Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
17552/20.1T8LSB.L1.S1
Nº Convencional: 4.ª SECÇÃO
Relator: MÁRIO BELO MORGADO
Descritores: DOENÇA PROFISSIONAL
REPARAÇÃO
PROCESSO ADMINISTRATIVO
PROCESSO JUDICIAL
EXCEÇÃO DILATÓRIA
Data do Acordão: 10/11/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Sumário :

A falta de decisão do Departamento de Proteção contra os Riscos Profissionais sobre a certificação de doença profissional configura uma exceção dilatória (inominada), que obsta ao conhecimento do mérito do pedido de indemnização deduzido pelo trabalhador contra o empregador, com fundamento em doença profissional resultante de violação de regras de saúde e segurança, e impõe a absolvição da ré da instância.

Decisão Texto Integral:

Revista n.º 17552/20.1T8LSB.L1.S1


MBM/JG/DM


Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça


I.


1. AA intentou a presente ação declarativa de condenação, com processo comum, contra PINGO DOCE – DISTRIBUIÇÃO ALIMENTAR, S.A., para efetivação de direitos resultantes de doença profissional.


2. Na 1ª instância a ação foi julgada improcedente, tendo ainda sido julga procedente a reconvenção deduzida pela R.


3. Interposto recurso de apelação pelo A., o Tribunal da Relação de Lisboa (TRL), julgando oficiosamente verificada uma exceção dilatória (inominada), absolveu a R. da instância, sustentando que “a falta de decisão do Departamento de Proteção contra os Riscos Profissionais sobre a certificação e reparação de doença profissional impossibilita o conhecimento do mérito do pedido de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, formulado pelo trabalhador contra o empregador com fundamento em doença profissional resultante de violação de regras de saúde e segurança, por falta dum pressuposto processual”.


4. Inconformado, o A. interpôs recurso de revista, dizendo, essencialmente, nas conclusões da sua alegação:


– O art. 155.º do Código de Processo do Trabalho dispõe que o disposto nos artigos 117.º e seguintes se aplica, com as necessárias adaptações, aos casos de doença profissional em que o doente discorde da decisão do Instituto da Segurança Social, I. P., em matéria de doenças emergentes de riscos profissionais, para o que o tribunal requisita o processo organizado naquela instituição, que é apensado ao processo judicial e devolvido a final.


– Não se vislumbra como é possível a aplicação daquelas normas ao caso em apreço uma vez que as mesmas se aplicam quando o doente discorde da decisão do Instituto da Segurança Social, I. P. e o ora autor nunca discordou de decisão deste instituto, dos subsídios por doença profissional recebidos e da circunstância do processo administrativo ter determinado pensão por invalidez relativa por se comprovar que o autor padece de doença – ... – que o incapacita de exercer a sua atividade profissional ou qualquer outra.


– Não compreende o autor como foi o procedimento arquivado por falta de presença do autor à convocatória para avaliação clínica quando, como consequência desse processo administrativo, foi determinada a reforma do autor por invalidez relativa por se comprovar que o mesmo padecia daquela doença.


– Inclusive, o A. juntou aos autos a participação obrigatória de doença profissional, comprovativos da sua presença nas avaliações médicas e deferimento de concessão de pensão por invalidez.


– A responsabilidade civil por doença profissional emergente da violação, pela entidade empregadora, do legalmente estabelecido em matéria de higiene, saúde e segurança no local de trabalho pode constituir, concomitantemente, uma violação do contrato e um facto ilícito lesivo do direito à saúde, nos termos dos arts. 483.º e 486.º, do CC.


5. A R. não contra-alegou.


6. O Exmo. Procurador-Geral-Adjunto pronunciou-se no sentido de ser negada a revista, em parecer a que as partes não responderam.


7. Inexistindo quaisquer outras de que se deva conhecer oficiosamente (art.º 608.º, n.º 2, in fine), em face das conclusões da alegação de recurso, a única questão a decidir é a já claramente identificada em supra nº 3.


Decidindo.


II.


8. Com relevo para a decisão, foi fixada pelas instâncias a seguinte matéria de facto:


[…]


B) – O Autor foi admitido ao serviço da Ré […]


C) – Ao Autor foi atribuída a categoria profissional de Oficial Carnes Principal.


[…]


F) – Em 20 de Dezembro de 2016, o Autor adoeceu e entrou de baixa médica.


G) – Entre 01 de Março de 2017 e 4 de Março de 2020, o Autor esteve de baixa por incapacidade para o trabalho, causada por doença profissional.


H) – O Sr. Dr. BB, na qualidade de avençado da Ré, preencheu e assinou a participação cuja cópia consta de fls. 10 e v.º dos autos […], datada de 01/03/2017, dirigida à Segurança Social, para efeitos de proteção na doença profissional.


I) – Entre 21 de Fevereiro de 2017 e 09 de Agosto de 2019, o Autor recebeu da Segurança Social os subsídios de doença profissional discriminados no extrato de remunerações cuja cópia consta de fls. 13 a 15 dos autos, […] e na declaração cuja cópia consta de fls. 16 e 17 dos autos […].


J) – Em 12 de Fevereiro de 2020, o Autor foi reformado por invalidez relativa, com efeitos a partir de 26 de Novembro de 2019.


K) – Ao Autor foi fixada uma pensão de invalidez de 532,04 €.


L) – Em 28/09/2018, o Autor queixava-se de incapacidade para realizar as suas atividades, com febre alta noturna ocasionalmente, parestesias e alterações sensoriais dos membros inferiores, fadiga muscular, dores articulares frequentes e cansaço para pequenos esforços.


[…]


O) – Em 24 de Março de 2020, a Ré enviou ao autor a carta cuja cópia consta de fls. 12 dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzida, com o seguinte teor:


“A Pingo Doce - Distribuição Alimentar S.A. teve conhecimento no dia 24 de Fevereiro de 2020, que a V. Exa. foi atribuído o acesso à Reforma por Invalidez com efeitos a 26 de Novembro de 2019.


Neste sentido, serve a presente para informar, nos termos e para os efeitos da alínea c) do artigo 343º do Código de Trabalho, que o contrato de trabalho de V. Exa. caduca a 24 de Fevereiro de 2020, tal como é do seu conhecimento”.


P) – A Ré não tem registo de qualquer trabalhador seu que haja contraído ... nos seus talhos.


Q) – Pelo Serviço de Doenças Infeciosas do Hospital ... não foi confirmada a suspeita inicial de ... relativamente ao Autor, conforme relatório médico de fls. 122 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.


[…]


III.


9. No tocante à questão em apreço, refere a decisão recorrida:


“[…]


[S]egundo o n.º 7 do art. 283.º do Código do Trabalho, a responsabilidade pela reparação dos danos emergentes de doenças profissionais é assumida pela segurança social, nos termos da lei.


Foi a Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro, que veio proceder à regulamentação do regime de reparação de acidentes de trabalho e de doenças profissionais (RRATDP), como previsto também no art. 284.º do Código do Trabalho, estabelecendo o seu art. 1.º, n.º 2 que, sem prejuízo do disposto no capítulo III, às doenças profissionais aplicam-se, com as devidas adaptações, as normas relativas aos acidentes de trabalho constantes daquela lei e, subsidiariamente, o regime geral da segurança social.


[…]


[R]esulta do art. 93.º, n.º 1 que a proteção da eventualidade de doenças profissionais integra-se no âmbito material do regime geral de segurança social dos trabalhadores vinculados por contrato de trabalho e dos trabalhadores independentes e dos que sendo apenas cobertos por algumas eventualidades efetuem descontos nas respetivas contribuições com vista a serem protegidos pelo regime das doenças profissionais.


De acordo com o art. 96.º, a avaliação, graduação e reparação das doenças profissionais diagnosticadas é da exclusiva responsabilidade do serviço com competências na área da proteção contra os riscos profissionais.


Nos termos do art. 138.º, n.º 1, a certificação das incapacidades abrange o diagnóstico da doença, a sua caracterização como doença profissional e a graduação da incapacidade, bem como, se for o caso, a declaração da necessidade de assistência permanente de terceira pessoa para efeitos de prestação suplementar. Acrescenta o n.º 3 que a certificação e a revisão das incapacidades é da exclusiva responsabilidade do serviço com competências na área da proteção contra os riscos profissionais, sem prejuízo do diagnóstico presuntivo pelos médicos dos serviços de saúde, para efeitos da atribuição da indemnização por incapacidade temporária.


O art. 140.º sublinha que a aplicação do regime previsto naquele capítulo III compete aos serviços com competências na área da proteção contra os riscos profissionais, com a colaboração das demais instituições de segurança social, no âmbito das respetivas funções.


Acrescenta o art. 141.º, n.º 1 que o serviço com competências na área da proteção contra os riscos profissionais deve estabelecer normas de articulação adequadas com outros serviços, designadamente instituições de segurança social, serviços de saúde, emprego e formação profissional, relações laborais e tutela das várias áreas de atividade, tendo em vista assegurar a máxima eficiência e eficácia na prevenção e reparação das doenças profissionais.


Por seu turno, o art. 142.º, n.º 1 estabelece que o médico participa ao serviço com competências na área da proteção contra os riscos profissionais todos os casos clínicos em que seja de presumir a existência de doença profissional, acrescentando o n.º 2 que o diagnóstico presuntivo de doença profissional pelos serviços a que se refere o n.º 3 do art. 138.º e o eventual reconhecimento de incapacidade temporária por doença profissional não dispensam os médicos dos respetivos serviços da participação obrigatória prevista naquele artigo. A participação deve ser remetida no prazo de oito dias a contar da data do diagnóstico ou de presunção da existência de doença profissional (n.º 3).


Os arts. 144.º a 153.º regulamentam a organização dos processos, designadamente no que concerne ao requerimento das prestações previstas no capítulo III perante o serviço com competências na área da proteção contra os riscos profissionais.


Por outro lado, afigura-se-nos que, por força do art. 1.º, n.º 2, nos termos do art. 18.º, quando a doença profissional tiver sido provocada pelo empregador, seu representante ou entidade por aquele contratada e por empresa utilizadora de mão-de-obra, ou resultar de falta de observação, por aqueles, das regras sobre segurança e saúde no trabalho, a responsabilidade individual ou solidária pela indemnização abrange a totalidade dos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelo trabalhador e seus familiares, nos termos gerais. De acordo com o n.º 4, nesse caso, e sem prejuízo do ressarcimento dos prejuízos patrimoniais e dos prejuízos não patrimoniais, bem como das demais prestações devidas por atuação não culposa, é devida uma pensão anual ou indemnização diária, destinada a reparar a redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte, fixada segundo as regras seguidamente enunciadas. O art. 79.º, n.º 3, aplicável mutatis mutandis, acrescenta que, nessas situações, o serviço com competências na área da proteção contra os riscos profissionais satisfaz o pagamento das prestações que seriam devidas caso não houvesse atuação culposa, sem prejuízo do direito de regresso.


No que à lei processual respeita, o art. 155.º do Código de Processo do Trabalho dispõe que o disposto nos artigos 117.º e seguintes aplica-se, com as necessárias adaptações, aos casos de doença profissional em que o doente discorde da decisão do Instituto da Segurança Social, I. P., em matéria de doenças emergentes de riscos profissionais, para o que o tribunal requisita o processo organizado naquela instituição, que é apensado ao processo judicial e devolvido a final.


Ou seja, nos termos do citado art. 117.º, a fase contenciosa tem por base: uma petição inicial, em que o doente ou respetivos beneficiários formulam o pedido, expondo os seus fundamentos; ou um mero requerimento nos termos do n.º 2 do artigo 138.º, do interessado que se não conformar com o resultado da perícia médica realizada na fase conciliatória do processo, para efeitos de fixação de incapacidade para o trabalho, se apenas houver discordância quanto a tal questão, não havendo quaisquer outras a resolver.


Ora, nos presentes autos, o Autor veio instaurar ação com processo comum contra a sua empregadora, pedindo a condenação desta a indemnizá-lo por danos patrimoniais e não patrimoniais emergentes de doença profissional (...), alegando factualidade e indicando e produzindo meios de prova com vista à demonstração da sua existência, o que, como se viu, viola frontalmente lei imperativa, de acordo com a qual a avaliação, graduação e reparação das doenças profissionais diagnosticadas é da exclusiva responsabilidade do serviço com competências na área da proteção contra os riscos profissionais, assim como o é a certificação das incapacidades – abrangendo o diagnóstico da doença, a sua caracterização como doença profissional e a graduação da incapacidade, bem como, se for o caso, a declaração da necessidade de assistência permanente de terceira pessoa para efeitos de prestação suplementar –, sem prejuízo do diagnóstico presuntivo pelos médicos dos serviços de saúde, para efeitos da atribuição de indemnização por incapacidade temporária.


Isto é, o Autor só podia reclamar em tribunal quaisquer prestações decorrentes da doença profissional que invoca depois de o serviço com competências na área da proteção contra os riscos profissionais decidir, a título definitivo, no procedimento administrativo prévio, nos sobreditos termos, sobre a certificação e reparação da mesma. E, para aquele efeito, devia propor a ação especial a que se reportam os arts. 117.º e ss. e 155.º do Código de Processo do Trabalho, ou apenas para reclamar do próprio serviço com competências na área da proteção contra os riscos profissionais as prestações normais a cargo do mesmo, no caso de discordar da decisão por ele proferida, ou ainda para reclamar da empregadora prestações agravadas ou indemnização nos termos gerais, no caso de entender que ocorreu atuação culposa ou violação de regras de segurança e saúde por parte da mesma, respondendo o serviço com competências na área da proteção contra os riscos profissionais apenas pelas prestações normais e sem prejuízo de direito de regresso contra a empregadora.


Trata-se dum regime jurídico imperativo que visa garantir o interesse (também) público de que ao trabalhador que padece de doença profissional é prestado tudo o que é devido pela segurança social, haja ou não atuação culposa ou violação de regras de saúde e segurança pelo empregador.


Ora, conforme se alcança do procedimento administrativo prévio organizado, nos sobreditos termos, pelo mencionado serviço (o Departamento de Proteção contra os Riscos Profissionais), o qual foi remetido e apensado aos presentes autos por ofício de 17/05/2021, não foi proferida decisão sobre a certificação e reparação de doença profissional do Autor que havia sido oportunamente participada, na medida em que o procedimento foi arquivado com fundamento em falta do Autor a convocatória para avaliação clínica, como mencionado naquele ofício. Obviamente, era nesse âmbito que o Autor deveria ter reagido, se fosse o caso, de modo a que o procedimento prosseguisse e fosse concluído, permitindo-lhe posteriormente propor em tribunal a acção especial por doença profissional nos termos acima indicados.


Na sequência do despacho de 10/03/2023, o Apelante veio pronunciar-se sobre a questão em apreço, refutando a informação do Departamento de Proteção contra os Riscos Profissionais, com o argumento de que esteve de baixa por doença profissional durante vários anos e lhe foi concedida reforma por invalidez relativa, alegadamente por se comprovar que o mesmo padece de doença – ... – que o incapacita de exercer a sua actividade profissional ou qualquer outra.


No entanto, não colhe o argumento do Recorrente.


É certo que decorre da factualidade não controvertida constante das alíneas G), H) e I) que foi enviada à Segurança Social participação de doença profissional de que o Autor poderia padecer, tendo este estado de baixa entre 1 de Março de 2017 e 4 de Março de 2020, recebendo da Segurança Social os subsídios de doença profissional discriminados nos documentos indicados.


Não obstante, como acima referido, os arts. 96.º e 138.º, n.º 3 do RRATDP são bem claros no sentido de que a certificação das incapacidades por doença profissional é da exclusiva responsabilidade do serviço com competências na área da proteção contra os riscos profissionais, sem prejuízo do diagnóstico presuntivo pelos médicos dos serviços de saúde, para efeitos da atribuição da indemnização por incapacidade temporária.


Ora, apesar do pagamento ao Autor de subsídios de doença profissional por incapacidade temporária, com base em diagnóstico presuntivo, o Departamento de Proteção contra os Riscos Profissionais não proferiu decisão de certificação de incapacidades nos termos dos citados preceitos legais, a qual, segundo o n.º 1 do art. 138.º, abrangeria o diagnóstico da doença, a sua caracterização como doença profissional e a graduação da incapacidade, bem como, se fosse o caso, a declaração da necessidade de assistência permanente de terceira pessoa para efeitos de prestação suplementar.


O que sucede é que, como se provou sob o ponto J), em 12 de Fevereiro de 2020 o Autor foi reformado por invalidez relativa, com efeitos a partir de 26 de Novembro de 2019, o que apenas significa que o Autor padece de doenças ou limitações físicas ou mentais – não concretizadas na factualidade provada – que, independentemente da sua etiologia, o incapacitam a título permanente para o seu trabalho, conferindo-lhe o direito à pensão correspondente, nos termos gerais.


A atribuição de pensão de reforma por invalidez relativa não se confunde com a atribuição de pensão por doença profissional, na medida em que esta pressupõe que a doença (no caso, a ...) foi contraída em resultado da exposição ao risco inerente ao exercício da profissão do trabalhador, o que não sucede na primeira hipótese.


Em face do exposto, afigura-se-nos que a falta de decisão do Departamento de Proteção contra os Riscos Profissionais sobre a certificação e reparação de doença profissional impossibilita o conhecimento do mérito do pedido formulado pelo Autor contra a Ré, por falta dum pressuposto processual inominado, constituindo exceção dilatória que impõe a absolvição da Ré da instância, nos termos dos arts. 278.º, n.º 1, al. e), 576.º, n.ºs 1 e 2, 577.º e 578.º do CPC – cfr. os Acórdãos da Relação de Coimbra de 25/09/2008, proferido no processo n.º 305/05.4TTCTB.C1, e da Relação de Guimarães de 21/01/2021, proferido no processo n.º 1223/20.1T8VRL.G1 (com resultado idêntico, mas entendendo-se que ocorre incompetência material do tribunal, v. o Acórdão da Relação de Guimarães de 16/04/2015, proferido no processo n.º 4785/14.9T8VNF.G1).


[…]”.1


10. Aderimos a esta sólida e exaustiva argumentação, aliás em linha com a jurisprudência maioritariamente existente sobre a matéria, que não nos suscita dúvidas ou reservas.


Para além da jurisprudência citada no acórdão recorrido, vide ainda, no mesmo sentido, v.g. o Ac. do TRP de 01.10.2001, Proc. nº 0110441, e, a propósito do papel da Segurança Social no plano na reparação dos danos provenientes de doença profissional, o Ac. do TRG de 16.02.2023, Proc. nº 4774/18.4T8GMR-A.G1.2


É certo que o Ac. STJ de 05.06.2002, Proc. nº 02S561, julgou que, não sendo a pretensão para efetivação de direitos resultantes de doença profissional deduzível perante o Centro Nacional de Proteção dos Riscos Profissionais [CNPCRP], mas diretamente dirigida à entidade patronal, não se justifica o uso do processo especial previsto no artigo 155.º do CPT/99.


Todavia, como se lê no Ac. do TRG de 16.04.2015, Proc. nº 4785/14.9T8VNF.G1, para além de não resultar “claro [deste] acórdão que o pedido de danos patrimoniais se refira à perda decorrente da capacidade de ganho, ou outras prestações pelas quais o CNPCRP responderia dentro dos limites da lei, ou seja, dentro dos limites da responsabilidade objetiva”, a verdade é que, como se sintetiza no respetivo sumário: “[O] CNPCRP não cobre a indemnização decorrente da culpa, mas apenas os valores fixados na lei para a responsabilidade objetiva. Os demais, conforme resulta do artigo 18º da LAT são a cargo do responsável. Ainda que haja culpa da entidade patronal, o meio processual é o mesmo, aplicando-se à fase contenciosa as regras aplicáveis aos acidentes de trabalho conforme artigo 155º do CPT”.


Ideia que o mesmo aresto desenvolve certeiramente, nos seguintes termos:


“[…]


No quadro da transferência para o Estado da responsabilidade pela reparação das doenças profissionais, no âmbito da segurança social dos trabalhadores (sistema previdencial/contributivo), estabelece-se um procedimento administrativo prévio, obedecendo a algumas regras específicas, Assim:


- a certificação e a revisão das incapacidades é da exclusiva responsabilidade do serviço com competência na área da proteção contra os riscos profissionais – artigo 138º, 3 da LAT.


- A avaliação, graduação e reparação das doenças profissionais diagnosticadas é da exclusiva responsabilidade do serviço com competências na área da proteção contra os riscos profissionais – artigo 96º da LAT


- Existe o dever de participação dos casos clínicos… - artigo 142º da LAT e D.L. 2/82.


- Caráter oficioso do processo nos termos do artigo 26º, nº 3 do CPT.


Temos assim a reter que as eventualidades de doenças profissionais se integram no âmbito material do regime geral de segurança social, devendo ser ressarcidas pelo modo previsto na lei (98/2009), sendo matéria de interesse público. O modo de fazer valer os inerentes direitos prevê-os a lei 98/2009.


Claro que o CNPCRP não cobre a indemnização decorrente da culpa, como já referido, mas apenas os valores fixados na lei para a responsabilidade objetiva. Os demais, conforme resulta do artigo 18º da LAT são a cargo do responsável. Ainda que haja culpa da entidade patronal, o meio processual é o mesmo, aplicando-se à fase contenciosa as regras aplicáveis aos acidentes de trabalho conforme artigo 155º do CPT.


A existência de culpa, quando não interfira com os pressupostos do artigo 95º da LAT, não altera a natureza do dano.


A reparação das doenças profissionais é assegurada pelo Sistema de Segurança Social, através do Centro Nacional de Proteção Contra os Riscos Profissionais – CNPRP –, sendo suportada pela entidade patronal na parte agravada, devendo no caso de incapacidade e sem prejuízo da ressarcibilidade de todos os outros danos patrimoniais e não patrimoniais, ser fixada em “pensão” conforme artigo 18º nº 4 da LAT.”


Sem necessidade de desenvolvimentos complementares, improcede, pois, o recurso.


IV.


11. Nestes termos, negando a revista, acorda-se em confirmar o acórdão recorrido.


Custas pelo A.


Lisboa, 11 de outubro de 2023


Mário Belo Morgado (Relator)


Júlio Manuel Vieira Gomes


Domingos Morais





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1. Todos os sublinhados e destaques são nossos.↩︎

2. Disponível em www.dgsi.pt., como todos os demais citados sem menção em contrário.↩︎