Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
21852/15.4T8PRT.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: TOMÉ GOMES
Descritores: CASO JULGADO
PEDIDO
CAUSA DE PEDIR
LIMITES DO CASO JULGADO
QUALIFICAÇÃO JURÍDICA
INDEMNIZAÇÃO
DANOS PATRIMONIAIS
NULIDADE DO CONTRATO
INTERESSE CONTRATUAL NEGATIVO
INTERESSE CONTRATUAL POSITIVO
Data do Acordão: 09/18/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – ACÇÃO, PARTES E TRIBUNAL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / ARTICULADOS / CONTESTAÇÃO / EXCEÇÕES / SENTENÇA / ELABORAÇÃO DA SENTENÇA.
Doutrina:
- Abrantes Geraldes, Temas da Reforma de Processo Civil, Volume I, Almedina, 2.ª Edição, Coimbra, 1998, p. 192 e 193;
- Almeida Costa, Direito das Obrigações, Almedina, 11.ª Edição, 2008, p. 598 e 599;
- Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, Volume I, Almedina, Coimbra, 1981, p. 203;
- Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Volume I, Almedina, 10.ª Edição, 2006, p. 121 a 128;
- Castro Mendes, Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil, Edições Ática, s/d, p. 179;
- Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, Volume II, Almedina, 2015, p. 626;
- Lebre de Freitas, Caso julgado e causa de pedir, O enriquecimento sem causa perante o artigo 1229.º do Código Civil, Comentário ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de Maio de 2006, in ROA 2006, Ano 66, Volume III, in https://portal.oa.pt./publicacoes/revista/ano-2006/ano-66-vol-iii-dez-2006, p. 8;
- Mariana França Gouveia, A causa de Pedir na Acção Declarativa, Colecção Teses, Almedina, 2004, p. 37 a 96 e 399;
- Miguel Teixeira de Sousa, As Partes, o Objecto e a Prova na Acção Declarativa, Lex, Lisboa, 1995, p. 123 a 125;
- Milton Paulo de Carvalho, Do Pedido no Processo Civil, FIEO – Fundação Instituto de Ensino para Osasco, Porto Alegre, 1992, p. 93;
- Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume I, Coimbra Editora, 4.ª Edição, 1987, p. 216;
- Teixeira de Sousa, Algumas questões sobre o ónus de alegação e de impugnação em processo civil, in Scientia Iuridica, Tomo LXII, n.º 332, 2013, p. 395 e ss., 401 e 402 ; Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lex, 2.ª Edição, Lisboa, 1997, p. 585 e 586.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 5.º, N.º 3, 581.º E 609.º, N.º 1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 08-04-2010, RELATORA MARIA DOS PRAZERES BELEZA;
- DE 17-01-2017, PROCESSO N.º 3844/15.5T8PRT.S1;
- DE 05-04-2018, PROCESSO N.º 1223/10.0TVLSB. L2.S1, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
1. A exceção de caso julgado material exerce uma função negativa consistente no impedimento de que as questões alcançadas por caso julgado anterior se possam voltar a suscitar, entre as mesmas partes, em ação futura, tendo como requisitos a tríplice identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir, nos termos do artigo 581.º do CPC.

2. Para tais efeitos, a identidade do pedido afere-se pela identidade do efeito prático-jurídico considerado à luz do estatuído no quadro normativo aplicável ao litígio em causa.

3. Por sua vez, a causa de pedir, como facto jurídico de que procede a pretensão deduzida, consubstancia-se na factualidade alegada pelo impetrante como fundamento do efeito prático-jurídico visado, com a significação resultante do quadro normativo a que o tribunal deva atender ao abrigo do art.º 5.º, n.º 3, e nos limites do art.º 609.º, n.º 1, do CPC.

4. A densificação da causa de pedir requer uma substanciação adequada à individualização da relação material controvertida, como singularidade ontológica, que, para além de oferecer garantia de base do contraditório, sirva de ulterior delimitação objetiva do caso julgado.

5. Todavia, para delimitar determinada causa de pedir, não basta a mera identidade naturalística da factualidade alegada, havendo sempre que considerar a sua relevância em face do quadro normativo aplicável e em função da espécie de tutela jurídica pretendida.

6. Embora a diferenciação de causas de pedir seja feita, em regra, por via da conjugação da concreta factualidade alegada com o aludido quadro normativo aplicável, casos há em que a mesma factualidade empírica é suscetível de preencher quadros normativos distintos com estatuição de modos de tutela jurídica qualitativamente diversos. Nestes casos, tal diferenciação será feita, basicamente, em função do vetor normativo da causa de pedir.

7. Porém, perante uma pretensão deduzida e julgada numa ação, não basta empreender uma qualificação jurídica diferente sobre a mesma factualidade para, em ação posterior, se concluir por causa de pedir diversa, já que ao tribunal incumbe proceder às qualificações jurídicas que tiver por corretas, ao abrigo do disposto no art.º 5.º, n.º 3, do CPC, de modo a esgotar as possíveis qualificações dos factos alegados em função do efeito prático-jurídico pretendido, segundo o denominado “princípio de exaustão”.

8. Importa, no entanto, moderar essa liberdade de qualificação no sentido de não permitir uma convolação qualificativa tão ampla que conduza a um modo de tutela de conteúdo essencialmente diferente do visado pelo autor, extravasando o limite da condenação prescrito no art.º 609.º, n.º 1, do CPC e atentando contra os princípios do dispositivo e do contraditório, em função dos quais as partes pautaram a configuração do litígio e a discussão da causa.

9. Assim, num caso em que, como no dos presentes autos, em ação anterior foi julgada improcedente uma pretensão indemnizatória por danos patrimoniais, fundada na violação do interesse contratual negativo na decorrência da invocada nulidade de contratos celebrados, tal não preclude, por via do efeito de caso julgado, a possibilidade de se deduzir, em ação posterior, pretensão indemnizatória por danos patrimoniais sustentada na mesma factualidade mas agora com fundamento em violação do interesse contratual positivo, na medida em que esta pretensão revele, sob o ponto de vista normativo, um alcance essencialmente diferente da pretensão anteriormente julgada, quanto à valoração dos comportamentos ilícitos em causa e dos danos ressarcíveis e, nesta medida, um modo específico de tutela distinto com reflexo no efeito prático-jurídico pretendido.

Decisão Texto Integral:

Acordam na 2.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:

I – Relatório

1. AA (A.) intentou ação declarativa, sob a forma de processo comum, 10/09/2015, contra o ...... (...), S.A., S....., alegando, no essencial, que:  

. O A., cliente do R. ......, desde 1987, e titular da conta n.º 00000, domiciliada em Lisboa, foi aliciado por este R. para participar na “Campanha Acionista ...... de 2000 e 2001”, tendo, em consequência disso, adquirido, em 17/08/2000, 30 mil “ações ......” pelo valor de 34.772.005$00 (equivalente a € 173.442,03), financiado por inteiro pelo R. através de empréstimo pessoal creditado na conta do A.;

. Em junho de 2001, o A. liquidou esse empréstimo, ficando com 16 mil ações ...... em carteira e com um saldo positivo de depósito à ordem;

. Em 26/06/2001, o R. emitiu o documento reproduzido a fls. 1712 a 1714, endereçado ao A. e assinado por este (e mulher) e por aquele R., mediante o qual este declarou aceitar conceder ao A. uma facilidade de crédito, sob a forma de conta corrente, destinada ao financiamento de necessidades pontuais de tesouraria, no montante de 50 mil contos (equivalente a € 249.398,95);

. Em 11/07/2001, o A. outorgou procuração irrevogável a favor do R. para constituir penhor a favor deste sobre quaisquer ativos de que aquele fosse ou viesse a ser titular e se encontrassem depositados em seu nome, em contas abertas junto do R., destinando-se o referido penhor a garantir o bom cumprimento de todas e quaisquer obrigações e responsabilidades emergentes do referido contrato de abertura de crédito sob a forma de conta corrente;

. Em 04/07/2001 e 05/07/2001, foi comunicada ao A. a compra de um lote de 31.317 e de outro de 23.683 “ações ......”, respetivamente, pelos valores de 28.219.123$00 e 21.713.508$00;

. Com datas-valor de 10/07/2001 e de 09/07/2001, foram efetuadas transferências no valor de 20.000.000$00 e de 30.000.000$00, respetivamente, da conta corrente n.º 00000 para a conta à ordem do A.;

. Assim, de um momento para o outro, sem qualquer motivo, que não o interesse do próprio R., o A. passou a ser titular de mais de 55.000 “ações ......”, com o consequente endividamento na ordem dos 50.000 contos;

. Entre julho de 2001 e dezembro de 2006, a cotação das “ações ......” entrou em queda acentuada e, a partir de julho de 2001, o R. passou a debitar juros no âmbito da referida conta corrente, situação que se manteve até 31/12/2006;

. Tendo o A. dificuldades em pagar os juros devidos pela utilização daquela conta corrente, em 28/03/2003, o R. procedeu a uma alteração das condições da mesma, conforme documento assinado pelo R. e pelo A. (e mulher), alteração esta que teve como efeito uma baixa substancial do valor mensal dos juros que o R. cobrava ao A.;

. A referida alteração implicou também a sujeição do A. a novas obrigações impostas pelo R., a saber: o aumento do valor devido ao R. no âmbito da conta corrente, uma nova livrança em branco e a constituição de uma hipoteca sobre a fração autónoma que constituía a residência do A., para além do penhor das “ações ......” detidas por aquele;

. Porque nem assim o A. conseguia suportar os elevados encargos a que estava sujeito, o R. engendrou outra solução, sempre destinada a proteger os seus próprios interesses;

. Assim, no final de dezembro de 2006, quando o A. era titular de 64.000 “ações ......”, tendo, na conta à ordem, o saldo de € 4.168,32 e, na conta corrente, o saldo devedor de € 265.574,18, o R. autorizou aquele a dar ordem de venda das 64.600 “ações ......” por si tituladas, mas cativas em regime de penhor, venda que ocorreu em 12/1/2007 com o rendimento de € 181.601,95, que foi creditado na conta à ordem do mesmo A.;

. Com data-valor de 01/03/2007, o R. lançou na conta à ordem do A. o débito de € 265.574,18, que creditou na conta corrente, liquidando esta conta, mas gerando um saldo negativo de € 87.846,96 naquela conta à ordem;

. Para cobrir esse saldo negativo, o R., com data-valor de 1/3/2007, creditou na conta à ordem do A. o montante de € 90.200,00, referido como empréstimo n.º 00000, correspondente ao documento datado de 01/12/ 2006, emitido pelo ......, endereçado ao A. e assinado por este e sua mulher, na qualidade de avalista, através do qual o R. declarou aceitar conceder ao A. uma facilidade de crédito, sob a forma de empréstimo, destinado a apoio de tesouraria, no sobredito montante, o qual passou a constar dos extratos bancários como “consolidação de passivos”;

. A sucessão das referidas operações levou a que o A. ficasse numa situação ruinosa, acabando por ser declarado insolvente por sentença profe-rida em 05/08/2014;

. O R. apresentou-se então como credor hipotecário, apresentando como título a livrança acima mencionada, na base do que reclamou um crédito de € 139.526,22, que foi reconhecido, tendo obtido a adjudicação da fração hipotecada a seu favor pelo valor de € 80.200,00;

. Na realização das “Campanhas Acionistas ...... (2000 e 2001)”, com os comportamentos acima descritos, o R., enquanto intermediário financeiro, violou diversas normas imperativas do regime constante dos artigos 289.º e seguintes do Código de Valores Mobiliários (CVM), especifica-mente o disposto nos artigos 304.º, n.º 1 a 3, 305.º, n.º 1 e 2, 309.º, n.º 1, 2 e 3, 310.º, n.º 1 e 2, 311.º e 312.º, n.º 1 e 2, daquele diploma, bem como o preceituado nos artigos 73.º e 74.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF), aprovado pelo Dec.-Lei n.º 298/ 92, de 31-12;

. Por essa via, o R. incorreu em responsabilidade contratual com violação dos deveres de proteção dos legítimos interesses do A., como seu cliente, em especial do dever de informação, do dever de atuação de boa fé, do dever de evitar ou reduzir os conflitos de interesses e do dever de dar prevalência ao interesse do seu cliente, estando obrigado a ressarcir o A. dos diversos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos;

 . A situação ruinosa em que o A. ficou como insolvente repercutiu-se em diversos planos da sua vida pessoal e financeira, provocando danos não patrimoniais que deverão ser considerados à luz do artigo 496.º, n.º 1, do CC; 

. O A. e sua mulher, entretanto falecida, propuseram uma ação contra o ......, ora R., a pedir a declaração de nulidade das operações realizadas no âmbito da sobredita Campanha ...... 2000;

. Tal ação, que correu termos na 3.ª Vara Cível do Porto, sob o n.º 566/08.7TVPRT, foi julgada improcedente, por sentença datada de 08/01/ 2014, transitada em julgado;

. Nessa decisão, entendeu-se que, não obstante a atuação do ...... ter sido violadora das regras a que, enquanto intermediário financeiro, estava vinculado, nos termos definidos pelo CVM, a consequência para tal não era a da nulidade, mas sim o dever de indemnizar a cargo do ......, o que agora, na presente ação, se vem peticionar;

. Assim, a presente ação tem em vista obter a condenação do R. em sede de responsabilidade civil contratual, com fundamento na violação dos seus deveres perante o A., no âmbito das operações de aquisição de “ações ......” que tiveram lugar durante a “Campanha Acionista” acima referida;

Concluiu o A. a pedir a condenação do R. a pagar-lhe:

A) - A título de ressarcimento de danos patrimoniais, as seguintes parcelas:

i) - a quantia, não liquidada, mas não inferior a € 60.391,96, correspondente a todos os valores de capital e juros que, no âmbito das operações ajuizadas, o R. já recebeu do A., seja através de lançamentos na respetiva conta bancária, seja através da adjudicação acima referida, com juros legais contados desde a citação até integral pagamento;

(ii) - a quantia de capital e juros, não liquidada, ainda devida pelo A. ao R., decorrente de todos os créditos concedidos por este àquele, no âmbito das operações ajuizadas.

B) - A quantia de € 5.000,00, a título de ressarcimento de danos não patrimoniais, com juros legais contados desde a data da sentença até efetivo e integral pagamento;

C) – A compensação entre tudo quanto o A. ainda tem a pagar ao R. (......) de capital e juros, no âmbito das operações ajuizadas, e tudo quanto o A. tem a receber dele, nos termos referidos em ii), alínea A).

2. O Banco R. apresentou contestação, em que, além da defesa por impugnação e de invocar as exceções de prescrição, de caducidade e de abuso de direito, deduziu a exceção de autoridade de caso julgado, sustentando que:

. Na ação intentada pelo A. contra o R., em 2008, que correu termos sob o n.º 566/08.7TVPRT, se conheceu do mérito da causa, sendo a mesma julgada improcedente por sentença de 08/01/ 2014;

. Tanto naquela ação como na presente, o conflito que o A. opõe ao ...... é o mesmo e um só: ser o ...... a suportar as consequências decorrentes da descida da cotação das ações por ele compradas, pouco importando se pela via da nulidade dos negócios celebrados (como na 1.ª ação) se pela via da responsabilidade civil (como na 2.ª ação);

. O pedido de condenação do ...... a pagar ao A. todos os valores de capital e juros que, no âmbito das operações realizadas, aquele já recebeu deste, não representa materialmente mais do que o que está na causa de pedir: a desvalorização dos títulos e a correspondente perda patrimonial;

. Os pedidos são materialmente os mesmos, só diferindo formalmente em consequência do diverso fundamento jurídico invocado;

. Se a ação é a mesma e uma só no que respeita aos danos patrimoniais, é também a mesma e uma só é no que respeita aos danos não patrimoniais, que se continua a pedir.

Concluiu o R., nesta base, pela sua absolvição da instância.

3. Na sequência de despacho proferido a fl. 2162, o A. veio apresentar resposta à matéria da alegada exceção de caso julgado, sustentando, em síntese, que:

. A causa de pedir e o pedido não são os mesmos nas duas ações em referência;

. Na anterior ação, a causa de pedir consistia nas circunstâncias tidas como geradoras de nulidade dos negócios jurídicos e o pedido foi a declaração de nulidade com as legais consequências; na presente acção, a causa de pedir consiste nas circunstâncias suscetíveis de gerar responsabilidade civil contratual e o pedido é de condenação no ressarcimento dos danos causados;

. Na primeira ação, foi invocada a nulidade dos negócios ajuizados, tendo sido decidido que a questão não poderia ser resolvida nessa vertente, mas afirmada a validade dos negócios; na presente ação, invoca-se o regime da responsabilidade civil contratual, assumindo-se a validade dos negócios.

. Assim, não só não há qualquer decisão anteriormente proferida cuja autoridade obsta à apreciação da pretensão ora deduzida como foi o próprio tribunal, na primeira ação, a afirmar que a sede própria para tratar a questão era a da responsabilidade civil.        

4. Findos os articulados, realizou-se audiência prévia, sendo posteriormente proferido o despacho saneador constante de fls. 2317-2337, de 18/07/2017, a julgar procedente a exceção dilatória de caso julgado material com a consequente absolvição do R. da instância.

5. Inconformado com tal decisão, vem o A. interpor recurso per saltum para este Supremo Tribunal, formulando as seguintes conclusões:

1.ª - Embora tendo ambas por base o trânsito em julgado de uma decisão, a exceção de caso julgado e a autoridade do caso julgado são figuras distintas.

2.ª - A exceção de caso julgado orienta-se pelo objetivo de impedir a repetição de causas, tomadas estas segundo o critério da tríplice identidade, isto é, identidade de sujeitos, do pedido e da causa de pedir - por isso se fala em efeito negativo, já que o caso julgado impede nova apreciação do mérito;

3.ª - A autoridade do caso julgado conduz à necessidade de respeitar uma decisão anteriormente proferida, dispensando a dita tríplice identidade - assim se fala em efeito positivo, já que a primeira decisão se impõe como pressuposto incontornável da segunda decisão de mérito;

4.ª - Nas ações judiciais, a ponderação acerca da verificação da figura da autoridade do caso julgado só deve fazer-se depois de se assumir que não ocorre a exceção de caso julgado;

5.ª - No caso vertente, se era para concluir pela verificação da exceção de caso julgado, não havia qualquer utilidade em discorrer sobre a questão da autoridade do caso julgado;

6.ª - Confrontando a presente ação e a que a antecedeu, não ocorre a exceção de caso julgado, a qual supõe a verificação da designada tríplice identidade;

7.ª - Havendo embora identidade de sujeitos, não há identidade do pedido nem identidade da causa de pedir.

8.ª - Se o tribunal “a quo” considerou, como deixou exarado, que a situação dos presentes autos é “completamente diferente” dos dois casos já apreciadas pelo STJ, não se percebe a repetida alusão a esses dois casos e a opção de aguardar pela entrada nos autos dos dois acórdãos que o STJ veio a proferir;

9.ª - Se o tribunal “a quo” reconhece que, de uma ação para outra, houve alteração do que foi invocado como fundamento da ação (na 1.ª, um quadro de nulidade de negócios; na 2.ª, um quadro de responsabilidade civil) e se reconhece que houve alteração do pedido formulado (na 1.ª, a restituição subsequente à nulidade invocada; na 2.ª, a reparação dos danos), é destituído de sentido concluir que, afinal, há identidade do pedido e da causa de pedir.

10.ª - A decisão recorrida é contraditória com os próprios termos em que a questão f o i enunciada em 1.ª  instância.

11.ª - A decisão recorrida é ostensivamente contrária ao que, em dois casos perfeitamente similares, o STJ decretou, cujos acórdãos são no sentido de que, no plano dos danos patrimoniais ora invocados, não há exceção de caso julgado, tão pouco autoridade do caso julgado;

12.ª - Não havendo exceção de caso julgado, nem autoridade do caso julgado, nada obsta a que a pretensão feita valer nestes autos seja apreciada materialmente pelo Tribunal.

13.ª - Cumpre reconhecer, no entanto, a exceção de caso julgado (e não autoridade do caso julgado) no campo dos danos não patrimoniais, por ser essencialmente a mesma a factualidade invocada nas duas ações, sendo que não impede a formação de caso julgado a diferente qualificação jurídica (responsabilidade extracontratual na anterior ação; responsabilidade contratual nesta ação);

14.ª - Mostra-se violado o disposto nos artigos 580.º e 581.º do CPC, impondo-se a revogação da decisão recorrida.

6. O Banco Recorrido apresentou contra-alegações, em que secunda o entendimento do tribunal a quo sobre a verificação da exceção dilatória de caso julgado e pugna pela confirmação da decisão recorrida.

        

         Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II – Delimitação do objeto do recurso

Perante as conclusões do Recorrente, em função das quais se delimita o objeto do recurso, a única questão a resolver consiste em ajuizar sobre a procedência ou não da exceção de caso julgado material, no confronto entre o objeto da presente ação e o da ação que correu termos na 3.ª Vara Cível do Porto, sob o n.º 566/08.7TVPRT, já julgada improcedente por sentença datada de 8/1/2014 e transitada em julgado, em particular, no que respeita à identidade dos respetivos pedidos e causa de pedir.

III – Fundamentação   

1. Caracterização da exceção dilatória de caso julgado material

Dos artigos 576.º, n.º 1 e 2, 577.º, alínea i), 578.º do CPC decorre que o caso julgado material, definido nos artigo 619.º, n.º 1, e 621.º do mesmo diploma, constitui exceção dilatória, de conhecimento oficioso, implicando, portanto, a absolvição do réu da instância.

Desse modo, a exceção de caso julgado material exerce uma função negativa, consistente no impedimento de que as questões alcançadas por caso julgado anterior se possam voltar a suscitar, entre as mesmas partes, em ação futura.

De acordo com o disposto no artigo 580.º daquele Código, a exceção de caso julgado pressupõe a repetição de uma causa e tem por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior.

Por sua vez, o respetivo artigo 581.º, sob a epígrafe requisitos da litispendência e do caso julgado, prescreve o seguinte:

1 – Repete-se a causa quando se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir.   

2 – Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica.

3 – Há identidade de pedido quando numa e noutra se pretende o mesmo efeito jurídico.

4 – Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico. Nas ações reais a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real; nas ações constitutivas e de anulação é o facto concreto ou a nulidade especifica que se invoca para obter o efeito pretendido.

Estão assim plasmados os requisitos do caso julgado numa denominada tríplice identidade de sujeitos, de pedido e causa de pedir.

No presente caso, a questão coloca-se apenas em torno da identidade de pedido e da causa de pedir, pelo que só sobre estes dois requisitos se mostra pertinente prosseguir na sua análise.

        

Consistindo o pedido no efeito jurídico pretendido pelo impetrante, convém precisar que o mesmo se traduz no efeito prático-jurídico que o autor pretende obter com base no estatuído no quadro normativo aplicável ao litígio em causa.

         Neste sentido, Anselmo de Castro[1] esclarece que:

   «[…] basta que as partes tenham conhecimento do efeito prático que pretendam alcançar, embora careçam da representação do efeito jurídico. Por outras palavras, o que interessará não é o efeito jurídico que as partes formulem, mas sim o efeito prático que pretendem alcançar; o objeto mediato deve entender-se como o efeito prático que o autor pretende obter e não como a qualificação jurídica que dá à sua pretensão.»           

Nessa linha, o pedido não deve ser interpretado na simples expressão literal em que se mostra formulado no petitório, mas com o alcance substancial resultante da sua conjugação como os fundamentos da pretensão deduzida, em ordem a surpreender o modo específico de tutela jurídica visado.  

Por isso mesmo, compete ao tribunal proceder a essa interpretação semântica, na latitude cognitiva que lhe é conferida, em matéria de direito, pelo artigo 5.º, n.º 3, e nos limites estabelecidos no artigo 609.º, n.º 1, ambos do CPC, podendo assim obviar-se a erros de mera qualificação jurídica em que a parte tenha incorrido nessa sede.       

Por sua vez, a causa de pedir, legalmente definida (art.º 581.º, n.º 4, do CPC) como facto jurídico de que procede a pretensão deduzida, consubstancia-se numa factualidade alegada como fundamento do efeito prático-jurídico pretendido, factualidade esta que não deve ser destituída de qualquer valoração jurídica, mas sim relevante no quadro das soluções de direito plausíveis a que o tribunal deva atender ao abrigo do art.º 5.º, n.º 3, e nos limites do art.º 609.º, n.º 1, do CPC, independentemente da coloração jurídica dada pelo autor[2]. É o que se designa por princípio da causa de pedirabertas.  

Nessa conformidade, a causa de pedir pode ser, analiticamente, configurada por dois vetores complementares:

a) – o seu perfil normativo, que a doutrina designa por causa de pedir próxima[3], traçado não em função da qualificação jurídica dada pelo autor, mas à luz do quadro das soluções de direito plausíveis que ao tribunal cumpre, a final, convocar, em função do efeito prático-jurídico pretendido;

b) – o seu substrato factológico, também designado por causa de pedir remota[4], o qual é preenchido, segundo um critério empírico-normativo, em função do tipo de factualidade desenhada, em abstrato, na factis species aplicável, tendo ainda em conta os critérios de repartição do ónus da prova formulados a partir do sobredito efeito prático-jurídico.

Sem necessidade de nos embrenharmos aqui nas conhecidas teorias da substanciação, da individuação e até da mais recente teoria da individuação aperfeiçoada[5], a orientação corrente vai no sentido de que o artigo 581.º, n.º 4, do CPC acolhe a doutrina da substanciação, segundo a qual a causa de pedir deve ser preenchida com os factos essenciais causantes do efeito jurídico pretendido. 

Sintetizando tal orientação Abrantes Geraldes[6], escreve o seguinte:

«No art.º 498.º [atual art.º 581.º, n.º 4, do CPC] o legislador fez uma opção clara ente dois sistemas possíveis: o da individualização ou o da substanciação da causa de pedir. Ao primeiro bastaria a indicação do pedido, devendo a sentença esgotar todas as possíveis causas de pedir da situação jurídica enunciada pelo autor, impedindo-se, após a sentença, a alegação de factos anteriores e que, porventura, não tivessem sido alegados ou apreciados. Já a opção pela teoria da substanciação implica para o autor a necessidade de articular os factos de onde deriva a sua pretensão, formando-se o objecto do processo e, por arrastamento, o caso julgado, apenas relativamente aos factos integradores da causa de pedir invocada. Foi esta a opção a que aderiu o legislador (…)

Assim, a densificação da causa de pedir requer uma substanciação adequada à individualização da relação material controvertida, como singularidade ontológica, que, para além de oferecer garantia de base do contraditório, sirva de ulterior delimitação objetiva do caso julgado.

Todavia, importa distinguir, por um lado, os factos essenciais nucleares, estruturantes ou identificativos da causa de pedir; por outro lado, os factos complementares que, embora essenciais à procedência da pretensão deduzida, não relevam para identificação ou inteligibilidade daquela.

A par disso, tem-se entendido que, para delimitar determinada causa de pedir, não basta a mera identidade naturalística da factualidade alegada, havendo sempre que considerar a sua relevância em face do quadro normativo aplicável e em função da espécie de tutela jurídica pretendida.

Segundo Lebre de Freitas[7]:

«(…) embora a causa de pedir seja integrada por factos concretos, está hoje abandonada a ideia de que ela se possa delimitar segundo critérios meramente naturalísticos, o que a conduziria à impossibilidade de a circunscrever em termos jurídicos. Fora o caso de concurso de normas meramente aparente, dois complexos de factos, cada um dos quais integre a previsão duma norma jurídica constitutiva de direitos, só constituirão a mesma causa de pedir se o núcleo essencial das duas normas for o mesmo»  

            Também Teixeira de Sousa[8] elucida que:

  «A causa de pedir é constituída pelos factos necessários para individualizar a pretensão material alegada. O critério para delimitar a causa de pedir é necessariamente jurídico. É a previsão de uma regra jurídica que fornece os elementos para a construção de uma causa de pedir.

   (…)

   Os factos que constituem a causa de pedir devem preencher uma determinada previsão legal, isto é, devem ser subsumíveis a uma regra jurídica: eles não são factos “brutos”, mas factos “institucionais”, isto é, factos construídos como tal por uma regra jurídica. Isto demonstra que o recorte da causa de pedir é realizado pelo direito material: são as previsões das regras materiais que delimitam as causas de pedir, pelo que, em abstracto, há tantas causas de pedir quantas as previsões legais.»    

       Assim, embora a diferenciação de causas de pedir seja feita, em regra, por via da conjugação da concreta factualidade alegada com o aludido quadro normativo aplicável, casos há em que a mesma factualidade empírica é suscetível de preencher quadros normativos distintos com estatuição de modos de tutela jurídica qualitativamente diversos. Nestes casos, tal diferenciação será feita, basicamente, em função do vetor normativo da causa de pedir.

Em suma, sendo o pedido e a causa de pedir conceitos de matriz e função processual, a sua densificação ou concretização, em termos de determinar em concreto cada causa de pedir, só poderá ser feita com base nas normas substantivas aplicáveis à situação litigiosa singular.

Será, pois, dentro destes parâmetros que se procurará traçar a identidade objetiva das ações em confronto para efeitos de configuração da exceção de caso julgado.

Outro problema que se tem colocado é o de saber quais os efeitos preclusivos decorrentes da primeira ação, o que assume particular relevo no que respeita à defesa em virtude do ónus de concentração estabelecido no artigo 573,º do CPC, cujo n.º 1 determina que toda a defesa deve ser deduzida na contestação ou excecionalmente em momento posterior do processo, nos termos do n.º 2 do mesmo normativo.

Nessa base, a doutrina e a jurisprudência têm vindo a entender que ficam precludidas todas as questões pertinentes não oportunamente suscitadas pela defesa e que o devessem ser, entendendo uns que tal efeito preclusivo se inscreve ainda no âmbito do caso julgado[9], enquanto outros o definem como efeito autónomo[10].

Já quanto ao autor, igual efeito preclusivo não tem sido considerado, tanto mais que lhe não é imposto qualquer ónus de cumular na mesma ação pretensões distintas que, porventura, possa deduzir com base na mesma factualidade, o que, de resto, melhor condiz com o princípio do dispositivo.

A tal propósito, Castro Mendes[11] escreve o seguinte:

«sem sombra de dúvida que a pretensão do autor não está sujeita a este efeito preclusivo.»

E adianta que:

«De jure condito (…) é lícito ao autor em processo civil formular n vezes a mesma pretensão, desde que a baseie em n causas de pedir. Efeito preclusivo só se verifica aqui no domínio pouco importante das questões secundárias ou instrumentais»

          Na mesma linha, Teixeira de Sousa[12] escreve:

«O âmbito da preclusão é substancialmente distinto para o autor e para o réu. Quanto ao autor, a preclusão é definida exclusivamente pelo caso julgado: só ficam precludidos os factos que se referem ao objecto apreciado e decidido na sentença transitada. Assim, não está abrangida por essa preclusão a invocação de uma outra causa de pedir para o mesmo pedido, pelo que o autor não está impedido de obter a procedência da acção com base numa distinta causa de pedir. Isto significa que não há preclusão sobre factos essenciais, ou seja, sobre factos que são susceptíveis de fornecer uma nova causa de pedir para o pedido formulado.

Mas está precludida a invocação pelo autor de factos que visam completar o objecto da acção anteriormente apreciada, mesmo que com uma decisão de improcedência. (…) Portanto, quanto ao autor a preclusão incide apenas sobre os factos complementares.

(…)

A preclusão incide igualmente sobre as qualificações jurídicas que o objecto alegado pode comportar e que não foram utilizadas pelo tribunal.»      

     À luz destas considerações, importa agora analisar o caso em apreço.

2. Parâmetros comparativos entre o objeto da ação no processo n.º 566/08.7TVPRT e a decisão ali proferida e o objeto da presente ação

2.1. Quanto ao objeto da ação no processo n.º 566/08.7TVPRT e respetiva decisão  

É dado assente entra as partes que o aqui A. e mulher interpuseram uma ação declarativa contra o ora R. ......, que correu termos na 3.ª Vara Cível do Porto sob o n.º 566/08.7TVPRT, alegando que:

   - Em 2000, ...... procedeu a um aumento de capital na sequência de uma oferta pública de aquisição lançada sobre o BPSM, tendo tal operação sido designada por “Campanha Accionista ......” a decorrer no período entre 10/07 e 30/09 de 2000, depois prolongada até ao final do ano de 2000;

   - No âmbito dessa campanha, a fim de concretizar o seu propósito de venda massiva de “ações ......” e captar clientes e acionistas, todos os funcionários ...... receberam instruções superiores, insistentes e explícitas, para colocar/vender tais ações, mediante um argumentário de venda de modo a convencerem os clientes em tal aquisição, criando para tanto incentivos aos próprios funcionários e diversos mecanismos destinados a atrair e aliciar os clientes e potenciais acionistas, incluindo concessão de créditos para a aquisição das ações;

  - A ilusão criada aos clientes levou a que estes pensassem que se não ganhassem dinheiro pelo menos não o perderiam;

  - No desenvolvimento dessa estratégia, a cotação das ações foi subindo e quanto mais subia mais pessoas compravam “ações ......”, desincentivando os clientes que manifestavam intenção de vender as ações que detinham, alegando que as ações iriam ainda subir mais;

  - Tendo assim esta subida de cotação sido o resultado de uma gigantesca operação de manipulação de mercado encetada pelo ......, como meio de conseguir vender ações próprias por si detidas, atividade a que se dedicou durante o ano de 2000, reduzindo neste período quase para metade o número de ações próprias, beneficiando da alta de cotação e assim obtendo lucros fabulosos;

   - A partir de outubro de 2000, a cotação das ações ...... começou a descer, primeiro gradualmente e depois vertiginosamente;

  - Não obstante, no ano de 2001, o ...... levou a cabo uma nova campanha acionista que culminou num novo aumento de capital com um modus operandi em tudo idêntico à de 2000;

  - Esgotados os seis meses de carência estipulados, o ...... começou a exigir o início do reembolso dos créditos concedidos, numa altura em que a cotação já estava em baixa e os clientes não tinham disponibilidades para efetuar o reembolso, não podendo vender as ações por estarem cativas até ao reembolso do financiamento;

  - O autor, cliente desde 1987 do ......, foi sendo titular de “ações ......”, adquiridas de acordo com as suas disponibilidades e meios de financiamento próprios;

  - Nos meses de julho e agosto de 2000, no estrito cumprimento das instruções superiores acima referidas, alguns funcionários da sucursal onde o autor tinha abertas a sua conta bancária pressionaram-no, insistentemente, para participar na “Campanha acionista ......” adquirindo “ações ......”, dizendo-lhe que era um ótimo negócio isento de riscos, que assegurava ganhos decorrentes da venda das “ações ......” por preço superior ao da aquisição;

  - E referiram que o ...... garantia que a cotação das ações não se depreciaria e que a operação era muito simples e sem encargos, bastando adquirir as ações com recurso a crédito facultado pelo ......, sendo toda a operação financiada pelo ......

  - E afiançando ainda que, no início do reembolso ao fim de seis meses, a cotação teria subido garantidamente em termos de a respetiva venda sempre lhe permitir realizar dinheiro bastante para proceder ao reembolso e ainda obter lucro;

  - Perante este quadro aliciante, o A. aceitou a proposta apresentada no sentido de participar na “Campanha Acionista ......”, tendo sido dito ao A. que seriam adquiridas 30.000 ações ...... em seu nome e através da sua conta bancária;

  - Nada foi dito sobre o valor das ações, nem sobre o montante a financiar pelo ......, nem sobre as condições do reembolso, exceto que nada teria a pagar nos primeiros seis meses;

  - As 30.000 ações foram adquiridas em nome do A. por iniciativa dos funcionários da sua sucursal, no dia 17/08/2000, pelo valor de € 173.442,03 com todos os encargos inerentes, sendo o respetivo custo financiado por inteiro pelo ......, sem que nenhuma documentação relativa ao empréstimo concedido pelo banco, a que este atribuiu o n.º 00000, fosse apresentada ao autor;

  - Efetuada a operação de compra referida, o autor continuou a gerir a sua carteira de títulos, comprando e vendendo ações tal como o fazia antes de julho de 2000;

  - Em 29/06/2001, o autor tinha em carteira 16.000 ações ...... e tinha liquidado o empréstimo acima referido em 05/06/2001, tendo um depósito à ordem com saldo positivo;

  - Com data de 26/06/2001, quando o autor não necessitava de qualquer financiamento bancário, o ...... apresentou-lhe um documento para ser assinado por ele e sua mulher, sem qualquer explicação quanto ao seu teor e implicações daí resultantes, o que eles fizeram; 

  - Por via desse documento o ...... declarava conceder ao autor uma facilidade de crédito, sob a forma de conta corrente destinada ao financiamento de necessidades pontuais de tesouraria, no valor de 50 mil contos (€ 249.398,95) através de uma conta abertas em nome do autor com o n.º 00000 pelo prazo de 158 dias com vencimento em 01/12/2001, com possibilidade de prorrogação sucessiva por períodos de 90 dias;

  - Impunha-se ainda em tal documento que: os autores avalizassem uma livrança em branco, ficando o ...... autorizado a proceder ao respetivo preenchimento; celebrassem um contrato-promessa de penhor a favor do ...... sobre quaisquer ativos, sob a forma de saldos ou valores mobiliários de que o autor fosse ou viesse a ser titular, em garantia do bom cumprimento de todas e quaisquer obrigações e responsabilidades assumidas ou a assumir pelo autor perante o ......; bem como a entrega de uma procuração irrevogável passada pelo autor a favor do ...... e que foi outorgada em 11/07/2001;

  - Os autores assinaram tal documento, sem que lhes tivesse sido explicado o respetivo teor ou entregue qualquer exemplar;

  - A fim de justificar este empréstimo, com data de 4 e 5 de julho de 2001, os funcionários ...... adquiriram em nome do A. em duas operações de compra de um lote de 31.317 e outro de 23.683 ações ......, para cuja cobertura procederam à transferência de 20 mil e de 30 mil contos da conta corrente aberta em nome do autor;

   - A partir de julho de 2001, as ações que o autor tinha em carteira ficaram cativas por decorrência do penhor imposto pelo ......, situação que se manteve até 30/12/2006;

   - Ao longo desse tempo, o autor não tinha fundos que lhe permitissem assegurar o reembolso do referido valor de 50 mil contos, não podendo vender as ações por estarem cativas;

   - A partir de julho de 2001, o ...... passou a debitar juros ao autor, o que se manteve até 31/12/2006 num total de € 60.391, 96.

   - Em 28/03/2003, o autor assinou uma alteração ao referido contrato de conta corrente com vista a baixar o encargo mensal que suportava com o mesmo, mas aumentando o seu endividamento, tendo-lhe sido exigido que constituísse hipoteca sobre uma fração autónoma de sua propriedade, sita em Lisboa, o que foi feito por escritura pública outorgada em 09/04/2003;

  - Esse contrato foi apresentado aos autores e assinado pelos mesmos, sem que qualquer explicação sobre o seu teor e implicações daí resultantes, não tendo o autor outra alternativa senão obedecer e fazer o que os funcionários do ...... lhe impunham;

  - Em dezembro de 2006, o A. estava endividado em € 265.574,18 com 64.600 as ações ...... cativas, tendo já amortizado juros no valor de € 60.391,96;

  - Nessa altura, o A. foi autorizado a vender as ações ...... em carteira, desde que o produto da venda fosse utilizado para amortizar a referida dívida e renegociado o empréstimo concedido pelo ......;

 - Em conformidade com o que foi apresentado ao autor marido e autora mulher para ser assinado, esta na qualidade de avalista, um documento que titulava um empréstimo destinado ao dito apoio de tesouraria, do qual ficou a constar que o ...... emprestava ao autor € 90.200,00, considerando o valor das ações que viriam a ser vendidas, em 09/01/2007, pelo preço de € 181.601,95, e das do autor pelo valor de € 14.433,85, valores que o R. fez seus;

  - O ...... aproveitou-se do autor e da sua conta bancária para realizar operações cujo único intuito foi o de vender “ações ......” desconsiderando por completo os interesses deste, sobrepondo-lhe o seu próprio interesse, induzindo-o a atuar de certa maneira e usando a sua conta bancária para realizar operações de compra de “ações ......”, quer sujeitando-o a dívidas perante o mesmo ......, quer impondo-lhe o penhor das “ações ......” e a oneração de um imóvel, tudo isso num esquema de falta de informação e de abuso de uma posição dominante perante um cliente;

  - A ação desenvolvida pelo ......, enquanto intermediário financeiro, estava sujeita ao regime fixado nos artigos 289.º e seguintes do CVM que o mesmo violou, estando por tal obrigado a indemnizar o autor pelos prejuízos causados com aquela atuação, existindo ainda a obrigação de indemnizar quando haja o dever jurídico de dar conselho ou informação e se tenha procedido com negligência ou intenção de prejudicar nos termos do artigo 485.º do CC;

  - A conduta do ...... violou também as regras do RGICSF aprovado pelo DL n.º 298/92 de 31/12, do Regime Jurídico do Crédito ao Consumo, aprovado pelo DL n.º 359/91 de 21/09, quanto às regras para a concessão de crédito, e ainda o disposto no artigo 322.º do CSC, ao conceder empréstimo a terceiro para aquisição de ações representativas do seu capital, violação esta cominada com nulidade e abrangida pelo disposto no artigo 280.º do CC.

Nessa ação, os autores formularam os seguintes pedidos:

a) – a declaração de nulidade das operações de aquisição de “acções ......” em nome do autor induzidas ou realizadas pelo ......, mais precisamente as ocorridas em 17/08/2000, em 04/07/2001 e em 05/ 07/2001;

b)   - a declaração de nulidade das operações de financiamento associadas a tais aquisições, seja o empréstimo n.º 00000, de 17/ 08/2000, seja o crédito sob a forma de conta corrente n.º 00000, datado de 26/06/2001, seja a alteração a esse contrato, datada de 28/ 03/2003, seja ainda o empréstimo datado de 01/12/ 2006;

c) – a declaração de nulidade do contrato-promessa de penhor de títulos datado de 26/06/2001 e da procuração outorgada pelo autor em 11/07/2001;

d) – a declaração de nulidade do exigido contrato-promessa de penhor de títulos;

e) – a declaração de nulidade da hipoteca constituída sobre a fração autónoma propriedade do autor, sita em Lisboa, ordenando-se o cancelamento da respetiva inscrição;

f) – a decretação da restituição recíproca das prestações efetuadas à luz dos negócios cuja nulidade deverá ser declarada, declarando-se compensadas as quantias que, no âmbito daquelas aquisições de ações, foram financiadas ao autor, e que este teria de devolver ao ......, com as quantias que o ...... cobrou deste pelas aquisições das ações e demais encargos e que o ...... teria de devolver ao autor;

g) – a condenação do ...... a restituir ao autor todos os valores que este lhe foi pagando, quer a título de reembolso dos financiamentos referidos, quer em sede de movimentos a débito efectuados no âmbito dessas operações, valores que deverão ser liquidados posteriormente, com juros contados da citação;

h) – a condenação do ...... a ressarcir o autor pelo prejuízo que este sofreu em virtude de as “ações ......” terem estado cativas entre julho de 2001 e dezembro de 2006, levando a que a venda de tais ações tivesse sido feita por um preço muito inferior ao vigente em julho de 2001, prejuízo cuja liquidação deverá fazer-se posteriormente, com juros a contar da citação;

i) – a condenação do ...... a ressarcir o autor pelo valor das 16.000 “ações ......” que o autor tinha em carteira em junho de 2001, cuja aquisição não foi financiada pelo ...... nas operações acima referidas, mas que o mesmo também cativou até dezembro de 2006, e que foram vendidas conjuntamente com aquelas cuja aquisição foi financiada, tendo o ...... feito seu o produto da respetiva venda, valor que deverá ser liquidado posteriormente, com juros a contar da citação;

j) – a condenação do ...... a ressarcir a autora pelo valor das 5.135 “ações ......” que a autora tinha em carteira em dezembro de 2006, cuja aquisição não foi financiada pelo ...... nas operações acima referidas, mas que o ...... também cativou até dezembro de 2006, impondo a sua venda em janeiro de 2007 e fazendo seu o produto respetivo, valor que deverá ser liquidado posteriormente, com juros a contar da citação;

k) – a condenação do ...... a pagar aos autores, a título de ressarcimento de danos não patrimoniais, o valor de € 25.000,00, com juros contados da citação;

l) – a condenação do ...... a devolver aos autores todos os documentos por estes assinados e entregues a título de garantia, nomeadamente livranças e procurações.

Na sentença proferida naquela ação, em 08/01/2008, transitada em julgado, reproduzida a fls. 1546-1624 e 2074-2154, foram equacionadas as seguintes questões suscitadas pelos ali demandantes, como fundamento de nulidade dos contratos celebrados entre autores e réu:

a) – A ofensa aos bons costumes;

b) – A nulidade por violação da ordem pública nos termos do artigo 280.º, n.º 2, do CC;

c) – A nulidade por fraude à lei;

d) – A nulidade por violação das normas imperativas dos artigos 304.º, n.º 1 a 3, 305.º, n.º 1 e 2, 309.º, n.º 1 a 3, 310.º, n.º 1 e 2, 311.º e 312.º do CVM e dos artigos 73.º e 74.º do RGICSF, bem como do artigo 322.º do CSC, por aplicação do disposto no artigo 294.º do CC; 

e) – A nulidade dos contratos de financiamento por violação do disposto nos artigos 6.º, n.º 1 e 2, e 7.º do regime constante do Dec.-Lei n.º 359/91, de 21/09.

Foi ainda equacionada a pretensão de indemnização peticionada por danos não patrimoniais.

Sucede que todas as questões sustentadas nas violações legais acima indicadas foram julgadas improcedentes, por se considerar que tais violações ou nem sequer se verificavam, como no caso da invocada fraude à lei, ou não eram suscetíveis de constituir fundamento de nulidade dos negócios em causa, a começar pela invocada ofensa dos bons costumes e violação da ordem pública.

E, no respeitante à alegada violação das normas do CVM, considerou-se (naquela sentença reproduzida a fls. 1546-1624, mais precisamente a fls. 1614-1616), em face dos factos provados, que:

«Tendo presentes os deveres acima enunciados que vinculam a atuação do intermediário financeiro perante o investidor e a factualidade apurada, temos por demonstrada a violação do dever de proteção dos legítimos interesses do seu cliente aqui A., porquanto no contexto da campanha acionista delineada e executada pelo banco este sobrepôs os seus interesses/objetivos – e de incremento da base acionista com um significativo aumento do número de acionistas e aumento do capital colocado junto do público – aos interesses dos investidores, violando o disposto nos artigos 304.º, n.º 1, e 309.º do CVM.

A atuação levada a cabo pelo ...... junto dos seus clientes através dos seus funcionários nas respetivas sucursais e nomeadamente junto do A. (…) evidencia ainda que o aqui R. montou uma campanha baseada nos seus próprios interesses (…), incitando à compra das suas ações com recurso ao crédito (…) com  vista a alcançar os seus objetivos, nessa medida violando também o disposto no artigo 310.º, n.º 1, na medida em que o fim principal da operação por si incitada não era no interesse do seu cliente mas antes cumprir o objetivo por si banco traçado. Assim incorrendo em intermediação excessiva.

Verificada esta conduta ilícita do banco R., violadora dos seus deveres enquanto intermediário financeiro e culposa, culpa que aliás se presume nos termos do artigo 314.º, n.º 2, do CVM, resta aferir se a mesma implica a nulidade dos negócios jurídicos celebrados e em causa nos autos, nos termos do artigo 294.º do CC, do qual resulta que assim não será se outra for a solução prevista na lei.»

            Nesta sede, concluiu-se que:

  «Nos termos do artigo 314.º, n.º 1, do CVM, sob a epígrafe “Responsabilidade Civil”, sancionou o legislador a violação dos deveres do intermediário financeiro no exercício da sua atividade impostos por lei com a obrigação de indemnizar civilmente os danos causados a qualquer pessoa com consequência de tal violação.

  Ou seja o legislador expressamente sancionou a violação em causa com outra sanção – obrigação de indemnização pelos danos causados com base em responsabilidade civil – que não a nulidade que como tal está afastada, em conformidade com o preceituado no artigo 294.º do CC.»

           

     Relativamente à invocada violação dos artigos 73.º e 74.º do RGICSF, concluiu-se (cfr. passagem da sentença reproduzida a fls. 1618) que a respetiva violação não era geradora de nulidade do contrato, implicando antes responsabilidade contra-ordenacional a par da consequente responsabilidade civil pelos prejuízos por essa via causados.

        

     Quanto à violação do art.º 322.º do CSC, considerou-se que a nulidade prevista no respetivo n.º 2 não era aplicável nos contratos em causa, já que o referido normativo excecionava da proibição ali contemplada as transações que se enquadrem nas operações correntes dos bancos e de outras instituições financeiras (cfr. fls. 1619). 

   

E quanto à alegada violação do RGCC, aprovado pelo Dec.-Lei n.º 359/91, de 21/9, entendeu-se que, sendo os financiamentos em causa superiores a € 29.927,87, por força do preceituado no respetivo art.º 3.º, não era aplicável tal regime aos contratos em causa, não constituindo assim fundamento para a sua nulidade (cfr. fls. 1619-1620). 

     Por fim, quanto ao pedido de indemnização a título de danos não patrimoniais, considerou-se que o correspondente direito se encontrava prescrito nos termos do artigo 498.º do CC.

      Nessa base de fundamentação, foram julgados improcedentes todos os pedidos formulados pelos ali autores com a consequente absolvição do réus desses pedidos. 

         2.2. Quanto ao objeto da presente ação

Cotejando o alegado na presente ação, conforme o inicialmente relatado, tal como fora alegado no processo n.º 566/08.7TVPRT também acima descrito, não sofre dúvidas de que estamos perante uma factualidade complexa, contextual e nuclear, essencialmente idêntica.

      Por sua vez, os pedidos aqui formulados consistem no seguinte:

A) - A título de ressarcimento de danos patrimoniais, as seguintes parcelas:

i) - a quantia, não liquidada, mas não inferior a € 60.391,96, correspondente a todos os valores de capital e juros que, no âmbito das operações ajuizadas, o R. já recebeu do A., seja através de lançamentos na respetiva conta bancária, seja através da adjudicação acima referida, com juros legais contados desde a citação até integral pagamento;

(ii) - a quantia de capital e juros, não liquidada, ainda devida pelo A. ao R., decorrente de todos os créditos concedidos por este àquele, no âmbito das ope-rações ajuizadas.

B) - A quantia de € 5.000,00, a título de ressarcimento de danos não patrimoniais, com juros legais contados desde a data da sentença até efetivo e integral pagamento;

C) – A compensação entre tudo quanto o A. ainda tem a pagar ao R. (......) de capital e juros, no âmbito das operações ajuizadas, e tudo quanto o A. tem a receber dele, nos termos referidos em ii), alínea A).

     Desde logo, no petitório acima transcrito, não estão incluídos os pedidos de declaração de nulidade dos negócios em causa e de condenação na consequente restituição de prestações, valores e documentos, enunciados nas alíneas a) a g) e l). 

Quanto aos pedidos restituitórios das prestações efetuadas e valores entregues em execução de contrato declarado nulo, nos termos do artigo 289.º do CC, importa não confundir tais pedidos com os pedidos de indemnização complementar, em sede de violação do interesse contratual negativo, porquanto “a reparação tende a colocar o lesado na situação em que estaria se o evento danoso não tivesse ocorrido, ao passo que a restituição opera apenas o regresso de um bem ao seu património de origem”, como se refere no acórdão do STJ proferido no processo n.º 3844/15.5T8PRT.S1, de 17/01/2017, reproduzido a fls. 2264-2273 (fls. 2270).    

Restará, pois, ponderar se existe identidade entre os pedidos indemnizatórios formulados na presente ação e os formulados no processo n.º 566/08.7TVPRT, acima indicados nas alíneas h) a k).

  3. Apreciação jurídica sobre a exceção de caso julgado

Antes de mais, convém reter que a caracterização jurídico-processual do litígio não deve ser feita numa base meramente empírica da identidade sócio-económica do conflito de interesses subjacente, devendo antes passar pelo crivo do seu enquadramento jurídico, substantivo e processual. Um mesmo conflito de interesses pode ser fonte de uma diversidade de pretensões judiciais, consoante os diversos modos de tutela jurídica que o mesmo potencie, cabendo ao impetrante optar por aquele que, em função dos meios de prova de que disponha ou de outras condicionantes, melhor satisfaça o interesse pretendido.      

Como acima se deixou dito, a diferenciação de causas de pedir é, em regra, feita na base da conjugação da factualidade alegada com o quadro normativo aplicável, em função da espécie de tutela jurídica visada, o mesmo é dizer, do efeito prático-jurídico pretendido pelo autor.

Porém, como também ficou ressalvado, casos há em que a mesma factualidade empírica alegada é suscetível de preencher quadros normativos distintos de modo a sustentar efeitos prático-jurídicos qualitativamente diferentes, pelo que, em tais situações, a diferenciação da causa de pedir é feita basicamente à luz do seu recorte normativo.

É certo que não basta uma mera qualificação jurídica dos factos alegados diferente da pretendida pelas partes para se concluir por causa de pedir diferente, posto que ao tribunal incumbe proceder às qualificações jurídicas que tiver por corretas, ao abrigo do disposto no art.º 5.º, n.º 3, do CPC, de modo a esgotar as possíveis qualificações dos factos alegados em função do efeito prático-jurídico pretendido, segundo o denominado “princípio de exaustão”.[13]

Importa, no entanto, moderar essa liberdade de qualificação no sentido de não permitir uma convolação qualificativa tão ampla que conduza a um modo de tutela de conteúdo essencialmente diferente do visado pelo autor, extravasando o limite da condenação prescrito no art.º 609.º, n.º 1, do CPC e atentando mesmo contra os princípios do dispositivo e do contraditório, em função dos quais as partes pautaram a configuração do litígio e a discussão da causa[14].    

Ora, no âmbito do processo n.º 566/08.7TVPRT, os ali autores deduziram pretensões de reconhecimento de nulidade dos negócios em causa e de condenação do réu na consequente restituição de prestações, valores e documentos.

Tais negócios consistiam:

i) - nas operações de aquisição de “ações ......” em nome do autor induzidas ou realizadas pelo ......, ocorridas em 17/08/2000, em 04/ 07/2001 e em 05/ 07/2001;

ii) - nas operações de financiamento associadas a tais aquisições, a saber: o empréstimo n.º 00000, de 17/08/2000; a abertura de crédito, sob a forma de conta corrente, n.º 00000, datada de 26/ 06/2001; a alteração a este contrato, datada de 28/03/2003; o empréstimo datado de 01/12/ 2006;

iii) - o contrato-promessa de penhor de títulos datado de 26/06/2001 e a procuração irrevogável outorgada pelo autor ao réu em 11/ 07/2001;

iv) - contrato-promessa de penhor de títulos;

v) – a constituição de hipoteca sobre a fração autónoma propriedade do autor, sita em Lisboa.

 

A par disso, os ali autores cumularam pedidos indemnizatórios pelos prejuízos patrimoniais decorrentes da alegada atuação do réu, consubstanciada ainda nas violações invocadas como fundamento de tais nulidades.

Nesse contexto alegatório, tais pedidos indemnizatórios apresentam-se como complementares, inscrevendo-se na esfera da responsabilidade pré-contratual pela chamada violação do interesse contratual negativo, posto que se mostram formulados na decorrência e pressuposição das invocadas nulidades dos negócios em causa.

        

Na presente ação, os pedidos indemnizatórios patrimoniais vêm agora estribados no pressuposto de validade dos sobreditos negócios e, por conseguinte, na perspetiva da violação do interesse contratual positivo.

   Significa isto que a causa de pedir na presente ação convoca um quadro normativo globalmente distinto do aplicável no âmbito do processo n.º 566/08.7TVPRT, na medida em que envolve equacionar os comportamentos ilícitos imputados ao R., ainda que à luz de algumas normas similares, em especial respeitantes à intermediação financeira, constantes do CVM, mas agora convocados para o quadro legal regulatório da complexa e multifacetada relação contratual validamente firmada entre o A. e o R..

Neste novo conspecto, os padrões de exigência dos deveres a que o R. ......, agora como parte na relação contratual, se encontrava vinculado são suscetíveis de implicar dimensões de maior diversidade e espessura do que os ditados no quadro da fase pré-negocial, seja quanto aos deveres de prestar típicos, primários ou principais, seja quanto a deveres secundários deles acessórios, ou ainda no quadro dos denominados deveres laterais de conduta, em ordem a assegurar a boa execução do programa contratual[15].

Assim, os deveres de informação e de cooperação, bem como os ditames da boa fé, no plano de cumprimento das obrigações contratuais, por parte do ora R., prioritariamente à luz das regras gerais e especiais dos contratos de intermediação financeira constantes dos artigos 321.º e seguintes do CVM e, subsidiariamente, do princípio geral consagrado no art.º 762.º do CC, ganham maior latitude e espessura com a suscetibilidade de conduzir a um modo específico de tutela jurídica, nomeadamente para efeitos indemnizatórios em sede de responsabilidade contratual, qualitativamente distinto do modo de tutela decorrente de deveres, em parte, da mesma categoria (dos deveres de conduta), no quadro na responsabilidade pré-contratual e, em particular, no respeitante à violação do interesse contratual negativo.         

Basta atentar no conteúdo dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro perante os clientes com quem tenha celebrado contrato, prescrito no art.º 323.º do CVM nos seguintes termos:

Além dos deveres a que se refere o artigo 312.º, o intermediário financeiro deve informar os clientes com quem tenha celebrado contrato sobre:

a)– A execução e os resultados das operações que efectue por conta deles;

b) – A ocorrência de dificuldades especiais ou a inviabilidade da execução da operação;

c) – Quaisquer factos ou circunstâncias de que tome conhecimento, não sujeitas a segredo profissional, que possam justificar a modificação ou a revogação das ordens ou instruções dadas pelo cliente.   

        

Acresce que a caracterização e alcance dos danos patrimoniais ressarcíveis e respetivo nexo de causalidade, na perspetiva da violação do interesse contratual positivo (dano in contractu) não são necessariamente idênticos aos decorrentes da dita violação do interesse contratual negativo/responsabilidade pré-contratual (dano in contrahendo).

          Segundo o ensinamento de Almeida Costa[16]:

  «A indemnização do dano positivo destina-se a colocar o lesado na situação em que se encontraria se o contrato fosse exactamente cumprido. Reconduz-se, assim, aos prejuízos que decorrem do não cumprimento definitivo ou do seu cumprimento tardio ou defeituoso. Ao passo que a indemnização do dano negativo tende a repor o lesado na situação em que estaria se não houvesse celebrado o contrato, ou mesmo iniciado as negociações com vista à respectiva conclusão. Por outras palavras, encara-se o prejuízo que o lesado evitaria se não tivesse, sem culpa sua, confiado em quem, durante as negociações, o responsável cumpriria os específicos deveres a elas inerentes e derivados da boa fé (…)»       

Assim, no âmbito da responsabilidade por violação do interesse contratual negativo, ao abrigo do artigo 227.º, n.º 1, e 562.º a 564.º do CC, são ressarcíveis os danos – a título de danos emergentes ou de lucros cessantes - que o contraente não teria sofrido por virtude da frustração do negócio celebrado – nomeadamente, em caso de declaração de nulidade do mesmo -, por forma a colocá-lo na situação em que se encontraria se o negócio se não tivesse efetuado.[17]  Já no domínio da responsabilidade contratual por violação do interesse contratual positivo, nos termos dos artigos 799.º e também dos artigos 562.º a 564.º do mesmo Código, são ressarcíveis os danos – emergentes e lucros cessantes - que a parte sofreu em consequência da falta culposa do cumprimento do contrato, de modo a colocá-lo na situação em que se encontraria se o contrato tivesse sido devidamente cumprido, o que, conforme os casos, pode dar lugar a indemnização substitutiva da prestação principal ou a indemnização complementar por danos derivados de cumprimento defeituoso ou mesmo da violação de deveres laterais de conduta.

Sustentou o R. na contestação, que o pedido de condenação do ...... a pagar ao A. todos os valores de capital e juros que, no âmbito das operações realizadas, aquele já recebeu deste, não representa materialmente mais do que o que está na causa de pedir: a desvalorização dos títulos e a correspondente perda patrimonial; e que os pedidos são materialmente os mesmos, só diferindo formalmente em consequência do diverso fundamento jurídico invocado.

Embora se admita que o fim aqui visado pelo A. seja a reparação material do prejuízo resultante da desvalorização dos títulos, tal reparação pode ser obtida por via de tutelas distintas:

- no caso de violação do interesse contratual negativo, pressupondo a nulidade dos negócios em causa, como fora pretendido no processo n.º 566/08.7TVPRT, visa-se a tutela ressarcitória do prejuízo que os ali autores não teriam se tais negócios se não tivessem celebrado, atenta a alegada violação dos deveres do ......, como intermediário financeiro, no quadro da fase pré-negocial;

- no caso de violação do interesse contratual positivo, como se pretende na presente ação, tem-se em vista obter a tutela ressarcitória do prejuízo sofrido pelo A. em virtude de os negócios em causa não terem sido exatamente cumpridos, nomeadamente em sede dos deveres de conduta do ......, como são os deveres de informação e de cooperação, bem como dos ditames da boa fé, agora sob o prisma da execução do programa de uma complexa e dinâmica relação contratual de intermediação financeira já firmada, importando, por isso, um diferente e maior nível da tutela da confiança entre as partes e uma maior espessura daqueles deveres.

A especificidade desta última via de tutela ressarcitória pela violação do interesse contratual positivo, em relação à tutela ressarcitória do interesse contratual negativo, encontra-se bem espelhada na alegação do A. do modo como ele, perante o ......, foi aceitando as operações de aquisição de ações e sujeitando-se aos financiamentos que lhes iam sendo associados e às garantias exigidas, envolvido como já estava pelos vínculos daquela relação contratual.

      Nesse quadro negocial, afigura-se ser de equacionar um maior grau de exigência na tutela da confiança entre as partes, mormente ao intermediário financeiro, em virtude da progressiva consolidação da relação contratual, do que no âmbito de uma relação pré-negocial. 

     Não se trata, pois, de uma mera qualificação formal, mas de duas perspetivas de tutela jurídica ressarcitória suscetíveis de âmbitos essencialmente diferentes.           

     Não cabe, no entanto, no âmbito deste recurso, ajuizar sobre o mérito da alegada violação contratual e pertinência dos danos patrimoniais nessa base invocados, bastando constatar, para efeitos de caracterização da exeção de caso julgado material, a perspetiva em que vêm colocados e que ora se apresenta em sede da responsabilidade civil contratual.

     E, nessa perspetiva, atentos os contornos do objeto das ações em confronto acima enunciados e aos modos de tutela especificamente visados numa e noutra, afigura-se, como já foi dito, estarmos perante qualificações jurídicas – responsabilidade pré-contratual / responsabilidade contratual - que desembocam em dimensões normativas substancialmente distintas, seja no campo da valoração da ilicitude dos comportamentos em causa, seja no alcance dos danos ressarcíveis daí decorrentes.

Nesta linha, salvo o devido respeito, não se acolhe o entendimento perfilhado pelo tribunal a quo, quando reconduz as pretensões indemnizatórias formuladas numa e noutra ação ao genérico quadro da responsabilidade civil, sem atentar numa destrinça clara da duas vertentes em que ela se configura – responsabilidade por violação do interesse contratual negativo e responsabilidade por violação do interesse contratual positivo -, respetivamente numa e noutra ação, não obstante tratar-se da mesma factualidade empírica.             

É certo, no processo o n.º 566/08.7TVPRT, os ali demandantes bem podiam ter formulado pedidos subsidiários de indemnização patrimonial para o caso de improcedência das pretensões de declaração de nulidade dos contratos em causa. Mas não é menos certo que o não fizeram e que a lei o não impõe, cabendo ao impetrante, como já foi dito, à luz do princípio processual do dispositivo, escolher a oportunidade e a estratégia processual que melhor lhe convenha.   

    Assim, bem se compreende que, na decisão proferida naquele processo, julgadas que foram improcedentes as pretensões de declaração de nulidade dos contratos em causa, se tenha igualmente julgado improcedentes as pretensões de indemnização patrimonial deduzidas, complementarmente, na pressuposição de tais nulidades. Convolar tais pretensões indemnizatórias para a sede da responsabilidade contratual seria atentar contra o limite da condenação consagrado no art.º 609.º, n.º 1, do CPC, já que se traduziria em condenação numa espécie de tutela jurídica qualitativamente diversa da as-sim peticionado pelos autores.

Em suma, a causa de pedir invocada no processo n.º 566/08.7TVPRT, no que concerne às pretensões de indemnização patrimonial ali deduzidas, é diferente da deduzida na presente ação, não obstante se tratar de factualidade idêntica, por se recortarem em quadros normativos qualitativamente diferenciados: ali, no âmbito da responsabilidade civil pré-contratual; aqui, no âmbito da responsabilidade civil contratual.

De igual modo, os repetivos pedidos de indemnização patrimonial são diferentes, por se reconduzirem, ao fim e ao cabo, em efeitos prático-jurídicos radicados em distintos âmbitos de tutela – ali, a reparação de danos decorrentes da violação do interesse contratual negativo; aqui, a reparação de danos decorrentes da violação do interesse contratual positivo -, ainda que possam, porventura, lograr valores materialmente equiparáveis.

     Nesta conformidade, conclui-se que da decisão proferida no processo n.º 566/08.7TVPRT, relativamente às pretensões de indemnização por danos patrimoniais, não decorre efeito preclusivo da qualificação jurídica aplicável às pretensões deduzidas na presente ação com efeito de caso julgado material que aqui se imponha.

Por todas as razões expostas, improcede a invocada exceção de caso julgado no que respeita às referidas pretensões de indemnização por danos patrimoniais deduzidas na presente ação.    

    E quanto ao pedido de indemnização a título de danos não patrimoniais?

No processo n.º 566/08.7TVPRT, como se destaca na sentença ali proferida, os demandantes peticionaram indemnização a esse título, no valor de € 25.000,00, alegando que a atuação do ......, criando “toda uma teia de mentira e fraude, fazendo com que os autores aí se vissem envolvidos, levou a que estes se sentissem enganados e usados (…) manietados e incapazes de, pelos seus meios, encontrar uma solução”, vivendo por tal “períodos de grande agitação e instabilidade emocional, pois embora estivessem convictos de terem sido vítimas de uma fraude perpetrada pelo ......, não dispunham de meios nem de informações que lhes permitissem denunciar toda a situação”.

Naquela sentença e neste capítulo, foi dado como provado (cfr. fls. 1578-1581, 1592 e 1593) o seguinte:

«41. Com data de 26/06/2001, o ...... emitiu o documento de fls. 172 a 174 endereçado ao A. e que está por ambos os AA. e R. assinado, no qual consta" Na sequência das conversações que tivemos o prazer de manter com V. Exa.(s) comunicamos ter este Banco aceite conceder a V. Exa.(s) uma facilidade de crédito, sob a forma de conta corrente, destinada ao financiamento de necessidades pontuais de tesouraria e que se regerá pelas condições gerais de crédito do Banco, subscritas por V. Exa(s). em 2001/06/26 e pelas seguintes condições específicas:

1. Montante 50.000.000$00 (Cinquenta milhões de escudos) 249.398,95 € (Duzentos e quarenta e nove mil e trezentos e noventa e oito euros e 95/100).

           (...)

2. Forma

Este empréstimo funcionará através de uma conta aberta em nome de V.Exa(s). com o número 00000 (..).

3. Prazo

158 dias desde a data do presente documento, vencendo-se o empréstimo em 2001/12101.

O contrato prorroga-se por períodos sucessivos de 90 dias, salvo indicação em contrário (...).

(...)

9. Caução

V.Exa(s). comprometem-se, desde já, a entregar a este Banco:

9.1 Uma livrança subscrita por DR AA e avalizada por BB, ficando o Banco expressamente autorizado, através de qualquer um dos seus funcionários, a preenchê-la designadamente no que se refere à data de vencimento, ao local de pagamento e aos valores, até ao limite das responsabilidades emergentes deste contrato (capital e juros) (... )

9.2 À data da celebração do presente contrato o mutuário celebra igualmente contrato promessa de penhor a favor do ora mutuante sobre quaisquer ativos que, sobre a forma de saldos ou valores mobiliários de que seja ou venha a ser titular, sejam depositados em seu nome junto do Banco ........... S.A., Sociedade ..........., destinando-se o referido penhor a garantir o bom cumprimento de todas e quaisquer obrigações e responsabilidades assumidas ou a assumir perante o Banco emergentes do presente contrato de renovação de crédito, para o que entregou a devida procuração irrevogável, documentos ambos anexos ao presente instrumento, deste fazendo parte integrante.

42. Em 11/07/2001, no Primeiro Cartório Notarial de Competência Especializada de Lisboa, o Autor outorgou procuração irrevogável a favor do ...... para constituir penhor a favor do aqui R. "sobre quaisquer ativos que, sobre a forma de saldos ou valores imobiliários de que o mandante seja ou venha a ser titular, se encontrem depositados em seu nome em contas abertas junto do "Banco ........... S.A." destinando-se o referido penhor a garantir o bom cumprimento de todas e quaisquer obrigações e responsabilidades assumidas ou a assumir perante aquele Banco emergentes dum contrato de abertura de crédito sob a forma de conta corrente no montante máximo de cinquenta milhões de escudos, acrescidas de juros que se mostrarem devidos e respetivos encargos.

Mais confere ao mandatário ora constituído os poderes necessários para, em seu nome, proceder, pelos preços que julgar convenientes, a venda, de uma só vez ou parcelarmente, de valores mobiliários depositados ou inscritos em contas de depósito ou registos de títulos ou valores mobiliários junto do "Banco ..........., S.A.", receber os respetivos produtos da venda e deles dar quitação, podendo destinar o produto da venda à liquidação de responsabilidades assumidas junto do mesmo Banco.

Os poderes outorgados através desta procuração podem ser utilizados na celebração de negócios consigo mesmo. (...)

43. Com datas de 4 de julho de 2001 e 5 de julho de 2001 foi comunicado ao A. a aquisição de "ações ......", pelo valor de 28.219.123$00 e de 21.713.508$00, comprando 31.317 e 23.683 ações, respetivamente (cfr. docs. n.°s 33 e 34 insertos a fls. 178 e 179 cujo teor aqui se dá como reproduzido) [ai. AU) dos factos assentes].

44. Com datas valor de 10/07 e 09/07 foram efetuadas transferências no valor de 20.000.000$00 e de 30.000.000$00 respetivamente da conta corrente n° 00000 para a conta à ordem do Autor n.º 226138.

117. Na sequência do referido em 41), 42), 43) e 44) as ações que o A. tinha em carteira a partir de julho de 2001 ficaram cativas.

118. O referido em 117) manteve-se até 30/11/2006.

119. Ao longo do período referido em 117) e 118) o A. não tinha na conta referida em 25) fundos para assegurar o reembolso do valor de 50.000.000$00/249.398,95 €.

120. O Autor não podia vender as ações cativas de modo a realizar dinheiro para o reembolso referido em 119), sem que simultaneamente garantisse o pagamento da totalidade desse mesmo valor, dada a cotação das ações estar entretanto em queda acentuada.

121. No período referido em 48) e referente ao empréstimo mencionado em 43) o autor pagou a título de juros (incluindo o imposto de selo), ao ...... pelo menos 60.391,96 €.

122. No contexto referido em 119), o contrato foi prorrogado até Março de 2003.

123. Como o encargo mensal – rondando os € 1.400,00 era muito elevado, o Autor começou a ter dificuldades para o suportar.

130. As ações ficaram cativas nos termos referidos em 120).

131. A cotação das ações ...... em finais de 2006 era de € 2.80, em julho de 2000 era € 5.68, em agosto de 2000 era de € 5,86 e em julho de 2001 era de € 4.41.

132. As 16.000 ações que o A. tinha em carteira em junho de 2001 e as 5.135 ações ...... que a Autora tinha em carteira em dezembro de 2006, não foram adquiridas com recurso ao financiamento referido em 41).

133. As ações referidas em 132) foram cativadas pelo ...... até dezembro de 2006 como consequência do financiamento referido em 41) e procuração referida em 42).

134. Todas as ações ...... que o A. detinha então em carteira e referidas em 63), bem como as ações que a autora mulher detinha e referidas em 64), foram vendidas no mesmo dia, tendo o ...... feito seu pelo menos o produto da venda das ações referidas em 63).

135. Os AA. viveram períodos de grande agitação e instabilidade emocional face ao referido em 117) a 123).”

 

Na fundamentação respeitante à referida indemnização por danos não patrimoniais, considerou-se que, a fundar-se esse pedido em eventual responsabilidade pré-contratual, o mesmo seria, desde logo, improcedente em virtude da improcedência das pretensões de nulidade dos contratos em causa (cfr. fls. 1620).

Mas, admitindo-se ali que fosse sustentado “na responsabilidade civil extracontratual fundada em comportamento do réu violador de vínculos gerais”, em face da invocação da prescrição deduzida pelo réu, foi ainda considerado que:  

“(…) ficou provado que em 2001 tomaram os AA conhecimento dos factos referidos em 120) 130 a 134 e dos factos que causaram os sentimentos referidos em 135 dos factos provados. O mesmo é dizer que em 2001 tinham já conhecimento de toda a atuação do banco R. que lograram provar e que poderia fundamentar este pedido.”

Em face disso, concluiu-se que tal direito se encontrava prescrito nos termos do artigo 498.º do CC (cfr. fls. 1620 e 1623), julgando-se assim procedente a exceção invocada.

Na presente ação, o A. vem também pedir uma indemnização a esse título, no valor de € 5.000,00, alegando a sucessão das referidas operações levou a que ficasse numa situação ruinosa, acabando por ser declarado insolvente por sentença proferida em 05/08/2014 e que a situação ruinosa em que ficou, como insolvente, repercutiu-se em diversos planos da sua vida pessoal e financeira, provocando danos não patrimoniais que deverão ser considerados à luz do artigo 496.º, n.º 1, do CC.

Como é sabido, é hoje orientação dominante, incluindo na jurisprudência, que pode haver lugar a indemnização por danos não patrimoniais em sede de responsabilidade contratual, mediante aplicação subsidiária do artigo 496.º do CC.

Sucede que o A., além de nem tão pouco especificar, minimamente, quais as repercussões que a sobredita situação de insolvência teve na sua vida pessoal, nem chegou a configurar juridicamente esta aludida e vaga afetação da vida pessoal sob o prisma da alegada violação contratual, limitando-se a remeter para tudo quanto dantes deixara - extensamente - exposto e a convocar a aplicação do art.º 496.º do CC.

Perante isso, a situação assim vagamente esboçada pelo A. não se mostra diferenciada, em termos factuais e normativos, da situação já alegada e julgada no processo n.º 566/08.7TVPRT em sede da pretensão indemnizatória a título de danos não patrimoniais ali deduzida.

Termos em que se tem por alcançada pelo efeito do caso julgado do segmento decisório que sobre tal pretensão recaiu naquela ação.  

  

   IV - Decisão


Pelo exposto, acorda-se em conceder parcialmente a revista, alterando-se a decisão recorrida no sentido de:
a) – Julgar improcedente a exceção de caso julgado em referência quanto às pretensões de indemnização por danos patrimoniais, determinando-se o prosseguimento do processo nesta parte;  
b) – Confirmar a mesma decisão quanto à pretensão a título de danos não patrimoniais, ainda que por fundamentação em parte diferente.
As custas da ação devidas neste momento ficam a cargo do A. na proporção do seu decaimento e as do recurso ficam a cargo de ambas as partes também na proporção dos respetivos decaimentos.



Lisboa, 18 de Setembro de 2018


Manuel Tomé Soares Gomes (Relator)

Maria da Graça Trigo
                             
Maria Rosa Tching 

_________________


[1] In Direito Processual Civil Declaratório, Vol. I, Almedina, Coimbra, 1981, p. 203.  
[2] A este propósito, vide MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, As Partes, o Objecto e a Prova na Acção Declarativa, Lex, Lisboa, 1995, pp. 123-125
[3] Vide, MILTON PAULO DE CARVALHO, Do Pedido no Processo Civil, FIEO – Fundação Instituto de Ensino para Osasco, Porto Alegre, 1992, p. 93.
[4] MILTON PAULO DE CARVALHO, ob. cit. p. 93.
[5] Para uma análise desenvolvida sobre as diversas orientações doutrinárias, vide a Professora Doutora MARIANA FRANÇA GOUVEIA, A causa de Pedir na Acção Declarativa, Colecção Teses, Almedina, 2004, pp. 37-96.
[6] In Temas da Reforma de Processo Civil, Vol. I, Almedina, 2.ª Edição, Coimbra, 1998, pp. 192-193.
[7] Caso julgado e causa de pedir, O enriquecimento sem causa perante o artigo 1229.º do Código Civil” Comentário ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de Maio de 2006, in ROA 2006, Ano 66, Vol. III, acessível na Internet https://portal.oa.pt./publicacoes/revista/ano-2006/ano-66-vol-iii-dez-2006, p. 8  
[8] Algumas questões sobre o ónus de alegação e de impugnação em processo civil, in Scientia Iuridica, Tomo LXII, n.º 332, 2013, pp. 395 e ss. (395, 401-402).
[9] Vide Mariana França Gouveia, in A Causa de Pedir na Acção Declarativa, Almedina, 2004, p. 399, ao escrever o seguinte: “Restringindo o efeito preclusivo às excepções invocáveis, a doutrina maioritária faz integrar no âmbito do caso julgado todas as excepções que o réu poderia ter alegado na primeira acção.” E acrescenta que: “Este efeito preclusivo é normalmente inserido pela doutrina no caso julgado. Entende-se que o caso julgado abrange toda esta matéria, que a sua força abarca tudo aquilo que o réu poderia ter alegado (…)”      
[10] Vide ainda a este propósito Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, in Direito Processual Civil, Vol. II, Almedina, 2015, p. 626; e ac. do STJ, de 08/04/2010 (Maria dos Prazeres Beleza). 
[11] In Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil, Edições Ática, s/d, p. 179.  
[12] In Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lex, 2.ª Edição, Lisboa, 1997, p. 585-586.
[13] A este propósito, vide Teixeira de Sousa, Algumas questões sobre o ónus de alegação e de impugnação em processo civil, na Revista Scientia Iuridica, Tomo LXII, n.º 332, 2013, acima indicada p. 402.
[14] A este propósito, vide o acórdão do STJ, de 05/04/2018, proferido no processo n.º 1223/10.0TVLSB. L2.S1, relatado pelo Juiz Cons. Abrantes Geraldes, referente a um caso em que se colocava a hipótese de convolação do pedido de nulidade de um contrato para sede da sua anulabilidade, o que não foi admitido, em face das especificidades do regime deste vício em relação à nulidade – http://www.dgsi.pt/jstj..
[15] Sobre a tipologia dos deveres inerentes ao vínculo da relação obrigacional – deveres principais ou típicos e deveres secundários de prestação; deveres acessórios de conduta e o dever geral de agir de boa fé – vide, por todos, Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, Vol. I, Almedina, 10.ª Edição, 2006, pp. 121-128. 
[16] In Direito das Obrigações, Almedina, 11.ª Edição, 2008, pp. 598-599
[17] Vide, também Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, Vol. I, Coimbra Editora, 4.ª Edição, 1987, p. 216, nota 3.