Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
283/18.0T8CLD.C1.S2-A
Nº Convencional: 4.ª SECÇÃO
Relator: DOMINGOS JOSÉ DE MORAIS
Descritores: RECURSO DE REVISÃO
TRIBUNAL COMPETENTE
Data do Acordão: 11/03/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO DE REVISÃO
Decisão: INDEFERIDO O REQUERIMENTO DE INTERPOSIÇÃO DE RECURSO.
Sumário :

I- Para efeitos do artigo 697.º, n.º 1, do CPC, a decisão a rever é a que conhece material e definitivamente do mérito da causa.


II- O Supremo Tribunal de Justiça, quando se limita a não admitir recurso de revista excepcional, por não verificados os respectivos pressupostos, é incompetente para conhecer de recurso extraordinário de revisão.

Decisão Texto Integral:

Processo n.º 283/18.0T8CLD.C1.S2-A


Recurso extraordinário de revisão


Relator: Conselheiro Domingos Morais


Adjuntos Concelheiro Júlio Gomes


Conselheiro Ramalho Pinto


Acordam os Juízes na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça


I. - Relatório


1. - AA instaurou acção especial emergente de acidente de trabalho, contra Generali Seguros, S.A., e Motalog, S.A..


Por sentença de 12.05.2021 (rectificada pelo despacho de 15.07.2021), o Tribunal de 1.ª Instância decidiu:


Pelo exposto, julgo parcialmente procedente, por parcialmente provada, a presente acção e, em consequência:


1. Fixo ao A., AA, a incapacidade permanente parcial de 75% (50% x 1,5), com incapacidade absoluta para o trabalho habitual (IPP com IPATH), desde 23/7/2019.


2. Condeno a R. “Generali Seguros, S.A. " a pagar ao A.:


a) a quantia de € 19.113,29 (dezanove mil, cento e treze Euros e vinte e nove cêntimos), a título de indemnização relativa aos períodos de incapacidade temporárias, encontrando-se por liquidar a quantia de € 151,31 (cento e cinquenta e um Euros e trinta e um cêntimos), sem prejuízo do direito de regresso sobre a R. "Motalog";


b) a pensão anual e vitalícia no valor de € 6.976,89 (seis mil, novecentos e setenta e seis Euros e oitenta e nove cêntimos), desde 23/7/2019, sem prejuízo do direito de regresso sobre a R. "Motalog", a ser paga na proporção de 1/14 até ao 3.ºdia de cada mês, sendo os subsídios de férias e de Natal, na mesma proporção, pagos em Junho e Novembro;


O montante actualizado desta pensão a cargo da R., desde 1/1/2020, é de € 7.025,73 (sete mil, vinte e cinco Euros e sessenta e três cêntimos).


c) o subsídio por elevada incapacidade permanente no valor de € 5.144,32 (cinco mil, cento e quarenta e quatro Euros e trinta e dois cêntimos);


d) a quantia de € 32,00 (trinta e dois Euros), a título de deslocações;


e) a quantia de € 1.000,00 (mil Euros), a título de reembolso pela aquisição de um veículo automóvel;


f) a quantia de € 72,40 (setenta e dois Euros e quarenta cêntimos), a título de reembolso das despesas com consulta e tratamentos;


g) juros de mora sobre as prestações supra atribuídas e em atraso, vencidos e vincendos, à taxa anual de 4%, até integral pagamento;


h) condeno a R. a fornecer ao A. um acessório para colocar no fogão que segure os tachos e as frigideiras e um acessório para a bancada da cozinha que permita segurar alimentos e objectos


i) absolvo a R. do mais peticionado pelo A.


3. Condeno a R. "Motalog S.A.” a pagar ao A.:


a) a quantia de € 11.450,01 (onze mil, quatrocentos e cinquenta Euros e um cêntimos), a título de indemnização relativa aos períodos de incapacidade temporárias;


b) a pensão anual e vitalícia no valor de € 4.601,41 (quatro mil, seiscentos e um Euros e quarenta e um cêntimos), desde 23/7/2019, a ser paga na proporção de 1/14 até ao 3.º dia de cada mês, sendo os subsídios de férias e de Natal, na mesma proporção, pagos em Junho e Novembro; O montante actualizado desta pensão a cargo da R., desde 1/1/2020, é de € 4.633,62 (quatro mil, seiscentos e trinta e três Euros e sessenta e dois cêntimos);


c) juros de mora sobre as prestações supra atribuídas e em atraso, vencidos e vincendos, à taxa anual de 4%, até integral pagamento;


d) a título de danos não patrimoniais, a quantia de € 75.000,00 (setenta e cinco mil Euros), acrescida de juros de mora à taxa anual de 4% desde a prolação da presente sentença e até integral pagamento;


e) absolvo a R. do demais peticionado pelo A.”.


Por acórdão de 22.10.2021, o Tribunal da Relação de Coimbra decidiu “julgar os recursos principal e subordinado improcedentes, confirmando-se a sentença recorrida”.


2. - A Ré Motalog, S.A., interpôs recurso de revista excepcional com fundamento nas alíneas a) e b) do artigo 672º, nº 1 do Código de Processo Civil (CPC), e arguiu: (i) a nulidade do Acórdão da Relação e (ii) a violação ou errada interpretação e aplicação do artigo 662.º n.ºs 1 e 2 do CPC.


Por despacho do relator de 29.06.2022 foi determinado convolar a revista excepcional para recurso de revista normal para a apreciação: (i) da invocada nulidade do Acórdão da Relação e (ii) da alegada violação ou errada interpretação e aplicação da lei processual.


Por acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15.12.2022 foi julgada improcedente a revista na parte convolada para revista normal, ou seja, foi declarada inexistente a alegada nulidade do acórdão do Tribunal da Relação e irrecorrível a alegada violação ou errada interpretação e aplicação do artigo 662.º n.ºs 1 e 2 do CPC, nos termos do seu n.º 4.


3. - Na Formação, por acórdão de 24.05.2023, foi decidido não admitir o recurso da revista excepcional, por falta de verificação dos alegados pressupostos - alíneas a) e b) do artigo 672.º, n.º 1 do CPC -.


4. - A Ré Motalog, S.A., vem agora interpor recurso extraordinário de revisão junto do Supremo Tribunal de Justiça, com fundamento nas alíneas b) e c) do artigo 696.º do CPC, tendo por referência/fundamento a sentença proferida no recurso de contra-ordenação que correu termos sob o n.º 1287/22.3T8CLD, alegando que a revisão compete ao Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 697.º, n.º 1, do CPC, dado que “a decisão que transitou em julgado no âmbito do processo de acidente de trabalho, sob o n.º 283/18.0T8CLD.C1.S1, foi a proferida na revista excecional em 24-05-2023, transitada em 08-06-2023.”.


II. - Apreciando.


1. - O artigo 697.º, n.º 1, do CPC, estatui:


1 - O recurso é interposto no tribunal que proferiu a decisão a rever.”.


Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 3.ª edição, pág. 454, ao anotar o artigo 697.º, refere que “Da norma decorre que a competência para a apreciação do recurso de revisão pode pertencer ao tribunal de 1.ª instância, à Relação ou ao Supremo Tribunal de Justiça. Tudo depende do órgão jurisdicional que proferiu a decisão transitada em julgado.”.


Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil, Anotado, Vol. VI, pág. 379, escreveu que “A revisão deve ser interposta perante o tribunal que proferiu a decisão a rever”, pois “Não fazia sentido que se requeresse a revisão na 1.ª instância quando a finalidade era obter a substituição por outro de acórdão da Relação ou do Supremo”. E dá o exemplo de o Tribunal da Relação confirmar a sentença da 1.ª instância e havendo recurso de revista que confirme o acórdão da Relação, o tribunal competente para a revisão será o Supremo Tribunal de Justiça.


Fernando Amâncio Ferreira, in Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, 8.ª edição, pág. 327, entende que, por interpretação sistemática, o recurso deve ser dirigido ao tribunal onde foi cometida a anomalia ou aconteceu a omissão que suporta o fundamento da revisão. (sublinhados nossos)


A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça é, praticamente, uniforme no sentido de que a revisão compete ao Tribunal que proferiu a decisão transitada em julgado que se pretende rever.


2. - E qual é a “decisão a rever”?


Numa interpretação sistemática - artigo 9.º do Código Civil -, a resposta só pode ser uma: a sentença ou o acórdão que tiver conhecido do mérito da causa, ou seja, a sentença ou o acórdão que tenha conhecido materialmente e em definitivo da causa de pedir objecto da acção.


No sumário do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 19.10.2017 processo n.º 181/09.8TBAVV-A.G1.S1, Fernanda Isabel Pereira (Relatora), in www.dgsi.pt, pode ler-se: “III - Tendo a sentença proferida em 1.ª instância sido impugnada e tendo a Relação proferido acórdão confirmatório da mesma, apreciando definitivamente a questão de facto e de direito controvertida, é à Relação que cabe conhecer do recurso extraordinário de revisão por ter proferido a decisão a rever (art. 697.º, n.º 1, do CPC).”.


No mesmo sentido, Abrantes Geraldes, in Recursos no NCPC, 2018, 5.ª edição, pág. 351: o Tribunal da Relação conhece do mérito da causa quando “se tenha envolvido efetivamente na resolução material do litígio, no todo ou em parte, máxime nos casos em que julga procedente ou improcedente o pedido ou algum dos pedidos ou aprecia a procedência ou improcedência de alguma exceção perentória”. (negritos e sublinhados nossos)


3. - Assim, no caso sub judice, a “decisão a rever” é o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 22.10.2021 que decidiu “julgar os recursos principal e subordinado improcedentes, confirmando-se a sentença recorrida”, isto é, o acórdão que apreciou e decidiu sobre o mérito da causa de pedir apresentada pelo Autor na acção especial emergente de acidente de trabalho, sob n.º 283/18.0T8CLD.C1.


E não o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24.05.2023 que se limitou a não admitir o recurso da revista excepcional por não verificação dos invocados pressupostos, nos termos do disposto no artigo 672.º, n.º 3, do CPC.


Dito de outra forma: o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24.05.2023 não conheceu do mérito da causa, o qual apenas foi apreciado e decidido na 1.ª e 2.ª Instâncias.


Em casos similares ao dos autos, considerar competente o Supremo Tribunal de Justiça para apreciar o recurso extraordinário de revisão seria “obrigar” o Supremo Tribunal de Justiça a conhecer do mérito da causa no recurso de revisão, quando a lei processual não o permite no recurso de revista por força da dupla conforme.


No caso concreto dos autos também não se argumente com o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15.12.2022 que se limitou a apreciar duas questões meramente formais e não as questões substantivas que integravam a causa de pedir.


Nestes termos, não compete ao Supremo Tribunal de Justiça apreciar o recurso extraordinário de revisão ora apresentado pela Recorrente.


III. - Decisão


Atento o exposto, acordam os Juízes que compõem a Secção Social indeferir o requerimento de interposição do recurso extraordinário de revisão apresentado pela Ré Motalog, S.A..


Custas a cargo da Recorrente, fixando em 3 Ucs a taxa de justiça.


Lisboa 03 de novembro de 2023


Domingos José de Morais (Relator)


Júlio Gomes


Ramalho Pinto