédito a terceiro como a Recorrente e sempre tiveram total conhecimento que a beneficiária dessa garantia caso um dia fosse utilizada seria a Recorrente que face a estas circunstâncias só pode ser considerada uma terceira de boa fé – aliás, basta verificar que, o Recorrido tentou nos autos justificar o seu incumprimento como sendo uma compensação com um negócio que correu mal e que teria como intervenientes os filhos do Sr. DD, conforme resulta do seu requerimento inicial dos embargos e também da notificação judicial avulsa, supra referenciada.

IX - Ou seja, a Recorrente de boa-fé adquiriu este crédito, nos termos dos arts. 577.º e ss. Do Código Civil, sendo que, esta foi uma situação que sempre foi do conhecimento, autorizada e aceite pelos Recorridos que entregaram esta letra ao Sr. DD, beneficiário efectivo da M..., Lda. e gerente da Recorrente.

X - Nestes termos e nos demais de direito, nomeadamente, arts. 10.º e 39.º da LULL e 577.º e ss. do Código Civil, deverá ser o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora ser revogado por um Acórdão que vá ao encontro da sentença proferida pelo Tribunal da 1.ª Instância, nos termos do alegado nos art. 17.º e 53.º da presente Revista e que a) Julgue e declare os embargos de executado totalmente improcedentes por não provados e, em consequência, a execução deverá prosseguir os seus trâmites normais, o que se determina;

b) Condenar os Embargantes/executados/recorridos AA e BB no pagamento das custas e demais encargos com o processo.

Pelo exposto e nos demais termos de Direito, deverá ser concedido total provimento ao presente recurso de Revista e consequentemente deverá ser revogado o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, supra identificado, sendo substituído por Acórdão que vá ao encontro do decidido e constante da Sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância, e em consequência:

a) Julgue e declare os embargos de executado totalmente improcedentes por não provados e, em consequência, a execução deverá prosseguir os seus trâmites normais, o que se determina;

b) Condenar os Embargantes/executados/recorridos AA e BB no pagamento das custas e demais encargos com o processo.

Os recorridos vêm contra-alegar, assim concluindo:

a) O douto Acórdão proferido pela 2.ª Seção Cível do Tribunal da Relação de Évora deverá manter-se na íntegra, por ter procedido à correta aplicação do Direito ao caso vertente, nomeadamente por ter realizado uma correta interpretação dos factos ao direito.

b) Não pode colher a interpretação nem os novos factos que o recorrente pretende agora introduzir, pelo que, se mostra acertada a conclusão de que “àquela que figura na letra de câmbio como sacadora não assiste o direito de executar o património dos aceitantes se não é parte no contrato donde deriva a dívida destes perante terceiros e se nenhum facto é invocado como atributivo a si da titularidade do crédito que subjaz à emissão do título.”

c) Assim sendo deve o presente recurso improceder in totum.”

Cumpridos os vistos, cumpre decidir, tendo presente que são as conclusões das alegações recursivas que delimitam o objeto do recurso, estando vedado ao tribunal de recurso conhecer de matérias ou questões nelas não incluídas, com excepção daquelas que são de conhecimento oficioso (art. 635º nº 4, 639º nº 1, 608º nº 2, ex vi art. 679º, todos do CPC).

O objecto do recurso circunscreve-se, num primeiro momento, à censura que a recorrente dirige ao Acórdão recorrido, no tocante à decisão da matéria de facto, na sequência da apelação que os executados embargantes formularam nesse âmbito e que levou a que o Acórdão recorrido procedesse à reapreciação do julgamento da matéria de facto.

Designadamente, sustenta a ora recorrente exequente embargada que o aditamento da matéria de facto feito pela Relação, em relação aos factos 13, 14 e 15, sustentando que estes últimos devem ser completados, diz, tendo em conta a confissão dos recorridos, em termos que a própria formula, mais sustentando que o facto 13. que foi aditado à matéria de facto, deve sempre ser conjugado com o facto provado 10, sugerindo a alteração dos pontos 8 e 9 da matéria de facto provada, cujas novas redacções propõe no ponto IV das conclusões das suas alegações.

Num segundo momento, sustenta a recorrente a validade do título executivo, pois espelha o acordo de preenchimento total entre Recorridos e o Sr. DD para preencher os elementos em branco da letra por eles entregue para garantir o remanescente da dívida que tinham pela cessão de quotas do Café ..., Lda.

Por fim, pondo o recorrente em causa a transmissibilidade do título apenas pela via do endosso (sustentando a incorrecta aplicação do art. 11º da LULL pelo Acórdão recorrido), pugna pela sua legitimidade para ser parte nos autos e fazer cobrar a letra na qual sempre constou como sacadora.

Apreciando:

Reportando-se a primeira fase da revista à decisão da matéria de facto alcançada pelo Acórdão recorrido, ns sequência da apelação nesse âmbito deduzida, parece-nos adequado, desde já aqui reproduzir a factualidade que resultou provada das instâncias (realçando as alterações realizadas em tal âmbito no tribunal recorrido):

1. A exequente Filiconstruções-Organização de Investimentos, Lda. intentou em 31/08/2013 a execução contra os executados AA e BB, apresentando como título executivo a Letra de Câmbio n.º ................26, no valor de 139.600,00 €, com data de emissão de 26/09/2011 e data de vencimento de 26/09/2012, aceite pelos Embargantes/executados AA e BB que apuseram as respetivas assinaturas no campo destinado ao aceite;

Cujo teor, retirado do requerimento executivo, aqui se reproduz:

2. A Letra de Câmbio referida em 1) e apresentada como título executivo não foi paga na data do seu vencimento, nem posteriormente;

3. Foi celebrado acordo reduzido a escrito, o qual faz fls. destes autos, no essencial com o seguinte teor “Contrato Promessa Cessão de Quotas. Primeiros Contratantes: DD, solteiro, maior (…) e CC, viúva (…) na qualidade de sócios da sociedade “Café ..., Lda” (…) com o capital social de quatrocentos mil escudos, detentores de uma quota em comum e sem determinação de parte ou direito, no valor nominal de 200.000$00, correspondente a cinquenta por cento do capital social da identificada sociedade. M..., Lda., pessoa coletiva nº ... ... .25 (…) com o capital social de quatrocentos mil escuros, com sede na Av. ..., nº 27, .... Em ..., representada pela Dr.ª FF com poderes para o ato e na qualidade de sócia da sociedade “Café ..., Lda”, detentora de uma quota no valor nominal de duzentos mil escudos, o que corresponde a cinquenta por cento do capital social e, Segundo Contratantes: AA, c. c. BB, sob o regime da comunhão de adquiridos, contribuinte nº ... ... .70, residente em Urbanização ..., ..., e Terceira contratante: BB c. c. AA, sob o regime da comunhão de adquiridos, contribuinte nº ... ... .14, residente em Urbanização ... ..., ..., é celebrado o presente contrato de promessa de cessão de quotas, que se regerá pelos termos e cláusulas seguintes: Cláusula Primeira. O “Café ..., Lda” é uma sociedade comercial por quotas, com o capital social de quatrocentos mil escudos, constituída por duas quotas de valor nominal igual de duzentos mil escudos cada, matrícula na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº 349/450110. Cláusula Segunda. Pelo presente contrato os primeiros contratantes (DD,, CC E M..., Lda.) prometem ceder ao segundo (AA) e terceira contratante (BB) as quotas que detêm no “Café ..., Lda” pelo valor de Esc: Duzentos milhões de escudos/997.596 (novecentos e noventa e sete mil quinhentos e noventa e seis euros) Cláusula Terceira. O preço acordado será pago do modo seguinte: a) Com a assinatura do presente contrato de promessa de cessão de quotas o segundo (AA) e terceira contratantes (BB) entregarão aos primeiros quatro frações autónomas, duas de tipologia T1 com a área de cerca de 78 m2 e duas de tipologia T2 com a área de 108 m2, localizadas no 2º e 4º andar, do prédio que está a ser edificado no Bairro ... “...”, freguesia da ..., concelho de ..., Lote 4, descrito na Conservatória do Registo Predial de ..., sob o nº 2630 e inscrito na matriz predial Omisso, com o alvará de licença de construção nº 338, processo nº .. .... .24 emitido pela Câmara Municipal de ... a que atribuem o valor total de oitenta milhões de escudos/399.038 (trezentos e noventa e nove mil e trinta e oito euros) e acrescidos de dez milhões de escudos/49.890 (quarenta e nove mil e oitocentos e noventa euros) que o presente contrato dá plena quitação (planta anexa com identificação das frações) b) O remanescente do preço ou seja o valor de cento e dez milhões de escudos/548.678 quinhentos e quarenta e oito mil seiscentos e setenta e oito euros serão pagos em 73 (setenta e três) prestações mensais iguais e sucessivas de um milhão e quinhentos mil escudos/7.482 (sete mil quatrocentos e oitenta e dois euros) e uma última de quinhentos mil escudos/2.494 (dois mil quatrocentos e noventa e quatro euros), a entregar aos primeiros contratantes até ao dia oito de cada mês, com inicio no próximo mês de Dezembro de 2001 (…) Cláusula Sexta. Em caso de incumprimento por parte do segundo e terceira contratantes haverá lugar à resolução do contrato, no entanto os primeiros contratantes tomarão em consideração os valores já entregues a título de pagamento havendo possibilidades de acerto de contas em relação ao montante ainda em divida (…) Cláusula Oitava. Durante o decurso do período acordado para pagamento das prestações aqui referidas, caso o segundo e terceira contratantes, não tenham possibilidades de efetuar o pagamento na data prevista, deverão comunicar aos primeiros com oito dias de antecedência a fim de acordarem outra data, ao que os primeiros desde já se comprometem a aceitar no entanto só deverá ocorrer em caso excecional não exceder mais de seis vezes (…) Cláusula Décima O presente contrato fará parte integrante do contrato de cessão de quota a outorgar no dia 12 de Novembro de 2001, no 2º Cartório Notarial de .... Parágrafo único – Na eventualidade de não ser outorgada a escritura de cessão de quotas agendada para o próximo dia 12 de novembro, e por causa imputável aos primeiros contratantes estes indemnizarão os segundo e terceira contratantes no montante de Esc. 100.000.00$00 (cem milhões de escudos). Pelos primeiros e segundo e terceiro contratantes foi dito: Que aceitam o acordado no presente contrato. ..., 31 de outubro de 2001. Primeiros Contratantes: (…) Segundo Contratantes: (…) Terceira Contratantes: (…)”;

4. Foi celebrado acordo reduzido a escrito, no essencial com o seguinte teor “Aumento de Capital Alteração Parcial do Contrato. No dia doze de Novembro de dois mil e um, no Segundo Cartório Notarial de ..., perante mim, Licenciada HH e II, Notária do referido Cartório, compareceram: Primeiro: 1- CC, viúva (…) 2- DD, solteiro, maior (…) Segundo: Dr.ª FF, casada (…) que como gerente, com poderes para o ato, outorga em nome e representação, da sociedade comercial por quotas que gira sob a denominação de, “M..., Lda..” (…) E, declararam: Que, eles primeiros e a sociedade que a segunda representa, são os únicos sócios da sociedade comercial por quotas, com sede na Praça ..., 26, na freguesia da ..., concelho de ..., que gira sob a denominação de “Café ..., Lda.” pessoa coletiva número .......12 com o capital social integralmente realizado, no valor de quatrocentos mil escudos, dividido em duas quotas iguais, de duzentos mil escudos, uma de cada sócio, conforme consta de uma certidão comercial que arquivo. Terceiro: AA, natural da freguesia e concelho de ... e mulher, Quarto: BB, natural da mesma freguesia de ..., casados no regime da comunhão de adquiridos, residentes na Urbanização ..., ..., freguesia de ..., concelho de ... (…) Quinto: DD, divorciado (…) Os primeiros por si, e na qualidade em que outorgam, declararam: Que deliberaram aumentar o capital social para sessenta e dois mil e quinhentos euros, sendo o valor do aumento do capital de doze milhões cento e trinta mil cento e vinte e cinco escudos, na proporção das quotas, integralmente realizado em dinheiro, já entrado na Caixa Social, conforme declararam sob sua exclusiva responsabilidade, valor que adicionado a quota inicial, passa a ter, cada um, uma quota do valor nominal de trinta e um mil e duzentos e cinquenta euros. Que redenominam assim, o capital para Euros. Que ampliam o objeto da sociedade Que dão nova redação ao artigo 2º e 4º do contrato social, cuja redação passa a ser a seguinte: 2º O capital social integralmente realizado em dinheiro, de sessenta e dois mil e quinhentos euros, dividido em duas quotas de trinta e dois mil duzentos e cinquenta euros, uma de cada sócio. 4º A sociedade tem por objeto o exercício da atividade comercial de café, bilhares e artesanato, restaurante, bar, marisqueira, cervejaria e comercialização de confeção, sapataria, eletrodomésticos e venda de jogos da Santa Casa da Misericórdia. Declaram ainda: Que os atos que se seguem, estão devidamente autorizados pela sociedade e pelos restantes sócios, não pretendendo, nem uma, nem os outros, usar do direito de preferência. E que relativamente ao aumento, não é exigível pela Lei, pelo contrato ou pela deliberação, a realização de outras entradas. Que a sociedade não possui imóveis. Declararam os primeiros: Que pelo preço de trinta e dois mil e duzentos e cinquenta euros, ora recebido do terceiro, a ele cedem a quota de idêntico valor, que possuíam na sociedade. Declarou a segunda, na qualidade em que outorga: - Que em nome da sociedade que representa e pelo valor de trinta e dois mil e duzentos e cinquenta euros, ora recebido da quarta, a ela cede, a quota de idêntico valor nominal, que a sua representada possui na sociedade. Declararam o primeiro e o quarto: Que renunciam à gerência. Declararam os terceiro e a quarta: - Que aceitam estas cessões respetivamente. – Que como únicos sócios que são agora da sociedade, nomeiam-se mutuamente gerentes. - Que alteram o Artigo 5º do contrato social, cuja redação passa a ser a seguinte: 5º A gerência da sociedade, fica a cargo dos sócios, AA; e BB, desde já nomeados gerentes, dispensada de caução, com ou sem remuneração, conforme for deliberado em Assembleia Geral, bastando a assinatura de um gerente para obrigar a sociedade. Assim o outorgaram. Adverti os outorgantes da obrigatoriedade do registo desde ato, na Conservatória competente, no prazo de três meses a contar desta data (…) Foi esta escritura lida e feita a explicação do seu conteúdo, em voz alta, na presença simultânea de todos os outorgantes (…) A Notária (…)”;

5. Foi celebrado acordo reduzido a escrito, no essencial com o seguinte teor “Contrato de promessa de compra e venda. Celebrado entre os abaixo assinados: 1. JJ (…) e KK (…) como promitentes vendedores e de ora em diante designados por primeiros contratantes. 2. Construções..., Lda. (…) neste contrato representada pelos seus gerentes AA, casado e LL, casado, como promitente compradora e de ora em diante designada por segunda contratante, para efeitos do presente contrato de promessa, que se vai reger pelas seguintes cláusulas e condições. 1ª Os primeiros contratantes são donos e legítimos possuidores de três lotes de terreno para construção urbana designados por: Lote nº 19, sito em ... (…) descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 2711/260688-freguesia de .... Lote nº 20, sito em ... (…) descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 2712/260688- freguesia de .... Lote nº 21, sito em ... (…) descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 02713/290688- freguesia de .... 2ª 2.1 Os primeiros contratantes prometem vender e a segunda comprar, pelo preço de 21 300 000$00 (vinte e um milhões e trezentos mil escudos) os prédios identificados na cláusula primeira, do presente contrato, com projeto de arquitetura para a construção de uma moradia em cada lote e respetivos projetos de especialidades incluindo os cálculos de estabilidade. Será também da competência dos primeiros contratantes o pagamento dos respetivos alvarás de construção das moradias. 2.2 Os primeiros contratantes prometem vender os prédios objeto do presente contrato, livres e desembaraçados de quaisquer encargos, ónus ou hipotecas e devidamente registados em seu nome. 3ª O preço acordado deverá ser pago da seguinte forma: 3.1 Com a assinatura deste contrato o pagamento de 4 000 000$00 (quatro milhões de escudos). 3.2 No ato da escritura de compra e venda do lote nº 20 e do lote nº 21, a qual deverá ser outorgada até ao dia 10 de Maio de 1995, será pago o montante de 9 000 000$00 (nove milhões de escudos). 3.3 Os restantes 8 300 000$00 (oito milhões e trezentos mil escudos) serão pagos em três prestações, sendo o primeiro pagamento no montante de 3 000 000$00 (três milhões de escudos) que será efetuado no dia em que a Câmara Municipal de ... autorizar ou aprovar a construção de uma moradia não geminada no lote nº 19. O segundo pagamento no montante de 3 000 000$00 (três milhões de escudos) será efetuado noventa dias depois do primeiro pagamento. Os restantes 2 300 000$00 (dois milhões e trezentos mil escudos) serão pagos noventa dias depois do segundo pagamento, no dia da assinatura da escritura 4ª Se a Câmara Municipal de ... não aprovar a construção de uma moradia não geminada no lote nº 19, a segunda contraente desiste da compra do respetivo lote nº 19, e em consequência não efetuará o pagamento dos 8 300 000$00 (oito milhões e trezentos mil escudos) referidos na cláusula 3.3 5ª 5.1 Ficará a cargo dos primeiros contratantes a marcação do dia, hora e local da outorga da escritura, devendo estes para esse efeito munir-se de todos os documentos e elementos necessários ao referido fim 5. 2. A segunda contratante promete entregar aos primeiros contratantes, logo que notificada para esse efeito, todos os documentos da sua parte, necessários à escritura, tais como a sisa e cópias do bilhete de identidade, cartões de contribuinte e certidão comercial da sociedade (…) ..., 15 de Abril de 1996. Primeiros Contratantes (…) Segunda Contratante: (…)”;

6. Foi celebrado acordo reduzido a escrito, no essencial com o seguinte teor “Compra e Venda. No dia trinta de Maio de mil novecentos e noventa e seis, no Segundo Cartório Notarial de ..., perante mim, a notária Licenciada, HH e II,

compareceram: Primeiro: JJ (…) casado no regime de separação de bens com MM (…) Segundo: AA (…) casado no regime da comunhão de adquiridos com BB, residente na Urbanização ..., freguesia de ... deste concelho (…) O primeiro declarou: - Que pelo preço de três milhões e setecentos mil escudos, já recebidos do segundo, a ele vende, um lote de terreno para construção urbana, com a área de quatrocentos e seis metros quadrados, designado por Lote Vinte, sito no ..., freguesia de ..., concelho de ... (…) Pelo segundo outorgante foi dito: - Que aceita esta venda nos termos exarados. Assim o outorgaram (…) Foi esta escritura lida e feita a explicação do seu conteúdo, em voz alta, na presença simultânea de ambos os outorgantes, cuja identidade verifiquei por conhecimento pessoal (…) A Notária (…)”;

7. Em 12/10/2012, AA e esposa BB apresentaram no Tribunal Judicial da Comarca de ..., Notificação Judicial Avulsa, à qual foi atribuído o n.º 2575/12.2..., no essencial, e no que para aqui interessa, com o seguinte teor “Meritíssimo Juiz de Direito do Tribunal Judicial de .... AA e esposa BB (…) vêm, nos termos do artº 261º do Código de Processo Civil, requerer a notificação judicial avulsa de: 1º DD, divorciado (…) residente na Avenida ..., por si e na qualidade de legal representante da sociedade comercial por quotas denominada Filiconstruções-Organização de Investimentos, Lda., com o NUIPC .......72, com sede na mesma morada, Avenida ... (…) 2º M..., Lda., sociedade comercial por quotas, com sede na ... (…) porquanto: 1º No período que mediou entre o mês de Outubro a Novembro do ano 2001 os ora requerentes celebraram vários negócios com os aqui requeridos DD e com a sociedade “M..., Lda.” 2º Nomeadamente, em 31 de outubro de 2001, entre os aqui requerentes como promitentes cessionários e a aqui 2ª requerida, M..., Lda., como promitente cessionária foi celebrado o contrato promessa de Cessão de Quotas, na qual foi prometido vender a quota que esta sociedade detinha na sociedade denominada “Café ..., Lda” (Doc. 1) 3º Simultaneamente, para cumprimento do estabelecido na alínea a) da cláusula terceira desse contrato promessa de cessão de quotas o requerente, AA e NN, na qualidade de sócios gerentes da “M.... Limitada(…) outorgaram com o requerido, DD o contrato promessa de compra e venda que se junta sob o doc. 2. 4º Nos termos da alínea b) dessa cláusula terceira foi ainda estabelecido, relativamente ao remanescente do preço, que os aqui requerentes, AA e esposa BB, efetuariam à requerida M..., Lda., um pagamento mensal de 73 prestações com inicio em Dezembro de 2001 (cfr. doc. 1) (…) 7º A requerida, M..., Lda., tem como sócias: - M...Corporation, com o NIPC .......50 e – A..., S.A A., com o NIPC .......42 ambas com sede em ..., ..., ... (vide certidão permanente com o código de acesso: 0522-2408-5341) 8º Por sua vez, a requerida “M..., Lda.” é sócia da requerida Filiconstruções-Organização de Investimentos, Lda. (vide certidão permanente com o código de acesso: 7653-0856-3632). 9º O requerido, DD não só é o sócio das sociedades M...Corporation, com o NIPC .......50 e A..., S.A A., com o NIPC .......42 ambas com sede em ..., ..., ..., como também é o gerente da sociedade “Filiconstruções-Organização de Investimentos, Lda.”. 10º Acontece que o requerente, AA, como garantia da dívida referida em articulado 4º desta Notificação Avulsa, que mantinha com a requerida “M..., Lda.”, entregou ao referido DD, letras de câmbio apenas assinadas no local destinado ao aceite, encontrando-se tais letras em branco aos seus demais elementos (importância por extenso e numerário, datas de emissão e vencimento, nome e morada do sacado e do sacador, local de emissão e até assinatura e até assinatura e carimbo do sacador). 11º Não existe nenhum acordo de preenchimento dessas letras o ora requerente AA e o requerido, DD. 12º De igual modo, inexiste acordo de preenchimento dessas letras entre o ora requerente, AA e as requeridas sociedades “M..., Lda.” e “Filiconstruções- Organização de Investimentos, Lda.” 13º O requerido, DD, que mantém acesso um litigio com o requerente AA, decorrente do incumprimento não definitivo de promessa de venda de um lote de terreno destinado a construção sito em ..., freguesia de ..., concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº 02713/290688 e inscrito a favor da requerida M..., Lda. 14º afirmou perante terceiros que vai preencher as letras que detém na sua posse, apondo a sua assinatura no local destinado ao sacador na qualidade de legal representante da requerida “Filiconstruções-Organização de Investimentos, Lda.” 15º Receiam os requerentes e em particular o requerente, AA que o requerido DD, concretize tal “ameaça” 16º Como nunca foi dada autorização a nenhum dos requeridos para completar tais letras, consideram desde já os ora requerentes em particular o requerente AA, que 17º no caso do preenchimento das letras por qualquer um dos requeridos, como pode acontecer, dada a posição privilegiada que o possuidor DD mantém com as requeridas sociedades, tal comportamento se traduzirá num efetivo abuso de preenchimento, uma vez que não há qualquer acordo de preenchimento 18º Abuso esse resultante da incorporação do preenchimento unilateral do requerido DD, possuidor das letras, por si ou em representação da requerida “Filiconstruções-Organização de Investimentos, Lda.”, impondo e obrigando assim o requerente AA a uma divida aleatória, com juros incorporados que ele próprio não sabe explicar, aplicáveis sobre capital que também desconhece 19º A entrega das letras, como é o caso, sem que o respetivo subscritor, AA, tenha dado autorização ao requerido DD para as preencher dá origem a uma letra incompleta mas já não a uma letra em branco 20º Estas letras são títulos nulos. 21º Deste modo, devem os requeridos, isoladamente ou em conjunto, absterem-se de preencherem as letras incompletas que estão na posse do requeridos DD, considerando que não lhes foi concedida nenhuma autorização de preenchimento por parte dos ora requerentes. Pelo exposto, Requerem a V. Exa se digne ordenar a notificação judicial avulsa dos requeridos, para que os mesmos fiquem cientes de que pode-lhes ser aposta a exceção do preenchimento abusivo por parte do subscritor, AA e esposa, caso as letras que se encontram na posse do requerido DD, sejam completadas (…)”;

8. A sociedade “M..., Lda., tem o capital social de 5.000,00 € (cinco mil euros), dividido em 2 quotas no valor nominal de 2.500,00 € (dois mil e quinhentos euros) cada uma, pertencendo uma quota à “M...Corporation”, NIPC .......50, com sede em ..., ..., ..., e a outra à “A..., S.A A”, NIPC .......42, com sede em ..., ..., ...;

9. A sociedade “Filiconstruções-Organização de Investimentos, Lda.” tem o capital social de 5.000,00 € (cinco mil euros), dividido em duas quotas, uma no valor nominal de 3.750,00 € (três mil setecentos e cinquenta euros), pertencente a EE, e outra no valor nominal de 1.250,00 € (mil duzentos e cinquenta euros), pertencente à sociedade “M..., Lda.”;

10. No Juízo Local Criminal de ...-Juiz 1, do Tribunal Judicial da Comarca de Faro corre termos o Processo Comum Singular com o nº 1927/16.3..., no qual foi proferida sentença, no essencial e para o que aqui interessa, com o seguinte teor “Sentença. I. Relatório: Em obediência ao acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora de 08/05/2018, foi pronunciado para julgamento em processo comum e perante tribunal singular. DD, divorciado, comerciante (reformado) (…) Imputando-lhe a prática de um crime de falsificação de documento, p. p. pelo artº 256º, nº 1, als b), d) e e) e nº 3 do Cód. Penal. AA deduziu pedido de indemnização contra DD pedindo a condenação deste a pagar-lhe a quantia de € 35.000 a título de compensação pelos danos não patrimoniais sofridos com a prática do crime (…) Realizou-se o julgamento com observância das formalidades legais (…) II. Fundamentação de Facto: Factos provados: Com relevo para a decisão da causa, resultaram provados os seguintes factos: 1. No período que mediou entre o mês de Outubro a Novembro de 2001, o assistente AA e sua mulher BB, com vista à aquisição das quotas da sociedade por quotas “Café ..., Lda”, celebraram vários negócios com o arguido DD e com a sociedade “M..., Lda.” 2. Nomeadamente em 31 de Outubro de 2001, entre o assistente e a sua mulher, na qualidade de promitentes cessionários e a sociedade “M..., Lda.”, CC e DD como promitente cessionária, foi celebrado contrato-promessa de cessão de quotas, no qual foi prometido vender a quota que esta sociedade detinha na sociedade denominada “Café ..., Lda” 3. Nos termos da alínea b), da cláusula terceira desse contrato, foi estabelecido que o assistente e a mulher, BB, efetuavam à sociedade “M..., Lda.” e a CC e filho DD um pagamento mensal de 73 prestações, com inicio em Dezembro de 2001 4. A escritura formalizadora do contrato promessa de cessão de quotas foi outorgada a 12 de Novembro de 2001, no 2º Cartório Notarial de .... 5. A sociedade “M..., Lda.” é sócia da sociedade “Filiconstruções-Organização de Investimentos, Lda.”. 6. O arguido é gerente desta última sociedade e sócio das duas sociedades que são sócias da “M..., Lda.” – a “M...Corporation” e a “A..., S.A”, ambas com sede nas Ilhas ... e ..., .... 7. Em data não concretamente apurada, mas não posterior a 2012, o assistente entregou ao arguido uma letra de câmbio assinada por si no campo destinado ao aceite. 8. Em data não concretamente apurada, mas não posterior a 2012, o arguido ou alguém a seu mando, apôs ou mandou apor na aludida letra o valor em numerário de € 25.000 e depois alterou o mesmo, passando a fazer constar o valor de € 139.600, acrescentando o número um e alterando o número dois para o número três, o número cinco para o número nove e o numero zero para o número seis. 9. E mandou preencher o montante por extenso com os dizeres “cento e trinta e nove mil e seiscentos euros”. 10. Igualmente mandou preencher o campo destinado à data, apondo 26/09/2012, e o campo destinado ao sacador com a indicação Filiconstruções, Lda., colocando um carimbo desta. 11. No dia 31 de Agosto de 2013, deu entrada uma ação executiva que após ser distribuída ai 1º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de ..., recebeu o nº 2347/13.7..., apresentando como título de crédito o referido de 7 a 10 (…) Factos não provados: Com relevo para a decisão a proferir, ficou por provar que:

A) A entrega mencionada em 7 dos factos provados ocorreu nos anos de 2003 ou 2004, foi feita para pagamento de parte da divida que o assistente tinha para com a “M..., Lda.” e aquando da assinatura no campo destinado ao aceite estava preenchida pela importância, escrita em numerário, de € 25.000. B) O arguido previu e quis agir da forma descrita, tendo atuado com o propósito de obter para si um beneficio ilegítimo. C) Sabia que, com a adulteração dos dados da letra de câmbio, lograria obter um benefício patrimonial à custa do assistente, o que quis, tendo usado um documento falso para intentar uma ação judicial-sabendo que a mesma produziria consequências jurídicas. D) Tinha noção que as letras de câmbio são títulos de crédito que gozam de fé pública e que a sua atuação iria inquinar a confiança que aos mesmos deve ser reconhecida E) Agiu voluntária, livre e conscientemente, sabendo ser tal conduta proibida e punida por lei (…) III. Enquadramento Jurídico-Penal dos Factos: (…) Ao nível do preenchimento do tipo objetivo de ilícito, temos que o agente do crime deve praticar o ato de falsificação do documento, mediante alguma das modalidades de conduta previstas nas alíneas do nº 1 do artº 256º do Código Penal. Ao nível do preenchimento do tipo subjetivo de ilícito, o crime de falsificação de documento é um crime de natureza dolosa em qualquer das modalidades típicas, configurando ainda um delito de intenção, já que a prática do mesmo pressupõe o agente atue com “intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, ou de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo”. No caso em apreço, provou-se que, em data não apurada, mas seguramente não posterior a 2012, o arguido, por si ou por intermédio de outrem fez constar de uma letra que o assistente assinou e lhe entregou o valor em numerário de € 25.000 e depois alterou esse valor, passando a fazer constar da letra o valor de €139.600 (acrescentando o número um e alterando o número dois para o número três, o número cinco para o número nove e o número zero para o número seis) assim como preencheu o montante por extenso com os dizeres “cento e trinta e nove mil e seiscentos euros” e os campos destinados à aposição da data, ao local e sacador com a indicação Filiconstruções, Lda. (factos provados 7 a 10). Apesar da alteração material do numerário da letra que resultou provada, não se provou que essa alteração tenha sido posterior à entrega ao arguido pelo assistente, nem tão-pouco que a letra tenha sido entregue para pagamento da quantia de € 25.000 ou que o arguido tenha procedido à alteração da letra com o propósito de obter para si um benefício ilegítimo, ciente de que a sua atuação iria inquinar a fé pública especialmente reconhecida aos títulos cambiários (factos A a E). Face ao exposto, é patente que não se mostram preenchidos todos os elementos do crime de falsificação de documento imputado ao arguido e, como tal, impõe-se a sua absolvição (…) V. Decisão: Nestes termos e com os fundamentos que antecedem, - Julgo a pronuncia improcedente e, em consequência, absolvo o arguido DD da prática do crime de falsificação de documento, p. p. pelo artº 256º, nº 1, als. b), d) e e) e nº 3 do Cód. Penal que lhe vinha imputado (…) Registe e deposite. ..., 22 de janeiro de 2019”;

11. O executado AA foi citado para a execução, na sua própria pessoa, em 24/10/2013 e a executada BB foi citada na pessoa de seu marido, o executado AA nessa mesma data (24/10/2013);

12. Os presentes embargos de executado foram instaurados no dia 13/10/2013.

13. O valor numérico aposto no local destinado à importância foi alterado de 25.000,0000 para 139.600,0000 acrescentando-se o algarismo 1, alterando-se o algarismo 2 para 3, o 5 para 9 e o primeiro 0 para 6. (aditado pela Relação)

14. A letra foi emitida no âmbito da transação comercial de cessão de quotas do Café ..., Lda referida no n.º 3 dos factos provados. (aditado pela Relação)

15. A letra foi assinada no local destinado ao aceite, estando em branco quanto aos demais elementos. (aditado pela Relação).

Vejamos:

Diga-se, antes do mais, em termos gerais, que, tal como se pronunciou este Supremo Tribunal no Acórdão de 08-06-2017 (Revista 6264/12.0TBLRA.C1.S1), é de admitir o recurso de revista sobre a fixação da matéria de facto quando a questão suscitada pelo recorrente tem como objecto o conteúdo dos poderes da Relação relativamente à reapreciação da matéria de facto e ao ónus do recorrente que a impugna, ou seja, a invocada violação das normas dos arts. 640º e 662º nº 1, ambos do CPC.

Como se refere no Ac. STJ de 19-01-2017 (Revista 841/12.6TBMGR.C1.S1), “é residual a intervenção do STJ no apuramento da factualidade relevante da causa, restringindo-se, afinal, a fiscalizar a observância das regras de direito probatório material, a determinar a ampliação da matéria de facto ou o suprimento de contradições sobre a mesma existentes.”

A este respeito veja-se o “post” que MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA inseriu no dia 22 de Fevereiro de 2016, no blogue do IPPC, em comentário ao Ac STJ 3/12/2015, proc. 1297/11.6TBPBL.C1.S1, a que deu o título “Livre apreciação da prova; poderes do STJ; forma ad substantiam; prova testemunhal”.

Entre o mais, afirma o Professor que “o Supremo não deve ficar indiferente a erros de apreciação da prova resultantes da violação de direito probatório material, de modo que pode constituir fundamento de revista a violação de disposição legal expressa que exija certa espécie de prova ou que fixe a respectiva força probatória. Afinal, em tais situações, defrontamo-nos com verdadeiros erros de direito que, nesta perspectiva, se integram também na esfera de competências do Supremo, inscrevendo-se a sua correcção nas atribuições do Supremo.

Assim, quando na enunciação da matéria de facto provada ou não provada se constate que as instâncias desrespeitaram norma expressa de direito probatório material, o Supremo, por iniciativa própria ou do recorrente, deve modificar a decisão e ajustá-la ao preceito imperativo violado.

Tal acontece designadamente quando o confronto com os articulados revele que existe acordo das partes quanto a determinado facto, que o facto alegado por uma das partes foi objecto de declaração confessória com força probatória plena que não foi atendida ou que encontra demonstração plena em documento junto aos autos, naquilo que dele emerge com força probatória plena, incluindo a eventual confissão nele manifestada.
Na verdade, em tais circunstâncias, confrontamo-nos com verdadeiros erros de aplicação do direito, tornando justificada a “intromissão” do Supremo na delimitação da realidade que será objecto de qualificação jurídica, como questão de direito que realmente é, deve ser considerada (art. 4º, nº 3).

o STJ só pode controlar a apreciação da prova realizada pela Relação, se esta tiver violado nessa apreciação uma regra legal, ou seja, se tiver usado os seus poderes de livre apreciação da prova numa situação em que tal não é permitido. Portanto, o STJ pode controlar se a Relação julgou dentro dos limites legais da livre apreciação, mas não pode controlar a livre apreciação realizada pela Relação.”

Realçou-se também no Acórdão de 30-05-2019 (Revista n.º 156/16.0T8BCL.G1.S1) que “Não obstante a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça no tocante à decisão sobre a matéria de facto ser residual e de o n.º 4 do artigo 662.º do CPC ser peremptório a determinar a irrecorribilidade das decisões através das quais o Tribunal da Relação exerce os poderes previstos nos n.ºs 1 e 2 da mesma norma, é admissível julgar o modo de exercício destes poderes, dado que tal previsão constitui “lei de processo” para os efeitos do artigo 674.º nº 1 al. b) do CPC”.

Ora, cumprindo-nos apreciar se o Tribunal da Relação de Évora operou correcta intervenção decisória ao nível dos factos, importará ter presente, desde logo, como lucidamente se afirmou no AC. STJ de 20-06-2017 (Revista 2975/12.8TBSTS.P1.S2) que “Os poderes de reapreciação contidos no art. 662º nº 1 do CPC traduzem um verdadeiro e efectivo grau de jurisdição sobre a apreciação do conteúdo da prova produzida, pretendendo-se que a Relação faça novo julgamento da matéria de facto impugnada e que vá à procura da sua própria convicção.”

Constituindo jurisprudência consolidada a de que “ao STJ permite-se verificar se o uso dos poderes conferidos pelo art. 662º nº 1 e 2 do CPC foi exercido dentro da imposição de reapreciar a matéria de facto de acordo com o quadro e os limites configurados pela lei para o exercício de tais poderes (deveres) – não uso ou uso deficiente ou patológico –, que, no essencial e no que respeita ao nº 1 do art. 662º, resultam da remissão do art. 663º nº 2 para o art. 607º nº 4 e 5, do CPC (o n.º 2 já é reforço dos poderes em segundo grau)” (Ac. STJ de 03-11-2021, Revista n.º 4096/18.0T8VFR.P1.S1).

Como sublinha Abrantes Geraldes (Recursos em Processo Civil, 6ª Edição Atualizada, Coimbra, Almedina, 2020, p. 332), o actual art. 662.º do Código de Processo Civil (através dos seus n.ºs 1 e 2 al. a) e b) representa uma clara evolução no sentido de que a Relação dispõe de autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis e com observância do princípio do dispositivo no que concerne à identificação dos pontos em discórdia.”

Poderes que foram bem evidenciados no Ac. STJ de 24/09/2013, 1965/04, de cujo sumário se extrai que “ao afirmar que a Relação aprecia as provas, atendendo a quaisquer elementos probatórios, o legislador pretende que a Relação faça novo julgamento da matéria de facto impugnada, vá à procura da sua própria convicção, assim se assegurando o duplo grau de jurisdição relativamente à matéria de facto em crise”.

MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, ao comentar este aresto (in Cadernos de Direito Privado, nº 44, pag. 29 e seg.), aduz lucidamente que “o actual art. 662º aumenta os poderes da Relação sobre o julgamento da matéria de facto, pelo que o standard que o Supremo Tribunal de Justiça passará a dever utilizar para controlar esse julgamento é o da aplicação pela Relação de todos os poderes eu agora lhe estão legalmente concedidos”.

Segundo Abrantes Geraldes “está afastada, em definitivo, a defesa de que a modificação na decisão da matéria de facto apenas deve operar em casos de «erros manifestos» de reapreciação (…).” (ob. cit. pag. 349).

No mesmo sentido o Ac. STJ 14-2-2012 (Revista 6823/09.3TBBRG.G1.S1) sustenta que a Relação deverá formar e fazer reflectir na decisão a sua própria convicção, na plena aplicação e uso do princípio da livre apreciação das provas, nos mesmos termos em que o deve fazer a 1ª instância, sem que se lhe imponha qualquer limitação, relacionada com convicção que serviu de base à decisão impugnada, em função do princípio da imediação da prova".

A Relação atua como um tribunal de substituição em matéria de facto, aplicando a plenitude das regras gerais de prova: "a reapreciação da matéria de facto por parte da Relação tem de ter a mesma amplitude que o julgamento de primeira instância pois só assim poderá ficar plenamente assegurado o duplo grau de jurisdição", enunciam os Acs. STJ 2-12-2013 (Revista 34/11.0TBPNI.L1.S1) e de 29-11-2016 (revista 2170/05.2TVLSB-A.L1.S1).

Ainda neste contexto, constitui jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal de Justiça, como feito notar pelo acórdão de 08-06-2017 (Revista n.º 271/07.1TBALJ.G2.S1), que “a reapreciação da decisão de facto pela Relação, nos termos do art. 662º nº 1 do CPC não se deve limitar à verificação da existência de erro notório por parte do tribunal a quo, mas implica uma reapreciação do julgado sobre os pontos impugnados, em termos de formação, por parte do tribunal de recurso, da sua própria convicção, em resultado do exame das provas produzidas e das que lhe for lícito ainda renovar ou produzir, para só, em face dessa convicção, decidir sobre a verificação ou não do erro invocado, mantendo ou alterando os juízos probatórios em causa.”

E nessa senda decisória se pronunciou também o Ac. STJ 07 de Setembro de 2017 (Revista 959/09.2TVLSB.L1.S1) confirmando que “o nosso regime de sindicância da decisão de facto pela 2.ª instância tem em vista não um segundo julgamento latitudinário da causa, mas sim a reapreciação dos juízos de facto parcelares impugnados, na perspetiva de erros de julgamento específicos, o que requer, por banda do impugnante, uma argumentação probatória que, no limite, os configure”.

Em breves palavras nossas, diremos, à laia de conclusão do tanto que já ficou escrito a este respeito, que em caso de recurso com impugnação da decisão relativa à matéria de facto, a Relação pode e deve formar a sua própria convicção mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis, no gozo pleno do princípio da livre apreciação das provas (arts. 640º e 662º nº 1 do CPC), exactamente nas mesmas condições em que o fez o Tribunal recorrido, nada obstando a que o faça de forma díspar ou divergente deste, mesmo quando não se verificou erro notório de julgamento de facto recorrido.

Contudo, o STJ pode censurar o mau uso que o Tribunal da Relação tenha eventualmente feito dos seus poderes sobre a modificação da matéria de facto, bem como pode verificar se foi violada ou feita aplicação errada da lei de processo (art. 674º nº 1 al. b) do CPC).

De acordo com este entendimento, o Tribunal da Relação de Évora não se encontrava impedido de proceder, como procedeu, ao aditamento dos pontos 13, 14 e 15 como matéria de facto provada, não podendo tal procedimento ser identificado um notório erro de julgamento, e nessa medida uma aplicação errada da lei de processo (art. 674º nº 1 al. b) do CPC) consubstanciada na norma constante do n.º 1 do art. 662.º do mesmo diploma.

De facto, numa análise que até pode ser breve do raciocínio crítico caminhado pela Relação, verificamos que o mesmo teve em consideração a prova testemunhal, que indica de forma coerente e fundada, assim como os termos do Processo Comum Singular com o nº 1927/16.3... do Juízo Local Criminal de ...-Juiz 1, do Tribunal Judicial da Comarca de ..., as suas limitações probatórias no processo civil, assim como o relatório pericial ali realizado, de tal âmbito, ante o disposto no art. 624º do CPC, não se podendo retirar como provada a factualidade que ali fora interpretada como determinante da sentença absolutória de DD, sendo também certo que os termos daquele relatório, que veio a ser junto a estes autos, não pode, como bem assevera o Acórdão recorrido, ser invocados contra a aqui recorrida embargada, que nada teve a ver com o processo criminal (art. 421.º n.º 1 do CPC), por isso não lhe sendo extensíveis os efeitos da decisão criminal, colocando em crise as declarações do dito DD.

No mais, torna-se patente a análise crítica que a Relação faz da análise do título, da letra em causa nos autos, dela extraindo a conclusão dos acrescentos e sobreposições de traços na inscrição manuscrita no local “importância”, “a quantia de 25.000,0000 foi alterada para 139.600,0000 com tinta diversa na que traçou os algarismos originais, pormenor que refere ter sido aludido na conclusão do exame pericial do Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária, chegando assim, à convicção que diz ser “firme” da demonstração de que “o valor numérico aposto no local destinado à importância foi alterado de 25.000,0000 para 139.600,0000 acrescentando-se o algarismo 1, alterando-se o algarismo 2 para 3, o 5 para 9 e o primeiro 0 para 6”, tal facto passando a integrar o nº 13 dos provados.

Depois, aliás na senda das palavras de MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA (acima referidas) a respeito de que a Relação deverá aproveitar o acordo das partes resultar do confronto dos articulados quando a 1ª instância o não tiver feito, adiantou a Relação que na sentença foram desconsiderados factos relevantes para a discussão da causa que se mostram assentes por acordo entre as partes nos articulados, arrolando tal factualidade no conjunto dos factos provados “trata-se do que se mostra alegado no art. 4.º do requerimento executivo (Art. 4.º - A letra foi emitida na sequência de uma transação comercial entre a Exequente e os Executados, concretamente a cessão de quotas da pessoa coletiva "Café ..., Lda" e no art. 39.º da petição de embargos (“… o embargante, como garantia da dívida (…) decorrente da celebração do contrato promessa de cessão de quotas, entregou pelo menos duas letras câmbio (…)” e no art. 54.º da contestação de embargos (“… a quantia em dívida relativamente à cessão de quotas aos Embargantes cifra-se nos €1309.600,00, e face ao incumprimento e ao seu acordo de preenchimento, da letra, dado em 2004, foi apresentada pelo valor da dívida”), o que o leva a julgar como provado o facto que adita sob o nº 14 acima descrito e que aqui reproduzimos (“A letra foi emitida no âmbito da transação comercial de cessão de quotas do Café ..., Lda referida no n.º 3 dos factos provados”.

O mesmo critério ou procedimento adoptando em relação ao acordo resultante do alegado no art. 39.º da petição de embargos (Art. 39.º - (…) o embargante, como garantia da dívida (…) decorrente da celebração do contrato promessa de cessão de quotas, entregou pelo menos duas letras câmbio (…)” e nos arts. 46.º e 47.º da contestação de embargo (Art. 54.º - (…) a quantia em dívida relativamente à cessão de quotas aos Embargantes cifra.se nos €1309.600,00, e face ao incumprimento e ao seu acordo de preenchimento, da letra, dado em 2004, foi apresentada pelo valor da dívida), o que levou a Relação a aditar aos factos provados o acima descito sob o nº 15, que ora reproduzimos - (“A letra foi assinada no local destinado ao aceite, estando em branco quanto aos demais elementos”).

Ora, de forma alguma pode apodar-se a intervenção da Relação, a este nível da reapreciação da matéria de facto em que nos atemos, como acrítica ou inexplícita, ou sequer incompleta, antes pelo contrário, revelando, de forma assertiva, afirmativa e coerente, ante os meios de prova que assinada para fundamentar a sua decisão, uma convicção própria, sem se refugiar em critérios fluidos ou imprecisos de análise.

De facto, o Tribunal da Relação de Évora exteriorizou com toda a clareza o seu percurso de convencimento, fazendo-o em termos fundados, racionais e coerentes, sem deixar de considerar o acervo fáctico na sua globalidade, assim como as posições assumidas pelas partes nos seus articulados.

Aqui chegados, importa realçar que ante o que foi dito nos art. 2.º a 17.º das alegações da recorrente, não merecem censura os factos aditados pela Relação nos pontos 14 e 15 nos termos em que o foram, nem se vislumbra que os mesmos não se enquadrem dentro dos limites em que a Relação interpretou a confissão dos recorridos, fazendo-o dentro da sua inteira liberdade de acção crítica dos meios de prova, como tal entendendo que aquela confissão não pode ir mais longe, designadamente nos termos pretendidos pela recorrente.

Do mesmo modo, revela-se que o facto 13 (“13. O valor numérico aposto no local destinado à importância foi alterado de 25.000,0000 para 139.600,0000 acrescentando-se o algarismo 1, alterando-se o algarismo 2 para 3, o 5 para 9 e o primeiro 0 para 6”), também aditado pela Relação ao elenco dos factos provados, não é passível da censura que, algo confusamente, lhe é feita pela recorrente, no sentido de o mesmo dever “conjugado com o facto provado 10., que: “8. Em data não concretamente apurada, mas não posterior a 2012, o arguido ou alguém a seu mando, apôs ou mandou apor na aludida letra o valor em numerário de € 25.000 e depois alterou o mesmo, passando a fazer constar o valor de € 139.600, acrescentando o número um e alterando o número dois para o número três, o número cinco para o número nove e o número zero para o número seis. 9. E mandou preencher o montante por extenso com os dizeres “cento e trinta e nove mil e seiscentos euros”.

Tendo Relação agido no quadro dos seus latos poderes de reapreciação dos meios de prova, em cumprimento do 662º e 674º nº 3 do CPC, normas que não se revelam violadas

Não se vislumbrando, pois, in casu, a mínima violação dos art. 662º e 674º nº 3 do CP, não se descortinando, pois, violada, sequer de minimis, a disciplina processual ínsita no nº 5 do art. 607.º do Código de Processo Civil, tendo em conta que o tribunal “a quo” indicou os meios de prova concretos que alicerçaram a sua convicção a propósito da materialidade probanda, explicitando com detalhe as razões que o levaram a adoptar um determinado sentido decisório relativamente a cada um dos factos impugnados pelo recorrente, não se configurando, pois, qualquer transposição dos limites legalmente estabelecidos à livre apreciação.

Não será demais salientar, ainda a este propósito, que, não se discutindo “in casu” a violação pela decisão recorrida das regras atinentes a prova vinculada ou prova com força legalmente vinculativa ou mesmo a ilegalidade do recurso a presunções judiciais, o Supremo Tribunal de Justiça se encontra impedido, nos termos do disposto nos arts. 662º nº 4 e 674º nº 3, 1ª parte, do CPC, de sindicar o acerto da decisão tomada por parte do tribunal “a quo” a respeito da impugnação da matéria de facto suscitada em sede de apelação (Acórdão STJ de 16-06-2020).

Improcede, pois, in totum, a revista neste primeiro plano fáctico.

II - Num segundo momento, em torno da validade do título executivo, pretende a recorrente que se conclua que o mesmo é o resultado de acordo de preenchimento total entre Recorridos e o Sr. DD para preencher os elementos em branco da letra por eles entregue para garantir o remanescente da dívida que tinham pela cessão de quotas do Café ..., Lda.

Daqui pretendendo que se conclua que é titular daquele crédito sobre os executados.

Apreciando:

Imodificada que ficou a matéria de facto julgada provada nas instâncias, não procedendo a revista em tal dimensão, afigura-se-nos que o Acórdão recorrido não merece qualquer censura.

Desde logo porque aquela conclusão, que deixámos sublinhada, sempre teria de resultar directamente dos factos apurados, e tal não se verifica.

Como bem realça o Acórdão recorrido, sendo certo (porque ficou provado – facto 13) que a letra dada à execução foi emitida no âmbito da transação comercial de cessão de quotas do Café ..., Lda, tendo sido assinada adequadamente pelos aceitantes cessionários, os ora executados, estando em branco quanto aos demais elementos, tal documento assumiu uma clara função de garantia do crédito decorrente daquela cessão de quotas.

Com base em tal título, a sua portadora sacadora Filconstruções moveu a presente execução contra os que ali figuram como aceitantes.

Alegando, na justificação da titularidade de tal título de crédito, que a tal “letra foi emitida na sequência de uma transação comercial estabelecida entre si e os Executados, concretamente a cessão de quotas do Café ..., Lda.

Ora, sendo certo que o título cambiário assume uma natureza instrumental da relação fundamental, dimanado a relação executiva da relação fundamental, pretendendo os executados colocar aquele título em causa, coube-lhes contrariar a existência daquela relação fundamental, ou seja, que entre o exequente e eles próprios ocorrera a transação comercial alegada pelo exequente como básica do título exequendo, a cessão de quotas do Café ..., Lda, dessa forma pondo em causa a fiabilidade da pretensão do exequente.

Como refere o Acórdão recorrido, citando CAROLINA CUNHA (in Manuel de Letras e Livranças, pag. 57 e 58), a obrigação cambiária e a obrigação fundamental buscam “a satisfação do mesmo interesse económico do credor. Dado que tal satisfação deve ocorrer uma vez, a relação entre ambas as obrigações é naturalmente de alternância: o exercício das correspondentes prestações creditórias deve ser coordenado de modo a evitar um duplo pagamento e/ou cobrança, uma através do título, outra através do exercício do direito emergente do contrato fundamental.

Com essa fisionomia impugnatória, os executados, ora recorrentes, executados sustentam que nenhuma relação comercial estabeleceram com a Recorrida, a sociedade Filiconstruções – Organização de Investimentos, Lda, pois que, embora se tenha apurado que letra foi aceite para garantir o pagamento do preço devido pela aquisição das quotas da sociedade comercial denominada Café ..., Lda, a Exequente, sustentam os executados, não foi interveniente em tal negócio, sendo certo que não demonstra nos autos por que motivo ou a que título figura na letra como sacadora, e por que motivo negocial reclama o respetivo pagamento.

Não pondo em causa que possam ainda ser devedores de quantias relacionadas com aquela cessão de quotas, sempre argumentam que apenas a sociedade M..., Lda. delas pode ser credora, uma vez que foi com esta sociedade que os mesmos outorgaram o dito contrato de cessão de quotas do Café ..., Lda

Pelo que sempre cumpriria à exequente, arrogando-se a credora dos executados pelos valores de que estes são devedores pela cessão das quotas do Café ..., Lda, demonstrar ser deles credores, que este negócio foi celebrado entre si, como cedente, e os executados, como cessionários.

Trata-se o título executivo de documento que a lei reconhece idóneo para servir de base a uma execução, sendo através dele que se determinam os fins e os limites da acção executiva (art. 10º nº 5 do CPC).

Trata-se de uma idoneidade fundada na relativa certeza ou elevada probabilidade da existência da obrigação, em termos do direito substantivo, sem prejuízo de ao executado ser concedida a faculdade de provar, na oposição à execução, que a obrigação documentada não existe, ou não pode subsistir nos termos reclamados.

De facto, os embargantes executados invocam ser falso que a letra tenha sido emitida no âmbito de uma transação comercial estabelecida com a exequente embargada, e que, nessa senda, nenhuma quantia devem a esta, por não ter sido esta interveniente no negócio que ela própria afirma como constituindo o elemento genético do título.

Como referem ABRANTES GERALDES, PAULO PIMENTA E PIRES DE SOUSA (in código de Processo civil anotado, Vol. II (2021, Reimpressão, em anotação ao art. 728º do CPC), “a apresentação de um documento dotado de força executiva justifica a presunção de existência e persistência do direito de crédito nele configurado e da correspectiva obrigação, radicando aí a instauração da acção executiva com vista ao cumprimento coercivo da obrigação. Mas isso não afasta a possibilidade de tal presunção ser rebatida pelo executado, sendo os embargos o mecanismo ajustado a combater execuções injustas ou destituídas dos respectivos pressupostos gerais e específicos”.

Não se tratando o título executivo de uma sentença, mas uma letra, que é um título de crédito de natureza extrajudicial, o executado confronta-se com o requerimento inicial da execução, como se confrontaria perante a petição inicial, caso de tratasse de uma acção declarativa.

Pode, pois, “alegar em oposição à execução tudo o que poderia alegar na contestação àquela ação, seja matéria de impugnação seja matéria de exceção” (vide Fernando Amâncio Ferreira, Curso de Processo de Execução, 11.ª ed., pág. 186).

Como refere o Professor LEBRE DE FREITAS (in In Ação Executiva, 1993, pág. 163/4”, “diversamente da contestação da ação declarativa, a oposição por embargos de executado, constituindo, do ponto de vista estrutural, algo de extrínseco à ação executiva, toma o caráter duma contra-ação tendente a obstar à produção dos efeitos do título executivo e (ou) da ação que nele se baseia. (…)

“(…) Assim, no caso de oposição de mérito, a procedência da [oposição] não se limita a ilidir a presunção estabelecida a partir do título e, embora sempre nos limites objetivos definidos pelo pedido executivo, goza de eficácia extraprocessual nos termos gerais, como definidora da situação jurídica do direito substantivo reinante entre as partes (…). A sentença proferida sobre uma oposição de mérito é assim dotada da força geral do caso julgado, sem prejuízo de, quando for de improcedência, os seus efeitos se circunscreverem, no termos gerais, pela causa de pedir invocada (negação dum fundamento da preensão executiva ou exceção perentória contra ela), não impedindo nova ação de apreciação baseada em outra causa de pedir” Lebre de Freitas, in Ação Executiva, 1993, pág. 168

Quando veicula uma oposição de mérito à execução, visa um acertamento negativo da situação substantiva (obrigação exequenda), de sentido contrário ao acertamento positivo consubstanciado no título executivo, cujo escopo é obstar ao prosseguimento da ação executiva mediante a eliminação, por via indireta, da eficácia do título executivo enquanto tal; quando a oposição por embargos tem um fundamento de cariz processual, tem em vista o acertamento negativo da falta de pressuposto processual, que pode ser o próprio título executivo, igualmente obstando ao prosseguimento da ação executiva, mediante o reconhecimento da sua inadmissibilidade”.

No caso que nos ocupa, tratando-se o título executivo de uma letra, esta constitui elemento basilar instrutório do requerimento inicial da execução (art. 724º nº 4 al. a) do CPC), devendo o exequente também expor sucintamente os factos que fundamentam o pedido, quando não constem do título executivo (art. 724º nº 1 al. e) do CPC).

Vamos neste âmbito seguir o Acórdão do STJ de 9 de Fevereiro de 2011 (revista nº 2971/07.7TBAGD-A.C1.S1), relatado por Lopes do Rego:

Como é sabido, fundando-se a presente execução em título executivo negocial – documento particular/título cambiário – pode a oposição à execução basear-se na invocação pelo opoente de qualquer causa que lhe fosse lícito deduzir como defesa no processo de declaração, nos termos previstos no art. 816º do CPC – sendo, assim, possível ao executado/opoente alegar na oposição matéria de impugnação ou de excepção relativamente à pretensão executória contra si formulada pelo credor com base no título executivo.

Como se afirma, por exemplo no ac. deste Supremo de 14/7/09, proferido no p.379/09.9YFLSB, tratando-se de oposição à execução baseada em título executivo extrajudicial, pode o oponente invocar, sem qualquer limite temporal, todas as causas impeditivas, modificativas ou extintivas do direito do exequente, e até, por vezes, negar os factos constitutivos do mesmo direito, achando-se na mesma posição em que se encontraria perante a petição inicial de uma acção declarativa.

No que se refere ao ónus da prova dos factos invocados como fundamento da oposição à execução, valem inteiramente as regras gerais estabelecidas no CC, cabendo ao executado que deduz oposição a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos que opõe à pretensão do exequente e a este a prova dos factos constitutivos do direito exequendo, por força do preceituado no art. 342º do CC.

Na verdade, a peculiar natureza procedimental da oposição à execução que – por um lado – poderia sem esforço configurar-se como verdadeira acção de simples apreciação negativa do crédito exequendo e, por outro, assume a função processual de «contestação» da pretensão do exequente, assente desde logo no título executivo que a suporta , não deve determinar a aplicação da regra especial vigente naquelas acções, por força do disposto no nº1 do art. 343º do CC ( veja-se , por ex., o ac. do STJ de 2/6/99, proferido no p. 99B319): é que, ao contrário do que ocorre naquelas acções de mero «accertamento», o exequente/requerido na oposição já tratou de fundamentar o seu direito no momento em que apresentou o requerimento executivo e juntou o título que suporta a execução e faz presumir o direito exequendo, nessa medida cumprindo antecipadamente ao momento da dedução da oposição pelo executado o ónus de alegação e prova a seu cargo, quanto aos elementos constitutivos do crédito que pretende realizar coercivamente.

Ora, da aplicação das regras gerais sobre o ónus da prova, contidas no referido art. 342º, decorre que nem sempre recai sobre o opoente à execução o ónus de provar todos os fundamentos da oposição que deduz: será efectivamente assim quando o executado estruture a sua oposição numa defesa por excepção, invocando como suporte desta factos «novos», de natureza impeditiva, modificativa ou extintiva que lhe cumprirá naturalmente provar, - mas já não quando se limite estritamente a impugnar os factos constitutivos do crédito do exequente, documentado pelo título executivo, eventualmente completado pela alegação constante do requerimento executivo.

Tal defesa por impugnação – e não por excepção – poderá, desde logo, ter como objecto os factos complementares ao título executivo, que, por deste não constarem, o exequente tenha alegado no requerimento executivo, nos termos previstos na al. b) do nº3 do art. 810º do CPC: sendo estes negados pelo opoente/executado – e não estando obviamente cobertos pela força probatória que dimana do título executivo - é evidente que recairá inteiramente sobre o exequente o respectivo ónus probatório, enquanto elementos constitutivos do direito que pretende realizar coercivamente, impugnados pela parte contrária.

Para além disto, pode evidentemente o opoente deduzir impugnação que abale a força probatória de primeira aparência de que gozava o título executivo em que se fazia assentar a própria execução – e que, ao menos nos títulos desprovidos de natureza judicial, tem de ser naturalmente atacável pelo executado, ficando afectada quando este consiga abalar com a sua oposição o grau de certeza quanto à existência do crédito exequendo que normalmente lhes subjaz, passando, consequentemente, a incidir sobre o exequente/requerido na oposição- destruída que esteja a presunção de existência do direito que decorreria do título dado à execução - o ónus de prova de factos constitutivos do crédito exequendo.”

No caso sob análise, como bem referiu o Tribunal recorrido, “a Exequente apresentou-se a cobrar a quantia aposta na letra, arrogando-se credora dessa obrigação pecuniária e exigindo judicialmente o respetivo cumprimento através da execução do património dos Executados.

O concreto quadro circunstancial que invocou, e com o qual os Executados foram confrontados, conforma-se pela alegação de que «A letra foi emitida na sequência de uma transação comercial entre a Exequente e os Executados, concretamente a cessão de quotas da pessoa coletiva "Café ..., Lda"».21

A Exequente afirmou, assim, que o seu crédito advém da cessão de quotas do Café ..., Lda, transação comercial que se estabeleceu entre si e os Executados.

Porém, no âmbito da oposição dirigida à execução, apurou-se que essa relação não se estabeleceu entre a Exequente /sacadora e os Executados / aceitantes: o contrato de cessão de quotas foi celebrado entre os Executados e CC e DD, quanto a uma quota social, e entre aqueles e M..., Lda., quanto a outra quota;

Perante os referidos cedentes resultaram os cessionários, ora executados, obrigados ao pagamento do preço acordado. Tal como a Exequente referiu no requerimento executivo, a obrigação cambiária decorre daquele contrato de cessão de quotas; porém, a Exequente não se apresenta credora da mesma: nele não interveio nem nenhum facto foi invocado (endosso do título, cessãodo crédito decorrente desse negócio de cessão de quotas) donde resulte ser ela a titular do crédito corresponde ao preço fixado nesse contrato pela cessão das quotas.

Por conseguinte, é manifesto não estar demonstrado ser a Exequente credora dos Executados pelas obrigações decorrentes do contrato de cessão de quotas do Café ..., Lda Por conseguinte, os Executados não estão adstritos a ver o respetivo património atingido por ação da Exequente em ordem a cobrar o montante pecuniário que estes assumiram pagar a CC, a DD e a M..., Lda..”

Asserções com que concordamos inteiramente, impondo-se-nos a conclusão que a exequente não logrou fazer a prova de que é credora dos executados do montante titulado na letra que deu à execução, não foi parte na relação comercial que motivou a subscrição da letra pelos Embargantes, que retrata uma dívida fundada na aquisição das quotas do Café ..., Lda, negócio que não demonstrou ter realizado com os executados, assim não demonstrando ser titular de tal crédito.

Como também bem refere a Relação “o pagamento do título aqui dado à execução não extingue o crédito de M..., Lda. contra os Executados decorrente do contrato de cessão de quota do Café ..., Lda” celebrado entre estes, aquela como cedente e estes como cessionários.

Assim indemonstrada a titularidade do crédito sobre os executados, não pode a revista deixar de improceder.

III - Por fim, a questão do endosso da letra em causa nos autos:

Vem o recorrente pôr em causa a transmissibilidade do título apenas pela via do endosso, sustentando que a Relação fez incorrecta aplicação do art. 11º da LULL.

Vejamos:

A respeito do endosso, diga-se que em algum momento da acção fora dito pela exequente que a sua alegada titularidade da letra em causa tenha ocorrido por via de endosso, quer na 1ª instância, quer na apelação.

Pelo que, diga-se desde já, que não tendo sido sequer aflorada pela exequente essa questão como thema decidendum na fase executiva e dos embargos à execução, assim como não fora questão incluída nas conclusões da apelação, estava vedado ao Tribunal da Relação conhecer dessa matéria, porque a delimitação objectiva do recurso não integrou tal matéria (até porque nem o podia fazer, porque não circunscrita a causa nesse sentido pelas partes), também por não se tratar de questão que devesse conhecer oficiosamente (cfr. art. 635º nº 4, 639º nº 1, 608º nº 2, ex vi art. 679º, todos do CPC), sendo certo que a Relação não incumpriu tal regra, porquanto, para afastar de todo que a exequente exiba boa titularidade da letra dada à execução, referiu, a dado momento, que “A referência de que se constata que a letra não foi objeto de endosso (cfr. arts. 11.º e ss da Lei Uniforme sobre Letras e Livranças) afigura-se já pertinente, não obstante não ser questão tratada nos articulados, porquanto se trata de questão que seria evidenciada pelo próprio título, de que se poderia conhecer embora não constasse elencada nos factos provados. Por outro lado, refira-se não ter sido invocado pela Embargada, credora cambiária/portadora da letra, que a letra tenha circulado em branco, através de transmissões não documentadas no quadro do regime dos títulos ao portador.”

Contudo, apesar de fazer referência ao endosso, bem considera a Relação que, “no entanto, que não cabe apreciar essa realidade jurídica, nem sequer fez sentido mencioná-la, porquanto o rol dos factos provados não contempla factos alusivos a tal matéria. E a impugnação relativa à decisão da matéria de facto a isso não respeitava. Aliás, nem a isso podia respeitar, desde logo porque não foi alegado, na contestação de embargos, qualquer facto donde resulte ter a Embargada assumido a qualidade de credora das quantias em falta pela celebração do negócio do Café ..., Lda (para além de ser matéria factual que, a constar do processo, seria desfavorável aos apelantes, não se crendo que a chamassem à colação no recurso que interpuseram).”

Considerando também que “a alegação por parte da Embargada de que adquiriu o crédito nos termos do art. 577.º e ss do CC consta ex novo do recurso de revista interposto.

Daí que a matéria atinente à cessão de créditos não possa ser contemplada, salvo melhor opinião, na decisão da presente apelação.”

Concordando inteiramente com o que fora dito no Acórdão recorrido a tal respeito, diremos, repetindo, que na delimitação do objecto da execução e dos embargos, assim como da apelação feita pela exequente embargada, nunca fez parte a questão do endosso da letra exequenda, sendo certo que o objecto da apelação também a não poderia abarcar, porquanto não fez parte do objecto da execução e dos embargos à execução, constituindo, assim, matéria nova sobre a qual a Relação não podia sequer tomar conhecimento em termos decisórios.

Referiu-se com acerto no Acórdão recorrido que “a alegação por parte da Embargada de que adquiriu o crédito nos termos do art. 577.º e ss do CC consta ex novo do recurso de revista interposto.”

Tal corresponde inteiramente à verdade dos termos processuais, sendo certo que a isso não foi alheia a circunstância de no anterior Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, nos termos desnecessariamente alongado, “à guisa de “obiter dictum”, sobre a figura do endosso dos títulos de crédito, procedimento este que, em boa verdade, devemos agora assumir como não tendo sido o mais correcto, dele francamente nos penitenciando, com isso acabando por “dar a mão” a que a recorrente voltasse com essa questão na presente revista, que, como já se disse, é inteiramente nova em face do objecto inicial da acção (execução e embargos, nunca aí tendo sido sequer mencionado) e bem assim da apelação, extravasando por completo o objecto do recurso, pelo que sobre ela não se deverá tomar conhecimento, bem tendo procedido o Tribunal recorrido.

Improcede, pois, a revista, também neste âmbito.

DECISÃO

Por todo o exposto, Acordam os Juízes que integram a 7ª Secção deste Supremo Tribunal de Justiça em julgar a revista inteiramente improcedente, confirmando-se o Acórdão recorrido.

Custas pela recorrente.

Relator: Nuno Ataíde das Neves

1º Juiz Adjunto: Senhor Conselheiro Lino Ribeiro

2ª Juíza Adjunta: Senhora Conselheira Maria dos Prazeres Beleza